No dia em que, infelizmente, o Brasil confirmou mais de 10 mil mortes e 155.939 casos de Coronavírus e a Bahia registrou 196 mortes e 5.174 casos confirmados, Bolsonaro passeia de Jet Ski em mais um episódio lamentável de desrespeito a vida.
Nos chamou a atenção, o fato dele, inoportunamente, utilizar a camisa do Esporte Clube Bahia durante o passeio da morte.
É comum ver o protofascista do Bolsonaro vestir diversas camisas de clubes populares. Ele já havia vestido a camisa do Esquadrão durante a sua última visita a Bahia.
Não podemos deixar de registrar o nosso repúdio quando o oportunismo se faz presente com Bolsonaro vestindo o nosso manto sagrado em um ato de desrespeito a memória dos mais de 10 mil brasileiros e brasileiras que perderam as suas vidas, d@s profissionais da saúde que lutam contra a pandemia do Covid19 e dos milhões de homens e mulheres que sofrem com os descasos do governo federal com o povo.
Bolsonaro representa tudo que o Esporte Clube Bahia e a sua torcida repudia com veemência. Ele reverencia a ditadura, enquanto o Bahia e a sua Torcida lutaram e lutam pela democracia. Ele reverencia o racismo, o machismo e a homofobia, enquanto o Bahia e a sua Torcida são exemplos internacionais de combate a todas as formas de opressão.
Bolsonaro tem lado e não é o da defesa da vida do povo. Nós tricolores temos lado e estamos somando esforços para que o nosso povo sobreviva a essa Pandemia realizando atos de solidariedade de classe nesse momento tão difícil.
Nosso povo é de resistência e luta e por tudo isso, a Torcida Bahia Antifascista registra o mais profundo repúdio ao fato dele vestir nossas cores.
Bolsonaro não é digno de vestir o manto do clube do povo!
Elisa Lucinda e Moraes Moreira: Ando por aí querendo te encontrar. Em cada esquina paro em cada olhar. Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar – Foto: @elena_moccagatta_fotografia
Enquanto escrevo, meu vizinho bota pra tocar bem alto “Deixa eu penetrar na sua onda“, e o Brasil todo, nas rádios, nas casas dos milhares de fãs confinados e em tudo, só toca Moraes Moreira. O poeta, mestre, instrumentista e referência, é síntese da utopia de vida vivida pelos novos baianos. Só tinha fera ali: Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Galvão, Paulinho Boca de Cantor. Todo mundo muuuuuuito competente e arrasador. Sem desprezar ninguém, pelo contrário, reconhecendo ouro em todos, Moraes ficou sendo o símbolo daquilo tudo pra mim. Quem da minha geração não queria morar lá? Era uma espécie de quilombo urbano, rural. Aquilo era Jacarepaguá e podia ser também Bahia, porque era também magia. Era o sonho da nossa juventude sendo provado na prática. Moravam todos ali, num esquema livre, sem nenhum dos dogmas asfixiantes da vida aqui de fora, na hora em que a nação sofria na mão da ditadura militar.
Aquela gente peculiar encarnava tamanha irreverência que beirava ao ingênuo, ao naïf, ao infantil quase. Nem a ditadura farejou, que eu saiba, o potencial de liberdade daquele Acabou Chorare, e dos Novos baianos FC. “Abelha abelhinha, faz zum zum pra mim”? O que havia por trás do Besta é tu, e do romântico hino Preta, pretinha?
É que enquanto corria a barca nós íamos tentando respirar debaixo daquela mão pesada do sistema opressor, que se voltava violentamente contra o pensamento, contra a arte, contra a liberdade do mundo. Mas aquela turma nos oferecia alegria, dentro dos anos de chumbo, e a alegria, apesar de subversiva, passava entre os bélicos apenas vestida de alegria. Inatacável. Imune.
O lugar daquele iluminado bando musical e divertido era quase ficção. Os novos baianos moravam era em Pasárgada, de Manuel Bandeira. Era um país, eu queria ir pra lá, se pudesse. Era uma utopia possível, o amor é que era aquele país. João Gilberto cabia lá, na língua dele.
