Jornalistas Livres

Autor: Henrique Cartaxo

  • Para entender a tragédia da Ocupação Colonial

    Para entender a tragédia da Ocupação Colonial

    Por Mariana Zoboli do Carmo

    No último dia 17 de janeiro ocorreu a reintegração de posse da Ocupação Colonial, em São Mateus, zona leste de São Paulo, onde aproximadamente 700 famílias foram desalojadas de seus lares, construídos a cerca de dois anos no local.

    Esta é uma situação complexa, em que diversas perspectivas dialogam. Há a demanda do proprietário, a ação do judiciário e do poder público municipal, a voz os ocupantes, a conduta dos executores da reintegração, que são as forças policiais envolvidas e o promotor de justiça, bem como de toda a sociedade civil que deve zelar pela devida aplicação dos direitos conquistados pela coletividade. Portanto, para compreender, não esquecer e dar a devida dimensão ao fato que deixou mais de 3 mil pessoas desabrigadas é necessário dar voz cada uma das forças ali atuantes.

    Condução

    Não existe nenhuma norma no direito brasileiro que regularize a conduta do poder público e de seus agentes em uma reintegração de posse. O que há é um direcionamento da ONU, elaborado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1997, que pode ser adotado ou não.

    O Comentário Geral n º 7 sobre o Direito à Moradia Adequada: Despejo Forçado, em seu item 04, “define despejos forçados como a remoção permanente ou provisória, contra a vontade dos indivíduos, famílias, comunidades das residências que ocupam, sem provisão das formas apropriadas de proteção legal ou de outra índole. O Estado, antes de realizar qualquer remoção forçada, especialmente as que envolvem grandes grupos de pessoas, é obrigado a explorar todas as alternativas possíveis, consultando as pessoas afetadas, a fim de evitar ou minimizar o uso da força ou impedir o despejo.”*

    Na prática, ocorreu que durante a desocupação dos terrenos o oficial de justiça e os policiais militares chegaram ao local no início da manhã. Conforme vídeo publicado pelos Jornalistas Livres, o  oficial se recusava a esperar uma hora e meia, até que o Fórum fosse aberto e o juiz pudesse apreciar um pedido do Ministério Público de suspensão da reintegração. Ele alegou que o tempo do contingente policial ali presente não poderia ser desperdiçado no aguardo da decisão capaz reverter todo o cenário.

    Em casos de reintegração de posse, o oficial de justiça tem plenos poderes para conduzir a ação, que normalmente pode perdurar até às 18h, horário do fim do expediente. O uso do tempo dos policiais como argumentação para o cumprimento acelerado do mandato não possui qualquer apoio jurídico. Era uma decisão facultativa e o representante optou por cumprir com a reintegração, excluindo qualquer possibilidade de defesa dos ocupantes, que não tinham para ir.

    Abusos

    De acordo com o advogado que está cuidando do caso, Benedito Roberto, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, os ocupantes foram intimidados quando notificados da reintegração, que apenas o oficial de justiça é encarregado de realizar.  Na Colonial, foi relatada na ocasião a presença de um grande contingente policial, sem qualquer motivo que a justificasse.
    A Colonial ocupava a área de dois terrenos, de donos diferentes, e também foi observado pelo advogado que apesar de serem duas ações judiciais distintas e que, portanto, tramitam em tempos desiguais, as reintegrações foram curiosamente realizadas em conjunto. Outro ponto destacado dos entremeios judiciais é a audiência de conciliação entre as partes que deveria ter sido realizada, já que, a liminar foi dada a mais de um ano, mas ela foi rejeitada pelo juiz.

    As famílias da Colonial sequer foram cadastradas previamente pela prefeitura em programas de moradia e não receberam bolsa aluguel.  Depois que a reintegração já havia sido cumprida, a prefeitura emitiu um comunicado dizendo que cada um procurasse se inscrever nos programas de habitação pela internet. Não foi oferecido nenhum tipo de auxílio por parte do poder municipal e todos os que habitavam a Ocupação Colonial ficaram na rua, sem nenhum direcionamento após terem os lares destruídos. Além dos policiais presentes, a Tropa de Choque também foi envolvida no processo, dada a resistência dos ocupantes em deixarem suas habitações nestas condições, de completo desamparo.

    Os caminhões de mudança foram insuficientes, não havia ambulâncias para atender qualquer emergência e o Conselho Tutelar não compareceu para cuidar da transferência escolar das crianças e adolescentes. Não existia estrutura para lidar com uma reintegração deste porte, envolvendo 700 famílias, mais de 3 mil pessoas, de acordo com o descrito por Benedito.

