Em Cuba é ínfima a cifra de crianças sem amparo familiar, ainda assim alguns vivem em instituições especializadas mas poucos são entregues em adoção.
Se alguém em Cuba tem a garantia de total proteção do estado e da sociedade, esse alguém são as crianças cubanas. 100% delas estão na escola e recebem das famílias cubanas e autoridades um tipo de atenção prioritária com a qual não estamos acostumados a ver.Em Cuba, crianças não desaparecem, não são sequestradas, jamais são agredidas sob qualquer forma e muito menos ficam desamparadas.Mas o que ocorre com aquelas que se enquadram no que conhecemos como abandono familiar?Esse artigo da jornalista cubana Neisy Martinez Miranda conta um pouco sobre essa realidade.A jornalista passa a contribuir com os Jornalistas Livres em uma série de artigos sobre a vida cotidiana em Cuba.
Por NEISY MARTINEZ MIRANDA
Alexis tem oito anos. Vive junto a outros nove em um abrigo para menores sem amparo familiar [no bairro da região central de Havana] de La Lisa. Sua mãe padece de transtornos psicológicos e ele não conhece seu pai. Desde os dois anos foi internado ali já que não havia quem pudesse assumir e cuidar de suas necessidades.
Segundo o último informe da Unicef, como Alexis existem na ilha [de pouco mais de 11 milhões de habitantes] um total de 400 crianças na mesma situação.
Antes de janeiro de 1959, a atenção a órfãos e abandonados na maior das Antilhas era quase inexistente. Muitos eram acolhidos por seus padrinhos católicos, ou seja, aqueles que seus pais escolhiam para que batizassem seus filhos e cuidassem deles em caso de falecimento. Outros, recebiam abrigo nas chamadas casas de parto ou de beneficência, de origem privada e religiosa. Muitos viviam nas ruas.
A Revolução cubana criou em 1984 os Lares para crianças sem amparo familiar e Círculos Infantis Mistos, todos regidos mediante o Decreto Lei Nº 76 do Conselho de Estado e atendidos diretamente pelo Ministério da Educação, através de suas diretorias de Educação Pré-escolar e Especial.
“São centros de assistência social onde se proporciona aos pequenos desamparados condições de vida semelhantes às de uma família. São poucos no país, já que muito poucos necessitam”, explica Alfredo Morffy, funcionário do Departamento de Educação Especial do Ministério de Educação (MINED).
O governo emprega os melhores recursos humanos, materiais e financeiros para fazer desses centros um lugar familiar, com número reduzido de habitantes (não mais que vinte). Aí permanecem seguros até sua adoção ou até completarem a maioridade.
Como comenta María de la Paz Mesa Vález, diretora do Lar de La Lisa, estas instituições oferecem ao menor todo o cuidado possível, tanto material como espiritualmente: “Sabemos que não é suficiente, por isso importa nosso esforço. Algumas vezes eles poderiam se sentir rejeitados pelos que estão ao seu redor, porque talvez olhem para eles com pena ao imaginar o quão grande foi o seu sofrimento, mas não é assim, porque os ajudamos nos estudos, eles se tornam independentes, conseguem emprego, constroem seus lares e têm filhos que nunca vão abandonar”.
Segundo Yamila González Ferrer, advogada e especialista da União de Juristas de Cuba, “a maioria dos pequenos que habitam estes lugares estão aí por problemas de moradia ou porque os pais estão reclusos ou sofrem de transtornos mentais, em todos estes casos os pais não perdem a guarda do menor, razão pela qual a criança não pode ser entregue para adoção. Daí o pequeno número de crianças que possuem as características para serem adotadas, as cifras são realmente minúsculas”.
Milhares de casais cubanos com problemas de fertilidade gostariam de adotar um menor.
Margarita Reyes foi abandonada desde pequena. Seus avós eram falecidos e sua mãe preferiu sair da ilha [migrando] para o Norte sem deixar atrás nenhum tipo de vínculo; assim a menina foi adotada e hoje, apesar de manter comunicação com a mãe biológica, ela reconhece como seus pais verdadeiros àqueles que a receberam em seu lar sem se importar com os laços sanguíneos.
Nos casos de adoção, Cuba prioriza o bem estar da criança mediante processos de aclimatação com os futuros protetores. Para isso se estuda de perto as famílias substitutas: primeiro se incorpora o pequeno ao ambiente doméstico durante os períodos de férias, e assim, paulatinamente, adquirem um caráter pré-adotivo. E este acaba sendo o modo mais seguro de garantir a felicidade do pequeno.
Este mecanismo, estabelecido no artigo 99 do Código da Família, garante o melhor desenvolvimento e educação do menor desvalido. Também se encarregam várias estruturas sociais, entre elas o Ministério do Interior, os CDR [Comitês de Defesa da Revolução] e a União de Juristas de Cuba, mas os principais responsáveis são o Departamento de Educação Especial do Ministério de Educação e a Defensoria correspondente ao lugar de residência do menor.
Conforme afirma José Victoriano Alambarri Herrera, funcionário do Ministério Público de Havana, a adoção requer um complexo trâmite legal, que pode ser solicitado de duas formas: perante um escritório de advocacia coletiva, quando os pais biológicos dão seu aval, ou por meio do Ministério da Educação, se os menores residirem em lares, círculos mistos ou outras instituições.
Normalmente, é necessário um procedimento judicial ou administrativo para cada caso, geralmente chamado de “jurisdição voluntária”, porque não deve haver conflito. O Ministério Público verifica se a criança possui as características necessárias para ser adotada: menores de 16 anos, abandonados intencionalmente pelos pais ou em qualquer estado de abandono por aqueles que os têm sob seus cuidados, desde que extinto o pátrio poder, por morte ou privação de ambos.
“Quando os menores residirem em lares ou círculos infantis mistos, os diretores dessas instituições devem dar seu consentimento, acompanhado de relatório detalhado sobre sua personalidade, motivos pelos quais foram entregues para adoção, entre outras informações importantes; justificando assim o estado de abandono do menor e informando as características da criança aos novos pais e demais pessoas envolvidas no processo ”, explicou a assessora jurídica Benilde Ulloa.
O procurador só pode emitir o parecer depois de ter garantido através de inquéritos preliminares quais são as verdadeiras intenções dos adotantes para com a criança. Se o procedimento for solicitado por mais de uma pessoa, elas devem ter união legal (casamento).
É também aconselhável que haja um conjunto de requisitos de natureza material e normativa: 25 anos de idade, pelo menos 15 a mais do que o adotado, estar em condições de atender às suas necessidades econômicas e ter as condições morais de cumprir os deveres estabelecidos.
Muito trabalho está sendo feito para garantir a felicidade e segurança do menino ou menina cubana sem proteção filial; aqui eles não são filhos de ninguém, mas sim filhos da Revolução, que zela com especial cuidado por seus sonhos e esperanças.
Fotos extraídas da imprensa cubana Tradução: Juliana Medeiros
Neste 13 de agosto de 2020, Fidel Castro Ruz, o comandante histórico da Revolução Cubana, faria 94 anos. Nesse vídeo que compartilhamos aqui, com legendas em português, é possível ouvir de cubanos célebres, como os intelectuais Abel Prieto e Miguel Barnet, mas também de jovens como o Professor Fábio Fernandez, historiador da Universidade de Havana, o quão profundas são as transformações provocadas na sociedade cubana pelo privilégio de ter convivido com Fidel.
