Jornalistas Livres

Categoria: Censura

  • Censura. Ilustrador do cartaz do Facada Fest é intimado pela Polícia

    Censura. Ilustrador do cartaz do Facada Fest é intimado pela Polícia

    Texto e fotos: João Paulo Guimarães, para os Jornalistas Livres

    Paulo Magno, ilustrador responsável pelos cartazes icônicos do festival paraense de punk rock Facada Fest, que ocorreria no ano de 2019, foi chamado na manhã do dia 1º de julho para prestar depoimento na Polícia Federal em Belém do Pará, no dia 2 de julho.

    O depoimento se deu com a presença dos advogados André Leão, representante do coletivo Advogados Antifascistas, que atua há cinco anos em causas relacionadas a Direitos Humanos e ilegalidades cometidas pelo Estado e o advogado Pedro Cavalero, que atua há mais de 20 anos na área de Direito Administrativo e na defesa dos direitos dos servidores públicos nos seus sindicatos de base, além de ser presidente da Comissão de Moradia da OAB e que acompanha e representa os produtores do Festival Facada Fest desde o início da polêmica.

    Censura no Festival Facada Fest
    Sede da Polícia Federal, em Belém do Pará

    A intimação para a Oitiva, foi feita através de ligação telefônica pelo próprio delegado da Polícia Federal, Alexandre Brabo, que explicou para os advogados, ser a única forma encontrada para intimar, devido a pandemia.

    Um ano após as denúncias que envolvem o vereador Carlos Bolsonaro e o então Ministro da Justiça na época, Sérgio Moro, o episódio voltou a ganhar luz em meio a uma onda de perseguições a cartunistas e chargistas no Brasil como Renato Aroeira, que usam de sua liberdade de expressão e da arte para fazer críticas ao atual governo de Jair Bolsonaro, apoiador confesso da Ditadura Militar e da tortura.

    Sérgio Moro já falou o seguinte: “Considero grave o ato de publicar cartazes ou anúncios com o presidente da República ou qualquer cidadão decapitado, empalado ou esfaqueado”. Na época da declaração, Moro ainda era Ministro da Justiça.

    A censura já está a todo vapor

    Outro chargista e artista foi recentemente assediado pelo governo federal por publicar uma charge em que mostra Jair Messias Bolsonaro pintando uma cruz vermelha da saúde e transformando em uma suástica nazista. Uma das muitas críticas ao presidente sem partido que incentiva seus apoiadores, que entre outros absurdos pedem a volta da Ditadura, a invadir hospitais de campanha pelo país.

    Não é de hoje que a arte critica os governos, sejam eles de esquerda ou direita. Chargistas e cartunistas sempre usaram da irreverência e inteligência para ilustrar falhas em administrações públicas. Uma forma de expor suas opiniões e que serve como termômetro social das mazelas administrativas pelo país. Mas é no Governo Bolsonaro que as tentativas de censura e intolerância se mostram mais ferrenhas. O governo já deixou claro que não aceita qualquer tipo de crítica e utiliza todo seu aparato legal para impor o medo nos adversários políticos e impedir investigações relacionadas à família do presidente. Com a recente interferência no comando da Polícia Federal do Rio de Janeiro, fica claro que o episódio envolvendo Paulo Magno e o Facada Fest é só mais um caso de tentativa de censura à imprensa e assédio à arte.

    Censura no Festival Facada Fest
    Os cartazes do Festival Facada Fest

    Sobre o caso, Paulo Magno se posiciona:

    “Eu não gosto de exposição e minha esposa sabe disso, mas eu acho importante pra não deixar esse tipo de coisa acontecer. Eu acho que já faz muito tempo não acontecia essa intimidação com ilustradores, chargistas e cartunistas como aconteceu agora, esses tempos, com o Aroeira sobre a arte do Bolsonaro com a suástica e tal, e eu acho isso bem cretino porque sempre fizeram sarcasmo, esse tipo de arte, contra qualquer figura pública, político, artista e etc. Então é bem triste isso e a gente não pode se calar não.”

    Sobre o depoimento, Paulo disse:

    “O depoimento foi tranquilo e dentro do esperado. Mas a carga psicológica dessa situação não foi muito legal. Estar sentado em frente a um delegado dando explicações sobre o seu trabalho foi bastante constrangedor e desgastante. Em pleno 2020, ter que debulhar o significado das coisas que você desenhou é bem surreal.”

