Jornalistas Livres

Autor: Diógenes Júnior

  • Meu amigo Ariano

    Meu amigo Ariano

    Meu amigo Ariano eu conheci ainda menino, mas fui conhecendo mais conforme fui crescendo.
    Acho que tinha uns 11, 12 anos quando o acaso nos apresentou.
    Foi na biblioteca da escola que a gente se conheceu.

    Corria o ano de 1985.
    No recreio do grupo escolar era fácil identificar três tipos de crianças: as poucas às quais os pais davam dinheiro para o lanche, as muitas às quais os pais não davam dinheiro para o lanche e tinha eu, que não tinha nem o dinheiro do lanche dado pelos pais, nem os pais.

    Restavam duas alternativas possíveis, a fila da merenda oferecida pelo governo Montoro, que não era nenhum Lula lá, mas quebrou o galho naqueles tempos bicudos de redemocratização, e a biblioteca da escola, meu reino encantado particular.

    Salvo quando tinha alguma sorte — coisa rara, e faturava um trocado de maneira honesta ou nem tanto, pontualmente as 16:00h a fila da merenda e a biblioteca da escola eram meus destinos certos de segunda a sexta-feira.

    Foi numa dessas incursões ao meu reino encantado particular, mais conhecido como biblioteca pública, que conheci o meu amigo Ariano.
    E o meu amigo Ariano me apresentou os seus amigos.

    • João Grilo, um rapaz pobre que vivia tentando se dar bem através de expedientes. Trabalhava para o Padeiro, e era o melhor amigo de Chicó.

    • Chicó era um rapaz bem covarde, que gosta de contar mentiras. Entre uma mentira e outra, deixava escapar a grande verdade, que na verdade tinha um bom coração. Também trabalhava para o Padeiro, que remédio? e era o melhor amigo de João.

    • O Padeiro era um homem avarento, dono da padaria onde trabalhavam Chicó e João Grilo. Padeiro era casado com Dora.

    • Dora era uma mulher muito infeliz. Adúltera, mas que se dizia santa. Tentava agradar seu marido, o Padeiro mas o enganava, e a si mesma também se enganava.

    • Padre João era o padre que chefiava a paróquia de Taperoá, cidade onde vivia quase todo mundo dessa crônica. Muito racista e avarento, Padre João só queria saber de dinheiro, e não era pouco dinheiro não.

    • O Bispo, que assim como o padre, era muito avarento, e difamava seu colega de batina, o Frade.

    • O Frade era um homem religioso, honesto e de bom coração. Nem sabia que era difamado pelo seu colega de batina, o Bispo.

    • Antônio Morais era um major ignorante e autoritário, que usava seu poder para amedrontar os mais pobres. Uma espécie de Jair Bolsonaro do século passado.

    • Severino era um cangaceiro que encontrou no crime uma forma de sobrevivência. Seus pais foram mortos pela polícia, e desde então Severino desacreditou da Justiça, e fez do Cangaço a sua própria Justiça.

    • Cangaceiro era um dos capangas de Severino que fazia de tudo para agradar seu chefe, Severino. Não era muito inteligente Cangaceiro, mas era leal ao seu chefe, Severino, e era só isso que importava aos dois.

    • A Compadecida era a própria Nossa Senhora, mãe de todos e toda bondosa. Delicada. Confesso que foi um choque conhecê-la, eu que não estava nem um pouco acostumado com essa coisa de mãe, menos ainda de bondosa e delicada então nem se fala.

    • Manuel era um juiz do povo, julgando sempre com sabedoria e imparcialidade, e que tinha o dom da misericórdia. Diferente dos juízes de hoje, principalmente um certo Sérgio Fernando. Aliás era diferente também na cor da pele, preta, o que causava espanto em alguns, mas em mim não. Simpatizei como ele na hora. Era pobre, como eu. Era dos meus.

