Jornalistas Livres

Tag: Violência indígena

  • Líderes Xokleng acreditam que educador foi assassinado por matador de aluguel e recusam versão da polícia

    Líderes Xokleng acreditam que educador foi assassinado por matador de aluguel e recusam versão da polícia

    Ilustração da obra de Sílvio Coelho dos Santos

    Do bugreiro degolador do início do século XX, ao matador de aluguel, sobreviventes Xokleng enfrentam os novos exterminadores do Sul racista. “Foi racismo, sim, e não só do assassino”, afirma o presidente da Terra Indígena Laklãnõ, Tucun Gakran, que se reúne hoje (8/1) à tarde com o procurador do Ministério Público Federal em Santa Catarina para pedir, em nome dos nove caciques das aldeias e de todo o povo Xokleng, abertura de inquérito criminal para apurar as circunstâncias do homicídio brutal do educador Marcondes Namblá. Para os caciques, houve negligência do delegado da Polícia Civil no cumprimento da prisão preventiva do criminoso; das testemunhas, que não tentaram impedir as agressões e do hospital, que negligenciou o seu atendimento porque era um indígena.

     

     

     

    Professor morto a pauladas era um dos mais importantes pesquisadores e lutadores dos sobreviventes da Terra Indígena Laklãnõ

    Desde que Marcondes Namblá morreu em consequência do espancamento sofrido antes dos primeiros raios de sol mancharem de vermelho-sangue o amanhecer do Ano Novo, seu pai repete um ritual dilacerante para os habitantes da Terra Indígena Laklãnõ Xokleng. Criado na reserva de José Boiteux como o único filho homem entre oito irmãs, o educador era tributário de grandes esperanças desse povo que sobreviveu ao violento extermínio no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Todos os dias, às oito horas da noite, Ângelo Namblá, cuja idade se perdeu no não-tempo da vida indígena, canta em frente ao rio que corta a aldeia de Coqueiro, onde ele e dona Candinha criaram os nove filhos. É na correnteza do rio, e não no cemitério onde o corpo foi enterrado, que navega a alma gentil do jovem e brilhante pesquisador, que cativava o povo Xokleng com seu sorriso de poeta, músico e educador. Durante muito tempo, o velho canta bem alto na precisosa língua de seus antepassados para que toda aldeia ouça. O sentido do que ele canta e grita chorando em Laklãnõ está vedado para uma repórter não-índia. É algo terrível e sagrado sobre o qual um indígena não pode sequer falar com não-iniciados.

    À frente do grupo de educadores, Marcondes Namblá, à esquerda, e Nanblá Gakram, doutor em linguística, que foi seu professor

    Quem entende a raríssima língua dos sobreviventes Xokleng diz apenas: “É um canto de desespero. Só isso posso dizer”. E preciso aguardar em silêncio que Nanblá Gakran, primo do líder assassinado e maior autoridade mundial em pesquisa da língua Laklãnõ, se recomponha para voltarmos a conversar. Ele retorna alguns minutos depois, na voz ainda um tom de profunda  consternação. Explica que os indígenas compreendem a morte como uma passagem natural para outra vida; que todos os rituais fúnebres têm esse sentido, mas quando perdem um ente adorado de forma tão violenta e gratuita, a morte se traduz em horror. “É algo que nós simplesmente não compreendemos”, afirma o professor Gakran, criado junto com Marcondes na aldeia Coqueiro. Quando o horror atravessa a vida da comunidade indígena, é preciso esse clamor diário para que a alma do morto encontre paz.

    No dia 2 de janeiro, logo que o povo Xokleng soube da morte cerebral de Marcondes na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, um grito coletivo ecoou pelas nove aldeias que compõem a reserva de José Boiteux. “Eu vim de Florianópolis na madrugada do dia 3 para o enterro e, na entrada da Terra Indígena, já se ouvia os choros e gritos de desespero; a comunidade em peso sofrendo à espera do corpo do nosso guerreiro chegar”, conta Isabel Prestes, 28 anos, da etinia Munduruku, nora de Nanblá Gakran e esposa de Carl Gakran, primo e amigo de infância de Marcondes. Pouco depois, o corpo chegou e a dor só piorou, ela conta. “Meu marido, as irmãs, os filhos, os parentes, amigos, todos ficaram muito abalados. E aqui, quando uma pessoa adoece, todos adoecem junto. Nós somos uma grande família de um povo sobrevivente ao massacre cometido pelo Estado”.