Nossa juventude universitária maconheira, via um cachimbo imenso naquele cotidiano, naquelas crianças como se vivessem igual nas tribos, tendo pais e mães compartilhados. Eu morava em Vitória do Espírito Santo, era menina ainda e já amava o grupo. Tudo o que sabíamos daqueles “hippies” vivendo em comunidade é que pai e mãe não faltavam ali, e que o amor estava intacto na sua essência: livre. Hoje percebo o quanto meu imaginário está nutrido dessa referência.
Muito mais tarde, aqui no Rio quando conheci o mito (deste podemos falar assim sem medo), foi muito divertido e poético, como nunca deixaram de ser sempre, a partir dali, os nossos encontros e conversas. Estava fazendo o Parem de Falar Mal da Rotina, no teatro Leblon, quando de repente, numa cena em que canto uma canção e ofereço um brinde, um livro, ou uma bolsa, pra alguém da plateia que adivinha o nome autor do que eu cantei, ocorreu uma coisa curiosíssima: cantei Palavras, eternizada na voz da Cássia Eller (êta, céu ou inferno animados), e esperava a resposta da plateia que errava tentando acertar. Nada. Pois no teatro lotado, sem que eu pudesse ver com clareza, reconheço uma voz que se levanta e diz: “Eu sei, Moraes Moreira e Marisa Monte”!!!! Era o próprio. E era a primeira vez, e única, que o próprio autor estava na plateia e adivinhava o jogo. Foi emocionante, o público delirou, achou até que era combinado. Estreitamos uma amizade que, embora ali se inaugurasse, parecia continuada. Sempre parecemos velhos amigos. Trago dele muitas histórias. Era um griot. Homem simples e sofisticado de tanta grandeza no coração. Fez um poema pra nós, eu e Geovana Pires, quando assistiu ao Recital à Brasileira, convocando o Congresso Nacional a assisti-la. Quando leu a minha autobiografia do Fernando Pessoa (“O cavaleiro de nada”), me ligou, leitor envolvido, emocionado, inquieto e muito sensível: não quero que termine, não quero que acabe o livro, faltam só duas páginas…. e ao mesmo tempo protestou quanto à má distribuição da literatura no Brasil.
É chato falar essas coisas aqui, fica parecendo ostentação. Claro que dá orgulho e é mesmo uma sorte poder ficar amiga de quem se admira tanto. Mas quero pontuar aqui a dimensão humana desse poeta, habitante da poesia dos nossos dias, que levou caminhões e caminhões de alegria pelo Brasil. Quero compartilhá-lo com todos. Muito do que escrevi e escrevo foi semeado em mim pelas criações deste cara genial. A arte independente e popular de Moraes Moreira referenciou minha geração e atravessou séculos. Me influenciou. Seu som é trilha de minha vida. Meu filho escuta. Meus sobrinhos, alunos e amigos. Quem é adolescente hoje também escuta. A galera escuta, dança, canta e come com prazer o alimento da arte deste cordelista atemporal que deixou um poema no seu computador de nome Quarentena. O último. No primeiro verso dizia ter medo do vírus mas também de bala perdida. O Brasil dos olhos de Moraes iluminou o Brasil real. Acrescentou. É um Brasil lúdico, mágico e, potencialmente revolucionário! Moraes, na sua ousadia e sua execução no violão, nos recursos de sua melodia, autorizou vários compositores e reluz entre nós sua brilhante e digníssima carreira. Desde que tocou pela primeira vez no rádio, nunca mais parou de tocar. “Escute esta canção que é pra tocar no rádio, no rádio do teu coração”. Nunca deixou de haver esse novo baiano com seu bigode marcante, tocando na nossa garoa, à beira do rio amazonas, no calor do Circo Voador, numa cidadezinha mineira, numa neve na fronteira, ou seja lá onde for.