     

    Censura no Festival Facada Fest

     

    Intimidação e censura

    “Eu nunca imaginei que um simples desenho fosse causar tanta indignação em alguns membros do governo. A meu ver, esse inquérito movido contra o Facada Fest e a mim de tabela, foi uma clara ação de intimidação e tentativa de censura. O que ainda me causa muita estranheza é esse processo estar correndo em sigilo. Acusação de apologia ao homicídio ou violência por conta de um desenho me causa grande estranheza. Imagina se eu tivesse pegado um tripé (simulando uma arma) e dissesse “vou fuzilar a direitalha?”, se defende Paulo.

    A  situação já é absurda o bastante para acontecer em uma República que se diz democrática, mas o assédio a esses profissionais da comunicação acontecerem no contexto de uma crise pandêmica pela qual o Brasil vem passando, com a perda de mais de 60.000 brasileiros para uma doença que o Governo Federal ignora. Os advogados Andre Leão e Pedro Cavalero não ficaram surpresos com o bulling presidencial exercido através da Polícia Federal:

    André Leão dos Advogados Antifascistas se posicionou sobre o caso:

    “Não acredito que tenha ocorrido algo de errado no inquérito. A forma como ele foi iniciado é que é descabida pois é censura disfarçada de uma suposta ameaça de morte contra o Presidente. Inquéritos que estão em sigilo são incomuns pois em geral estão em sigilo para pedir prisão preventiva. O usual na oitiva é intimarem presencialmente. No caso do Paulo o próprio Delegado Alexandre Brabo ligou, sendo um protocolo utilizado na pandemia. Agora o Delegado conclui o inquérito e relata. Daí segue para a autoridade jurídica competente. Neste momento acredito que não mais. Se corresse, já teria um pedido de prisão preventiva”.

    Pedro Cavalero complementou incisivo:

    “Bem a defesa do Facada continua afirmando ser um inquérito sem base matérial de uma acusação. Estão confundindo arte, críticas dentro de um país democrático com um ataque à honra do Bolsonaro. Portanto, errado está tomar 3 horas do tempo de uma instituição, como a Polícia Federal, que deveria está atrás de quem matou Marielle, por exemplo. É comum a criminalização dos movimentos sociais. O depoimento do Paulo teve um fato diferente. Nós levamos os cartazes no original e o Paulo explicou para o delegado o que significava cada ilustração fazendo ligação com a conjuntura política da época. O único precedente pra isso foi somente na época da ditadura militar que a polícia também perseguia não só políticos contrários a suas ideias, mas artistas, bandas, escritores e a própria OAB Nacional que teve sua sede atingida com uma bomba”.

    Situação absurda ou não, o Delegado Alexandre Brabo fará seu relatório. Ele pode arquivar o inquérito ou pode indiciar todos os indivíduos envolvidos, inclusive o ilustrador Paulo Magno, caso encontre indícios  de elementos considerados crime para então pedir o parecer do Ministério Público Federal. O MPF pode ou não pode abrir uma ação penal pública. Fiquemos atentos.

    Censura no Festival Facada Fest
    O ilustrador Paulo Magno e advogados
    Censura no Festival Facada Fest
    O ilustrador Paulo Magno
  • Justiça censura jornalista por crítica a colunista que apoia AI-5

    Justiça censura jornalista por crítica a colunista que apoia AI-5

    É o rabo abanando o cachorro! Com toda a mídia focada nas ações que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, finalmente abriu contra as redes de fake news, seus financiadores e dos fascistas que ameaçam autoridades e instituições, em Mato Grosso o jogo foi invertido. Aqui, quem está sob ameaça da justiça é quem denuncia os participantes e apoiadores de atos antidemocráticos que pedem abertamente o fechamento do Congresso e a volta do Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5, que permitiu a censura à imprensa, as prisões políticas e, por consequência, a instituição da tortura, morte e desaparecimento de milhares de pessoas.

    No início do mês, a juíza Maria Aparecida Ferreira Fago, do 2º Juizado Cível de Cuiabá, em decisão liminar, resolveu censurar duas postagens do jornalista Enock Cavalcanti, com mais de 30 anos de atividade nos principais veículos do estado. Nelas, o profissional publicou uma foto que retirou de uma postagem da colunista social Rosely Arruda Ferri no qual a também veterana na imprensa matogrossense posa ao lado de uma faixa com  a inscrição “AI-5 JÁ”, afixada na grade do 44º Batalhão de Infantaria Motorizado do exército em 19 de abril.