Um dos momentos mais marcantes desse material produzido pelo Canal Cubavisión Internacional, é uma frase de Fidel, de que “sem cultura, sem conhecimento, não há liberdade possível”. E está claro que não só a saúde e o esporte, mas a cultura é um dos legados mais reconhecidos do povo cubano cujas realizações a ilha socialista compartilha com o mundo.
O material também tem informações históricas que ajudam a compreender a trajetória de um dos homens mais brilhantes da América Latina contemporânea.
Publicamos abaixo também a transcrição completa desse material.
Sua imagem e seu nome são parte da identidade de Cuba. A revolução que liderou e venceu em janeiro de 1959, materializou os ideais emancipatórios de milhões de seres humanos no mundo e segue sendo inspiração para todos aqueles que sonham e lutam por um mundo melhor.
FIDEL: “Um mundo melhor é possível, mas quando se tenha alcançado um mundo melhor, é possível que tenhamos que seguir repetindo que um mundo melhor é possível e depois voltar a repetir que um mundo melhor é possível”
90 anos é o que viveu Fidel Castro desde que, em 13 de agosto de 1926 nasceu em Birán, na região oriental de Cuba e se converteu no segundo filho homem de sua família. Durante 57 anos dessas 9 décadas, Fidel foi o artífice essencial do processo transformador da nação cubana, em todos os âmbitos.
A história revolucionária de Cuba conheceu o jovem Fidel Castro com apenas 26 anos. Quando ocorreu o golpe de estado de Fulgencio Batista em 10 de março de 1952, ele foi um dos primeiros a denunciar o caráter reacionário e ilegítimo do regime de fato e convocar à sua derrubada.
Organizou e treinou um numeroso contingente de aproximadamente 1200 jovens trabalhadores, empregados, estudantes, que vinham fundamentalmente das fileiras [do partido] ortodoxas. Com 160 deles, em 26 de julho de 1953 comandou o assalto ao Quartel Moncada em Santiago de Cuba e ao Quartel de Bayamo, em uma ação que foi concebida como detonante da luta armada contra o regime de Batista.
Nesta ação, falhou o fator surpresa, mas ainda que seja considerada uma derrota militar, essa história ficou conhecida como a ação que levaria o mundo a conhecer o movimento revolucionário que nascia na ilha.
Feito prisioneiro pelas forças repressivas da tirania, poucos dias depois do revés militar, foi submetido posteriormente ao juízo e condenado a 15 anos de prisão. Durante o processo judicial, assumiu sua própria defesa diante do tribunal que o julgou e pronunciou o discurso conhecido como “A história me absolverá” em que impulsionou o programa da futura revolução em Cuba.
Em julho de 1955, Fidel viajou ao México para organizar, desde o exílio, a insurreição armada. Depois de meses de treinamento e com Fidel à frente, na madrugada de 25 de novembro de 1956 zarparam em direção à Cuba 82 combatentes, a bordo do Iate Gramna, cuja idade média era de 27 anos.
Desembarcaram em 02 de dezembro nas Playas Coloradas na costa sul-ocidental da antiga província do oriente. Desde a Sierra Maestra continuou a luta revolucionária, e em sua condição de comandante em chefe, dirigiu a ação militar e a luta revolucionária das forças rebeldes e do Movimento 26 de Julho durante os 25 meses de guerra.
No amanhecer do 1º dia de janeiro de 1959, Fidel enfrentou – com uma greve geral revolucionária acatada por todos os trabalhadores – o golpe de estado na capital da república [de Cuba] promovido pelo governo dos EUA.
Ao concluir a luta insurrecional, manteve suas funções como Comandante em Chefe e em 13 de fevereiro de 1959 foi nomeado Primeiro Ministro do Governo Revolucionário, dirigiu e participou de todas as ações empreendidas em defesa do país e da revolução, nos casos das agressões militares procedentes do exterior ou atividades de grupos contrarrevolucionários dentro do país, em especial a derrota da invasão organizada pela Agência Central de Inteligência (CIA- EUA), levada a cabo em Playa Girón em abril de 1961.
Em nome do poder revolucionário, proclamou em abril de 1961, o caráter socialista da Revolução Cubana.
Ocupou o cargo de Secretário Geral das Organizações Revolucionárias Integradas e mais adiante o de Secretário Geral do Partido Unido da Revolução Socialista de Cuba. A partir da constituição do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, em outubro de 1965, seu cargo foi de Primeiro Secretário e Membro do Bureau Político, o que foi ratificado pelos cinco Congressos do Partido efetuados desde então. Foi eleito [e reeleito] Deputado na Assembleia Nacional do Poder Popular representando o Município de Santiago de Cuba, em seus sucessivos períodos de sessões desde a criação [da AP] em 1976. Desde então, e até o ano de 2008,ocupou o cargo de Presidente do Conselho de Estado e Presidente do Conselho de Ministros.
Durante quase 50 anos, impulsionou e dirigiu a luta do povo cubano pela consolidação do processo revolucionário, seu avanço em direção ao socialismo e a unidade das forças revolucionárias e de todo o povo, às transformações econômicas e sociais do país, o desenvolvimento da educação, da saúde, do esporte, da cultura, da ciência, da defesa, o enfrentamento das agressões externas, a condução de uma antiga política exterior de princípios, as ações de solidariedade com os povos que lutam pela independência, e o progresso e aprofundamento da consciência revolucionária internacionalista e comunista do povo cubano.
YADIRA BARRIOS (jornalista): Compartilhamos agora um momento de reflexão [no programa] ‘Enlace Cuba’ com o jovem professor da Universidade de Havana, Fabio Fernandez, bem vindo!
PROFESSOR FÁBIO FERNANDEZ: Muito obrigado!
YADIRA: Professor, para muitos é difícil compreender essa relação que por mais de cinco décadas se deu entre Fidel – como líder do processo revolucionário cubano – e o povo. Como você analisa essa história, esse diálogo entre o líder e a massa. E o que você acredita que o propiciou?
PROFESSOR: Veja, a história se dá em momentos em que determinados dirigentes ou líderes geram uma conexão tremenda com o grupo humano que buscam representar. Isso está vinculado fundamentalmente com a capacidade desse líder de identificar os ideais, os sonhos, as aspirações dessa comunidade, com a qual ele vai gerando uma conexão. Na história de Cuba, isso passou com o caso de Fidel que fez essa conexão com o povo cubano durante 50 anos de revolução. Agora, esse é um fenômeno que em nossa história já havia ocorrido em outros momentos. Há que pensar, por exemplo, na conexão de um José Martí com esse povo cubano, o qual ele convoca a lutar contra o colonialismo espanhol no final do século XIX, ou podemos pensar em um dirigente como Julio António Mellia, que também conseguiu ser um “furacão” que mobilizou a cidadania contra determinados assuntos que em sua época marcavam a cotidianidade cubana. E o que ocorre com Fidel é que desde a década de 50 ele é capaz de interpretar, repito, a lógica, a aspiração que movia a cidadania e depois consegue manter essa conexão a partir de realizações que foram marcando essa imbricação profunda que se gerou. Eu acredito que é a mágica, vamos chamar assim, de uma liderança carismática, essa capacidade de [fazer] que um povo entenda que um líder o representa e que esse líder está à altura da exigência que continuamente esse povo o apresenta. É algo muito difícil de explicar, algo que sociólogos, historiadores, psicólogos tentaram explicar com todas as suas variáveis e sempre se torna um pouco nebuloso porque, repito, esse é um fenômeno que tem certas doses de magia, essa capacidade de conexão, não é explicável simplesmente de modo racional porque também funciona o emocional que também é tão vital para as relações que se estabelecem entre os seres humanos.