Nunca mais
Quando Ronald Valle, músico e amigo querido, me enviou nesta manhã de abril um áudio afirmando e duvidando da notícia, rezei para que fosse fake news. Respondi: Para! Mas ali era a verdade nua e crua batendo na minha cara. Escavei. Chorei feito criança. Nunca mais falaria com ele? Estava na minha lista de providências afetivas ligar para ele nesta quarentena, para ler um poema do livro novo que quase saiu do livro, por que um outro amigo — Claudio Valente — achou que estava meio fraquinho. E estava mesmo. Ajeitei. Ganhou mais ritmo, eu penso. E como o poeminha citava Moraes, combinei comigo de ligar pra ler. Nunca pensei que não fosse dar tempo. Nunca a palavra morte passara antes, à beira desse cara, desse cais. Ainda bem que as novas gerações o consomem. Ainda bem que a sua arte alegre, sua criativíssima alegria dançante e romântica estão gravadas em várias mídias e deixaram muitos herdeiros e descendentes.
Muito triste é que não possamos agora, no presencial, nos despedir. Quem não quereria cantar seus sucessos em volta do mestre ídolo na cerimônia de despedida? Mas tenho certeza de que o grande cortejo da sua partida, em vários lugares deste país, está cantando preta pretinha, ou qualquer um dos seus maravilhosos hinos gravados nas plataformas dos nossos corações. Porque não podemos nos aglomerar agora. Nem pra beijar pela última vez os nossos mortos.
Porém, nesse momento em que estamos isolados, temendo o invisível, nesse momento em que nos preparamos para o novo mundo, é difícil não lembrar das palavras dele: “e pra ter outro mundo, é preci-necessário viver. Viver contanto em qualquer coisa. Olha só, olha o sol. O Maraca domingo. O perigo na rua…”. Para entrarmos no novo mundo que se impõe à nossa vida, espero que o produzamos, pra deixarmos este mundo em que estávamos vivendo, tão longe do que postulava o “país” dos jovens baianos e a cabeça deste artista que aqui homenageio, vamos mesmo precisar de suas palavras, meu amigo querido, para pilotar os novos tempos. Sua alegria desobediente e original nunca foi tão revestida da palavra resistência como agora.
Neste fevereiro, Moraes me deixou um recado bonito, pontuando que eu estava sempre fazendo sarau de aniversário nas datas em que ele estava fazendo shows, inúmeros, pelo Brasil. Sem tua voz não tem festa, Moraes! Ofereço à riqueza de sua memória toda nossa gratidão por deixares no mundo sua imperecível alegria. O hoje e o sempre te ouvirão e não te esquecerão jamais. Eu quero mais! Toca, Moraes! Toca mais!
Coluna Cercadinho de palavras, Elisa Lucinda, outro abril despedaçado, 2020
* Por Afonso Ribas e Carmen Carvalho, especial para o Jornalistas Livres
A aproximadamente 10 metros da Base Comunitária de Segurança do bairro Nova Cidade, em Vitória da Conquista, na região Sudoeste da Bahia, fica a residência de Bruna Jesus Santos, 26 anos. Quem nos levou até ela foi o pequeno Carlos Henrique*, 11, um de seus cinco filhos. O encontramos por volta das 12 horas da última terça-feira, 14, na rua, onde seguia para casa de pés descalços no chão de asfalto, junto com a sua prima Jéssica*, 10.
Em dias normais nesse horário, os dois estariam deixando a Escola Municipal Antônio Helder Thomaz, onde estudam. As aulas, contudo, foram suspensas desde o dia 18 de março, por conta da pandemia do novo coronavírus. O decreto de suspensão havia sido publicado dois dias antes, mas Bruna conta que a família só ficou sabendo da informação quando as crianças se depararam com um aviso colocado na entrada da instituição, no dia 17.
No casebre de três cômodos onde vive com os filhos e o marido, ninguém tem celular, muito menos acesso à internet. Bruna nos recebe com um ar de estranheza e curiosidade. Também demonstra vergonha, mas nos convida a entrar, enquanto segura no colo o caçula, de apenas dois anos. Uma pequena área repleta de móveis e eletrodomésticos quebrados separa o portão de entrada da porta da sala. Esta tem seu espaço preenchido por dois sofás velhos, um tapete e um rack com uma televisão analógica.
Base Comunitária de Segurança do Nova Cidade, bairro onde moram Bruna e sua família. Foto: Afonso Ribas.