    • Encourado era a encarnação do diabo. Desprovido de qualquer tipo de sensibilidade ou misericórdia, era uma versão mais diabólica do Bolsonaro.
      Pois é, o mal tem várias versões e faz tempo, há muitas gerações.

    Pois bem, foi na biblioteca de um grupo escolar na Zona Sul de São Paulo, numa tarde em 1985, que o acaso me apresentou ao amigo Ariano Suassuna através de sua obra prima, “O Auto da Compadecida”.

    Desde então Ariano passou a ser meu amigo, um dos melhores amigos que já tive.

    Nunca cheguei a conhecer o amigo Ariano Suassuna pessoalmente, mas nos tornamos amigos inseparáveis desde aquela tarde, em 1985.

    Ariano Suassuna nos deixou no dia 23 de julho de 2014, mas nossa amizade dura até hoje.

    Um dia eu contarei para meu filho Fidel as histórias que Ariano Suassuna me contou através de suas obras.

    Contarei para ele as vezes em que me sentia deprimido, absolutamente sozinho, e abria um vídeo do amigo Ariano no Youtube, e sua maneira simples de enxergar a vida e contar seus causos me enchiam o coração de alegria, espantando a tristeza e a depressão que insistiam em nele fazer morada.

    Contarei todas essas histórias para Fidel, e muitas outras mais, e terminarei todas essas histórias como meu amigo Chicó terminava as suas, assim:
    “só sei que foi assim.”

    “Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.”
    Trecho de “O Auto da Compadecida”

    Ariano Suassuna, presente!

    ★Parahyba, Paraíba — 16 de junho de 1927
    ★Recife, Pernambuco — 23 de julho de 2014

  • Não temos tempo a perder

    Não temos tempo a perder

    A notícia de que o tempo de TV de Bolsonaro será menor até mesmo de que o tempo que Enéias dispunha nas eleições de 1989 é interessante, e me levou a fazer uma breve reflexão.

    Com esses 8 segundos, Bolsonaro conseguirá dizer apenas “meu nome é Bozo”.


    Isso até parece engraçado, e certamente renderá material para vários memes e piadas.


    Mas ele dizer isso já é o bastante, e eleição é coisa séria.


    É o nosso futuro, é o futuro de todo um país que está em jogo.


    Então antes de rir da piada devemos levar em consideração que a base eleitoral de Bolsonaro está sendo construída há anos, fortemente alicerçada nas redes sociais.

    Ou seja, que ele não dependerá essencialmente da TV para fortalecer a musculatura de sua campanha eleitoral.

    Sua campanha tem bastante capilaridade, é horizontal na estrutura, é vertical no discurso e tem grande homogeneidade e simplicidade ideológica.

    Bolsonaro fala aquilo que parte do povão gosta e quer ouvir.

    Seu discurso tosco e violento dialoga com parte da massa, com uma parcela da população que está preocupada apenas em chegar em casa sem ser assaltada, sem ter o celular roubado ou a filha violentada.

    Uma parcela da população que é amedrontada diuturnamente por programas policialescos de TV, pela criminalidade informal e pela bandidagem oficial, aquela que usa farda, anda de viatura e a oprime nas favelas e periferias por todo o Brasil.

    Não que Bolsonaro apresente proposta sobre esses ou quaisquer outros temas nacionais, muito pelo contrário.

    Bolsonaro finge que apresenta propostas factíveis, só que ele finge muito bem.

    Usando de um simulacro de discurso tão rústico quanto objetivo, Bolsonaro fala o que quer para quem quer, enquanto a esquerda se preocupa com a problematização de pautas distantes da realidade imediata e objetiva da população.

    Como as pautas identitárias, apenas para dar um exemplo.

    Como a preocupação em escrever discursos tendo o cuidado de substituir vogais por @ ou x, ou forçadamente se referir a seus ouvintes como “TODOS e TODAS”.

    Esse tipo de discurso agrada alguns segmentos da população, recortes de classe de um todo, mas nem de longe alcança o todo e o que é pior, esse discurso não deseja agradar o todo.

