“Nos tempos sombrios, se cantará também? Também se cantará sobre os tempos sombrios” – Murilo Mendes, Poesia do Exílio
A ditadura militar tomou a paz, os direitos e a vida de muitas pessoas no Brasil entre os anos de 1964 e 1985. Com o processo de redemocratização, foram anistiados os bravos lutadores e as bravas lutadoras que, com seu suor e sangue, dedicaram suas vidas a garantir que o futuro da nossa nação fosse melhor.
Porém, a anistia foi total e irrestrita, e isentou da responsabilidade também àqueles que mataram e torturaram em nome do estado. Anos se passaram, e pouco reviramos os arquivos dos tempos sombrios da ditadura. Somente a partir de 16 de maio de 2012, a Comissão Nacional da Verdade criada pela Lei 12528/2011 foi instaurada no país e as mortes e os desaparecimentos começaram a ser investigados.
Todas as graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 começaram a sair de debaixo dos panos, mas mesmo assim, o silêncio em relação ao tema ainda predominava. Pouco falamos sobre este período de vergonha brasileiro, fingimos que as atrocidades não aconteceram, e pior: fingimos que estas não tem ligação com nosso presente devastador.
A exposição, um ato político de resistência por si só, por existir estampada em paredes apesar dos desmandos do governo, nos convida a refletir sobre para onde queremos ir e que lado de nós mesmos queremos refletir em 2017. Ela é parte do projeto Memorial da Anistia, que prevê outras ações, mas está parado pelos embargos e desmandos do Ministério da Justiça de Michel Temer.
Reproduzo aqui palavras do memorial de abertura, escritas por Leda Martins e Silvana Cóser, da coordenação e supervisão geral:
“É precisamente por recusar o esquecimento e a cegueira, aos quais os fatos históricos e cotidianos estão sujeitos, e por optar por seguir os rastros da história e da memória que a Universidade Federal de Minas Gerais traz a público, com muito orgulho, compromisso institucional e dever cívico, esta exposição que se propõe a relembrar e reviver um dos momentos mais marcantes e traumáticos da história nacional: o golpe de 1964, o estado de exceção vivido pelo povo brasileiro, a anistia que se seguiu e a longa construção do processo de reparação e justiça.”
É preciso resgatar nossa história, transformar a memória em canto e coro, para que crise, desemprego, violência policial, perda de direitos e tantas outras histórias não se repitam. É preciso não se calar. É preciso conhecer o pior de nossas raízes para renascer do novo. Concluo repetindo as palavras de Fabrício Fernandino, curador da exposição: “Só não sintamos indiferença”.
A prisão arbitrária e mal explicada ocorreu logo após o trancaço das garagens da CARRIS, uma das principais empresas de transporte público do estado, que era primeira ação tática da greve desta sexta-feira (30) em Porto Alegre.
Movimentos sociais e centrais sindicais planejavam piquetes e ações de rua em diversos pontos da cidade ao longo do dia, contra os disparates do governo Temer, porém, por volta das 7h30 da manhã, um grupo de manifestantes foi cercado por 6 viaturas da Polícia Militar.
Com chutes, pontapés e xingamentos machistas e homofóbicos, a Policía Militar silenciou a manifestação que passava pela Avenida Bento Gonçalves, e iniciou uma sessão de tortura, mantendo-os contra a parede por mais de 1 hora.
Os manifestantes foram revistados com truculência e Altemir foi detido, por volta das 8h, sob a acusação de portar explosivos e apresentar perigo à sociedade.
A máquina pública destilou sua face mais abusiva e carregada de excessos e preconceito, escancarando os ideais do novo governo contra Altemir, militante histórico do Rio Grande do Sul, com mais de 30 anos de luta no movimento social, e atualmente membro do MAIS (Movimento por uma Alternativa Independente Socialista).
