Cinquenta reais ou um pão com mortadela. Esses são alguns dos “pagamentos” que os manifestantes de esquerda foram mais uma vez acusados de receber para, em troca, participarem do ato realizado na Avenida Paulista no último dia 18, contra o golpe e a favor da democracia. Os comentários surgiram com a veiculação de matérias antigas na internet – publicadas originalmente em 2015 e 2013 – que falavam de pessoas que transitavam com bolos de dinheiro nas mãos e distribuíam entre os presentes.
“Vim do Parque Independência, no Capão Redondo, de Metrô e ônibus. Não teve benefício nenhum. Nós, de movimentos sociais, vimos por vontade própria. É condição do nosso bolso. Ninguém nos obriga a nada. Se é bom para nós, vimos pra dar apoio. Não existe esse negócio de pão com mortadela. Vem quem quer. Não tem ônibus fretado. Vimos a pé quando não tem transporte, pedimos carona”, explicou Simone de Santos Mota, que é faxineira e integrante do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) desde 2007.
Edson explicou que ele e outros ocupantes vieram de caravana, em um ônibus fretado pelo movimento. Algum problema nisso? Não para ele. “A gente vem porque ‘tamo’ na luta”. Perguntamos o que ele acha do pensamento de que os manifestantes participam do ato somente porque o ônibus é “de graça”, e também se ele teria disposição de viajar quase duas horas em troca de um lanche. “Jamais, jamais, jamais. Saio por luta, para lutar pelos nossos direitos. Por conta própria. A pessoa [que diz isso] não sabe o que é a luta, porque é uma pessoa de berço. A gente que luta desde criança, batalha pra ter o seu espaço, sabe qual que é a realidade. Não estamos aqui pra lutar por pedaço de pão com mortadela. A gente tá lutando pelo nosso direito, que é a democracia”, salientou.
Também moradora da Vila Soma e partilhando da mesma opinião, Rosemeire Costa, que representa o MTST e a CUT (Central Única dos Trabalhadores), veio com a família e uma amiga. Ela conversou com a reportagem enquanto descansava da caminhada de quase oito quilômetros, comendo alguns biscoitos para recuperar as energias. “Trouxemos tudo de casa. Refrigerante, tudo”. A amiga complementou: “Comemos em casa”.
Foto: Sato do Brasil para os Jornalistas Livres
Nilton França, ajudante de pedreiro, veio da Ocupação Palestina, no bairro do Jangadeiro, próximo ao Jardim Ângela. Cearense, Nilton vive no estado de São Paulo há quase 30 anos e fez questão de comparecer para ajudar o movimento sem terra, que na opinião dele recebeu mais atenção nos governos da presidente Dilma e do ex-presidente Lula. “Só voto no PT, porque é o partido melhor que tem. Hoje não tá muito bom, mas melhor que se fossem os outros. Com os outros não podíamos comprar nada”. Para estar ali e provar a sua convicção política, ele pegou ônibus e Metrô, tudo pago por ele próprio. “Nunca tive auxílio nenhum do movimento. Tô aqui porque eu quero. É o povo mais ‘coisado’ que fala isso [sobre o pão com mortadela], né? Acham que fazemos isso por troco de pão, porque somos pobres. Nunca recebi. Paguei a passagem e vou pagar a de volta”.
Até mesmo as lideranças do movimento relataram a mesma iniciativa para participar do ato. Gabriel Simeone, professor e coordenador do MTST, nos indagou. “Se eu te falar que mal tenho dinheiro pra voltar pra casa você vai acreditar? É isso. Quando acabar [o ato], dá uma olhada na quantidade de gente que vai andar de volta até Pinheiros porque só tem dinheiro pra pegar o ônibus intermunicipal até a região de Taboão da Serra, e não consegue pagar o municipal. Você vai ver que as pessoas que estão aqui tão porque o projeto [de governo] que vai entrar vai contra o interesse popular e dos trabalhadores [referindo-se ao ajuste fiscal, uma das causas da manifestação]”.