    Esse discurso intencionalmente passa bem longe do todo.

    Só que o povo mesmo não está preocupado com tais pautas.

    Não agora.

    O povo mesmo, o povão da periferia, está preocupado com a violência que bate à sua porta, direta ou indiretamente, violência agravada com o golpe e com a crise que o maldito golpe trouxe em seu bojo.

    E Bolsonaro, espertamente, explora o medo dessa violência, prometendo combater fogo usando gasolina.

    Os 8 segundos que Bolsonaro terá na TV não serão decisivos para sua campanha, mas o ajudarão a aumentar o estrago que ele faz há muito tempo nas redes sociais.

    E nós sabemos que as eleições não serão decididas na TV.

    As eleições 2018 serão decididas através de uma fortíssima disputa pelo protagonismo das narrativas , majoritariamente feitas nas redes sociais.

    Não será chamando a criatura Bolsonaro de machista, nem seus eleitores declarados de fascistas, que venceremos essa disputa, nem tampouco conquistaremos seus corações e mentes agredindo-os.

    Não será também escrevendo “menin@s” ou “meninxs” em nossos textos, reforçando o quanto queremos parecer diferentes, que dialogaremos com esses eleitores.

    Muito pelo contrário, isso nos isola ainda mais, aumentando o abismo ideológico que existe entre parte desse eleitorado e nós mesmos.

    Precisamos construir pontes, e não uma maneira alternativa de ressignificação como pessoas, justamente no meio de uma disputa eleitoral que já se apresenta das mais fratricidas da história.

    Eleição é coisa séria, e é o nosso futuro que está em jogo.

    O tempo urge, e Bolsonaro ruge.

    Nos 8 segundos que terá na TV ou na eternidade da qual dispõe nas redes sociais.

    Portanto, não temos tempos a perder.

    8 segundos já é tempo demais, a essa altura do golpe, para se desperdiçar.

  • A Rede Globo de Televisão e o sequestro da nossa emoção

    A Rede Globo de Televisão e o sequestro da nossa emoção

    Domingo, 08 de julho de 2018.
    Uma notícia sacode o Brasil.

    O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba desde o dia 07 de abril por decisão do juiz de 1³ instância Sérgio Moro, teve seu pedido de habeas corpus, peça jurídica assinada pelos advogados Wadih Damous e Paulo Pimenta, também deputados, acatado e deferido, e sua soltura imediata determinada pelo desembargador Rogério Fraveto, que havia assumido naquela data o posto de plantonista do Tribunal Regional Federal da Quarta Região – TRF-4 com sede em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

    Iniciou-se a partir daí uma operação de guerra protagonizada pelo Departamento de Jornalismo da Rede Globo de Televisão, que está presente em 97,2% das casas brasileiras, uma tentativa de sequestrar o emocional de seus telespectadores, imprimindo à narrativa das notícias relativas ao caso uma dinâmica falsa, cujo objetivo era fazer com que o telespectador aceitasse como legal uma ação ilegal.

    Dado o parecer do desembargador Fraveto em favor do ex-presidente Lula, o juiz de primeira instância Sérgio Mouro, então em férias, licenciado das atribuições que o cargo lhe incumbe, se recusou a acatar a decisão do magistrado de uma instância superior à sua e, não satisfeito, alegou a “incompetência” do desembargador para determinar a soltura do réu, num gesto raramente visto no espectro jurídico brasileiro, o descumprimento de uma ordem judicial de efeito imediato por um juiz de instância inferior.

    Diante da posição de Moro, a Rede Globo de Televisão e a Globo News, seu braço jornalístico na TV por assinatura, trataram de dar suporte factual à versão do juiz, trazendo diversos analistas jurídicos de aluguel, que não apenas endossavam, como também reforçavam a ideia que a ação de Sérgio Moro era legítima e legal.