O cômodo pintado com as cores azul e rosa parece se encolher com a nossa chegada. Além de Bruna e seus cinco filhos, dividimos o ambiente ainda com outras duas crianças, ambas suas sobrinhas. O relógio indica que é horário de almoço, mas não há barulho, cheiro nem qualquer outro sinal de panela no fogo ou de comida pronta. A mesma situação, descobriríamos pouco tempo depois, se repete na casa da sua irmã, Joilma Jesus dos Santos, 32, e da sua prima, Marina Rodrigues dos Santos, 29.
Todas elas estão cadastradas no Programa Bolsa Família, que concede um auxílio financeiro à população do país em situação de vulnerabilidade e miséria. O valor recebido por cada família depende do número de filhos e da presença deles na escola. Das mais de 13,9 milhões de famílias brasileiras atendidas pelo programa, quase 19,5 mil moram em Vitória da Conquista. Dentre essas, 94,6% tem a mulher como principal responsável familiar.
Contudo, somente Bruna faz parte das mais de 68 mil pessoas diretamente beneficiadas pelo PBF na cidade, número que corresponde a 20% da população total do município, que é de 338.480 habitantes. As demais, Joilma e Marina, integram um grupo pequeno de 46 pessoas que estão com o auxílio bloqueado e que, por isso, não viram sequer um centavo dos mais de 3,5 milhões de reais que foram repassados em março pelo governo federal.
O dinheiro que conseguem para sobreviver vem de doações feitas por familiares e, principalmente, pessoas na rua. Com o isolamento social decorrente da pandemia da covid-19, a renda que advém dessas doações tem sido quase inexistente. Por conta disso, a condição de extrema pobreza em que vivem se agravou e a fome, situação já conhecida nas casas vez ou outra, passou a ser permanente.
Diversas famílias em situação de extrema pobreza como a de Bruna, Marina e Joilma vivem em habitações precárias na periferia de Conquista. Foto: Afonso Ribas.
É possível observar diversos casebres como esse em bairros como o Panorama e o Nova Cidade. Foto: Afonso Ribas.
Apesar de ser a única a receber o Bolsa Família no valor de 386 reais – que passará, inclusive, para a casa dos 600 com a liberação do Auxílio Emergencial pelo Governo Federal – Bruna diz que o dinheiro é insuficiente para sustentar toda a família e também conta com a bondade de outras pessoas para conseguir colocar comida na mesa para os seus filhos, algo que tem sido cada vez mais difícil. A última ajuda que obteve foi uma cesta básica doada pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do município.
Segundo ela, a merenda escolar faz falta para as crianças. “Eu só vou pra escola pra comer”, diz Carlos Henrique*, interrompendo a conversa. O assunto desperta atenção dos demais, que começam a nos contar o que, geralmente, costumam comer nos intervalos das aulas. O cardápio, de acordo com eles, inclui farofa, macarrão, pão com manteiga, arroz com ovo, frutas, entre outros alimentos. “Tem vez que só dão pra gente um copo de suco com três bolachas”, relata Rafaela*, a filha mais velha de Bruna.
É Rafaela que, após o fim da nossa conversa na casa de Bruna, nos leva até a residência de Marina, localizada apenas a alguns metros mais adiante. A encontramos sentada na calçada, junto com alguns amigos e parentes. Ao falarmos da reportagem, prontamente ela aceita conceder uma entrevista.
Mãe solteira, Marina mora com seus quatro filhos. Dois deles também estudam na Escola Antônio Helder Thomaz, assim como três dos filhos de Bruna. A mais velha estuda no Colégio Estadual Carlos Santana. Já o filho caçula, de apenas dois anos, aguarda uma vaga no Centro Municipal de Educação Infantil Pablo Pithon, inaugurado no fim de outubro do ano passado.
Marina acompanhada de parentes e amigos, na frente de casa. Foto: Afonso Ribas.
“A gente já bota na escola mesmo porque tem hora que a gente não tem um café, né, pra dar um pão. E aí na escola pelo menos eles têm uma alimentação”, contou. Essa alimentação, porém, deixou de existir para os seus filhos desde o dia 18 de março, após a suspensão das aulas no município.