Foto: Eduardo Nascimento para os Jornalistas Livres
Gabriel complementou explicando que, da parte do MTST, seria inviável qualquer tipo de “financiamento”. “É só você olhar pro padrão de vida das lideranças de todo mundo que é do movimento. Vai pagar como? Vai pagar o que? Vai pagar de onde? Não tem como pagar nada, estamos aqui tirando do bolso”. Quando questionado se já vira alguma vez – ao longo dos seus dez anos de militância – o “distribuidor de dinheiro das manifestações” que abordamos no início da reportagem, Gabriel reagiu com sarcasmo: “Queria muito ver (risos). Tô esperando. Procuro ansiosamente por esse maluco ai. Quando eu achar ele eu vou ser um cara mais feliz”, ressaltou.
Outro movimento presente em bom número no ato era a Intersindical. Conversamos com um dos seus representantes, Everton Vieira, que também é presidente do Psol (Partido Socialismo e Liberdade) do Guarujá, que fez uma análise semântica da expressão “pão com mortadela”. “A fala expressa o mais puro ódio de classes. Para eles [que usam a expressão], a classe trabalhadora não pode se organizar, não pode ter consciência de classes e lutar pelos seus direitos. Acham que esse direito é deles. Quando eles dizem que vimos até aqui por um pão com mortadela, querem dizer que recebemos algum dinheiro pra estar aqui, querem dizer que somos burros, que não estudamos e não temos condições de analisar a situação de lutar por nossos direitos”, detalhou.
Sobre a existência de auxílio financeiro, Everton foi enfático: “Não existe nenhum tipo de auxílio. Quem vem, vem por vontade própria. As centrais sindicais e a classe trabalhadora organizada juntam-se e racham todas as despesas. Vimos pra poder lutar, ninguém recebe diária ou cachê, nenhum dinheiro”. Perguntamos se poderíamos comprovar essa informação com outros membros da Intersindical e ele concordou: “Com certeza, fica à vontade. A resposta vai ser a mesma”, finalizou, retornando à frente da faixa do sindicato.
Seguimos com a missão. Primeiro, conversamos com Antonio Cordeiro, advogado e membro da Intersindical. “Tô aqui de livre e espontânea vontade para estar junto com os trabalhadores. Venho de Carapicuíba, de trem e Metrô, sozinho. Paguei meu transporte. Não conheço ninguém aqui que tenha recebido um centavo. Todos que estão aqui ao meu lado estão por livre e espontânea vontade. Nunca vi isso. Sou militante há mais de 30 anos. No campo da esquerda nunca vi esse tipo de procedimento, é um expediente usado pelo campo da direita em campanha”, pontuou.
Foto: Sato do Brasil para os Jornalistas Livres
“É um expediente usado pelo campo da direita em campanha”. Praticamente com as mesmas palavras, Charles Marinho de Sousa, do Sindicato dos Químicos – filiado à Intersindical – opinou sobre a questão. Seu depoimento corroborou a versão da liderança da legenda de que não há ajuda financeira, mas sim – e tão somente – o uso do dinheiro do caixa do sindicato para pagar o ônibus vindo da cidade de Sumaré e também para ajudar na alimentação dos manifestantes. O que, na opinião dele, não representa qualquer problema nem pode ser confundido com a “compra” da presença das pessoas.
“Milito desde a época do PT. Ajudei na fundação do PSOL em Sumaré. Vim de ônibus fretado do sindicato pra trazer a militância. O dinheiro vem do caixa do sindicato. Entendemos que o dinheiro é do trabalhador e precisa ser usado a favor dos trabalhadores, para luta. Temos isso aprovado em nosso congresso da classe trabalhadora. Não vejo problema nenhum. Como o militante vem pra cá e não pode tomar uma água, comer um lanche? Aliás, achamos injusto ele ter que tirar esse dinheiro do bolso, pois ele já é penalizado com transporte caro, salário baixo. Não tem nenhum dinheiro [na mão]. As pessoas vêm porque acreditam na luta”, concluiu.