YADIRA: Professor, porque você acredita que o projeto revolucionário cubano – ainda como foi pensado, como um projeto de nação – transcendeu fronteiras? E que papel você acredita que Fidel teve nisso?
PROFESSOR: A Revolução Cubana se converteu em um símbolo para os povos do terceiro mundo por sua capacidade de representar o fato de que determinadas aspirações históricas podiam se consumar. E que aspirações fundamentais? Justiça social e soberania nacional. Os povos do terceiro mundo, fundamentalmente, mas inclusive os povos de toda a humanidade entenderam a Revolução Cubana como um caminho, como uma via que podia levar à consumação dessas lutas históricas. Dentro de todo esse contexto, surge o simbolismo de Fidel. Como grande líder dessa revolução e como o homem que é capaz de, em conexão com seu povo, encontrar os caminhos para que essa aspiração de justiça, para que essa aspiração de soberania, pudesse verdadeiramente se materializar. Eu acredito que o simbolismo da Revolução Cubana, pela contundência de suas conquistas, é indubitavelmente o que marcou a conexão com esses povos, que não somente o [povo] cubano. Eu acredito que por aí se move essa história e inclusive é interessante como já são 60 anos do triunfo da Revolução Cubana e ainda o nome de Cuba segue representando, para muitas pessoas no mundo, a ideia de que há sonhos que podem ser verdade, que podem se materializar para além das dificuldades ou dos problemas, Cuba segue tendo uma carga simbólica tremenda para todos aqueles homens que aspiram – homens e mulheres, claro – que aspiram um mundo diferente e um mundo conectado com as mais arraigadas aspirações populares.
FIDEL: “E o que fazemos com a produção de armas nucleares, diante de um inimigo que tem milhares de armas nucleares? Entrar nesse jogo dos enfrentamentos nucleares? E nós possuímos “armas nucleares”, mas são nossas ideias! Nós possuímos “armas nucleares”, mas essas são a magnitude da justiça pela qual lutamos. Nós possuímos as “armas nucleares” da virtude, do poder invencível das armas morais. Por isso que nunca me ocorreu [ter armas nucleares]. O que me ocorreu foram “armas biológicas”, e para quê? As armas [biológicas] para combater a morte, para a combater a AIDS, as enfermidades, para combater o câncer. A isso é que dedicamos nossos recursos, apesar do banditismo desse – já não me lembro como se chama esse tipinho – que foi nomeado, não sei se algum de vocês se lembra, Bolton, Borton… sei lá, que está nada menos que secretário, representante dos EUA nas Nações Unidas! Um super mentiroso, descarado, que inventou que Cuba estava no centro da engenharia genética, investigando, para produzir armas biológicas. Também nos acusou de estar colaborando com o Irã, transferindo tecnologia. E o que estamos é construindo, entre Irã e Cuba, uma fábrica de produtos anticancerígenos! Isso é o que estamos fazendo e também querem nos proibir. Que vão para o diabo! Ou para onde queiram ir esses idiotas, que aqui não vão assustar ninguém”.
YADIRA: Em meio à pandemia de Covid-19 que já cobrou milhares de mortes em todo o mundo, os profissionais de saúde cubana que colaboraram com o controle da enfermidade em mais de 20 nações tem sido os mais fiéis expoentes do ideal internacionalista de Fidel. Da Itália nos chegam essas reflexões que Cubavisión Internacional compartilhou em seus espaços nas redes sociais.
MICHELE CURTO (italiano): Para mim pareceu incrível quando vi aterrissar esse avião porque na verdade me dei conta que a história estava se acelerando. Foi extremamente emocionante e de imediato nos sentimos responsáveis, nós sabíamos que esse não era um ponto de chegada mas sim um ponto de partida. Encontrei um grupo de cubanos – porque muitas vezes lhes dizem “heróis” – mas eu diria um grupo de cubanos estelares. Eram jovens muito preparados, profissionais muito capazes, super comprometidos, que chegaram com uma tarefa clara e um compromisso muito forte. Colocaram em risco suas próprias vidas para lutar por minha cidade e pelo meu povo. Para mim esse é o resultado maduro da Revolução Cubana e dos ensinamentos do Comandante Fidel. Os médicos cubanos nos deram esperança, nos fizeram melhores, minha cidade é ainda mais linda depois do que aconteceu aqui. Porque isso é tão lindo, tão claro, que fica e ficará por muito tempo. Outro momento muito emocionante foi depois de três meses que estivemos fechados nesse hospital, sem ver a luz do sol, subimos todos juntos o Pico Fidel. O pico é uma conquista dos nossos jovens aqui de Turín. Porque, bem, quando faleceu o Comandante Fidel Castro, eles estenderam uma bandeira imensa na Torre aqui da cidade, que dizia “Hasta Siempre, Fidel”. E no aniversário de um ano [de sua morte], voltamos a subir ao Pico e o declaramos – graças aos apoio das prefeituras da região – esse pico oficialmente dedicado ao Comandante e que certamente será um dos primeiros. Mas ir aí com os médicos, para nós restou quase pacificado essa figura do ensinamento do Comandante com um dos resultados mais lindos, que são esses jovens tão preparados, de verdade que isso foi lindo. Hoje o que eu tenho claro e levo dessa experiência, é que quando se luta de verdade com compromisso, com convencimento e com unidade, se pode ganhar qualquer resultado. E de verdade, esses médicos demonstraram tanto aos médicos italianos, quanto a todos nós, que se pode. De verdade, sim, é possível. E sempre também com uma aposta muito clara, de que nós nascemos para apoiar Cuba e sua revolução e para derrubar o bloqueio norteamericano.
YADIRA: Em maio de 1985, durante 23 horas, Fidel e o Frei Dominicano de origem brasileira, Frei Betto, dialogaram sobre religião e temas contemporâneos. Dessa extensa conversa, nasceu o livro “Fidel e a religião” que foi publicado em mais de 20 idiomas. O intelectual brasileiro definiu Fidel como “um homem de transcendência histórica, não somente para América Latina, mas para todo o mundo”. Com exclusividade para “Enlace Cuba”, neste agosto de 2020, Frei Betto compartilha uma carta para seu amigo.
FREI BETTO: "Querido Fidel, neste dia do seu aniversário eu sinto muita saudade de nossas conversas. Sobretudo de sua inteligência luminosa para guiar-nos nessa nova conjuntura pandêmica. A vida e a história estão cheias de imprevistos. Com tantos atentados que a CIA preparou para te assassinar, quem poderia imaginar que você passaria ao outro lado da vida tranquilamente em sua cama, rodeado por pessoas queridas e honrado por seu amado povo cubano. Quem poderia imaginar que a União Soviética se desintegraria em 1991 sem disparar um único tiro. Quem poderia imaginar que os EUA teriam um presidente negro e a Igreja Católica um Papa argentino e progressista.