    Legitimidade

    O que distingue uma ocupação de uma invasão a propriedade privada é a função social do imóvel ou terreno em questão. Este é um conceito previsto na Constituição Federal de 1988 (art. 182) e ele coloca que toda posse deve servir também a interesses sociais e não somente ao proprietário.

    “É facultado ao poder público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de

    • Parcelamento ou edificação compulsórios;
    • Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
    • Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.”

    Confira o artigo na integra aqui.

    Portanto há de se analisar a situação do imóvel e em que condições ele estava antes de ser ocupado. A área da Colonial, que envolve dois terrenos particulares, estava sem aproveitamento há mais de 20 anos e, portanto, sua ocupação é legítima. Outro fator é o conceito de ZEI (Zona Especial de Interesse Social), que estabelece por toda a cidade de São Paulo, de acordo com plano diretor, áreas destinadas à construção de Habitações de Interesse Social (HIS), regularização fundiária e urbanização de favelas, loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais populares.

    A área da Ocupação Colonial está total ou parcialmente zoneada em uma ZEI 5, de acordo com a Lei 16402-16, que pode ser acessada aqui. Portanto, era um local desocupado e ocioso, destinado pela prefeitura a aplicação de políticas de habitação e, portanto, poderia ser por ela reformado.

    Tanto a garantia do cumprimento da função social do imóvel, quanto à implantação das ZEIs são facultadas a prefeitura, de acordo com o Estatuto das cidades, que, após a redemocratização, descentralizou questões relativas à urbanização e habitação dando mais autonomia aos municípios, por meio da instituição do plano diretor estratégico. Ele também deu a possibilidade de intervenção do poder público municipal sobre o patrimônio privado em detrimento do bem comum e da criação de políticas de habitação e urbanização.

    Socorro

    O tratamento dispensado às famílias não demonstrou nenhuma vigilância ou respeito aos direitos humanos. Deixou completamente desamparada uma população altamente vulnerável, que não tem respeitado sequer o direito social básico à habitação. A reintegração de posse da Ocupação Colonial é mais uma tragédia para os direitos conquistados historicamente, principalmente pela população mais carente dos centros urbanos.

    De acordo com o plano diretor é dever das prefeituras garantir o desenvolvimento das cidades e a função social da propriedade, lançando mão de políticas inclusivas, intervindo em situações como esta e zelando pelo combate à especulação imobiliária, justa distribuição dos serviços públicos, a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária e soluções planejadas e articuladas para os problemas das cidades.

    É legítimo o pedido de reintegração feito pelos donos dos terrenos, contudo, sua aplicação está longe de ser apenas uma decisão judicial. O que foi visto na reintegração da Ocupação Colonial pode ser apreciado também do ponto de vista político, pois o acesso à moradia é um direito social fundamental, garantido pela Constituição de 1988, sendo dever da poder público municipal zelar por ele, garantindo mecanismos de acesso à habitação digna aos mais vulneráveis.

    A Prefeitura de São Paulo, na primeira reintegração de posse do mandato de João Dória, se omitiu e não assegurou os direitos dos ocupantes, tanto no que diz respeito à realização de políticas e ações voltadas ao direito à habitação e a proteção dos mais necessitados, quanto na oferta de uma estrutura adequada durante a desocupação que desalojou mais de 3 mil pessoas.

    
* Trecho do artigo de Nelson Saule Jr. e Patrícia de Menezes Cardoso “OBSTÁCULOS E PRESSUPOSTOS PARA A GARANTIA DO DIREITO HUMANO À MORADIA NO BRASIL – A Gravidade dos Despejos”, que pode ser acessado aqui.

  • Contra o Aumento da Passagem em Belém

    Contra o Aumento da Passagem em Belém

    Nesta sexta-feira, 20, foi realizado em Belém um protesto contra o aumento da passagem de ônibus de 2,70 para 3,10. Tal reajuste, que é praticamente anual, não vem acompanhado do aumento do número de ônibus em circulação, e tampouco da qualidade dos veículos, que estão em maioria danificados, sucateados, inseguros e sujos.

    Além disso, os gastos anuais com ônibus – único meio de transporte público na metrópole, são omitidos da população durante seguintes mandatos. A decisão deste reajuste foi determinado pelo atual prefeito Zenaldo Coutinho (PSDB), que possui seu mandato cassado, em parceria com o empresariado rodoviário.