Trairi, no Ceará, é uma das cidades litorâneas que estão próximas a área de possível exploração petrolífera
Agosto de 2013. Ocorre a primeira rodada de leilões da ANP (Agência Nacional do Petróleo) com a oferta de Blocos de exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial Brasileira, localizados nas bacias sedimentares Potiguar, Ceará, Barreirinhas, Pará-Maranhão e Foz do Amazonas.
A região é conhecida por sua importância no cenário da pesca, sendo responsável por produzir e exportar para diversos pontos do mundo, além do próprio Brasil. Uma característica que por si só demonstra um pouco da grande fauna marinha que compõe biomas importantes para a manutenção do ecossistema local.
Ao longo da costa, diversas vilas de pescadores praticam a pesca de forma artesanal, muitas vezes por meio de canoas e jangadas. Segundo o antigo Ministério da Pesca e Aquicultura, cerca de 45% da produção anual de pescado proveem da pesca artesanal.
Comunidade do Assentamento Maceió, de Itapipoca (CE). Pescadores temem impactos da sísmica
“A pesca não é só uma profissão para nós, é uma cultura milenar que vem passando por gerações”. A definição é dada por João Batista dos Santos, coordenador do Movimento dos Pescadores e das Pescadoras Artesanais e tesoureiro da Acomota (Associação Comunitária dos Moradores de Tatajuba), em Camocim (CE), município ao sul dos blocos.
Por isso, o processo de licenciamento ambiental é imprescindível para a exploração de petróleo. A partir dele é analisada a viabilidade socioambiental da instalação de empreendimentos potencialmente poluidores, uma forma de garantir o monitoramento e eventual compensação dos impactos socioambientais e riscos de implantação.
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) exige o cumprimento de condicionantes específicas para as empresas que adquirem blocos nos leilões da ANP – assim como em qualquer lugar do Brasil onde se deseja explorar petróleo e gás da natureza, segundo o artigo 8º da Resolução 237/97 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que define os critérios para licenciamento ambiental “estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação”.
Porém, em setembro de 2015 – data da publicação no Diário Oficial da União –, a presidência do IBAMA concedeu licença ambiental à empresa PGS para a realização de pesquisa de sísmica 3D (ferramenta que identifica estruturas geológicas do fundo do mar por meio de canhões de ar comprimido que emitem ondas sonoras) na Bacia Sedimentar do Ceará sem que algumas das condicionantes exigidas pela equipe técnica da CGPEG (Coordenação Geral de Petróleo e Gás), setor da entidade responsável pela condução técnica dos processos de licenciamento de atividades marítimas de petróleo, fossem garantidas (veja aqui documento na íntegra: LPS 103-2015 PGS (1ª RETIFICAÇÃO) – Programa CEARÁ_R11_3D (Proc. 2094-13)). São elas: Projeto de Monitoramento de Praias; Projeto de Monitoramento de Mamíferos Marinhos por meio de Censo Aéreo; Projeto de Avaliação da Mortalidade de Larvas de Lagosta em Resposta aos Impactos da Sísmica; e Plano de Manejo de Fauna. O fato foi informado pela Asibama/RJ (Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro), por meio de nota pública intitulada “Licenciamento ambiental federal: resistindo aos ataques”.
“A ausência desses projetos inviabiliza a medição dos impactos causados pelas atividades de exploração – como a pesquisa sísmica –, sendo impossível apurar as responsabilidades por fenômenos que normalmente não são observados na região, como, por exemplo, o recente encalhe de cetáceos e sirênios ocorrido na praia”, explica um representante da Asibama/RJ, que preferiu não se identificar.