Durante nossas conversas em sua casa, você me falou várias vezes da séria ameaça de uma guerra nuclear. Esse perigo segue vigente. Mas quem poderia imaginar que esse ano o mundo deixaria de girar devido a um vírus invisível conhecido como Covid-19. Nossa querida Cuba, Fidel, reagiu diante da pandemia com um esforço heroico que se somou às atitudes corretas do povo, dos profissionais de saúde e do governo. Em comparação com outros países, se perderam poucas vidas, graças às medidas adotadas e acatadas pela população. E no espírito internacionalista e solidário que sempre marcou a história da Revolução, enviaram brigadas de saúde para socorrer aos povos de dezenas de países. O vírus colocou em evidência, como nunca, as podres entranhas do capitalismo, a abismal desigualdade social, a suprema contradição entre um sistema que produz avanços tecnológicos admiráveis mas é incapaz de evitar que a humanidade se veja afetada por um simples vírus.
Agradeço a Deus o dom de sua vida, Fidel. Aqui seguimos, com a responsabiliade de sermos fieis ao seu legado e dignos de seu exemplo de vida e de luta.
Venceremos, Comandante!
Fraternalmente, Frei Betto"
YADIRA: Voltamos com as palavras de Frei Betto, quando fala das entranhas do capitalismo. Um eixo central do pensamento de Fidel, é seu pensamento anticapitalista, anti-hegemônico. Professor, o que você ressaltaria do discurso de Fidel, do seu pensamento especificamente anti-hegemônico, em meio a esses últimos acontecimentos que tem convulsionado o mundo nos últimos meses?
PROFESSOR: Fidel foi um pensador realmente anticapitalista, que definiu o capitalismo como um sistema irracional, contrário aos melhores interesses da humanidade. E Fidel foi muito claro, tanto em sua projeção de pensamento como em sua prática, sobre a possibilidade de construir uma alternativa contra hegemônica em relação ao que é ditado pelo sistema capitalista mundial. Eu acho que esses alertas, essa defesa de Fidel de buscar um mecanismo, uma sociedade distinta do capitalismo, um mundo melhor que seria possível, segundo suas palavras, se tornou mais importante nos tempos atuais, em que o capitalismo demonstrou todos os elementos que o definem como um sistema injusto. Estamos vivendo meses de pandemia onde vimos, de forma manifesta, que para o capitalismo, o capital, é muito mais importante a economia do que a vida das pessoas. E como um país como Cuba, que buscou e defendeu uma alternativa ao capitalismo e que prioriza a vida sobre a ganância econômica, logrou resultados de saúde muito mais apreciáveis. E eu acredito que fica claro nesse momento que o capitalismo é um sistema, em mais de um sentido, fracassado sobretudo em sua versão neoliberal e como em circunstâncias verdadeiramente complexas, a lógica do capitalismo, que apenas busca a maximização da riqueza, e riqueza apenas para alguns poucos, não é a solução para os problemas. E Fidel disse isso claramente, ele construiu uma projeção política e desenvolveu uma prática política que sem dúvida aspirava e defendia a possibilidade de construir um mundo diferente do capitalismo. E eu acredito que esses alertas de Fidel, essas aspirações de Fidel estão perfeitamente vivas. E inclusive não somente com relação ao tema da Covid, que é uma conjuntura que, cedo ou tarde o mundo vai superar, mas, por exemplo, está também todo esse tema que tem a ver com os câmbios climáticos, que é um fenômeno muito mais estrutural e aí também Fidel nos disse: “o capitalismo não é o caminho, o capitalismo é o sistema que está levando a humanidade ao colapso. Portanto, eu acredito que as ideias de Fidel e o pensamento anticapitalista de Fidel segue sendo de meridiana importância no contexto que estamos vivendo e frente ao que há por vir.
YADIRA: #SomosContinuidad é uma hashtag constantemente usada nas redes sociais em Cuba e mesmo quando não a mencionam, está contido, contém o pensamento de Fidel. Eu gostaria de saber, professor, que ideais do seu legado você considera essenciais para falar do futuro em Cuba.
PROFESSOR: Veja, falar de continuidade em Cuba implica, obrigatoriamente, se conectar com o legado de Fidel. E a continuidade, na minha opinião, com respeito à projeção histórica de Fidel, tem a ver com vários elementos fundamentais. Em primeiro lugar, a disposição permanente em não se render. Ou seja, a ideia de ser capaz de enfrentar as dificuldades mais tremendas e não se render, ancorando-se a um conjunto de valores, aspirações, a um projeto em que se tenha fé e se deposite esperança. Outro elemento de continuidade é a aposta em uma sociedade distinta do capitalismo, uma sociedade que é preciso aperfeiçoar continuamente, uma sociedade que precisa ainda encontrar plenamente sua definição, mas que está baseada no caminho, ou na consciência de que o caminho não é o que oferece o universo do capitalismo. Eu acredito que esse é outro elemento-chave no pensamento de Fidel que deve marcar a continuidade a que o povo cubano está dedicado. Outro elemento fundamental tem a ver com a inteligência que Fidel teve de entender que a mudança é imprescindível dentro de todo processo social. A ideia de que estar estático é o caminho claro em direção ao fracasso. É preciso mudar para adaptar-se aos contextos, para adaptar-se às novas circunstâncias, mas uma mudança que não implica em renunciar aos ideais, mas implica na capacidade de saber conectar-se com a especificidades dos contextos. E há outro elemento do legado de Fidel que eu creio que também é fundamental, e é sua posição anti-imperialista, vinculada com a defesa da soberania nacional. E à ideia de que um país como Cuba está obrigado, para poder encontrar um caminho claro em direção à prosperidade, está obrigado a manter uma posição de defesa de sua soberania e de não deixar que os destinos de cuba sejam regidos e definidos por uma potência estrangeira. Eu acho que esse é outro elemento do anti-imperialismo de Fidel que é chave para entender essa lógica de continuidade. Eu acredito que Fidel deve nos acompanhar, ao povo cubano, nos desafios do presente e do futuro, sempre lendo seu ideário de maneira crítica, ou seja, não é repetir Fidel, não é se calcar no que Fidel fez, é assumir o espírito de Fidel como uma espora, como uma ferramenta que nos ajuda a entender a realidade e a projetar nosso futuro dentro das complexas circunstâncias que nos cabe viver. Ou seja, a continuidade não é uma mera repetição mecânica. A continuidade é a conexão com um legado, é a conexão com um espírito que nos impulsa a mudar, mantendo sempre os ideais que assumimos como básicos desse projeto de sociedade que estamos construindo. Por aí vai minha ideia de continuidade, mudança, Fidel e seu legado.
YADIRA: Muito obrigada, Fabio por compartilhar conosco suas reflexões, precisamente sobre o líder da Revolução Cubana em ‘Enlace Cuba’.
PROFESSOR: Muito obrigado.
Como um intelectual revolucionário, o próprio Fidel gostava de diálogos com artistas e pensadores. Sob sua liderança indiscutível, Cuba vem sendo nas últimas décadas espaço de encontro e motivo de inspiração para intelectuais e criadores de todo o mundo.
Em junho de 1961, Fidel Castro se reuniu com um grupo de intelectuais na Biblioteca Nacional José Martí para debater temas cruciais dentro da vida cultural cubana. Durante três dias, os escritores e artistas analisaram junto com ele, os desafios que estavam por vir no campo cultural.