Sancionada no dia 7 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro, essa normativa autorizou a distribuição imediata de alimentos adquiridos com recursos do PNAE aos pais ou responsáveis dos estudantes matriculados nas escolas públicas da educação básica. A Lei deverá vigorar enquanto durar o período de suspensão das aulas em razão da pandemia do coronavírus.
Cidades como Salvador já haviam começado a fazer a distribuição de cestas básicas nas escolas municipais desde o dia 23 de março. Em Conquista, os kits começaram a ser entregues nas instituições do bairro Nossa Senhora Aparecida, na zona oeste do município. Enquanto eles não chegam até as mãos de Marina, ela conta com a solidariedade de outras pessoas. “É Deus que está me ajudando e uma mulher dona de um supermercado aqui próximo que me dá uma feirinha todo mês”, conta.
Depósito da merenda escolar comprada em Conquista com os recursos do PNAE fica no bairro Felícia. Foto: Afonso Ribas.
Caminhonete é carregada com kits de alimentação. Foto: Afonso Ribas.
Funcionários municipais organizam kits de alimentação para distribuição nas escolas da educação fundamental de Conquista. Fotos: Afonso Ribas.
Os kits começaram a ser distribuídos nessa última quarta-feira, 15. Foto: Afonso Ribas.
Ela diz ainda que a Base Comunitária do Nova Cidade também tem ajudado sua família. “Não vou mentir que eu estava sem as coisas aqui dentro de casa, sem um feijão e um açúcar, aí as meninas lá da Base que me conhecem me deram uma cesta básica. Mas agora mesmo meu menino pequeno já tá sem leite”, ressaltou.
O pouco dinheiro que ganhava vinha do seu trabalho informal como cabeleireira. “Escovo o cabelo e dou progressiva em casa. Às vezes, eu recebo dez, cinco, vinte reais. Mas, agora, eu não tenho nem pra comprar o material, aí não tem como trabalhar”, concluiu.
Desemprego
A situação de sua prima, Joilma, também é delicada. Além de estar desempregada, também está à espera do quinto filho. Sua gestação já dura três meses, mas a alimentação escassa que mantém passa longe daquela que seria necessária para uma mulher grávida. Ela se mostra disposta a contar sua história antes mesmo de pedirmos uma entrevista.
Diferentemente de Bruna e Marina, Joilma mora no bairro Panorama, que fica acima do Nova Cidade. Lá, divide uma pequena casa com os quatro filhos e o atual companheiro, pai do bebê que está por vir. Estudou até a quinta série. Deixou a escola assim que ficou grávida do primogênito, hoje com 15 anos. A chegada dos filhos a fez ainda largar seu emprego como diarista.
Marina e seu filho mais novo, de dois anos. Foto: Afonso Ribas.
Seu companheiro também está desempregado. Pouco antes do início da crise do coronavírus, fez uma seleção para uma vaga na DASS Outlet. Chegou a fazer o exame de admissão da empresa, mas a pandemia veio e acabou com a sua oportunidade de deixar de viver de bicos como ajudante de pedreiro.
Grávida de três meses e mãe de outros quatro filhos, Joilma aguarda Auxílio Emergencial do Governo para sobreviver durante a pandemia. Foto: Afonso Ribas.
Cheios de dívidas, Joilma e o marido têm vivido da ajuda alheia, tal qual Marina e Bruna. “Vai pra rua eu e mais algumas crianças. Chega lá, eu conto minha situação, falo que eu estou precisando, que eu não estou podendo trabalhar, aí eles vão lá e ajuda como pode”, explicou ela.
Com o isolamento, ela espera agora pelo Auxílio Emergencial prometido pelo Governo Federal. Mas a previsão é de que ela receba o benefício somente no dia 30 deste mês. “Daqui até lá, só Deus sabe o que vai acontecer”, lamentou.
*Nomes alterados para preservar a identidade das crianças.