“O fato dos encalhes correu com algumas espécies oceânicas – de águas profundas – justamente quando as pesquisas estavam em curso. Uma das hipóteses é que o ruído dos canhões de ar tenha perturbado o senso de orientação dos animais. Como não temos os projetos, não dá pra ter certeza. O benefício deles é exatamente evitar que um dano maior aconteça”, detalhou o porta-voz da entidade – que, por sua vez, também postou em sua página do Facebook sobre o aparecimento de duas tartarugas mortas em praias do Rio Grande do Norte.
Entre os demais impactos que podem ser provocados pelos trabalhos de exploração estão a mudança de comportamento, o estresse, o afugentamento e a mortalidade de animais marinhos, incluindo aves que podem se chocar com as embarcações. Todo esse cenário de incertezas têm preocupado diversas comunidades que dependem da pesca.
Comunidades pesqueiras de Acarau (CE) também temem eventuais impactos ambientais causados pela sísmica
“As pesquisa sísmicas podem ter um impacto direto – matando peixes – e indireto sobre o fundo do mar e a fauna. Não há compensação para este prejuízo material. Quanto à exploração de petróleo, existe o perigo de vazamentos com graves consequências sobre a fauna e flora. Nem quero pensar no impacto que isso poderia causar”, diz René Scharer, fundador do Instituto Terramar e morador da Resex Marinha da Prainha do Canto Verde, uma reserva para uso sustentável de populações tradicionais e jangadeiros em Beberibe (CE).
René fundou o instituto Terramar em 1993, que desde então vem trabalhando em favor de comunidades no litoral do Ceará. Ele é enfático quanto à retirada dos programas condicionantes do licenciamento. “Somos totalmente contra. Estava previsto um programa de pesquisa do puerulus da lagosta [fase intermediária entre os estágios larval e juvenil do animal] que é absolutamente necessário para o baseamento do ordenamento de pesca da lagosta e avaliação de estoques”, explica.
Comunidade de pescadores de Tatajuba, no município de Camocim (CE). Um dos que está localizado próximo da área a ser explorada.
Manuel Silva Santos, presidente do Sindpescacam (Sindicato dos Pescadores e Pescadoras Profissionais e Artesanais de Águas Doces e Salgadas do Município de Camocim-CE) e da Federação dos Sindicatos dos Pescadores do Ceará, também demonstrou preocupação com o rumo das pesquisas.
“Mandei um documento responsabilizando o Ibama Rio de Janeiro por eventuais prejuízos. As ondas sísmicas ocorrem muito perto dos berçários de pesca e vão matar siris, lagostas e as suas ovas, causará danos nos peixes e pode acarretar um desastre na cultura. Será um prejuízo fatal de oito mil empregos diretos que dependem da atividade só no município de Camocim”, ressalta.
Manuel explica que a pesca é a grande fonte de renda da cidade e que os peixes são destinados para várias regiões do Brasil e diversos países do mundo. “São 200 toneladas de peixes por mês. Minha preocupação é que os animais fujam ou sejam abalados. Não temos nada contra a pesquisa, mas ela tem que ser feita da maneira mais segura possível”, salienta.
Comunidade de Parajuru, em Beberibe (CE)
Já o representante da Acomota (Associação Comunitária dos Moradores de Tatajuba) e do MPP (Movimento dos Pescadores e das Pescadoras Artesanais), João Batista dos Santos, reforça sua oposição à metodologia implantada que dispensa os projetos de monitoramento. Vale até apelar à Constituição.
“Os canhões de sísmica matam espécies adultas, imagine o que não fazem com espécies jovens e em desova. Se você diminui o estoque dos peixes que viajam, em algum tempo eles não passarão mais na região, o que desestimula os pescadores artesanais a estarem em atividade. E, como rege o artigo 225 da Constituição Federal, ‘todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações’”, conclui.
Lobby pela flexibilização dos licenciamentos Representantes da Asibama/RJ (Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro), que preferiram ocultar suas identidades, acusam o conselho gestor do Ibama de suprimirem as recomendações do corpo técnico da própria entidade, que incluem projetos antigos e consagrados no que diz respeito a licenciamentos – inclusive construídos de maneira dialogada com as próprias empresas de exploração.