FIDEL: “Uma das metas e um dos propósitos fundamentais da revolução é desenvolver a arte e a cultura, precisamente para que a arte e a cultura cheguem a ser um verdadeiro patrimônio do povo”
Nascia aí [o livro] “Palavras aos intelectuais”, uma plataforma de ideias que transcendeu como pedra angular da política cultural da revolução, com uma visão democrática e inclusiva. Sob a liderança de Fidel, se organizou a campanha de alfabetização, a primeira grande conquista cultural da revolução. E se criaram instituições que promoveram as artes e as letras, como o Instituto Cubano do Cinema, a Casa das Américas, a União de Escritores e Artistas de Cuba, o Sistema de Ensino Artístico e outras organizações que converteram ademais a Cuba, desde aqueles primeiros anos da revolução, em um farol para os pensadores, intelectuais e artistas da esquerda latino-americana. O livro deixou de ser um privilégio para se converter em um artigo de primeira necessidade.
MIGUEL BARNET: "Todo esse programa, tudo, foi iniciativa de Fidel. E um dos seus maiores legados, no momento mais difícil do 'período especial', quando quase chegamos ao fundo, a máxima com que Fidel encerrou um Conselho da União de Escritores e Artistas de Cuba, foi: "a cultura é o primeiro que precisamos salvar".
ABEL PRIETO: "Um dos maiores intelectuais, cubanos, latino-americanos e universais de todos os tempos. Um pensador, um homem que ademais escrevia como os deuses, escrevia como os deuses… e um leitor incansável, ele tinha uma relação tão… Fidel acreditava muito no papel transformador da cultura, acreditava muito nisso.. Porque a chave do que ele dizia, tem a ver com a famosa frase de José Martí, sobre liberdade e cultura: "ser culto é o único modo de ser livre". E Fidel o dizia de outra maneira: "sem cultura não há liberdade possível". O programa que ele criou, com Enrique Nuñes Rodriguez, com Miguel Barnet, com a própria Graciela, com os companheiros daquela equipe que estávamos aí na UNEAC [União de Escritores e Artistas Cubanos], Fidel criou um tipo de relação fraterna, ele se sentia muito cômodo se reunindo conosco, ele se sentia muito confortável, inclusive discutindo temas complexos conosco".
AMAURY PEREZ: "Não existe um homem na América Latina que possa chegar onde ele chegou. Ou seja, ele está nesse sentido.. tão heróico, tão Bolívar, tão Martí, onde está San Martín,
é nesse lugar que Fidel está. E os anos apenas vão fazer com que isso se sustente e se sedimente ainda mais".
Artistas e pensadores de todas as gerações reconhecem em Fidel o líder, o intelectual, o homem que incansavelmente se dedicou a semear ideas, a semear consciência e que assumiu o desafio de articular um sistema original no continente, o da cultura em um processo revolucionário e de convertê-la em uma das grandes conquistas sociais de Cuba.
Frequentemente os antibolsonaristas escutam um “Vai pra Cubaaaa!”, quando se manifestam contra os desmando e atrocidades cometidas pelo governo Bolsonaro.Se soubessem a quantas anda a proliferação do coronavírus em Cuba, certamente, até eles, iriam querer estar lá. Como quase não se fala da ilha neste momento tão desafiante para os governos e para a população no mundo todo, devemos compreender tal ignorância.
Por Silmara Conchão* e Eduardo Magalhães Rodrigues**, especial para os Jornalistas Livres
Matéria do jornal O Globo de 13 de maio de 2020, afirma, logo no título, que os casos de coronavírus diminuem, mas mesmo assim o governo cubano intensifica testagem da população. O texto conta que, naquele momento, o país registrava menos de 20 casos por dia. Um mês antes, em abril, eram 50 novos casos registrados diariamente. Em 20 de maio, o Uol divulgou que haviam apenas 13 novos casos, euma semana completa sem nenhuma morte. Desde o início do surto, a ilha fechou suas fronteiras para quem não mora no país e obrigou o uso de máscaras fora de casa. Ou seja, estão hoje muito longe da média de 50 casos registrados no início da pandemia.
Segundo o presidente cubano, Miguel Diaz-Canel, o desafio agora está nas grandes filas que se formam nas lojas devido à falta de itens de necessidade básica provocada pelos 62 anos de embargo econômico dos Estados Unidos contra Cuba. Buscando solucionar esse problema, o governo está se organizando para abastecer a população e entregar alimentos e outros gêneros essenciais nas próprias residências.
Medidas tomadas combinaram ações como o fechamento das fronteiras (desde 2 de abril), supressão de todos os transportes públicos nas cidades, vilas e entre as províncias, fechamento de bares, restaurantes e boates, aumento da ação policial nas ruas para evitar as violações das regras, e uma bateria de medidas sanitárias preventivas com investigações maciças, casa por casa, para detectar os doentes – além das políticas de autocontrole e conscientização do povo para que fique em casa e saia apenas para o estritamente necessário.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 1 médico para cada mil habitantes, os Estados Unidos, sem sistema público, têm 2,59. Cuba tem nove. São 1.800 especialistas em terapia intensiva e 1.200 epidemiologistas, além de 85 mil enfermeiros e 58 mil técnicos. Cerca de 150 hospitais e 450 policlínicas fazem parte da rede de saúde pública e gratuita, embora a maior força de Cuba nesta crise seja o serviço de atenção primária extenso e coeso, bem como, sua capacidade de controle social, o que permite chegar praticamente a todas as residências na busca de possíveis doentes.
Em 12 de junho, o site Brasil de Fato nos conta que o país registra baixo número de mortes e de novas infecções, mas ainda não definiu data para retomada das atividades. Ou seja, três meses após os primeiros registros do coronavírus em Cuba, a pandemia é controlada com políticas detalhadas e população empenhada em cumprir medidas para frear o avanço do vírus.
É uma experiência que une atenção primária à saúde séria, solidariedade e cooperação da população e do governo cubano, que não precisou determinar em nenhum momento o lockdown. A atenção primária é forte e comum na ilha. Todos os bairros tem um médico da família, que atende todas as comunidades do país. Estes profissionais agora contam com reforço de dezenas de milhares de colegas e alunos (as) de medicina que percorrem regiões em busca de qualquer sinal do vírus. Todos os dias moradores recebem visitas de equipes da saúde que verificam as condições da família toda. O governo também se empenhou em distribuir remédios naturais para melhorar a imunidade.
Os transportes públicos continuam suspensos, o que aumenta a adesão à quarentena. Atendendo o deslocamento dos trabalhadores (as) essenciais, o governo destacou ônibus específicos com lotação limitada. As escolas estão fechadas, mães e mulheres grávidas foram liberadas do trabalho, sem prejuízo do salário. O cuidado é tanto que o governo já anunciou a suspensão do Carnaval 2021.
Cuba e seu sistema socialista, desenvolve, há décadas, uma estrutura capaz de enfrentar pandemias porque atua fortemente na saúde pública e preventiva, no campo da pesquisa, educação, segurança e organização popular. Cuba tem demonstrado que o mais importante é a vida de sua população.
Enquanto isso, no Brasil,o governo federal nega a gravidade da pandemia e o poder econômico pressiona os governos locais pelo fim do isolamento social. Negligenciam as desigualdades sociais que se acirram com o desemprego e a ameaça de corte do ínfimo auxílio emergencial. Alegam que o país não pode continuar mantendo a distribuição dos recursos à população para não prejudicar as contas públicas. A contaminação e as mortes se multiplicam diariamente e já passamos dos 60 mil brasileiros mortos pela Covid-19.