    O canal Globo News, por exemplo, chegou a fazer uma chamada, que ficou no ar por bastante tempo, onde noticiava que o “PLANTONISTA do TRF-4 mantinha a soltura de Lula, APESAR DA DECISÃO DE MORO”.

    Imagem captada da internet

    “Plantonista”, não desembargador.
    Plantonista.
    Apesar da decisão de Moro.”
    Apesar da decisão de Moro.

    Notem que na chamada existe primeiro a tentativa de desqualificar a função de plantonista do tribunal, exercida pelo desembargador Rogério Fraveto, e depois passar para o telespectador a ideia de que uma decisão de Sérgio Moro é a última palavra da Justiça, inquestionável.

    Como se o juiz Sérgio Moro, um juiz de primeira instância, fosse um semideus, uma espécie de encarnação viva da própria Justiça brasileira.

    Ao tentar manipular dessa maneira a opinião pública, a Rede Globo de Televisão mostra mais uma vez a necessidade urgente que o país tem de pensar numa solução para redemocratizar seus Meios de Comunicação.

    Não é possível aceitar que a Rede Globo continue atuando como partido político, através de uma concessão pública, que em tese pertence ao povo brasileiro, agindo de uma maneira a enganá-lo, desinformando-o, manipulando-o e sequestrando suas emoções de acordo com seus interesses comerciais.

    Não é mais aceitável que a Rede Globo de Televisão continue a liderar e orquestrar uma campanha de criminalização contra o ex-presidente Lula, ao mesmo tempo que eleva a figura de um juiz de primeira instância ao status de herói nacional, numa narrativa que inocula o ódio contra o ex-presidente e macula o processo eleitoral que – esperamos, será realizado em outubro, processo que tem o ex-presidente como líder absoluto nas pesquisas de opinião em todos os cenários.

    Ao criminalizar o presidente Lula, a emissora interfere no processo eleitoral que se desenha no horizonte, e coloca água no moinho dos candidatos que têm como plataforma eleitoral o ódio, o antipetismo, a demagogia barata travestida de democracia, brindando-os com o bônus de uma campanha eleitoral indireta antecipada, o que contraria a legislação eleitoral em vigor no país.

    Ao tentar sequestrar o emocional das pessoas através da desinformação, a Rede Globo de Televisão demonstra que há uma enorme desproporção entre sua função de informar e sua vocação de confundir o telespectador.

    A grande quantidade de pessoas que, após assistirem aos noticiosos da Rede Globo saíram endossando nas redes sociais as ilegalidades cometidas pelo juiz Sérgio Moro, mostram o sucesso da estratégia da emissora, que joga com o inconsciente de seus telespectadores a fim de obter deles apoio às suas próprias convicções políticas e comerciais.

    A Rede Globo de Televisão faz com que seu telespectador acredite em um suposto altruísmo encampado pelo juiz Moro, vendido pela emissora como um super herói apartidário (mas que aparece em diversas fotos confraternizando com políticos do PSDB) numa cruzada quixotesca “contra a corrupção”.

    Tal prática cria um clima de ódio na população, demoniza a política como prática republicana e afasta o eleitor em geral, e o cidadão em particular, da discussão de temas que comprometem e são fundamentais no seu dia a dia.

    Sendo assim cada vez mais telespectadores da emissora revelam-se descontentes com a política de um modo geral, bombardeados que são, diariamente, por um jornalismo de guerra empenhado em mostrar que a política não funciona, e que a única saída para os problemas do país é através do autoritarismo antidemocrático na figura da judicialização da política.

    O dia 08 de julho de 2018 ficará para sempre marcado como mais um dia em que o Jornalismo da Rede Globo de Televisão prestou enorme desserviço à população, mais uma vez enganando-a, confundindo-a e, sobretudo, tentando sequestrar sua emoção.

  • Por que não torcer pela Seleção Brasileira? Porque não é a Seleção Brasileira!