    Crianças da aldeia Barragem, onde Namblá vivia com a esposa e os cinco filhos

    Há uma informação antropológica conhecida por todas as nações indígenas, mas ignorada pela absoluta maioria da sociedade branca: o povo da reserva da Barragem Norte, que só existe no Brasul, é o único sobrevivente da etnia Xokleng no Planeta!  Foram completamente exterminados nos estados do Paraná, Porto Alegre e Palmas na segunda metade do século XIX e primeira metade do XX. Os 400 indivíduos que se refugiaram no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina, dando origem ao Território Indígena, resistiram ao violento extermínio patrocinado pelos governos e companhias de colonização, que contratavam bugreiros para caçá-los e degolá-los. Vivas ou mortas, as crianças eram trazidas como troféus pelos caçadores de índios e quando sobreviviam, tornavam-se mão-de-obra escrava. Com língua, cultura e território diferenciados de outros povos indígenas, como mostrou o antropólogo Sílvio Coelho dos Santos, falecido em 2008, os remanescentes da etnia deveriam só por isso ser protegidos e cercados de cuidados pelo governo de Santa Catarina como um povo raro e único no mundo. Em Os índios Xokleng, memória visual (1997), Silvio Coelho conta que a colonização pretendia “ocupar o vazio demográfico” do Vale do Itajaí, numa clara demonstração de que a sociedade branca não reconhece o índio como gente.

    As vítimas dos bugreiros. Em: Os índios Xokleng, memória visual (1997), de Sílvio Coelho dos Santos

     

    GRITO DE GUERRA AO RACISMO: INDÍGENAS PREPARAM HOMENAGEM E PROTESTO

    As aulas do Curso de Licenciatura Indígena Intercultural da UFSC, por onde passam as principais lideranças das etnias do Sul da Mata Atlântica do país, recomeçam na quarta-feira, 10/1, pela manhã. É o curso onde Marcondes Namblá se formou, em março de 2015, como aluno de destaque da primeira turma, depois de já ter concluído licenciatura indígena pela Secretaria de Estado da Educação. Já começam a retornar das aldeias para Florianópolis os 40 educadores. Eles ingressaram no curso com a missão de tomar o conhecimento não para si, mas de multiplicá-lo nas escolas indígenas para fortalecer culturalmente o seu povo e salvá-lo do extermínio,

    Na quarta-feira dia 10, contudo, os professores-estudantes estarão vestidos de guerreiros e as aulas serão transferidas para o campo de batalha: o local do crime, na avenida Eugênio Krause, no município de Penha, onde o juiz da terra indígena Laklãnõ Xokleng foi morto a pauladas na madrugada do Réveillon.  A partir das 14 horas, farão um protesto contra o assassinato brutal do educador e os outros episódios recentes de violência e agressão aos povos indígenas de Santa Catarina, reunindo uma frente de luta com as três etnias Guarani, Kaingangue e Xokleng. Os líderes espirituais farão uma cerimônia ritualística fúnebre para que o alma de Namblá retorne a sua aldeia e seu espírito siga em paz, explica o professor Gakrán. “Esse lugar agora é sagrado porque ali foi derramado sangue do povo Xokleng”, explica o professor Gakran.  Marcondes aproveitava a temporada de praia em Penha para vender picolé com uma turma de dez amigos indígenas. Aprovado em concurso público recente, ele ainda atuava como professor Admitido em Caráter Temporário da rede pública estadual, que não remunera o período de férias. Segundo a esposa Cleusa, Namblá, pretendia ganhar um extra para comemorar o aniversário do filho.

    A partir de hoje, os professores pedem apoio às entidades, empresas e pessoas solidárias ao povo indígena para levar o maior número possível de habitantes da reserva ao município de Penha. Ganharam um ônibus da universidade, que é suficiente apenas para os integrantes do curso de Licenciatura, mas precisam de ajuda de transporte, principalmente, para trazer os integrantes da aldeia.

    Convite para a cerimônia de homenagem fúnebre no Templo Ecumênico da UFSC. No dia 10, às 14 horas, ocorrerá o protesto em Penha

    Um dia antes do protesto, na terça-feira, dia 9, às 9 horas, os professores farão uma homenagem ao pesquisador assassinado no Templo Ecumênico da UFSC, que é aberto a todas as crenças e culturas religiosas. Diz o convite: “Condoídos pela tristeza da perda de nosso ex-aluno Marcondes Nanblá e indignados pelas circunstâncias cruéis e desumanas do seu assassinato, convidamos para uma cerimônia em sua homenagem, a ser realizada na terça-feira, dia 9 de janeiro de 2018, às 9 horas, no Templo Ecumênico da UFSC. Será uma ocasião para celebrar a memória deste jovem líder Laklãnõ-Xokleng que vinha trabalhando com afinco para melhorar as condições de vida de seu povo, assim como vinha despontando como um brilhante intelectual indígena. A cerimônia fúnebre será celebrada pelo cacique presidente da Terra Indígena, Tucun Gakran e por seu sobrinho Carl Gakran, estudante do Curso de Medicina da UFSC e presidente da Associação de Estudantes Indígenas d­­a Universidade (AEIUFSC).