Além da PGS, foram liberadas há poucos dias as licenças para realização de atividades sísmicas às empresas CGG e Charriot na Bacia de Barreirinhas (MA). Segundo a Asibama/RJ, o deferimento foi feito pela presidência do IBAMA, com o aval da Dilic (Diretoria de Licenciamento Ambiental) do Ibama, contrariando a equipe técnica da CGPEG (Coordenação Geral de Petróleo e Gás) – também do Ibama –, e, assim, flexibilizando e excluindo novamente projetos ambientais.
A comunidade Caetanos, de Amontada (CE), pesca na região da pesquisa sísmica
A associação entende que a flexibilização dos licenciamentos é fruto de lobby da indústria junto à diretoria da Dilic, “Nosso diretor, Thomaz Miazaki de Toledo, abriu um canal de diálogo direto e contínuo com a indústria. As empresas o enxergam como uma ‘janela de oportunidades’ para pleitear facilidades e reduzir os custos do licenciamento”.
A entidade também acusa a Dilic daquilo que chama de censura, personificada pela Portaria Ibama nº 27, que segundo a Asibama retira de analistas o direito de multar empresas que descumpram condicionantes das licenças ambientais expedidas. “Tínhamos fiscais lotados na Dilic que podiam multar diretamente quando fossem constatadas irregularidades, mas essa atribuição foi retirada no passado e não foi reestabelecida pela gestão atual. Agora, para autuar alguma empresa temos que encaminhar um parecer para uma outra diretoria, que emitirá o auto. Mas, se ela não tem expertise para o caso, às vezes simplesmente não emite a infração. Sem contar que significa retrabalho e desperdício de recursos públicos, pois são necessários dois funcionários de duas diretorias para fazer o serviço que anteriormente apenas um resolvia. Essa é mais uma limitação que estamos tendo que lidar”, afirma um de seus porta-vozes.
Enquanto isso é comum acompanhar pela grande imprensa a leitura de que licenciamentos são morosos e burocráticos, que trazem incertezas ao processo. Uma visão que conduz o entendimento do público de que o processo impõe atrasos ao desenvolvimento do Brasil. No entanto, os porta-vozes da Asibama/RJ apontam que uma das principais causas desse atraso está na má qualidade dos estudos ambientais apresentados pelas empresas postulantes.
“Os materiais são muito ruins. É preciso fazer uma série de revisões para torná-los no mínimo aceitáveis. As informações levantadas são superficiais, construídas com base em dados secundários, já que dados primários não são simples de se obter. Os projetos ambientais não tem correlação com impactos causados e a omissão de informações é regra. Alguns tópicos são simplesmente ignorados, em um gesto claro para fazer crer que o empreendimento é viável”, afirma.
Para dar um exemplo, uma das questões que repercutiu entre técnicos foi referente aos estudos ambientais das empresas CGG e Chariot, por não mencionarem a ocorrência de desova de tartarugas na Bacia de Barreirinhas (MA) (na íntegra, veja o documento Análise dos Projetos Ambientais exigidos nos licenciamentos para Atividades Sísmicas na Margem Equatorial, da Associação Internacional de Empresas de Geofísica do Brasil, que representa as empresas citadas: IAGC_Analise e Classificação Projetos Ambientais 08_05_1740).
O dado foi refutado pela ONG Tartarugas do Delta, por meio de nota técnica, em que sugere o aprofundamento das análises sobre tartarugas marinhas que desovam, sim, no litoral maranhense. Entre as espécies recorrentes na região está a Dermochelys coriacea, criticamente ameaçada de extinção e que encontra no litoral maranhense o segundo sítio em importância de todo litoral brasileiro (leia o documento na íntegra: NOTA TÉCNICA RIAS tartarugas do delta).