    Por que não torcer pela Seleção Brasileira? Porque não é a Seleção Brasileira!

    “Noventa milhões em ação
    Pra frente Brasil, do meu coração
    Todos juntos, vamos pra frente Brasil
    Salve a seleção!
    De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão!
    Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
    Todos juntos vamos pra frente Brasil!
    Salve a seleção!
    (Pra Frente Brasil – Hino da Seleção Brasileira de 1970)

    Durante a Copa do Mundo realizada no México, em 1970 a grande dúvida, que incomodava a parcela da população brasileira que tinha consciência política e que, portanto, se posicionava contra a ditadura, era se deveria ou não torcer ou até mesmo assistir aos jogos da Seleção Brasileira de Futebol.

    A Seleção Brasileira de 1970 era a representante legítima do que havia de melhor no futebol brasileiro à época, diferentemente do que ocorre com a Seleção Brasileira dos dias de hoje.

    Nomes como Pelé, Rivelino, Tostão e Carlos Alberto Torres faziam a festa da torcida nos times em que jogavam, aqui mesmo no Brasil.

    Não havia, como na Seleção de hoje, os jogadores chamados de “estrangeiros”. Todos jogavam no Brasil, o que criava grande empatia com o torcedor. Qualquer pessoa na rua dizia de cor a escalação do time, inclusive dos times onde cada atleta daquela seleção atuava.

    O futebol ainda não havia sido tomado de assalto pelas grandes marcas, pelos grandes anunciantes. Os atletas não tinham assinados contratos milionários, e se preocupavam mais em jogar bola do que com cortes de cabelo exóticos ou desfilar a bordo de carrões com roupas de gosto duvidoso.

    Aliás nenhum daqueles atletas tinha histórico de envolvimento em escândalo de sonegação de impostos, por exemplo.

    A Copa do Mundo de 1970 foi a primeira a ser transmitida pela TV, ao vivo, via satélite e em cores.

    Mas vale ressaltar que a maioria dos brasileiros era bem pobre e não tinha TV, quem diria a cores.

    A ditadura militar, com uma tremenda visão de comunicação de massas, organizou eventos em locais públicos, onde foram transmitidos todos os jogos, ao vivo e em cores.

    Portanto a grande contradição que havia entre torcer ou não pela “Seleção Canarinho” de 1970 não estava relacionada diretamente com a qualidade técnica daquele time, que aliás era magnífica.

    A contradição entre torcer ou não residia no fato de que aquela Seleção representava oficialmente o regime político do país comandado pela ditadura militar, ou seja, todo e qualquer sucesso do time era automaticamente transformado em dividendo político pela ditadura.

    Não foi a toa que o ditador Médici em pessoa levantou a taça da conquista da Copa do Mundo das mãos do próprio capitão da Seleção, Carlos Alberto Torres.

    O ditador Emílio Garrastazu Médici, aliás, torcedor fanático por futebol, fez questão de associar sua imagem pessoal à imagem da Seleção Brasileira, vencedora da Copa do Mundo.

    A ditadura civil-militar colheu muitos dividendos com a conquista da Copa do Mundo do México em 1970. A vitória foi atribuída, mesmo que inconscientemente, à ideia de “eficiência” do regime, cuja influência se fez presente até mesmo na escalação do time que embarcou para o México.

    João Saldanha, que era técnico da Seleção por méritos e aclamado por todo o Brasil, enfrentou a ditadura, fazendo valer sua decisão de não escalar Dario “Dadá Maravilha”, um centro avante mediano, mas sugestão do próprio Médici.

    Resultado: foi substituído em cima da hora por Zagalo, um treinador medíocre, sem o menor brilho, absolutamente inexpressivo.

    E Dadá Maravilha embarcou com a equipe.

    O paralelo que busco estabelecer sobre o dilema que o torcedor de 1970 tinha e o torcedor de hoje tem, entre torcer ou não pela Seleção, é que a seleção de 1970, como narrei acima, mesmo representante da ditadura, era uma equipe que encantava, que enchia os olhos do mundo todo com seu futebol arte.