    O ato partiu da Praça da República na contramão, indo em direção à prefeitura. Esperava-se encontrar o prefeito e sua assessoria no gabinete, porém a única representação dos mesmos foi a repressão policial que cercava a sede da prefeitura e os militantes.

    A resposta da guarda civil aos participantes do protesto foi que para serem atendidos, deveriam ter um ofício, e este seria protocolado para a realização de uma futura audiência. Durante essa espera causada pela burocracia antidemocrática, a população da Região Metropolitana de Belém segue pagando 3,10 na passagem de ônibus, sem previsão de um transporte público digno.

  • Temer e companhia no velório de Teori

    Temer e companhia no velório de Teori

    A presença de Temer e seus homens no velório de Teori Zavascki foi fotografada com empenho especial pela imprensa ali presente. O evento prometia as tais imagens de mil palavras.

    Cumpriu a promessa, como era inevitável. E o Brasil já vê, e bem lê, o grupo de engravatados, Michel Temer, Alexandre de Moraes, Eliseu Padilha, Geraldo Alckmin, Rodrigo Maia, José Serra, velando um caixão coberto com a bandeira do Brasil. A foto não é a coisa fotografada: a imagem se descola da sua realidade e dá espaço para abstrações do simbolismo da cena: serão eles os carpideiros da república?

    (Porto Alegre – RS 21/01/2017) Velório do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki.
    Foto: Beto Barata/PR

    O triste fato, porém, é que ali se vela o corpo de uma pessoa. Muitas são as suspeitas em torno da morte do Ministro do STF, indicado por Dilma Roussef, que estava para abrir os trabalhos com a famigerada delação da Odebrecht e que poderia trazer mais dor de cabeça para o governo golpista.

    É evidente o alívio que a tragédia trouxe exatamente àquela corja, com a perspectiva da indicação de um novo relator para operação Lava Jato, e as suspeitas em torno da queda do avião em que viajava Teori são, mesmo que ainda careçam de embasamento, mais que justas, dado o tenebroso contexto político em que nos encontramos.

    Sendo assim, Temer, que evita a todo custo aparecer em qualquer tipo de evento para não ser constrangido com os onipresentes gritos de Fora Temer, não poderia deixar de comparecer. Alexandre de Moraes, já cotado para assumir o lugar de Teori no Supremo, também não. O protocolo ordena o luto. O luto foi protocolar.

    Eis então a sinuca: a ausência suscitaria todo tipo de comentário, das suspeitas de conspiração ao entendimento da vitória política que significa para o governo a possibilidade de indicar um substituto. Ao mesmo tempo, a presença proporcionaria essa ampla coleção de imagens, que já começou a circular na internet com as mais variadas legendas, exatamente do mesmo teor da percepção que se buscou evitar!

    Pra sair dessa, só pedindo penico.
    Do lado de cá, seguimos atentos às investigações do suposto acidente de avião.
    Continuamos de olho no prosseguimento da Lava Jato e no trato das delações da Odebrecht.
    E a Alexandre de Moraes, se indicado pro STF, não daremos sossego.

    (Porto Alegre – RS 21/01/2017) Velório do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki. Presidente Michel Temer Chega a Porto Alegre.
    Foto: Beto Barata/PR

     

  • João Doria e a vassoura dos garis

    João Doria e a vassoura dos garis

    O telejornal matinal da TV Globo de São Paulo esteve hoje, 2 de Janeiro de 2017, ao vivo na Praça 14 Bis, Av. 9 de Julho, na cerimônia de lançamento do programa de limpeza urbana intitulado “Cidade Linda”. Como os comentaristas de portal – e os próprios portais – já alardearam amplamente, o recente prefeito João Doria se vestiu como gari e posou para fotos no local com uma vassoura. Na Globo, a quem Doria, ainda trajado, deu uma entrevista, o repórter e o âncora se esforçaram para transmitir o tom de cobrança com que trataram toda a gestão Haddad, com a diferença de raramente terem lhe dado a oportunidade de responder ao vivo. As perguntas focaram principalmente na perspectiva de continuidade do esforço de limpeza para além do lançamento e, por incrível que pareça, no tratamento que seria dado aos moradores de rua que fazem uso da praça, ao que Doria respondeu com prontidão fazendo todas as garantias. Uma repórter estava também ao vivo acompanhando a remoção de pichações na Ponte Estaiada, um colosso arquitetônico de utilidade urbana questionável, já que não permite o trânsito de pedestres nem de ônibus, mas que faz pano de fundo aos estúdios da própria Globo na Marginal Pinheiros.