Trairi (CE), mais uma cidade banhada pelas águas ricas para a pesca
Outro lado Das três empresas citadas no texto, somente a Chariot respondeu à reportagem. A corporação disse por meio de nota que não conduz estudos sísmicos, pois prefere terceirizar a tarefa para companhias especializadas. Disse também que agiu de acordo com o processo apropriado de aplicação definido pelas autoridades e com todas as normas e aprovações necessárias, incluindo as licenças ambientais fornecidas pelo o Ibama.
Quanto ao Ibama, uma nota redigida pela “área técnica” esclarece os assuntos apontados na reportagem. Sobre as condicionantes retiradas das licenças, o órgão explicou que os “referidos projetos haviam sido sugeridos pelo Termo de Referência emitido pelo Ibama para elaboração dos estudos ambientais” e que “as empresas requerentes formalizaram pedidos de exclusão dos projetos sob a alegação de que os mesmos não guardam relação com os impactos causados pela atividade de pesquisa sísmica”. A decisão pela não inclusão dos projetos foi tomada, segundo a entidade, após discussão e deliberação da Comissão de Análise e Aprovação de Licenças do Ibama.
Ainda segundo o Ibama, “a Comissão realizou reunião interna com a equipe técnica, responsável pela elaboração do Termo de Referência, que defendeu a realização dos projetos e reunião com as empresas requerentes, que defenderam a exclusão dos projetos”. Além disso, informou que “para todas as licenças concedidas foram realizadas reuniões técnico-informativas na área de desenvolvimento do projeto, com participação da população local, oportunidade em que os requerimentos de retirada dos projetos foram apresentados pela empresa e comentados pelo Ibama”.
Em complemento, o Ibama disse que exigiu a execução de cinco programas ambientais e estabeleceu 18 condições específicas de controle ambiental, e que a ocorrência de qualquer novo impacto de forma alguma será ignorada pelo Ibama. A área técnica entende que o EAS (Estudo Ambiental de Sísmica) realizado conclui que as “medidas ambientais definidas na licença 103/2015 em favor da PGS são adequadas para o controle ambiental da atividade”. Por fim, pontuou que “na atividade de pesquisa sísmica não há risco de desastre ambiental”.
Comunidade Assentamento Maceió, em Itapipoca (CE). Pesca é importante para o município
Para as associações de pescadores das regiões de exploração, o órgão disse que “vem desenvolvendo metodologias e procedimentos para o atendimento de impactos que incidem sobre a atividade pesqueira” e que “estimula o debate dos impactos ambientais da atividade junto ao público impactado, especialmente com os pescadores”.
Sobre a questão do “lobby”, o Ibama afirma que a acusação é falsa e que que recebeu representantes das instituições que compõem redes especializadas de monitoramento e encalhe de mamíferos aquáticos do Brasil.
Por fim, quanto à suposta denúncia de censura, a nota explica que a fiscalização ambiental “é um macroprocesso de trabalho e o licenciamento ambiental é outro macroprocesso de trabalho, gerenciados por diretorias diferentes”, que “os servidores do Ibama, para atuarem na fiscalização ambiental, necessitam ser designados para essa atividade”, e que “a saída ou entrada de servidores na Portaria que designa as atividades de fiscalização ocorre cotidianamente sempre que há alteração de lotação para unidades que não têm competência de fiscalização ou outros critérios estabelecidos no Regulamento Interno de Fiscalização”.
Por Oscar Neto, especial para os Jornalistas Livres
Foto: Lucas Martins
“O maior astral”. Assim começou o primeiro ato do ano contra o aumento das passagens de ônibus, metrô e trem em São Paulo. Alguns milhares de pessoas partiram da frente do Theatro Municipal pelas ruas do centro com bandeiras, faixas, baterias e muita disposição para questionar mais um revés para a população, já cansada – e infelizmente acostumada – com tantos reajustes.
E eles foram. Desceram a rua Conselheiro Crispiniano, contornaram o Largo do Paissandu, desceram o início da avenida São João e, finalmente alcançaram o Vale do Anhangabaú. Palco de tantas manifestações populares históricas, a grande calçada do Vale já estava tomada pelo povo.