    Colunista social posa com bandeira do Brasil ao lado de faixa que pede o AI-5 em dia de manifestações antidemocráticas em Cuiabá. Foto: redes sociais

    Na primeira postagem censurada, no Facebook, Cavalcanti alertava outros jornalistas sobre a atitude da colega e questionava se a “cuiabania” tradicional se sentia representada por essa atitude. Já em seu blog Página do E (https://paginadoenock.com.br/), ele trazia um texto bem mais longo junto à imagem, falando sobre as manifestações verde-amarelas contra o governo de Dilma Rousseff e como tinham diminuído para as atuais que pedem abertamente a volta à ditadura.

    No texto, Cavalcanti lembra vários jornalistas perseguidos em Mato Grosso durante o regime militar, entre os quais um está hoje “bem acomodado” no Tribunal de Contas do Estado. Ele cita, ainda, que já trabalhou com a colunista e lhe tem apreço, para em seguida pedir: “alguém mais chegado do que eu deveria visitá-la para um chá da tarde em louça delicada, conversar com calma, recordar à velha senhora alguns fatos históricos”. Em seguida, cita um longo trecho do poema de Vinícius de Moraes “O desespero da piedade” e termina publicando a Carta Aberta à Sociedade Brasileira em Defesa da Democracia, assinada por 20 dos 27 governadores de estado atuais, incluindo o de Mato Grosso, Mauro Mendes, do DEM.

    O fato é que Roseli Arruda se irritou com as postagens e entrou com uma ação de indenização por danos morais no Tribunal Especial Cível contra o jornalista. Mas ao invés da juíza juntar as provas contra a colunista no inquérito sobre as manifestações golpistas ocorridas no estado, rapidamente arquivado pelo Procurador do Ministério Público Federal Carlos Augusto Guarilha de Aquino Filho, como mostra o próprio Enock Cavalcanti em seu blog, a doutora Maria Aparecida Ferreira Fago resolveu acatar a reclamação da colunista e antecipar a decisão impondo via liminar a censura sobre os posts sob multa diária de R$5.000,00  (veja a peça completa aqui).

    Várias entidades, como o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, repudiaram a atitude. Para o Sindicato, “a concessão da decisão liminar é um duplo atentado à democracia, pois tolhe o exercício da liberdade de expressão e imprensa do jornalista Enock Cavalcanti e referenda o atentado aos Poderes Legislativo e Judiciário, vez que este foi um dos efeitos da decretação do Ato Institucional N°5 em 1968, quando o Brasil vivia sob ditadura.”

    Em vídeo exclusivo para os Jornalistas Livres, Enock Cavalcanti explica o processo e a importância de nos unirmos nesse momento em que as forças mais reacionárias e violentas se levantam contra a jovem democracia brasileira.

    https://vimeo.com/431634319

    Como explica o também jornalista e professor de jornalismo Gibran Lachowski:

    “Não foi pontual o que ocorreu em abril quando três bolsonaristas agrediram uma equipe de jornalismo da TV Brasil Oeste em frente ao Hospital Universitário Júlio Müller, em Cuiabá, impedindo que eles colhessem dados sobre casos de Covid-19. Também não foi pontual a ameaça feita no mesmo mês pelo deputado federal do Podemos/MT, José Medeiros, contra o jornalista Jacques Gosch, do RD News/Cuiabá, dizendo que uma futura notícia em seu desabono seria revidada “no tiro”. Como não é pontual que centenas de outras pessoas em várias cidades do país agridam jornalistas verbalmente e fisicamente, reforçadas pelo facínora Jair Bolsonaro. Como também não é pontual que o deputado estadual pelo PSL/MT, Silvio Favero, tenha feito postagem em redes sociais no dia 31 de março elogiando o golpe de 1964. Ou seja: a questão é maior. O foco é o combate ao bolsonarismo/fascismo, que significa a Defesa da Democracia. E deve envolver diversos setores da sociedade.”

     

     

  • Militares fazem o que sabem de melhor: esconder os mortos

    Militares fazem o que sabem de melhor: esconder os mortos

    Imagine uma epidemia que se alastra rapidamente e mata entre 10% e 20% dos infectados. Imagine que essa epidemia mata principalmente crianças e em especial as da periferia, com menor acesso ao saneamento básico e à saúde. Agora, imagine que por três anos os meios de comunicação sejam censurados nas reportagens sobre a epidemia, que os médicos sejam proibidos de dar entrevistas e que o Ministério da Saúde, controlado por militares, não divulgue os números corretos sobre a doença e as mortes. Isso já aconteceu no Brasil, e não faz tanto tempo assim.