Faixa fechamento da estrada – acervo Aldeia Serra do Padeiro
Por Tatiana Scalco – Parceria com Ciranda.net
A preocupação com a pandemia do coronavírus (Covid-19) e a inação dos gestores públicos motivou as lideranças do Território Indígena Tupinambá de Olivença (litoral sul da Bahia) a implantar ações de prevenção. Dentre elas, a criação de barreiras nas entradas das aldeias com objetivo de controlar o tráfego de pessoas no interior de seu território.
Em 20 de março de 2020, os Tupinambás de Olivença criaram barreiras de fiscalização, em especial nas estradas que cortam o seu território: BA 668 (Buerarema X Una) e BA 669 (São José da Vitória X Una).
Segundo os indígenas, “a ação foi feita com a anuência de várias lideranças comunitárias não indígenas” e seguem orientações da Organização Mundial de Saúde, bem como da Funai (Portaria Funai Nº 419/PRES, de 17 de março de 2020); da Secretaria Especial de Saúde Indígena -SESAI (ofício Nº 13/2020/DASI/SESAI/MS de 16/03/2020) e do Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas, divulgado em 19/03/2020.
intertítulo
“reconhecendo a (…) vulnerabilidade das populações indígenas às doenças respiratórias, recomenda que sejam adotadas medidas restritivas à entrada de pessoas em todos os territórios indígenas, em função do risco de transmissão do novo coronavírus” SESAI – Ministério da Justiça, 16/03/2020
Após a ação dos indígenas, novas recomendações relativas à prevenção do coronavírus foram publicadas. Dentre elas, a Nota Técnica COE-SAÚDE Nº 16 de 23 de março de 2020, assinada pelo Comitê Estadual de Emergências em Saúde Pública do Estado da Bahia (anexar arquivo).
Os tupinambás destacam que “a barreira não impede as pessoas de fazer feira, também aqueles que precisam pegar remédios para os idosos, o carro da saúde, o carro da Coelba, carros de entrega. Todos estão passando. Só não estão passando pessoas que vêm de fora (…)”
Contudo, os pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro incentivando as pessoas irem para às ruas tiveram repercussões no município de Buerarema. Buerarema foi um dos quatro municípios baianos onde, na eleição presidencial de 2018, Bolsonaro teve a maioria dos votos. Os outros municípios foram Eduardo Magalhães (58,80%), Itapetinga (53,69%) e Teixeira de Freitas (50,97%).
No dia 30/03/2020 (segunda-feira), segundo os indígenas “agentes da Polícia Civil e Militar lotados no município de Buerarema estiveram na barreira (da BR 668), fortemente armados e ameaçando as pessoas” que estavam ali. Eles complementam falando que “diante da resistência dos indígenas, (os agentes) prometeram voltar com um contingente maior e mais armados para abrir a barreira na força”.
No mesmo dia, as lideranças indígenas comunicaram o ocorrido a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Assistência Social (SJDHDS) da Bahia. E, solicitaram “instalação de barreiras de vigilância sanitária para as BA 668 e 669 para que seja respeitada a garantia física do Povo Tupinambá de Olivença”. Também informaram o MPF de Ilhéus.
Além disso, segundo o coordenador regional do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA, Agnaldo, “a comunidade designou a descida de 200 guerreiros para o local para garantir a permanência da barreira” e espera que as recomendações relativas à prevenção do Coronavírus (Covid-19) sejam respeitadas e “a garantia física do Povo Tupinambá de Olivença seja garantida”.
Mas a tensão está aumentando na região. Ontem (4/4/2020) no final do dia, policiais militares do Estado da Bahia foram às barreiras sanitárias preventivas contra o coronavírus e avisaram aos indígenas que tinham ordem de removê-las imediatamente.
Policiais na barreira (acervo Aldeia Serra do Padeiro)
Os indígenas conversaram com os policiais militares que recuaram. Mas disseram que retornarão.