    A seleção de hoje, além de ser medíocre, não tem a menor empatia com o povo brasileiro.

    Suas cores e sua marca mais conhecida, a CBF, são instantaneamente relacionadas pelo povo ao golpe que roubou a democracia do país e o jogou na pior crise política de sua história.

    O ídolo maior da Seleção de 1970, Pelé, nunca se apresentou como cidadão politizado, e não entrarei, pelo menos nesse artigo, no mérito de sua contribuição pessoal para a ditadura mas, diferentemente do ídolo da seleção de 2018, Pelé não contribui diretamente para a idiotização da população brasileira.

    E se assim o fez, fez de uma maneira velada e quase à revelia, ouso dizer.

    Em contrapartida fica impossível dissociar a imagem de Neymar, principal jogador da Seleção atual, com a imagem de sonegador de impostos, um criminoso sentado no banco dos réus, ou mesmo da em vídeo gravado junto com o amigo Aécio Neves, apoiando a candidatura daquele que em sua campanha dizia que “combateria a corrupção”, mas foi flagrado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, além de ameaçar “matar antes da delação” o transportador da propina.

    A Seleção Brasileira de 1970 ainda era a uma seleção de futebol, a despeito de ter sido cooptada e controlada pela ditadura.

    Por pior que esse fato possa parecer, ainda dava para torcer por ela, valendo-se do argumento do futebol arte, do esporte enquanto cultura, do encantamento que aquele apanhado de jogadores muito acima da média exercia sobre o povo.

    A seleção brasileira de 2018 é a seleção das grande marcas, a seleção do selfie, a seleção da meritocracia individual, a seleção dos escândalos, a seleção que dá manchetes pelo penteado de um jogador, ou das idas e vindas de seu relacionamento amoroso, mas que pouca ou nenhuma manchete dá por conta daquilo que seria, em tese, sua razão de existir: o futebol.

    Não é uma seleção de futebol, é um grupo de representantes das marcas envolvidas no evento, meros anunciantes pagantes.

    É uma Seleção que não encanta, não empolga, não emociona.

    Não convence.

    Vale lembrar os escândalos da CBF, que controla a Seleção, e como a imagem dessa mesma Seleção está ligada a Rede Globo de Televisão, a emissora que apoiou a ditadura que vigorava quando a Seleção de 70 ganhou a Copa, e que ajudou a desferir o golpe de 2016, quando esse arremedo de time de futebol, que alguns ainda, romanticamente, insistem em chamar de “seleção”, começou a ser convocado.

    A seleção de hoje não tem empatia com o povo — quantos jogadores dessa seleção jogam no Brasil?

    A verdade é que a Seleção Brasileira perdeu seu romantismo. Isso não é de hoje, mas com o golpe ficou mais aparente.

    Tudo nos jogadores é falso, tudo muito estudado, tudo artificial, planejado.

    São caras e bocas, sempre as mesmas declarações vazias de jogadores que jamais tomam partido sobre nada, absolutamente fúteis, alienados.

    Apenas garotos propaganda de si mesmos e seus estilos de vida absolutamente inimagináveis para o povo brasileiro.

    A conclusão a que chego é que acabou o amor entre a população brasileira e a seleção.

    Duzentos e sete milhões sem ação
    pro abismo Brasil, mas salve a Seleção!
    Todos juntos vamos
    pro abismo Brasil,
    mas salve a Seleção!
    De repente é aquela sensação de impotente
    parece que todo o Brasil é um apagão
    todos frustrados sem qualquer emoção
    tudo é um só golpe povão
    todos juntos vamos, pro abismo Brasil, Brasil,
    mas salve a Seleção…
    (Esse deveria ser o Hino da Seleção Brasileira de 2018)

  • Siga lendo, Lula. Esteja livre.

    Siga lendo, Lula. Esteja livre.