    Entre 1971 e 1974, pelo menos 60 mil pessoas de sete estados brasileiros (40 mil só em São Paulo, o epicentro da epidemia) foram infectadas pela bactéria causadora da meningite. Até hoje é impossível precisar quantos morreram. Mas para impedir o que achavam ser uma histeria dos médicos, os militares decidiram esconder esses fatos, e os mortos, da população. Centenas, talvez milhares de crianças, aliás, foram enterradas na mesma vala comum clandestina do cemitério de Perus, na capital paulista, onde eram jogados os corpos de dissidentes políticos torturados e mortos pelo Doi Codi.

    Um ótimo vídeo curto sobre a epidemia de meningite e a maquiagem de dados da ditadura militar está disponível no canal Meteoro.doc. Ontem, o canal publicou um novo vídeo, tratando especificamente da atual maquiagem de dados e da disputa de narrativas entre o novo governo militar, que teoricamente ainda não é uma ditadura, e os meios de comunicação para se informar ou desinformar a população.

    O tratamento governamental da epidemia de meningite dos anos 1970 só vai mudar em 1974, com um novo general no poder e a aquisição pelo governo de 80 milhões de doses da vacina. Sim, já havia vacina para a meningite e o governo sabia que se tivesse feito uma campanha de vacinação anos antes, teria poupado milhares de vidas. Mas pra que admitir um genocídio se podia dizer que havia um “milagre econômico”? É como disse a ex-secretária da Cultura, Regina SemArte: é muito peso carregar essa fileira de mortos.

    Telegrama da Polícia Federal ordenando a censura nos dados sobre a epidemia de meningite. Fonte: Twitter do historiador Lucas Pedretti @lpedret. Como os telegramas não tinham pontuação, usavam a sigla VG para vírgula e PT para ponto final.

    Assim, em julho de 1974, com a admissão oficial de que havia uma epidemia, o jornalista Clovis Rossi, então trabalhando no jornal O Estado de São Paulo, preparou uma grande reportagem de capa, intitulada Epidemia de Silêncio, na qual dizia: “Desde que, há dois anos aproximadamente, começaram a aumentar em ritmo alarmante os casos de meningite em São Paulo, as autoridades cuidaram de ocultar fatos, negar informações, reduzir os números referentes à doença a proporções incompatíveis com a realidade — ou seja, levando, deliberadamente, a desinformação à população e abrindo caminho para que boatos ocupassem rapidamente o lugar que deveria ser preenchido per fatos. Fatos que as autoridades tinham a obrigação, por todos os títulos de esclarecer ampla e totalmente”. Leia a matéria completa aqui.

    Mas, claro, militares não gostam que digam quais são suas obrigações e publiquem que estão desinformando a população. Assim, a matéria de Rossi foi censurada e em seu lugar o Estadão publicou um trecho do poema Os Lusíadas, de Luís de Camões.

    Por causa da Lei da Anistia, de 1979, os militares jamais foram responsabilizados criminalmente pelas mortes na pandemia e nem pelas torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres de dissidentes políticos. Mas talvez a história não se repita com a pandemia de coronavírus. Ontem, o Supremo Tribunal Federal, atendendo a uma ação dos partidos Psol, PCdoB e Rede Sustentabilidade, determinou a divulgação diária das informações sobre os dados de Covid-19 até às 19h30, pelo Ministério da Saúde. E também ontem, o Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, decidiu analisar a denúncia do PDT de genocídio promovido pelo Governo Bolsonaro. Esse é um caso raro, já que normalmente o TPI só julga ex-governantes acusados de crimes contra a humanidade.

  • Jornalistas, veículos e entidades assinam manifesto contra censura e fake news

    Jornalistas, veículos e entidades assinam manifesto contra censura e fake news

    Um dos temas que têm mobilizado setores importantes da sociedade brasileira é como enfrentar a pandemia de mentiras e desinformação que tomou conta do debate público, principalmente em razão da escala e velocidade que as novas formas de circulação da informação conferiram a este fenômeno. O problema colocado é bastante delicado: como enfrentar as “fake news” sem gerar censura e sem violar a liberdade de expressão? Além disso, caberá a quem, a qual instituição definir o que é verdade ou não? A partir de quais critérios? Está claro que é preciso envolver a sociedade nessa discussão, para evitar que soluções aparentemente fáceis e rápidas produzam um estrago ainda maior.