Foram mais de 10 horas de silêncio e desinformação, dois centros prisionais e 30 horas de liberdade privada, ainda que o primeiro alvará de soltura do professor tenha sido emitido às 20 horas.
A justificativa para a manutenção da prisão seria uma dificuldade técnica de emitir a guia de soltura, porém na legislação brasileira vigente não há indicativos de que esta não pudesse ser feita em forma manuscrita. A liberdade do professor de filosofia só veio às 13 horas do outro dia. Segundo informações jurídicas do MAIS, ainda que Altemir portasse explosivos, ele não poderia ter sido detido por tanto tempo.
No despertar para o Congresso da União Nacional dos Estudantes, a Universidade Federal de Minas Gerais se encheu de povo nesta quinta-feira (15), o que não é visto há muito tempo, já que a política da UFMG é de repressão aos não estudantes. Ou melhor, aos não estudantes que são negros, periféricos e pobres.
Se no Conune 2017, movimentos sociais, mulheres, negras, negros, LGBTs, e norte, nordeste, sul, sudeste e centro-oeste do país estavam representados, nas cadeiras das salas de aula, o que se vê é mais do mesmo na UFMG e na maioria das instituições: a meritocracia reinando em prol do direito à educação pública, gratuita e de qualidade.
Nos últimos anos, principalmente em 2014 e 2015, a UFMG fechou as suas portas para os visitantes, com as desculpas de aumento de roubos e a realização de festas não autorizadas no campus, agora ela se vê obrigada a receber àqueles que antes só ficavam das grades da Av. Antônio Carlos para fora.
As festas acontecem desde o surgimento do Campus e da Universidade enquanto instituição que lida com diversos jovens estudantes. Ela só começou a incomodar quando a juventude periférica passou a frequentar os antros de diversão noturna da instituição, e vender produtos durante estas festas.
Explicando: quando os estudantes faziam o “Na Tora”, a tradicional festa de quinta-feira a noite dentro do campus, a vida seguia um ritmo normal, mas com a chegada de “pessoas de fora”, o problema parece bem mais gritante. Racismo institucional. Preconceito. Mas “hoje é dia de alegria”, então vamos pintar a Universidade com as cores da rebeldia. Confira as pessoas que estiveram presentes no 55º Conune nesta quinta-feira (15):
Nesta quarta-feira, a Brigada Militar, órgão similar à Polícia Militar no Rio Grande do Sul, iniciou o processo de desocupação de um prédio localizado no centro da cidade de Porto Alegre, e até o momento oito pessoas foram presas. Pertencente ao governo do Estado, este local está ocupado por cerca de 150 pessoas, divididas em 42 habitações, organizadas no Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas. No local, habitam duas mulheres grávidas, e 34 crianças.
É a quinta vez, desde o seu início em novembro de 2015, que o local tenta ser desapropriado, e as famílias que vivem ali dormem e acordam com medo há alguns dias, já que a ação da polícia era esperada. O governo do estado diz ter tentado propor alternativas aos moradores, que negam e afirmam não ter outro local para viver.
Sobre estado de tensão desde às 19h, os moradores buscam uma solução para o problema, enquanto resistem dentro do prédio, que permanece com os acessos isolados. Como sempre, todo o arsenal de guerra do Estado foi mobilizado para reprimir os cidadãos de baixa renda, e houve o descumprimento da Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015, que diz da proibição de que haja desocupações após as 18h.
Um relato sobre Matias Ziatriko, uruguaio cruelmente assassinado em Rondônia.
Era 08h horas da manhã, do sábado (8 de abril) e ele estava contente. Conversando sobre política e outras questões da vida nas ruas num posto de gasolina na região norte do Brasil, Matias acabou irritando um jovem, que estava passando de carro no local. A discussão terminou com 10 tiros a queima roupa e o assassinato intolerante e xenofóbico do uruguaio, que viajava trabalhando com a arte circense pelo Brasil e pela América Latina.