Estamos falando de mortes evitáveis. Somos uma nação rica, mas com uma das maiores concentrações de renda do planeta. Não há crise econômica, ela é fabricada para justificar a continuidade da abjeta desigualdade social brasileira. Estamos sendo enganados, a mente dos pobres e miseráveis é manipulada para que acreditem na falência ou incapacidade financeira do Estado. Quando todos estivermos mortos, não haverá economia possível.
Frequentemente o “gado” nos manda para Cuba. Pensando aqui, não seria má ideia, até porque estamos afrouxando o isolamento, dado o sério compromisso dos nossos governantes com o capital, mais do que com a vida. Diferentemente, Cuba está fechada e o presidente afirma a importância de ainda manter as medidas sanitárias e de quarentena, evitando retrocessos.
Apesar do sucesso do papel do Estado no combate à pandemia, autoridades cubanas de saúde disseram que não pretendem flexibilizar a quarentena e que o país provavelmente ficará fechado durante todo o segundo semestre de 2020.
Quem sobreviver ao vírus no Brasil deve aprender a lição: é dever do Estado ser forte com quem mais precisa e não só com os ricos. É dever do Estado responsabilizar-se pela saúde e educação públicas de qualidade e universal. É dever do Estado investir na ciência, garantir direitos sociais e humanos, o que inclui o acesso à uma renda mínima, básica, decente.Assim é em Cuba. Vamos para Cuba!
*Silmara Conchão
Socióloga, feminista e professora universitária. Mestra em Sociologia pela FFLCH/USP e Doutora em Ciências da Saúde.
**Eduardo Magalhães Rodrigues
Sociólogo e pesquisador da Universidade Federal do ABC. Mestre em Relações Internacionais e Doutor em Planejamento e Gestão do Território.
Para o filósofo e linguista Noam Chomsky, a primeira grande lição da atual pandemia é que estamos diante de “outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo”, que no caso dos Estados Unidos está agravado pela natureza dos “bufões sociopatas que dirigem o governo” liderado por Donald Trump.
De sua casa em Tucson (Arizona) e longe de seu gabinete no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), desde que transformou para sempre o campo da linguística, Noam Chomsky repassa em uma entrevista com “Efe” as consequências de um vírus que deixa claro que os governos estão sendo “o problema e não a solução”.
Que lições positivas podemos extrair da pandemia?
A primeira lição é que estamos diante de outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo. Se não aprendemos isso, a próxima vez que acontecer algo parecido vai ser pior. É óbvio após o que ocorreu depois da epidemia do SARS em 2003. Os cientistas sabiam que viriam outras pandemias, provavelmente da variedade do coronavírus. Teria sido possível se preparar naquele ponto e abordá-lo como se faz com a gripe. Mas não se fez.
As empresas farmacêuticas tinham recursos e são milionárias, mas não o fazem porque os mercados dizem que não há lucros em se preparar para uma catástrofe virando a esquina. E depois vem o martelo neoliberal. Os governos não podem fazer nada. Estão sendo o problema e não a solução.
Estados Unidos é uma catástrofe pela jogada que fazem em Washington. Sabem como culpar todo mundo exceto a eles mesmos, apesar de serem os responsáveis. Somos agora o epicentro, em um país que é tão disfuncional que nem sequer pode prover de informação sobre a infecção à Organização Mundial da Saúde (OMS).
Qual sua opinião do gerenciamento da administração Trump?
A maneira como isto se desenvolveu é surreal. Em fevereiro a pandemia estava já fazendo estragos, todo mundo nos Estados Unidos o reconhecia. Justo em fevereiro, Trump apresenta alguns orçamentos que vale a pena olhar. Cortes no Centro de Prevenção e Controle de Doenças e em outras partes relacionadas com a saúde. Fez cortes no meio de uma pandemia e incrementou o financiamento das indústrias de energia fóssil, a despesa militar, o famoso muro…
Tudo isso diz algo da natureza dos bufões sociopatas que administram o Governo e porque o país está sofrendo. Agora buscam desesperadamente culpar alguém. Culpam a China, a OMS… e o que têm feito com a OMS é realmente criminoso. Deixar de financiá-la? Que significa isso? A OMS trabalha em todo mundo, principalmente em países pobres, com temas relacionados com a diarreia, a maternidade… Então que estão dizendo? “Ok, matemos um montão de gente no sul porque talvez isso nos ajude com nossas perspectivas eleitorais”. Isso é um mundo de sociopatas.
Trump começou negando a crise, disse inclusive que era um boato democrata… Pode ser esta a primeira vez que os fatos venceram Trump ?
A Trump há que lhe conceder um mérito… É provavelmente o homem mais seguro de si mesmo que já existiu. É capaz de sustentar um cartaz que diz “amo vocês, sou seu salvador, confiem em mim porque trabalho dia e noite para vocês” e com a outra mão te apunhalar pelas costas. É assim que se relaciona com seus eleitores, que o adoram independentemente do que faça. E recebe ajuda por um fenômeno mediático formado por Fox News, Rush Limbaugh, Breitbart… que são os únicos meios que assistem os republicanos.
Se Trump diz em um dia “é só uma gripe, esqueçam dela”, eles dirão que sim, que é uma gripe e que há que se esquecer. Se no dia seguinte diz que é uma pandemia terrível e que ele foi o primeiro a se dar conta, gritarão em uníssono e dirão que ele é a melhor pessoa da história.
Ao mesmo tempo, ele mesmo olha Fox News pelas manhãs e decide o que supõe que tem que dizer. É um fenômeno espantoso. Rupert Murdoch, Limbaugh e os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição.
Pode esta pandemia mudar a maneira com que nos relacionamos com a natureza?
Isso depende dos jovens. Depende de como a população mundial reaja. Isto nos poderia levar a estados altamente autoritários e repressivos que expandam o manual neoliberal inclusive mais que agora. Recorde: a classe capitalista não cede. Pedem mais financiamento para os combustíveis fósseis, destroem as regulações que oferecem alguma proteção… No meio da pandemia nos Estados Unidos, eliminaram normas que restringiam a emissão de mercúrio e outros contaminantes… Isso significa matar mais crianças estadunidenses, destruir o meio ambiente. Não param. E se não há contraforças, é o mundo que nos sobrará.
Como fica o mapa de poder em termos geopolíticos depois da pandemia?
O que está acontecendo a nível internacional é bastante chocante. Isso que chamam de União Europeia. Escutamos a palavra “união”. Ok, veja a Alemanha, que está gerenciando a crise muito bem… Na Itália, a crise é aguda… Estão recebendo ajuda da Alemanha? Felizmente estão recebendo ajuda, mas de uma “superpotência” como Cuba, que está mandando médicos. Ou chinesa, que envia material e ajuda. Mas não recebem assistência dos países ricos da União Europeia. Isso diz algo…
O único país que tem demonstrado um internacionalismo genuíno tem sido Cuba, que tem estado sempre sob estrangulamento econômico por parte dos EE.UU. e por algum milagre têm sobrevivido para seguir mostrando ao mundo o que é o internacionalismo.
Mas isto não se pode dizer nos Estados Unidos porque o que tens de fazer é culpar Cuba de violações dos direitos humanos. De fato, as piores violações de direitos humanos têm lugar ao sudeste de Cuba, em um lugar chamado Guantánamo que Estados Unidos tomou à ponta de pistola e se nega a devolver.