    É este o alerta que as entidades, veículos de comunicação e jornalistas querem transmitir ao publicar o manifesto “Democracia se constrói com informação de qualidade, sem censura e sem fake news”. O documento trata do perigo que representa a tentativa do Senado em aprovar, na próxima semana, o projeto de lei de autoria do Senador Alessandro Vieira (PL 2630/2020) para combater Fake News. O Projeto de Lei, elaborado conjuntamentamente pelos deputados Felipe Rigoni e Tabata Amaral, que apresentaram na Câmara dos Deputados projeto do mesmo teor, propõe uma série de medidas que, se não forem devidamente debatidas e estudadas, podem dar ainda mais poder para as plataformas de Internet (Facebook, Twitter, Instagram, Youtube e outras) arbitrarem sobre o que deve ou não circular nas redes, legitimando práticas de remoção de conteúdo.

    Confira, a seguir, a íntegra do manifesto e a lista de signatários. Para assinar, envie e-mail com nome, ocupação veículo e/ou entidade para o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé (britarare@gmail.com)

    ***

    DEMOCRACIA SE CONSTRÓI COM INFORMAÇÃO DE QUALIDADE,

    SEM CENSURA E SEM ‘FAKE NEWS’

     

    A disseminação em massa de “fake news”  é um fenômeno global que tem consequências devastadoras para a vida e para a democracia. O problema é real e exige respostas efetivas que preservem o direito fundamental à liberdade de expressão, que permitam o livre debate de ideias e de perspectivas sobre os acontecimentos.

    A sociedade precisa enfrentar essa pandemia de mentiras e desinformação, que são produzidas de forma coordenada por setores ideológicos, políticos e econômicos, que investem muito dinheiro e inteligência para distorcer propositadamente a realidade, com o objetivo de alcançar seus objetivos e defender seus interesses.

    A crise sanitária, que neste momento atinge o mundo, revelou de forma dramática o perigo que as “fake news” representam: líderes políticos ignorando a ciência para dizer que o Covid-19 é apenas uma “gripezinha”, estímulo ao uso de medicamentos sem comprovada eficácia científica, a disseminação de conteúdos afirmando que a doença não existe, ou foi fabricada para derrubar o presidente, etc.

    Em meio a essa crise, surge uma pressão para que o Congresso Nacional dê resposta legislativa para o combate às “fake news”.

    É fundamental que deputados e senadores tomem a iniciativa de realizar um amplo debate público sobre o melhor caminho a ser adotado para enfrentar a pandemia da mentira e desinformação.

    Nós, jornalistas e comunicadores sociais – que trabalhamos para oferecer informação de qualidade para a sociedade, que lutamos para dar expressão e visibilidade a fatos e opiniões que não têm espaço na mídia hegemônica, que temos contribuído para conferir mais pluralidade e diversidade ao debate público no Brasil – afirmamos que não se pode, sob o pretexto de combater as “fake news”, criar mecanismos privados de avaliação da veracidade de conteúdos jornalísticos.

    Alertamos para o perigo que representará para a democracia e para a liberdade de expressão conferir às plataformas privadas da internet a responsabilidade de definir que conteúdos são ou não verídicos, iniciativa que inclusive viola o Marco Civil da Internet. Tampouco podemos acreditar que agências privadas de checagem de notícias podem cumprir esse papel com isenção e neutralidade, ou que seja possível nomear grupos de jornalistas com o poder de classificar conteúdos jornalísticos produzidos por outros jornalistas.

    Não se combate “Fake News” criando um Ministério da Verdade. Sabemos como isso acaba: com a tentativa de legitimação da censura.

    O problema contemporâneo envolvendo a disseminação de mentiras e desinformação pode ser combatido de outra forma: criando instrumentos legais e usando os já existentes para desmontar os gabinetes de ódio e as fábricas de produção industrial de “fake news”. Isso pode ser feito cruzando as fontes de distribuição de desinformação — nas redes sociais, nos sítios web — com os esquemas criminosos de financiamento dessas estruturas.

    É preciso responsabilizar civil e criminalmente empresas que financiam essas estruturas para fabricar e disseminar de forma artificial esses conteúdos que podem trazer danos à vida e à democracia. Agentes públicos que financiem e produzam esse tipo de conteúdo também devem ser responsabilizados por isso.

    Também é fundamental exigir que as plataformas prestem informações transparentes sobre todos os mecanismos de mediação de conteúdos que elas já utilizam para definir o fluxo da circulação dos conteúdos.

    Só é possível enfrentar essa questões a partir de um amplo debate, o que pressupõe a construção de mecanismos que incluam os mais variados setores sociais na discussão de propostas concretas. Neste momento de isolamento social, em que a Câmara e o Senado debatem remotamente, sem a realização de audiências públicas e outras formas de participação social, não é viável garantir amplo debate sobre o tema.