    Com cacique da aldeia Guarani M’Biguaçu, Karaí Moreira, celebrando aliança pela espiritualidade indígena

    Ironicamente, em novembro, Marcondes esteve por três dias na casa do primo em Florianópolis, tentando conscientizá-lo de que, mesmo estudando fora, não deveria abandonar o culto e a propagação das práticas espirituais do povo Xokleng entre as novas gerações. O juiz cobrou-lhe o cumprimento da aliança selada pelos dois na aldeia em novembro de 2013, quando numa cerimônia ritualística marcante para a comunidade, os dois jovens líderes se comprometeram a manter viva e presente nas aldeias a espiritualidade Xokleng. “Não imaginava que dois meses depois eu teria que celebrar o ritual da morte do meu amigo-irmão”, lamenta Carl, 28 anos.

    Fundação da AEIUFSC, de Estudantes Indígenas em dezembro do ano passado, com Carl de branco, ao lado do reitor pró-tempore, Ubaldo Balthazar, de Cocar

     

    CACIQUES PEDEM PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NA PROCURADORIA DA REPÚBLICA

    Ao modo discreto e polido que é peculiar dos indígenas, os guerreiros dão todos os sinais de que não engoliram a narrativa divulgada pelas autoridades policiais e pela grande mídia para o assassinato de seu líder e não pretendem deixar impune a barbárie que sofreram. Em silêncio, dois dias após enterrarem o educador, os caciques se reuniram com o presidente da T.I. e com o professor Gakran para firmar um documento em que requerem a abertura de um processo de investigação criminal ao Ministério Público Federal, encaminhado à Procuradoria da República em Santa Catarina. Pela gravidade das denúncias, a resposta veio no mesmo dia 5 e nesta segunda-feira, às 14 horas, o cacique presidente Tucun Grakan e o irmão Nanblá, que é uma autoridade científica do povo Xokleng já terão uma audiência com o superintendente do MPF, André Stefani Bertuol. “Nós queremos que a Polícia Federal investigue as circunstâncias do crime com profundidade porque a Polícia Civil não irá além do que já fez”, afirma o presidente.

    Os caciques Xokleng exigem que o órgão investigue por que a ordem de prisão preventiva contra o acusado não foi cumprida assim que expedida, no dia 3 de janeiro, dando tempo para que o criminoso fugisse. E ainda indagam por que Gilmar César de Lima estava solto, se havia um mandado de prisão anterior por tentativa de homicídio envolvendo tráfico de drogas, além de outras denúncias de crimes de furto e espancamento de mulher contra ele não apuradas. Consideram inexplicável o fato de ele não ter sido capturado ainda, uma vez que o seu local de moradia foi facilmente localizado a duas quadras do crime por uma testemunha.  O cacique presidente considera que o delegado da Polícia Civil, Glauco Teixeira Barroco, foi racista ao declarar para os jornais locais que a polícia havia passado em ronda pelo local onde Marcondes agonizava, mas não o socorreu porque parecia um bêbado. Com isso, ele ficou jogado na calçada, sem nenhum tipo de atendimento, das 5:18 da manhã até as 8 horas. Por fim, as lideranças apontam ainda a necessidade de averiguar a ocorrência de omissão cúmplice por parte das testemunhas porque ficou evidente nos depoimentos que elas assistiram ao massacre do indígena sem fazer nada para deter o assassino, que deu de costas e voltou a espancar o professor ao perceber que ele ainda vivia. Baseados nessas circunstâncias não explicadas, consideram racismo também o fato de o delegado desautorizar, sem a devida fundamentação, que não se trata de crime racista.

    Isso não é tudo: a comunidade Xokleng em peso alimenta a forte suspeita de que o jovem identificado como réu não era apenas um psicopata ou um delinquente que agiu sozinho.  “Ele é um pistoleiro que tem tudo para ser autor de um crime encomendado”, acredita o professor Gakran.  Pelo envolvimento do sujeito identificado como assassino com drogas, Tucun acredita que o crime está relacionado ao fato de que ele havia proposto um pedido de investigação do tráfico de entorpecentes nas aldeias por homens brancos que se infiltram na comunidade se valendo da inocência e hospitalidade de alguns. Segundo ele, Gilmar de Lima foi visto circulando na aldeia em maio do ano passado. “Tudo leva a crer que seja uma retaliação contra os líderes pela iniciativa de erradicar essa invasão na Terra Indígena”, afirma. Essas suspeitas comentadas com reserva nas aldeias, impactam as famílias pelo medo e pela consternação.

    Quanto mais a Polícia Civil de Piçarras afirma que o crime não pode ser relacionado à questão étnica, mais as lideranças se recusam a tratar o assassinato como um crime comum, típico de páginas policiais. descontextualizado dos massacres históricos e desconectado dos outros crimes hediondos ocorridos contra indígenas em Santa Catarina no espaço de pouco mais de um ano. “Evidente que não se trata de um crime comum”, afirma Gakran, que reivindica a investigação da relação do assassinato também com conflitos de disputa territorial e ódio contra as lideranças educadoras, “entre outras questões que preferimos guardar por enquanto”.