Uma pessoa educada e obediente supõe-se que tem que culpar a China, invocar o “perigo amarelo” e dizer que os chineses vêm nos destruir, nós somos maravilhosos.
Há um chamamento ao internacionalismo progressista com a coalizão que Bernie Sanders começou nos Estados Unidos ou Varoufakis em Europa. Trazem elementos progressistas para contrarrestar o movimento reacionário que se forjou da Casa Branca (…) da mão de estados brutais do Oriente Médio, Israel (…) ou com gente como Orban ou Salvini, cujo desfrute na vida é se assegurar de que as pessoas que fogem desesperadamente da África se afoguem no Mediterrâneo.
Coloque todo esse “reacionarismo” internacional de um lado e a pergunta é… serão contestados? Eu só vejo esperança no que Bernie Sanders tem construído.
Que tem perdido…
Diz-se comumente que a campanha de Sanders foi um fracasso. Mas isso é um erro total. Tem sido um enorme sucesso. Sanders tem conseguido mudar o âmbito da discussão e a política, e coisas muito importantes que não podiam ser mencionados há alguns anos e que agora estão no centro da discussão, como o Green New Deal, essencial para a sobrevivência.
Não lhe financiaram os ricos, não tem tido apoio dos meios… O aparelho do partido teve que manipular para evitar que ganhasse a indicação. Da mesma maneira que no Reino Unido o ala direita do Partido Trabalhista destruiu Corbyn, que estava democratizando o partido de uma maneira que não podiam suportar.
Estavam dispostos até a perder as eleições. Temos visto muito disso enos Estados Unidos, mas o movimento permanece. É popular. Está crescendo, são novos… Há movimentos comparáveis na Europa, podem marcar a diferença.
Que acha que passará com a globalização tal e qual a conhecemos?
Não há nada de mal com a globalização. É bom viajar à Espanha, por exemplo. A pergunta é: que forma de globalização? A que se desenvolveu tem sido sob o neoliberalismo. É a que se tem desenhado. Tem enriquecido os mais ricos e existe um enorme poder em mãos de corporações e monopólios. Também tem levado a uma forma muito frágil de economia, baseada em um modelo de negócio da eficiência, fazendo as coisas ao menor custo possível. Esse raciocínio leva a que os hospitais não tenham certas coisas porque não são eficientes, por exemplo.
Agora o frágil sistema construído está colapsando porque não pode lidar com algo que tem saído mal. Quando desenhas um sistema frágil e centralizas a produção em um só lugar como a China… Olha a Apple. Fatura enormes lucros e poucos ficam na China ou em Taiwan. A maior parte de seu negócio vai para onde provavelmente têm localizado um escritório do tamanho de meu estúdio, na Irlanda, para pagar poucos impostos em um paraíso fiscal.
Como é que podem esconder dinheiro em paraísos fiscais? Isso faz parte da lei natural? Não. De fato nos Estados Unidos até Reagan, era ilegal. Assim como as compras de ações. (…) Eram necessárias? Reagan legalizou.
Tudo foi projetado, são decisões… que têm consequências que vemos ao longo dos anos e uma das razões que se encontra é o mal chamado “populismo”. Muita gente estava enfadada, ressentida e odiava o governo de forma justificada. Isso tem sido um terreno fértil para demagogos que podiam dizer: sou teu salvador e os imigrantes isso e aquilo, etc.
Acha que, depois da pandemia, os Estados Unidos estarão mais perto de uma previdência universal e gratuita?
É muito interessante ver essa discussão. Os programas de Sanders, por exemplo, previdência universal, taxas universitárias gratuitas… Criticam-no em todo o espectro ideológico. As críticas mais interessantes vêm da esquerda. Os colunistas mais liberais do New York Times, CNN e todos eles… Dizem que são boas ideias, mas não para os estadunidenses.
A previdência universal está em todas as partes. Em toda Europa de uma forma ou de outra. Em países pobres como Brasil, México… E a educação universitária gratuita? Em todas as partes… Finlândia, Alemanha, México… em todos os lados. De modo que o que dizem os críticos na esquerda é que Estados Unidos é uma sociedade tão atrasada que não pode ser colocado à altura do resto do mundo. E isso diz bastante da natureza, da cultura e da sociedade.
Bolsonaro defeca na Assembleia Geral da ONU – Foto: Alan Santos / Presidência da República
Como era de se esperar, a verborragia indecorosa, o discursivo corrosivo, o grotesco, o inadmissível, o escatológico, o inominável, o irrepresentável foram alguns dos fios que enovelaram a fala de estreia do “presidente da República Federativa do Brasil”, na abertura da Assembleia Geral da ONU, neste 24 de setembro.
Das grosseiras que ele cultivou no solo brasileiro, e que foram irrigadas por diversos setores da população, floresceram tiques autoritários, instintos nazi-fascistas, uma índole anti-indígena, racista e homofóbica, um “liberalismo imoral e um moralismo obsceno”, como disse Jorge Coli, oferecidos para degustação em escala planetária na tradicional Assembleia. Provisoriamente, as lideranças mundiais tiveram que digerir o “indigerível”. Numa espécie de “quem tiver ouvidos para ouvir ouça” (e estômago também), Bolsonaro rasgou literalmente o verbo.
Destaquemos algumas das aberrações: anunciou que não haverá demarcação de terras indígenas, criticou a política que fez a demarcação em passado recente; classificou como falácia a consideração de que a Amazônia é um patrimônio da humanidade e pulmão do mundo; negou a devastação (“A Amazônia não está sendo devastada e nem sendo consumida pelo fogo, como diz a mídia. Não deixem de conhecer o Brasil. Ele é muito diferente do que é estampado pelos jornais.”); comunicou de forma desrespeitosa que “acabou o monopólio do senhor Raoni” (liderança indicada por indigenistas e entidades de direitos humanos ao prêmio Nobel da Paz); atacou organismos de direitos humanos…
Neste diapasão permaneceu pondo em primeiro plano tantas outras de suas obsessões (estas, sim, falaciosas): afirmou combater veementemente a ideologia de gênero que tenta destruir a família brasileira e perverter nossas crianças (se preocupa tanto com família e crianças que até hoje não foi capaz de enviar uma linha sequer de solidariedade à família de Ágatha, brutalmente assassinada no Complexo do Alemão); atacou o politicamente correto; decretou o fim dos sistemas ideológicas que seduziram, tal como o canto da sereia, nossas mentes e corações (sic); defendeu novamente a ditadura militar; declarou que salvou o Brasil do abismo socialista; fez duras críticas à Venezuela e a Cuba…
De Luis XIV a Bolsonaro: o cocô como etiqueta protocolar de Estado
Parece inescapável o paralelo entre a fala de Bolsonaro e a célebre cena do filme O fantasma da liberdade, de Luis Buñuel (1900-1983), tido como um dos mais importantes cineastas surrealistas, um crítico da psicologia moral da burguesia. Ironia, cinismo, refinamento filosófico, fantasmagoria das revoluções são elementos que sempre comparecem na cinematografia de Buñuel e nos fazem pensar, a cada tempo, no nosso tempo.