A artista Samira Lemes, que têm ajudado a família a conseguir os recursos para levar Matias ao Uruguai, conta que ele era um jovem de muita paz e serenidade, e servirá de inspiração para muitos. “Ele semeava amor. E temos que mostrar que esses artistas de rua são os anjos do mundo. São os ‘busca vidas’. Se doam para mudar essa realidade do mundo.”
Filho de família humilde, ele perdeu a vida aos 29 anos em Ji-Paraná, enquanto falava sobre ser artista de rua, profissão da qual conheceu já adulto, após ter trabalhado em muitas outras e ter descoberto e aperfeiçoado seu dom ao longo dos últimos 10 anos. Neste momento, eles tentam o traslado de seu corpo e toda ajuda é bem vinda. Samira têm feito esforços para que seja possível enterrá-lo em seu lar e contribuições podem ser feitas através da conta dela no Banco Itaú (Agência 1538 / Conta Corrente: 56996-1) .
Porém, este texto não é sobre o ódio e a intolerância crescente, e sim um tributo de força às artes. As palavras derramadas aqui são para combater o esquecimento. Para que a memória de Matias se espalhe pelos quatro cantos do país e seja lembrada, para que a história nunca mais se repita. Hoje somos circo, somos povo, América Latina, e é o nosso sangue que escorre pelas ruas de Ji-Paraná. Que a arte vença o ódio!
Abaixo, mensagens anônimas de homenagens feitas pelos amigos de Matias, que foram coletadas e cedidas por Samira, e o manifesto sobre o caso:
“Morto por ser artista independente, morto por trabalhar na rua, julgado por ser a rua o seu palco, ganha um tiro no peito por não aceitar que digam que a arte de rua não é arte”
Foto: Samira Lemes
“Matias, pessoa humilde, um malabarista excepcional, perdeu a vida pela intolerância, pela ignorância, pelo conservadorismo, pelo julgamento, por um indivíduo que sacou uma arma e atirou 10 vezes, indivíduo esse que lhe disse que malabarista de rua não é artista, indivíduo que fugiu em seu Corolla prata, indivíduo que provavelmente apoiou seu julgamento em projetos de lei que proíbe a livre atuação do artista na rua, que marginaliza e descredibilizada o nosso papel na arte! Quem perde são os familiares, são os amigos, são os artistas que o admirava, são as crianças que não vão mais ver suas habilidades, é essa sociedade doente que julga e mata! Dói, dói pensar que nossa luta não pode impedir que aquele gatilho fosse puxado, dói saber que a cada sinal fechado uma pessoa pode estar nos julgando e menosprezando algo que poderia ser a salvação dessa sociedade patológica, dói pensar no medo que sentimos do que serão nosso dias, assombrados por hoje, dia que se vai um colega, uma referência de artista, uma esperança de um mundo melhor…. Dói!!! Luto!!!”
“Hoje recebi a infeliz notícia do assassinato de um grande amigo nosso. Nosso porque ele jamais seria pessoa para se fazer referência assim no singular: “meu”, “teu”, “dele”. Um artista de rua que cativava as pessoas com a sua risada solta, a sua simplicidade incorporada e a sua conversa boa. Amava a arte, assim como amava levar esta para o mundo. Por estas motivações escolheu a rua como o seu palco, o cidadão comum como seu público. Os intervalos do semáforo era o tempo suficiente para o encanto da sua arte contagiar. Amava as crianças e sempre que podia estava perto delas, levando um pouco da sua alegria, da sua espontaneidade e também da sua criatividade.