Agnaldo Tupinambá fala que os indígenas podem sair, mas que precisam que o governo da Bahia atenda a solicitação encaminhada de implantação de “barreiras sanitárias” nas rodovias BR 668 e 669, cumprindo o que as diversas recomendações internacionais, nacionais e estaduais preconizam. Ele destaca também que eles (indígenas) querem “fazer valer os nossos direitos de nos proteger dessa pandemia que afeta o mundo e o país”. E concluiu reforçando que “nós não vamos permitir que essa pandemia chegue na nossa aldeia, queremos que o governo coloque barreiras sanitárias nas duas BA 668 e 669.
O coordenador estadual do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA, Kahu Pataxó, destaca que “nós das comunidades indígenas e movimento indígena somos os mais frágeis neste momento. (…) tentamos proteger nossas comunidades, acionando os órgãos competentes. Mas não obtivemos resposta, apenas silêncio”.
“Nós queremos que o governo do Estado da Bahia nos dê segurança e garantia de que pessoas que não são da comunidade, não entrem e coloquem em risco nossos parentes. Queremos as barreiras sanitárias”, destaca Kahu Patacho.
A reportagem procurou a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Assistência Social e o Ministério Público Federal, mas até o fechamento da matéria não recebemos resposta.
A Policia Civil do Estado da Bahia foi consultada sobre a denúncia de que policiais civis teriam ido à barreira da rodovia 668 e ameaçado os indígenas no dia 30 de março de 2020.A resposta foi: “(…) não houve nenhum policial civil no local e o fato não foi comunicado em nenhuma das unidades ou delegacias que atendem na região”.
Nossa equipe segue acompanhando a situação.
Território Indígena Tupinambá de Olivença
Tradicionalmente ocupado desde a época do Descobrimento, o Território Indígena Tupinambá de Olivença está situado entre os municípios de Ilhéus, Buerarema e Una, no litoral sul da Bahia. Cerca de 80% do território já está ocupado pelos Tupinambá. São 47.366 mil hectares de terra, com cinco mil indígenas no território e cerca de dois mil nas áreas do entorno. Lá existem aldeias, casas, escolas, postos de saúde e roças.
O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação do Território Indígena do povo Tupinambá de Olivença (RCID) foi publicado no Diário Oficial de União, em 24 de abril de 2009, e no Diário Oficial do Estado da Bahia, em 19 de maio de 2009.
Nos últimos anos a área tem sido palco de conflitos, violências e até intervenção da Força Nacional (Garantia da Lei e Ordem – GLO 2012) – cerca de 30 lideranças indígenas locais já foram assassinadas.
Documentos e Recomendações
Alguns documentos e recomendações relativos à prevenção do Coronavírus junto aos povos indígenas publicados:
Portaria Funai Nº 419/PRES, de 17 de março de 2020);
Ofício da Secretaria Especial de Saúde Indígena -SESAI para a FUNAI – ofício Nº 13/2020/DASI/SESAI/MS de 16/03/2020
Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas, divulgado em 19/03/2020.
–Nota Técnica COE-SAÚDE Nº 16 DE 23 DE MARÇO DE 2020, assinada pelo Comitê Estadual de Emergências em Saúde Pública do Estado da Bahia
Militante do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e colaborador de projetos da instituição, o jovem responsável pelo registro das imagens, que teve repercussão nacional, está sendo acompanhado pela instituição.
A Corregedoria da PM está sendo acionada pelos advogados da entidade, que já atuam em diversos outros casos do tipo, a exemplo do caso de dois pintores que foram agredidos por policiais no Santo Antônio Além do Carmo, Centro Histórico de Salvador, e que foi denunciado também nas redes sociais, na época, pelo ator Rodrigo França.
O Comando Geral da PM também foi acionado pela Coordenação Nacional do CEN, que também está garantindo a proteção do jovem.
Morador da região, ele recebeu “recados” enviados por moradores da região, em meio a boatos, dizendo que sabiam que “o menino do black” tinha gravado as imagens. Por isso, ele não está podendo voltar para casa. Viaturas também estão circulando no entorno da casa do jovem, fazendo chegar até ele ameaças.
O caso, de repercussão nacional, que chegou a ser exibido no Jornal Hoje, mostrou um jovem sendo agredido por um policial militar durante uma abordagem no bairro de Paripe, no Subúrbio Ferroviário de Salvador.