    A mais nova modalidade de ataque contra Lula, protagonizada por pessoas analfabetas inclusive moralmente, é levantar dúvidas sobre a possibilidade de o ex-presidente ter lido 21 livros em 57 dias.

    Isso parte de pessoas que enxergam a leitura de livros como se fosse um daqueles campeonatos para ver quem come mais hambúrgueres em menor tempo, ou quem bebe latas de cerveja mais rápido, sem respirar.

    Só pode.

    Do hábito da leitura não se exige nada além da disposição para ler e certa concentração, mais nada.

    A leitura não requer nenhuma habilidade especial, nem tampouco talento.

    Da leitura se exige dedicação, se exige interesse pelo teor do livro que se tem às mãos.

    Em minha juventude, no final dos anos 80, época de vacas muito magras, o país atravessava um crise econômica gravíssima.

    Naquela época eu cheguei a morar numa garagem, onde havia apenas uma cama e uma torneira. Não havia energia elétrica, logo não havia televisão, rádio ou qualquer outro tipo de distração.

    Naquela época lembro-me de ter lido, à luz de velas, praticamente todos os livros de Jorge Amado e Monteiro Lobato, retirados por empréstimo da biblioteca do Centro Cultural do Jabaquara, em São Paulo,

    A leitura daqueles livros naquele instante, como uma espécie de bálsamo, atenuou a minha dor, tirou-me daquela situação degradante.

    A leitura, como uma espécie de máquina do tempo, me transportava para outros lugares, longe dali, onde era feliz enquanto aprendia sobre as belezas da Bahia, lendo São Jorge dos Ilhéus, ou me divertindo com as invencionices do Visconde de Sabugosa, enquanto lia “O Poço do Visconde”.

    A leitura daqueles livros me libertou.

    Num país onde o hábito da leitura não tem lugar de destaque, onde certos setores da sociedade, que hipocritamente fingem cultivar esse hábito, tentam “glamourizar “ o hábito de ler, numa tentativa cruel de excluir as pessoas mais humildes do universo maravilhoso composto pelos livros, cabe a cada um de nós defendermos Lula e o seu direito de ser quem ele é, do jeito que é, lendo o que quiser ler, dispondo do tempo que achar necessário dispor para isso.

    Numa sociedade em que muitos se informam através de postagens mentirosas nas redes sociais, através de artigos caluniosos, de vídeos violentos, de programas policialescos e matérias sensacionalistas veiculadas por jornais e revistas cujo único propósito é perpetuar a exclusão das pessoas mais humildes, relegando às tais apenas tarefas onde não precisam de predicados intelectuais adquiridos com a leitura, numa sociedade bárbara assim se faz mais do que necessária a defesa da honra e do legado do homem que, enquanto presidente, foi quem mais investiu em Educação nesse país.

    Siga lendo muitos livros, presidente Lula.

    A leitura não é uma competição, a leitura é prazer, a leitura é uma bandeira de liberdade.

    Os livros que o senhor está lendo representam a liberdade que, tenho certeza, o senhor voltará a desfrutar mais cedo do que tarde.

    Siga livre, Lula.
    Siga lendo.

  • Os deuses presentes na Marcha Para Jesus

    Os deuses presentes na Marcha Para Jesus

     

    A “Marcha para Jesus”, que acontece todos os anos em São Paulo e nesse ano teve sua 28ª edição é um ato político disfarçado de ato religioso, organizado pela seita evangélica “Renascer em Cristo”.

    O ato reúne milhares de pessoas, das mais diferentes denominações em sua maioria evangélicas, que caminham pelas ruas de São Paulo gritando palavras de ordem, cantando e empunhando cartazes e placas que fazem propaganda de suas próprias igrejas e denominações, entre uma e outra placa com algum versículo bíblico ou mensagem de auto ajuda.