Ontem, Matias, foi assassinado por mais uma destas pessoas intolerantes à arte, intolerantes ao amor, intolerantes a qualquer modo de pensar e viver fora deste padrão consumista comandado pelo capital. Que Deus, olhe com amor para as pessoas que incentivam e cometem os crimes de intolerância. Somos uma sociedade doente. E enquanto não pararmos para compreender as razões disto jamais estaremos aptos para dar um passo a frente na transformação moral(cívica) da humanidade. Estamos todos doentes enquanto humanidade e nos entupimos de armas, de remédios, de ódio, de inveja, de orgulho, de vaidade, de comida, de roupas, de sapatos, de imagens, de egocentrismo, de comida, de revistas, de falsas verdades que são comprovadas pela ciência e atestada pelo médico, pelo psiquiatra ou mesmo pelo jornalismo barato que diariamente adentra a nossa casa.
Radical é este mundo que tem seu maior lucro na indústria armamentista. O segundo maior lucro na indústria farmacêutica. O terceiro maior deve ser do ramo dos agronegócios ou da exploração energética. Todos estes ramos muito bem polidos e apresentados pelo marketing midiático. Estamos radicalmente doentes, mas quem se importa com isto? Ninguém se importa, porque sempre estamos aptos a criticar o colega ao nosso lado e jamais em reformar o nosso ego inflado. Não acredito em discursos radicalizados sejam de esquerda ou direita. Não quero saber de falatório de coxinhas e tão pouco de mortadelas. Matias, presente!“
“Acredito em práticas individuais. Acredito no coração que pulsa ardente dentro deste nó no peito. Porque em todo coração existe uma o razão em ação. Um dia quem sabe, todos nós, consigamos ser mais estas mudanças que gostaríamos de ver no mundo.”
“Hoje recebi umas das piores notícias que alguém pôde receber; um amigo morreu. O primeiro que qualquer um ia pensar é “porque?” Mas a galera já tá ligada das injustiças da vida. Matias Galindez morreu ontem 8 de abril de 2017 nas mãos do Thiago Fernandez num posto da cidade de Ji-Paraná. Aos 29 anos, Matias já tinha conhecido muito da nossa Latinoamerica, faz mas de 7 anos que ele viajava e os últimos anos esteve pelo Brasil, o mesmo Brasil que viu ele soltar o ultimo respiro. Ele foi mais do que um amigo, foi companheiro, lutador da vida, um filho, um irmão, sem dúvida um artista e acima de tudo uma grande pessoa. Era só mais um dia de trampo onde ele falava com um parceiro do “que é arte na real?” fazendo com que alguém que passava lá se achasse com o direito de atirar dez vezes contra ele só por ter uma opinião diferente, e fugir. Foi na normalidade do dia a dia onde alguém acha que pode tirar a vida de mais alguém sem se-sentir culpado, por ser quem ele era, viver como vivia, fazer o que fazia, arte na rua. O circo do mundo inteiro ta de luto hoje, foi embora um amigo, companheiro, um grande mesmo. Me dói a nossa humanidade. Até a próxima irmão, valeu.”
Manifesto latinoamericano e internacional sobre o caso, em espanhol:
” El 8 de abril, Matías Galindez Rodríguez (Matías Ziatriko), malabarista y viajero uruguayo de 29 años, conversaba con un amigo sobre lo que es SER ARTISTA CALLEJERO. Ambos se encontraban en una estación de servicio en Ji-Paraná, Rondonia, Brasil, cuando THIAGO FERNANDES, que pasaba por ahí, intervino en la misma alegando que los malabares no son arte. Posteriormente THIAGO FERNANDES sacó un arma y disparó 10 VECES A QUEMA ROPA contra Matías, huyendo en un auto Corola color plata. Matías, fue socorrido por los bomberos y llevado al hospital en donde su vida se apagó.
THIAGO FERNANDES de 19 años, quien actualmente se encuentra prófugo, es hijo de dos grandes autoridades del lugar y ya ha cometido otros asesinatos. Ante la corrupción y el abuso constante de autoridad que vivimos diariamente, nuestra palabra no tiene peso, nuestro camino no vale, nuestra elección no es valida, nuestra opinión no cuenta.