    Assim, vale lembrar de dois momentos em que o ex-prefeito Haddad tentou de maneira no mínimo parecida publicizar suas ações: quando andou de bicicleta na recém-inaugurada ciclovia da Avenida Paulista e quando pegou um ônibus da sua casa para a prefeitura, aproveitando as faixas exclusivas. O jornalismo da TV Globo foi crítico aos dois projetos, além da redução de velocidade máxima nas marginais, posição que fez questão de transmitir nos telejornais das 6 da manhã, do meio dia e das 18 horas, sem transmissões ao vivo – a não ser dos engarrafamentos – sem perguntas que dessem a Haddad a chance, que Doria teve já no segundo dia de mandato, de se comunicar com a população.

    Isso não significa porém que exista nos quadros da Globo uma posição rígida em favor da limpeza urbana e contrária ao ciclismo ou ao transporte público. Muito menos é de se imaginar na emissora uma preocupação genuína com a população em situação de rua, como tentou se fazer crer pelas perguntas feitas a Doria. A questão objetiva era o fomento do ódio ao PT, qualquer que fosse a instância, e é a aliança inabalável do oligopólio da grande imprensa com o PSDB, justificada não só pelos grandes orçamentos publicitários, como também pelo projeto de gestão pública voltada para o privatismo, entreguismo para o capital privado, precarização dos direitos dos trabalhadores – inclusive dos garis.

    Enquanto isso, a previsível batalha das redes sociais se detém no simbolismo do fato: critica-se ou entaltece-se a roupa de gari, a pegada da vassoura, o fato de o local ter sido limpo de madrugada antes da chegada do prefeito. Para um lado ou para o outro, há de se reconhecer que o programa da prefeitura está amplamente publicizado e que objetivamente não há grandes problemas na bem-sucedida ação de marketing de João Doria, além do seu autoevidente ridículo. A própria Folha de São Paulo fornece material para o humor ao publicar detalhes da cerimônia em sua própria página e no seu braço direito, o UOL.

    Ganham com isso, mais uma vez, o oligopólio da grande imprensa e o projeto direitista. Aqui, como na trama do golpe, a mídia coloca-se superposta ao espaço público como lugar de realização da política, operando símbolos num espaço virtual ao invés de dados da realidade concreta, alienando os fatos e a crítica em função de uma disputa midiática falaciosa.

    Para além da memética, portanto, é preciso localizar o fato no projeto de cidade encabeçado por João Doria. Um dos objetivos da operação Cidade Linda é o apagamento do pixo de diversos pontos da cidade. Some-se a isto a remoção dos moradores de rua, que necessita de constante fiscalização com vistas aos direitos humanos. Fica evidente que o propósito do programa não é higiênico, mas higienista. A limpeza é estética: visa a eliminação do rastro e da expressão do pobre dos caminhos da cidade. O aumento dos custos do bilhete único mensal e da integração entre ônibus e metrô, bem como o projeto de transferir o evento Virada Cultural para fora do centro da cidade vão na mesma direção: restringir o acesso ao espaço público para as populações periféricas. Moradores de rua, catadores, pixadores, usuários de droga: são eles a quem essa gestão denomina lixo.

    A luta que cabe é, muito além da crítica às fantasias que vestiu e virá a vestir o novo prefeito de São Paulo, pelo espaço público, pelo direito de existir, ir e vir e se expressar, pela democratização da cidade.

  • O que está em jogo com as 10 medidas

    O que está em jogo com as 10 medidas

    Em Março de 2015, já em resposta às manifestações contra seu governo, Dilma Rousseff apresentou um pacote de medidas de combate à corrupção que incluíam criminalização do caixa 2 e do enriquecimento ilícito, exigência de ficha limpa para todos os servidores públicos e confisco e alienação de bens oriundos de corrupção. O pacote teve pouca atenção da mídia e uma das primeiras atitudes do governo Temer foi retirá-lo do regime de urgência na tramitação, o que garantiria que ele seria votado no congresso, em favor das famigeradas 10 medidas protocoladas pelo Ministério Público Federal um ano depois, em Março de 2016.

    Nesta semana tivemos no congresso nacional a apreciação e votação da proposta do MPF. O pacote que será encaminhado ao Senado contém, entre outros pontos, a criminalização do caixa 2, da compra e venda de votos e a transformação da corrupção em crime hediondo (algo que também foi proposto por Dilma Rousseff em 2013). Entre as medidas que foram rejeitadas pela câmara e não serão encaminhadas ao senado estão as que previam restrições ao habeas corpus, responsabilização de partidos e dirigentes por atos de filiados, a prática de simulações para testar a honestidade de servidores, a recompensa para delações, a previsão da realização de acordos de leniência pelo ministério público, a criminalização do enriquecimento não justificado e a facilitação na utilização de provas obtidas ilegalmente (mediante tortura, chantagem ou grave ameaça, por exemplo).