    Neste sentido, alertamos para o perigo que pode representar para a democracia e para a liberdade de expressão a aprovação de qualquer projeto de lei sobre esse tema, de forma sumária e sem que estas formas de participação e diálogo amplo sejam produzidos.

    São Paulo, 25 de maio de 2020.

    Assinam este manifesto:

     

    Entidades

    Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
    Associação Brasileira de Imprensa
    Abraço – Associação Brasileira de Rádios Comunitárias
    Federação Nacional dos Jornalistas
    Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
    Núcleo Piratininga de Comunicação
    Agência de Notícias das Favelas

     

    Veículos

    Jornalistas Livres
    Revista Fórum
    Brasil 247
    Le Monde Diplomatique Brasil
    Viomundo
    O Cafezinho
    Outras Palavras
    Diálogos do Sul

     

    Jornalistas/Individuais

    Altamiro Borges – presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
    André Fernandes – Fundador da Agência de Notícias das Favelas
    Antônio Martins – Editor do Outras Palavras
    Aquiles Lins – jornalista, editor do Brasil 247 e doutorando em Ciência Política
    Denise Assis – jornalista e colunista do 247
    Florestan Fernandes Jr – jornalista
    Heloisa Toledo – diretora de teatro
    Inácio Carvalho – Editor do Portal Vermelho
    Kiko Nogueira – Editor Diário do Centro do Mundo
    Laura Capriglione – Fundadora dos Jornalistas Livres
    Leonardo Attuch – Editor do Brasil 247
    Marcelo Auler – jornalista
    Miguel do Rosário – Editor do Cafezinho
    Miguel Paiva – jornalistas pela Democracia
    Paulo Salvador – da Rede Brasil Atual
    Renata Mielli – jornalista, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
    Renato Aroeira – cartunista e músico
    Rodrigo Vianna – jornalista
    Silvio Caccia Bava – Editor do Le Monde Diplomatique Brasil
    Teresa Cruvinel – jornalista
    Vanessa Martina Silva – Editora da revista Diálogos do Sul
    Ademir Wiederkehr – jornalista e Secretário de Comunicação da CUT/RS
    Érica Aragão – jornalista e radialista
    Maricélia Pinheiro de Almeida – jornalista do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre

     

     

  • Em reunião com ministros, Bolsonaro xinga, xinga, xinga e fala de hemorroidas

    Em reunião com ministros, Bolsonaro xinga, xinga, xinga e fala de hemorroidas

    O presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) partiu para a baixaria e promoveu uma chuva de xingamentos, palavrões e ofensas pessoais em reunião ministerial do dia 22 de abril, que teve vídeo divulgado nesta sexta-feira, exatamente um mês após o evento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

    Os vídeos divulgados pelo ministro decano do Supremo, Celso de Mello, mostraram uma série de trechos em que Bolsonaro apresenta postura desrespeitosa e imoral, incompatível com o cargo da Presidência da República.

    Palavrões e expressões ofensivas como “estrume”, “bosta”, “filho da puta”, “foder”, “merda”, “puta que pariu”, entre outros xingamentos, foram usados pelo chefe do Poder Executivo brasileiro para se referir a inimigos e até em direção a auxiliares da sua equipe ministerial.

    A baixaria protagonizada pelo presidente não para por aí. Ele recebe apoio de ministros para os absurdos que foram ditos. Aliados como a ministra da Mulher, da Família e do Direitos Humanos Damares Alves defenderam “prender governadores e prefeitos” que não apoiam medidas de exposição da população ao vírus, defendida por Bolsonaro.

    O próprio presidente, por sua vez, orientou o ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro a “armar a população” – medida que aumentaria ainda mais a violência urbana, segundo especialistas, e que contribuiria para que milícias agisse em caso de um impeachment contra Bolsonaro no Congresso Nacional.

    Bolsonaro ainda exigiu interferências na Polícia Federal para impedir investigações que caminhavam para incriminar seu filho Carlos Bolsonaro, principal líder de uma rede de notícias falsas. “Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final!”, disse o presidente.

    “É fácil impor uma ditadura aqui. É facílimo”, também disse Bolsonaro durante a reunião ministerial, mais uma vez colocando em xeque a democracia. Nas últimas semanas, ele já havia feito coro para pedidos de golpe militar.

    No mesmo tom autoritário, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou chamou os ministros de STF de “vagabundos” e defendeu “colocar na cadeia” os juízes da Suprema Corte da Justiça brasileira.