A pesar de nuestra innegable presencia en las calles, en las plazas, en los parques de toda latinoamerica se nos siguen marginando, prohibiendo, reprimiendo. Hoy es triste decirlo pero defender la bandera del arte callejero te puede costa la vida. A Matías se lo llevó esa intolerancia encubierta de civilidad. Vivimos en un mundo absurdo en que Es mas dificil conseguir un permiso para ejercer el arte en la via publica que comprar un arma y de sentirse con la autoridad de disparar a cualquiera que piense y viva diferente.
Somos conscientes que a Matías se lo llevo el odio: el odio a la libertad de poder elegir un modo de vida alternativo, autónomo, y anti sistema que nutre de sueños, de pasiones, de desafios. Asi es la vida de los artistas callejeros. Es una lucha constante. Es la paradoja entre saber lo que generamos, la sorpresa de un niño, la sonrisa de un anciano y ese odio que se engendra en la ignorancia de quienes nos tildan de vagos y desempleados por tener una idea diferente de lo que es el buen vivir.
ALGO DEBE QUEDAR BIEN CLARO A MATIAS LO ASESINARON violenta e impunemente por defender lo que eligió ser: Un artista callejero que entiende el arte como herramienta de transformación, como un derecho intrínseco en los seres humanos, como algo que debe ser accesible para todos. Desde toda Latinoamérica, Europa y el mundo exigimos JUSTICIA PARA MATIAS. Que su muerte no quede impune y quien apagó su vida pague por sus acciones ante las leyes humanas, pues sabemos que la sabiduría del universo le devolverá sus acciones.
Como artistas callejeros, como viajeros, como ciudadanos del mundo que somos exigimos ser respete un estilo de vida que no solo trasciende frontera sino que es patrimonio cultural de los pueblos. Siempre hemos existido. Luchamos día a día por reinvidicar nuestro rol en la sociedad. Nos resistimos a formar parte de este sistema capitalista/patriarcal de odio, violencia y sometimiento que adoctrina día a día a través de los medios de desinformación.
Los artistas callejeros RESISTIMOS desde el semáforo, desde un ruedo en la plaza, desde una ocupación, desde el humor, desde la colaboración voluntaria a la gorra, desde la autogestión y desde la organización colectiva y cooperativa.
Desde el arte callejero creemos, así como lo creía y vivía Matías, que una sociedad tolerante, inclusiva, amorosa y libre de prejuicios es posible. Hacemos un llamado a las autoridades pertinentes: Consulado, Cancillería, Ministerio de Relaciones Exteriores y a todos los que puedan contribuir de alguna manera a que se haga justicia. Hasta ahora sabemos que la madre y el hermano están en Ji-Paraná haciendo las averiguaciones para el traslado del cuerpo a su país. BASTA DE PREJUICIO Y REPRESION POLICIAL CONTRA LOS ARTISTAS CALLEJEROS DESDE SIEMPRE EN LAS CALLES DEL MUNDO LARGA VIDA AL ARTE CALLEJERO.”
Parafraseando um trecho da clássica música do Titãs, mais do que moradia e alimento, ser parte do país é estar incluído e ter acesso ao que, atualmente, só uma parcela da população tem.
Mais do que uma ida ao cinema, a quarta-feira, 05 de abril, foi um incentivo à luta e à esperança para os moradores das ocupações da Izidora, Paulo Freire e Eliana Silva, localizadas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O filme, assinado por Eliane Caffé, revela a realidade de uma ocupação de brasileiros e refugiados, ocorrida no coração da selva de pedra paulista, em 2012. Da ficção à realidade, o filme e seus espectadores retratam claramente a narrativa dos sem-teto.
Sob a mesma lógica conflitiva da especulação imobiliária, seguida do abandono do poder público – que nega o direito à moradia de muitas famílias de baixa renda, o caso do glamouroso Hotel Cambridge, construído nos anos 50 em São Paulo para receber artistas de renome, e abandonado em meados de 2004, se assemelha e muito ao cotidiano dos moradores das ocupações urbanas, que viram no cinema um pouco da batalha diária do MLB, Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, atuante em BH.