    Não obstante a grande importância desses temas, o objeto de maior polêmica foi o acréscimo por parte da câmara de uma medida que previa responsabilidade a juízes e promotores em caso de abuso de autoridade. Tanto que o Senado Federal abriu uma sessão de debates que contou com a presença do juiz Sérgio Moro e do ministro do STF Gilmar Mendes. A fraca argumentação de Moro falhou em estabelecer que magistrados estariam acima da possibilidade de fiscalização ou que a Lava Jato carecia de autorizações especiais, leia-se passar por cima da constituição. O juiz chegou ao absurdo de fazer uma ameaça velada aos senadores, sugerindo que a população reprovaria a medida.

    A proporção que a discussão desse ponto tomou chama atenção para o que está de fato em jogo: a disputa de força entre os poderes legislativo e o judiciário. Temos a instituição da presidência golpeada pelo impeachment, resultando num poder executivo enfraquecido cujo chefe de estado, o golpista Michel Temer, se fia no apoio do congresso, já que não tem nenhuma legitimidade popular. Some-se a isto a crescente judicialização da política e do processo legislativo que vivemos nos últimos anos – tivemos o caso recente da decisão do STF sobre o aborto, que o presidente da câmara Rodrigo Maia questionou, também em nome do cabo de força e não exatamente pelo mérito da questão -, com boa parte da imprensa alçando juízes à posição de heróis da nação, como se fez com Joaquim Barbosa e se faz agora com Sérgio Moro.

    Com tudo isso, o que está em cheque é a ideia da separação dos poderes. A separação entre o executivo, legislativo e judiciário é fundamental para a manutenção de equilíbrio no Estado de Direito, com cada um atuando de forma autônoma e independente, mas com fiscalização mútua entre eles, evitando a concentração de poder. É o tripé que sustenta a democracia.

    O judiciário aqui atua sequestrando o sentimento de rejeição à corrupção da população para reduzir suas legítimas restrições e tomar de assalto os outros poderes. Portanto, o pacote de medidas é perigoso, autoritário, e sua revisão pela câmara, por incrível que pareça, foi positiva. O combate à corrupção é sem dúvida importante e um dos grandes desafios da política brasileira e mundial, mas não se pode em seu nome subjugar os direitos humanos e a constituição, muito menos conferir poderes totalitários ao aparato repressivo do Estado, incluindo polícias, juízes e promotores. Isso já foi feito em regimes de força e nunca resultou melhoria da Democracia, senão em seu contrário.

  • Quaquá: “Esquerda formal não dá mais conta da transformação da Sociedade”

    Quaquá: “Esquerda formal não dá mais conta da transformação da Sociedade”

    O prefeito de Maricá, RJ, Washington Quaquá (PT), conversou com os Jornalistas Livres sobre os rumos da esquerda brasileira, que, segundo ele, andou acomodada e precisa retomar o contato com suas utopias para realizar as grandes reformas de que o país precisa.

    Ele enaltece as conquistas das presidências de Lula e Dilma nos últimos anos, mas critica a falta de articulação do governo com as bases da sociedade.

    “Nós podemos enumerar uma série de conquistas sociais civilizatórias importantíssimas dos governos do Lula e da Dilma, agora esqueceu de organizar o povo, de politizar a sociedade e achou que apenas as alianças congressuais, as alianças por cima, poderiam resolver o problema da distribuição de renda. A classe dominante brasileira historicamente é insensível, intolerante, não topa a democracia e não topa mexer nem que seja minimamente em seus ganhos. Então nós apostamos demais na conciliação de classe e esquecemos de organizar o povo.”

    Quaquá comenta ainda a possibilidade de o afastamento da presidenta Dilma Roussef ter sido influenciados por interesses estrangeiros nas reservas do pré-sal, o movimento de judicialização da política e o caráter ditatorial da concentração dos meios de comunicação no Brasil.

    A entrevista se deu durante o I Festival Internacional Utopia, sediado na própria cidade de Maricá, que ficou conhecida em todo o país por ter aplicado com sucesso o sistema de passe livre no sistema de transporte público municipal.

    Entrevista para Lina Marinelli, edição de Henrique Cartaxo/Jornalistas Livres.