A cena inverte a liturgia dos atos de comer e defecar: as pessoas sentam-se à volta da mesa em suas privadas e conversam amistosamente; quando sentem a necessidade de fazer as refeições, discretamente dirigem-se ao mordomo e perguntam: — “Por favor, onde fica aquele lugar de…?” e, ato contínuo, evadem-se para um quartinho nos fundos para comer.
Bolsonaro vem defecando sistematicamente na sala sem que apareça um adulto sequer no recinto para dizer-lhe que a sala não é lugar para isso (a não ser que a cena de Buñuel tenha prefigurado uma rotação de perspectiva nesta regra inviolável desde que a privacidade da alcova e dos gabinetes deu às latrinas um lugar de absoluta discrição). O fato de o filme servir como ilustração do que vem acontecendo no mundo dos pronunciamentos políticos (o filósofo esloveno Slavoj Zizek fez semelhante comparação com os discursos de Donald Trump) nos faz pensar mais uma vez e sempre na política das formas.
Tamanho vexame não diz somente da ignorância raivosa, da falta de qualquer polidez de Bolsonaro e do entorno que o assessora, mas revela o núcleo duro das concepções de um governo pensado para não deixar pedra sobre pedra. À ferocidade de um projeto antinacional, antipovo, excludente, ultraliberal, devem corresponder formas discursivas igualmente brutas e violentas. O defecar na sala é a metáfora bem acabada daquilo que um presidente da República não pode fazer. E se ele o faz na frente de todo o mundo é porque tem coragem de ir muito mais além. Eis onde mora o perigo de um discurso sem nenhuma estatura: na fusão entre forma e conteúdo, algo comum nas práticas totalitárias e absolutistas, que indicia e prefigura modos inomináveis de ação.
Pode-se lembrar das formas de apresentação e adoração de figuras como Luis XIV (1638-1715), que sacralizava o próprio poder por meio de sua ostensiva visibilidade; ser visto, contemplado e reverenciado evidenciava e exaltava a supremacia de quem manda e de quem pode. O cerimonial das fezes do rei era uma etiqueta protocolar de Estado que se expôs ao olhar e à adoração de um público numeroso, como bem descreveu Mauricio Paroni de Castro:
Todas manhãs de Versailles principiavam com a disputa e o suborno de funcionários pela honra de segurar uma suave baixela de frescas fezes reais; passavam-na de mãos para ser cheirada e reverenciada como de origem divina. O nobre cocô era alegorizado no século em que o teatro e todas as formas de representação valiam mais que o ouro: valiam o poder. O Rei-Sol se acomodava sobre um buraco estratégico na sua “chaise d’ affaires” (cadeira de negócios). Era tudo público e transparente. Problemas de Estado eram então discutidos. (…). Fazer cocô e o cocô em si eram uma coisa só quando se tratava do Rei de França pela graça de Deus. Loucura? Nem tanto. A encarnação real sob forma divina o autorizava a legislar, governar e julgar sobre o que bem entendesse.
Dos modos de apresentação dos reis-governantes absolutistas às formas contemporâneas dos líderes democráticos e republicanos se colocarem no mundo, muita coisa mudou, principalmente no que tange à prática de defecar. Mas algo neste final de manhã de 24 de setembro me fez pensar, por uns instantes, que parecíamos estar no espetáculo das fezes de Luis XIV. Li e reli no Twitter diversas manifestações de apoio e reverência ao discurso de Bolsonaro na ONU: “Orgulho de ser brasileiro”. “Mitou, novamente”; “Bolsonaro falou a verdade, doa a quem doer”. “Estamos cada vez mais com Bolsonaro, uhuuuu!” “Meu presidente, orgulho da Nação, Brasil, força e coragem!” “Goste-se ou não, Bolsonaro fez um discurso de estadista”…
Embora saibamos que muitas dessas manifestações são irradiadas de bots, não se tem como negar que as fileiras que se formam para defender o capitão nestes espaços são numerosas. Tais exaltações me pareceram a reprise do momento ritualístico em que a plebe passava de mão em mão a baixela abarrotada de cocô do rei para ser cheirada e reverenciada como se divina fosse.
Para não parecer tão anacrônica, logo procurei outra correlação mais atual para tentar argumentar sobre o famigerado discurso de Bolsonaro e imediatamente me dei conta que tal associação não era assim tão fora de esquadro: uma vez que vivemos uma quase autocracia, com uma dinastia comandando o país (não temos uma cadeira presidencial, mas um sofá em que pai e filhos mandam e desmandam), a etiqueta protocolar dos Bolsonaro nos ensina que, a exemplo da forma de governar de Luis XIV, o fazer cocô e o cocô são uma coisa só, que enquanto fala do absurdo, do inaceitável e do inominável, figurações da política assumem a forma do grotesco, autorizando-o a governar e a julgar sobre o que bem entende, e da forma que bem entende.
A quem se aferra a ideia de que Bolsonaro não tem como destruir a combalida democracia por conta do manto institucional que tecemos nos últimos anos, ele dobrou a aposta, foi para ONU e disse com todas as letras que, sob o seu comando, tudo e um pouco mais é possível nos tristes trópicos. Quem dá mais?
E o desgoverno Bolsonaro não para de causar estragos na vida dos mais pobres e vulneráveis. Em novembro do ano passado, após declarações ofensivas e ameaçadoras de Bolsonaro, Cuba determinou que médicos cubanos deveriam deixar o Brasil. Depois de tomar posse, Bolsonaro disse que os médicos cubanos seriam substituídos por médicos brasileiros.
Criado em 2013, no governo de Dilma Rousseff, o Mais Médicos levou 15 mil médicos para as áreas onde faltavam profissionais. O programa chegou a ter, até 2017, 18.240 médicos, garantindo acesso a 63 milhões de pessoas em 4.058 municípios. O formato da “importação” de médicos de outros países foi alvo de duras críticas de associações representativas da categoria, sociedade civil e estudantes da área da saúde, que alegaram que médicos estrangeiros precisavam fazer o Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos), uma forma de avaliar a qualidade de médicos estrangeiros que querem trabalhar no país (como se sabe, Cuba tem índices de países desenvolvidos na saúde, apesar dos embargo econômico que sofre há décadas). Como medida emergencial para atender rapidamente os municípios mais carentes, o governo Dilma determinou que os médicos estrangeiros deveriam passar três semanas em uma universidade brasileira, antes de começarem a atender pelo Mais Médicos, o que desagradou o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira.
Antes do Mais Médicos, o Brasil possuía cerca de dois médicos para cada mil habitantes – índice considerado bom, mas havia no país uma distribuição desigual de médicos por região: 22 estados possuíam um índice inferior à média nacional e apenas 8% dos médicos estavam em municípios com população inferior a 50 000 habitantes, que somam 90% das cidades brasileiras. Depois de tomar posse em janeiro deste ano, o governo cumpriu sua promessa de colocar médicos brasileiros no lugar dos cubanos: anunciou a abertura de novas vagas para o Mais Médicos. No entanto, em três meses, cerca de 1052 dos novos médicos desistiram da vaga; a maioria foi para cidades maiores ou retornou ao seu lugar de origem. O resultado dessas desistências é que vários municípios carentes estão sem médicos no momento.
Nota: Em novembro de 2018, a Associação Brasileira de Municípios divulgou nota pedindo a Jair Bolsonaro ações imediatas para reverter a decisão do Ministério da Saúde Pública de Cuba de se retirar do Programa Mais Médicos.