    Os governadores Wilson Witzel (Rio de Janeiro) e João Dória (São Paulo) foram chamados de “estrume” e “bosta”, nesta ordem. Os xingamentos pessoais foram feitos porque os dois governadores defendem o isolamento social para proteger a população contra a COVID-19, doença provocada pelo novo Coronavírus.

    Ministro ainda foram ameaçados de demissão caso elogiassem o trabalho da imprensa, que recentemente foi atacada pelo presidente com ordens para que repórteres “calem a boca”.

     

    CONFIRA TRECHOS DO VÍDEO DA REUNIÃO MINISTERIAL:

     

  • Apoio do governo ao Golpe de 64 revolta a sociedade

    Apoio do governo ao Golpe de 64 revolta a sociedade

    O que aconteceu em 1º de abril (e não em 31 de março) de 1964 foi um golpe de estado levado à frente por setores militares, com apoio do grande empresariado, da mídia hegemônica e suporte explícito (que poderia ser inclusive bélico, se fosse o caso) do governo dos Estados Unidos. Há uma abundância de provas documentais e testemunhais que impede qualquer historiador sério de negar esse fato. Análises e documentos históricos provam, ainda, que nunca houve uma “ameaça comunista”, nem uma “república sindicalista” e que a corrupção que havia no governo não era significativamente maior do que em qualquer outro período.
    Os legados da Ditadura são igualmente incontestáveis. A extrema militarização das polícias estaduais e seu uso na tortura de dissidentes políticos moldou a atual atuação das PMs, que são as forças de segurança que mais matam em todo o mundo. A explosão da dívida pública e a hiperinflação (que chegou a 3% ao DIA) são resultado direto do “Milagre Econômico” de Delfim Netto nos anos 1970. O imenso poder das grandes empreiteiras para corromper o executivo surgiu nos esquemas milionários de superfaturamento em obras como a Ponte Rio Niterói. E os oligopólios midiáticos que temos até hoje foram construídos a partir da concessão de TV à Globo em 1964, suas afiliadas pertencentes a políticos em todo o Brasil (Família Sarney no Maranhão, Collor em Alagoas, Antonio Carlos Magalhães na Bahia…).
    Se não bastasse tudo isso, ainda tivemos perseguições políticas, fechamento do Congresso, exílios, torturas, assassinatos, desaparecimentos forçados e todo pacote de autoritarismo e violação de diretos políticos e humanos que compõem uma ditadura clássica.
    Essa página, contudo, jamais foi virada na história. Agora que temos o maior desafio de saúde pública mundial em 102 anos, unificar e coordenar os esforços nacionais era fundamental. Mas falta um/a homem/mulher no posto chave da presidência. O que temos prefere vender ilusões em pronunciamento de TV e comemorar um passado mentiroso de glórias ao dizer que “Oh… Hoje é o dia da liberdade”, referindo-se ao Golpe de 64. E não está sozinho! O sujeito que ocupa a vice-presidência publicou em uma rede social que “com a eleição do General Castello Branco, iniciaram-se as reformas que desenvolveram o Brasil”. Ontem, o Ministério da Defesa divulgou ordem do dia dizendo que o Golpe, que eles chamam de “movimento militar”, é um “marco para a democracia”.
    Certamente esse apoio explícito a uma ditadura sangrenta como símbolo de ordem em meio às incertezas do futuro foi seguido em muitos lugares do Brasil. No Mato Grosso, por exemplo, o deputado estadual pelo PSL Sílvio Fávero, que teve uma postagem apagada pelo Instagram, denunciada por apologia a crime.
    Essas manifestações levaram a notas de repúdio de diversos setores da sociedade. Um deles foi o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, que se pode ler abaixo:

    VIVA A DEMOCRACIA!
    HERZOG VIVE!
    DITADURA NUNCA MAIS!

    Neste 31 de março de 2020, completamos 56 anos do Golpe militar que resultou em 21 anos de ditadura no Brasil, 20 mil pessoas torturadas e mais de 400 mortos ou desaparecidos, conforme Comissão Nacional da Verdade.

    A redemocratização ocorreu em 1985 após muita organização popular em defesa da Anistia, da Emenda pelas Diretas Já e na denúncia das torturas, perseguições e mortes a defensoras e defensores da democracia.

    Se hoje temos eleições diretas para cargos públicos e a autonomia dos três poderes, ainda que com suas inúmeras fragilidades, foi porque lutamos e derrotamos a ditadura militar.

    Nesta luta, centenas perderam a vida nos porões da tortura, como o jornalista Vladmir Herzog, que permanece vivo em nossa memória.