Emocionada com a história exibida no Cine Belas Artes, Maria da Penha Barreto, conhecida por Dona Marta, que vive na Ocupação Esperança, região da Izidora, conta que saiu da experiência ainda mais confiante para as batalhas que ainda virão. “A gente aprende cada vez mais, sabe como é a vida lá fora, não é só a gente que passa por isso, eles também e eles venceram e eu achei ver esse filme uma coisa muito bonita e muito importante”.
Invadimos ou fomos invadidos?
No Hotel Cambridge, os chamados “invasores de propriedade privada”, entraram no local inabitado, limparam-o e deram utilidade aos escombros da ruína capitalista, que serviu de abrigo para mais de 140 famílias, sendo 240 crianças. Como em São Paulo, na Região Metropolitana de BH, milhares de crianças convivem há anos com a insegurança da violência policial e do despejo.
Junto com a Dona Marta, mais 8 mil famílias compartilham o território que, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, não corre mais risco de despejo iminente e irá passar por um processo de urbanização, após quase 4 anos de luta. Recentemente foi recusada a proposta feita pela Construtora Direcional, de fazer prédios populares na região. As ocupações Rosa Leão, Esperança e Vitória, que estão na região da Izidora, entre BH e Santa Luzia, seguem na luta pela regularização das terras, promessa ainda pendente.
Na ocupação Eliana Silva, região do Barreiro, o processo caminha a passos mais largos. A região foi ocupada há 5 anos e já conta com energia elétrica, creche, biblioteca e, em breve, a água encanada, bem natural necessário à vida, irá chegar ao local. Com dois anos de resistência e ocupação, a Ocupação Paulo Freire, também localizada na região do Barreiro, está em um processo rápido de regularização, após as tentativas de despejo em maio de 2015 e a batalha judicial travada pelos moradores.
Nos anos 50, enquanto o Hotel Cambridge ainda funcionava a pleno vapor em São Paulo, na capital mineira o Seu João participava da ocupação de onde hoje é o bairro Paulo VI, na região nordeste de Belo Horizonte. Da conquista, vários frutos surgiram, e hoje ele mora no bairro São Benedito, em Santa Luzia, perto da Ocupação Izidora, da qual é colaborador.
Sobre o filme, ele diz: “Para mim foi muito bom ver esse filme porque ele revigora o meu espírito de luta e então a gente pode avançar. Precisamos estar sempre presentes na luta que com muita fé e esperança, a gente também vai vencer!”
Você tem sede de quê?
Juliano Vitral, membro do MLB, explica a importância da ação para o fortalecimento do movimento. “A gente não luta só pela casa, só pela moradia, mas por melhores condições de vida, e isso inclui lazer, cultura e o direito à cidade. Muitas vezes os espaços de cultura ficam nas regiões centrais e pessoas que moram nas regiões periféricas não têm acesso e são impedidas de estarem nesses lugares.”
Assim como no filme Era O Hotel Cambridge, muitas famílias vivem todos os dias com medo do amanhã. O direito à moradia é previsto na Constituição Federal em seu artigo artigo 6º junto com outras necessidades básicas – “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)”.
O medo não se resume apenas à falta de moradia, mas a perda das conquistas. Tanto no filme como nas Ocupações Izidora, Paulo Freire e Eliana Silva, as famílias estabelecem com o local ocupado as demais relações necessárias, como relações estudantis, de trabalho, de saúde, entre outras.
Os refugiados que fizeram história em 2012 e ficaram marcados no imaginário da São Paulo e do Brasil, ficam em cartaz em BH durante toda a semana e mantém o grito de que “todos nós somos refugiados da falta dos nossos direitos”.