O fato aconteceu nesse domingo, 2. As imagens mostram o PM chutando e dando murros no rapaz enquanto esse era revistado virado para um muro. O policial também se referiu ao cabelo do jovem de forma racista.
“Você para mim é ladrão, você é vagabundo. Olha essa desgraça desse cabelo aqui. Tire aí vá, essa desgraça desse cabelo aqui. Você é o quê? Você é trabalhador, viado? É?”, gritou o policial.
A Polícia Militar afirmou que o vídeo vai ser encaminhado para a Corregedoria Geral da PM.
Em sua conta no Twitter, o governador da Bahia, Rui Costa, afirmou, na manhã desta terça-feira, 4, que não admite “comportamento de violência policial como o ocorrido no vídeo que circula nas redes sociais. É inaceitável, inadmissível e não reflete o comportamento e os ideais da instituição.”
Costa disse que determinou que a Corregedoria da PM apure o caso de forma “rigorosa e imediata”, com instrução para que as devidas punições legais aos responsáveis e a divulgação para a sociedade das medidas sejam realizadas.
Por Tatiana Scalco- Ciranda – parceira com Jornalistas livres
Casa queimada.
Hoje (24.01.2020) por volta das 10h, um gol branco com quatro pessoas invadiu a aldeia Pequi, localizada no Território Indígena Comexatibá, em Prado, extremo sul da Bahia. Chegando lá, o veículo se deslocou para o lado oeste da aldeia, na área que fica perto da praia.
Dois homens armados desceram do veículo e se dirigiram, primeiro, a uma casa de palha. Atearam fogo e queimaram a casa, com tudo o que tinha dentro: roupas, documentos, mantimentos, moveis. O indígena Mestia que lá morava, estava trabalhando no momento do ataque. Quando chegou, viu sua casa toda destruída, só ficou com a roupa do corpo.
Em seguida, os homens foram em direção a outra casa, desta vez de alvenaria, que estava perto. Utilizando marretas, eles iniciaram a destruição. Lá morava uma família indígena com seis pessoas que estavam fora.
O indígena Ligu, jovem pescador, testemunhou o início da ação. Quando viu o que estavam fazendo, destruindo tudo, Ligu correu para a aldeia em busca de ajuda. Ao retornar com alguns outros indígenas as casas já estavam destruídas.
Ticum, agente de saúde e liderança da Aldeia Pequi informou que fizeram boletim de ocorrência do fato na delegacia de Prado (BO 8o CRPN-PRADO- BO-20.00172). As lideranças indígenas irão falar com o delegado na próxima segunda-feira (27.01.2020).
A escalada de violência e os ataques contínuos ao território indígena Comexatibá (Cahy-Pequi) preocupam a comunidade, destaca Ticum. O ato de violência acontece 42 dias após os ataques à Aldeia Pequi de dezembro de 2019. E nove dias após reunião de emergência realizada na Aldeia com participação da Defensoria Pública da União, Programa Nacional de Proteção de Direitos Humanos (PPDDH), Centro de Estudos sobre Povos Indígenas e Populações Tradicionais (Cepit) da Universidade estadual da Bahia (Uneb), Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Funai.
Consultado, o Defensor Público Federal, Vladimir Correia, informou que acompanha a situação. A Funai também tem conhecimento dos fatos. Domingos Andrade do CIMI destaca “a preocupação com a situação de violência desgovernada, onde pessoas fortemente armadas, invadem as áreas (da Aldeia Pequi), cometendo este tipo de crime contra a comunidade”.
A comunidade está em alerta. Revoltada com as incursões de indivíduos que continuam invadido seu território tradicional e destruindo suas casas.
Para acompanhar o caso leia:
URGENTE: Alerta para ameaça de ataque à Aldeia Cahy – Prado/BA durante o recesso de final de ano (http://www.ciranda.net/?URGENTE-Alerta-para-ameaca-de)
Ataque na virada do ano (http://www.ciranda.net/?Ataque-na-virada-do-ano)
Violência contra os Pataxó de Comexatibá, na Bahia, motiva reunião de emergência (http://www.ciranda.net/?Violencia-contra-os-Pataxo-de)