    Por isso repudiamos com veemência a postura do deputado estadual pelo PSL de MT, Silvio Fávero, por manifestar seu apoio ao regime de ódio e tortura expresso pelo Golpe de 64.

    Para que germes da ditadura não prosperem, dizemos em alto e bom som: ditadura nunca mais!

    Viva a Democracia!
    Herzog vive!

    Sindicato d@s Jornalistas de Mato Grosso (Sindjor-MT)
    (Gestão 2019-2020) Em defesa d@ jornalista

    Outra importante instituição a protestar contra a exaltação mentirosa da Ditadura foi o Instituto Vladimir Herzog, como se vê abaixo:

    O Instituto Vladimir Herzog vem a público repudiar de forma veemente a posição de membros do atual governo em relação ao golpe militar de 1964, que hoje completa 56 anos.

    Em ordem do dia publicada neste 31 de março de 2020, o ministro da Defesa do Governo Federal, general do Exército Fernando Azevedo e Silva, classificou o golpe como um “marco para a democracia”. Mais tarde, o vice-presidente da República, o general de reserva do Exército Hamilton Mourão, se expressou em uma rede social dizendo que a ditadura militar promoveu “reformas que desenvolveram o Brasil”.

    O atual governo, mais uma vez, manifesta uma posição absolutamente incompatível com o Estado Democrático de Direito, falseia a história e avilta o direito à memória e à verdade, previsto na Constituição.

    Tal conduta não pode passar desapercebida e, por isso, nos somaremos a outras entidades para denunciar mais esta afronta à democracia a instâncias nacionais e internacionais, na expectativa de que medidas cabíveis sejam tomadas.

    Definir o golpe de Estado e os 21 anos da ditadura militar como um “marco para a democracia” ou dizer que foram promovidas “reformas que desenvolveram o Brasil” é negar a gravidade dos atos cometidos durante esse período sombrio, marcado por violência, tortura, autoritarismo, corrupção, censura e gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas contra cidadãos em todo o país.

    Ao promoverem esse revisionismo histórico grosseiro e valorizarem o que aconteceu a partir de 1964, o ministro da Defesa e o vice-presidente evidenciam uma total dificuldade de compreender o esforço civilizatório e a escolha da humanidade por um futuro que conjugue liberdade, justiça, respeito e promoção dos direitos humanos, e se pavimente nos verdadeiros ideais democráticos.

    Há mais de uma década, nós do Instituto Vladimir Herzog – entidade que leva o nome de um jornalista brutalmente torturado e assassinado pelas forças de repressão que sustentavam a ditadura militar – exercemos a missão de fazer com que a sociedade conheça o passado para entender o presente e construir o futuro.

    Ainda hoje, no entanto, convivemos com o legado autoritário dos anos de chumbo, visível, por exemplo, na ausência de punição aos agentes públicos que perseguiram, torturaram, assassinaram e ocultaram cadáveres durante os 21 anos em que generais, passando-se por presidentes, governaram o país.

    Esse legado de impunidade e autoritarismo é o que permite que agentes do Estado sigam matando, torturando e desaparecendo com corpos de cidadãos brasileiros, em sua grande maioria de pessoas pobres, pretas e periféricas.

    Isso evidencia, de forma preocupante, que a tarefa de consolidar a democracia no Brasil ainda está incompleta e é indissociável da necessidade de se garantir o direito à justiça, à memória e à verdade a todos que sofreram – e ainda sofrem – com as gravíssimas violações de direitos humanos cometidas no passado e no presente.

    Marco para a democracia e desenvolvimento para o Brasil será o dia em que militares – e todos aqueles que sustentaram a ditadura por longos 21 anos – reconhecerem os crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas entre 1964 e 1985 e pedirem perdão às vítimas, seus familiares e à toda sociedade.

    Marco para a democracia e desenvolvimento para o Brasil será o dia em que o Poder Judiciário – atento ao fato de que a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana – processar e, se demonstrada a responsabilidade, punir os muitos torturadores já identificados do período.

    Por tudo isso, encaramos o dia 31 de março como uma oportunidade para homenagear as crianças que foram covardemente sequestradas, as mulheres que tiveram seus familiares assassinados e desaparecidos, os pais que viram seus filhos serem torturados, indígenas, camponeses, trabalhadores e todos aqueles que foram submetidos a tanta desigualdade e precarização da vida, especialmente nas periferias e nas favelas, mas lutaram bravamente – muitas vezes sacrificando a própria vida – contra a ditadura, em defesa da democracia e de uma sociedade mais justa e igualitária.