    Nessa edição a marcha percorreu 3,5 km pelas avenidas Tiradentes e Santos Dumont em direção à Praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira, próximo ao Campo de Marte, na Zona Norte da Capital.

    O evento reuniu em seu palanque principal a fina flor do que há de mais atrasado na sociedade, os tradicionais oportunistas de ocasião e folclóricos dublês de políticos, que há anos se elegem alicerçados no tristemente célebre discurso de ódio e discriminação contra minorias.

    Nomes como Bolsonaro, João Doria Jr. e Silas Malafaia subiram ao palanque, representando o deuses aos quais servem.

    João Doria Jr. representou o deus mercado, o deus privatizador, o deus empreendedor, o deus “tira direitos do pobre e dá para o empresário”.

    João Doria Jr., vale recordar, foi o candidato eleito prefeito de São Paulo que, entre outros feitos, determinou que na Cracolância fossem demolidas moradias com pessoas dentro, proibiu crianças de repetirem refeições, carimbando suas mãos para identificá-las, e mandou pintar de cinza diversos grafites que embelezavam a Capital, entre outras ações grotescas.

    Silas Malafaia representou o deus dinheiro, ou Mamon, segundo o livro que ele diz seguir, a Bíblia.

    Milionário, o vendedor de bíblias de R$ 900, 00 pela TV tem um dos mais odiosos discursos contra qualquer coisa que se mova e tenha algum viés de progressista.

    Obcecado pela sexualidade alheia, persegue implacavelmente, com violentos discursos, a comunidade LGBT, incitando com isso os seguidores a de sua seita a fazerem o mesmo.

    Se opõe ao aborto, mas só das mulheres pobres, claro, criminalizando-as através de um machismo digno da Idade Média.

    Vale lembrar também que o defensor da moral e dos bons costumes foi indiciado por lavagem de dinheiro no inquérito da Operação Timóteo. Segundo a Polícia Federal ele recebeu dinheiro ilícito de suposto esquema de corrupção.

    O comerciante de Bíblias contesta e diz que tal repasse foi doação de seus fiéis.

    Jair bolsonaro também esteve presente no palanque e representou seu próprio deus — ele mesmo, a encarnação do mal, o próprio ódio encarnado.

    Abro um parênteses: considero Jair Bolsonaro o principal disseminador de ódio no Brasil e co-responsável por todos os crimes de motivação homofóbica ocorridos em nosso país.

    Bolsonaro não puxa o gatilho da arma que quer colocar nas mãos dos brasileiros, mas estimula as pessoas a puxarem esse gatilho.

    Ele não sai a noite na Avenida Paulista estourando lâmpadas fluorescentes no rosto de homossexuais, mas sua postura encoraja pessoas que não os toleram a agirem assim.

    Ele não diz diretamente aos skinheads que espanquem homossexuais na Praça da República, ou que atirem nos trilhos do trem um jovem nordestino, mas os skinheads e demais fascistas, ao ouví-lo, se sentem estimulados, representados e legitimados.

    Portanto Bolsonaro representou a si mesmo, o próprio ódio, naquele palanque.

    Não há espaço para o Jesus bíblico, que repartiu pão e peixe entre os pobres, na pregação meritocrática e excludente feita promovida pelas seitas evangélicas neopentecostais participantes daquele evento.

    Concluo reafirmando que nada tenho contra quem se declara evangélico.

    Ser evangélico não torna alguém pior ou melhor, é evidente. O que assusta no evangélico é seguir o fundamentalismo religioso que os líderes evangélicos representam, um obscurantismo absurdo que nega o ser humano racional, nega a política, nega a ciência, discrimina o homossexual, corrompe a verdade e lança seus seguidores num abismo de pensamentos medievais em nome de um Jesus malversado, que sabemos se chamar DINHEIRO.

    Em tempo: Jesus não participou do evento, muito menos daquele palanque ao lado dos representantes de outros deuses.

    Ouso dizer que sequer foi convidado e que, se aparecesse por lá, seria novamente crucificado.