Segundo o MPL (Movimento Passe Livre), que convocou a passeata, 30 mil pessoas. Segundo a PM (Polícia Militar), cerca de três mil. Na opinião de outros manifestantes ali presentes, não mais do que dez mil.
Foto: Alex Terto
Além do MPL, estavam presentes movimentos populares, algumas frentes de partidos políticos, organizações feministas, estudantes universitários e secundaristas, associações de trabalhadores.
A paz era plena. O Gapp (Grupo de Apoio ao Protesto Popular), que desde 2013 presta primeiros socorros a manifestantes feridos, estava presente. Mas a única ocorrência até aquele momento foi a de um morador de rua com um profundo corte no pé por um motivo que nada tinha a ver com as pessoas que ali se manifestavam.
Foto: Ligia Roca
Com cerca de meia hora de passeata, a linha de frente começava a entrar na avenida 23 de maio, sentido à zona sul, que estava bloqueada ao trânsito dos veículos para que o ato pudesse passar. Neste momento, tudo mudou. O objetivo do movimento era “trancar” a 23, tática conhecida como “trancaço”, amplamente usada pelos estudantes das escolas ocupadas. Parte das pessoas entrou na pista sentido zona norte, em meio aos carros, e imediatamente a pancadaria começou.
A violência policial veio com tudo. Dezenas de bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas, primeiramente contra um grupo mais animado de manifestantes e, em seguida, a esmo, para cima, para os lados, na imprensa, em quem passasse na rua. Muita gente passou mal, vomitando.
A polícia atuou em frentes para dispersar qualquer possibilidade de reorganização do protesto. Muitas pedras eram arremessadas contra os oficiais. Na verdade, a confusão era tanta que jornalistas e fotógrafos precisaram se esconder para não serem atingidos pelos objetos lançados.
Foto: Sato do Brasil
No meio do campo de guerra, um grupo de PMs ficou “esquecido” na avenida, exatamente abaixo do acesso que conecta o Terminal Bandeira ao metrô Anhangabaú. Acuados, eles foram apedrejados por transeuntes comuns, que não participavam da passeata, mas não escondiam a raiva anti-PM. Muitas pedras foram lançadas contra o pelotão, que só se protegeu. Um policial saiu com o rosto sangrando.
Foto: Oscar Neto
A resposta foi, como sempre, totalmente desequilibrada. A tropa de choque disparou mais bombas para o alto e algumas delas tinham como alvo o acesso ao Terminal. Centenas de pessoas que nada tinham a ver com a guerra sofreram com a cegueira e com os efeitos sufocantes e nauseantes do gás lacrimogêneo. Também era possível escutar o som dos tiros das perigosas balas de borracha.
Foto: Sato do Brasil
A partir daí, outros pontos de ataque policial ocorreram em locais diferentes do centro, chegando inclusive à avenida paulista. Algumas agências bancárias foram depredadas e muito lixo foi incendiado e jogado ao meio da rua.
Rescaldo
No rescaldo da noite de guerra, a cidade cheirava a pólvora, as pessoas estavam apavoradas, havia muita reclamação dos transeuntes quanto à ação policial desmedida. Sonoras vaias e xingamentos eram escutados a cada vez que uma viatura passava.
A SSP (Secretaria de Segurança Pública) divulgou que 17 pessoas foram presas “por práticas criminosas” que incluíam o porte de explosivos. Eles foram encaminhados para o 2º e 78º distrito policial. No entanto, os Jornalistas Livres gravaram com exclusividade o momento em que policiais colocam supostos artefatos explosivos dentro da mochila de um manifestante detido perto da Praça Roosevelt.
Amanhã vai ser maior
Assim como tem sido de costume, o começo do ano promete ser mais violento nos próximos dias. Para quem pretende comparecer aos protestos que deverão ser convocados nos próximos dias (já se fala no dia 12), recomenda-se todo cuidado. Depois que a primeira bomba é disparada, não importa quem você é e o que está fazendo ali. Você também se torna um alvo.