    A indígena Xokleng Ana Patté, 22 anos, estudante do Curso de licenciatura indígena da UFSC, afirma que a questão do racismo nunca pode ser descartada de antemão num caso de violência de um branco contra um índio. E a líder Guarani Kerexú Yxapyry, que sofreu incontáveis ameaças de morte e violência racista contra ela e membros de sua família, afirma que as cenas do vídeo do espancamento com requintes de crueldade flagrado pelas câmaras de vigilância eletrônica não deixam nenhuma dúvida de que o assassino é movido por ódio racista.

    NEGLIGÊNCIA HOSPITALAR TERIA SIDO FATAL PARA O INDÍGENA, DENUNCIA FAMÍLIA

    Às questões de contexto social e histórico somam-se outros acontecimentos indicando que o porrete nas mãos do assassino foi segurado por outras mãos invisíveis igualmente encorajadas pelo racismo. O professor Nanblá e a nora Isabel denunciam circunstâncias gravíssimas em que o hospital Marieta Konder Bornhausen teria se negado a fazer a internação do indígena. Isso porque seus documentos havia ficado no Hospital de Penha, para onde foi levado primeiramente pelo Corpo de Bombeiros e transferido. Enquanto os documentos não chegaram, o hospital Marieta Konder Bornhausen, para o qual foi transferido após confirmado Traumatismo Craniano Encefálico e várias fraturas cranianas, teria tratado o pesquisador como um indigente, recebendo-o na UTI, mas sem tomar os procedimentos urgentes, apesar dos apelos da família.

    Isabel avisou os familiares na Terra Indígena que, acompanhados pelo cacique regional de Palmeirinhas, a irmã mais velha, Nésia Namblá, e o marido Zeca Ndilli, saíram de casa as 8h30min do dia primeiro, percorreram 220 quilômetros da Terra Indígena, entrando em Penha para pegar os papeis até chegar ao hospital em Itajaí por volta de duas horas, para que só então ele finalmente fosse operado. Segundo depoimento do professor Nanblá e de Isabel, a espera pela cirurgia por muitas  horas desde que Marcondes foi recolhido pelo Corpo de Bombeiros, às 5h30min do dia 1°, teriam sido fatais para o jovem professor, que faleceu no dia seguinte. “Ele deveria ter sido operado de imediato, assim que entrou no hospital, mas houve descaso e falta de ética do hospital que o atendeu mas não fez a cirurgia que ele precisava”, afirma Nanblá, que vai relatar o caso hoje ao Ministério Público Federal. “Além da brutalidade que passou sendo espancado brutalmente como todo o país viu, ele ainda teve que passar por essa negligência da saúde”, desabafa Isabel.

    Conforme contam, assim que foram avisados pelo cacique da aldeia Palmeirinhas que Marcondes havia sido diagnosticado com traumatismo craniano, o professor Nanblá pediu a Isabel, estudante de Fonoaudiologia na UFSC e com conhecimento na área de saúde, para ligar de Florianópolis aos dois hospitais de Penha e Itajaí se informando da situação, pois a família estava sem sinal de celular. Às 8 horas, ela  falou por telefone com a enfermeira que atendeu Marcondes no Hospital de Penha e o transferiu para o hospital de Itajaí por falta de estrutura da unidade para atender à gravidade do caso. A enfermeira alertou para o fato de que na transferência do paciente, os documentos e pertences haviam ficado em Penha. Em seguida, ela se comunicou com a recepção do Hospital de Itajaí avisando que havia dado entrada um paciente indígena, resguardado por normas específicas de atendimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena, que tem convênio com o SUS. “Sabendo da gravidade do estado dele, solicitei que a internação e os procedimentos cirúrgicos necessários fossem realizados de imediato e garanti que os documentos já estavam sendo levados pela família, mas a administração informou que nada seria feito sem eles”, denuncia. “A própria enfermeira do Pronto Atendimento do Hospital de Penha já havia alertado que nada seria feito com o paciente no Hospital de Itajaí sem os documentos”, afirma ainda Isabel, que publicou um relato a respeito na sua página do Facebook. O cacique geral, Tucum Gakran, reforça a denúncia: “O hospital se negou a atender porque já sabia que se tratava de um indígena e impôs essa condição absurda e desumana”.

    Grande defensor da cultura Xokleng, o guerreiro-sorriso era adorado pelo seu povo

    A acusação de negligência não é confirmada pela irmã Nésia Namblá, que é técnica de enfermagem, nem pelo marido José Ndilli.  Os dois contam que ao chegar ao hospital em Itajaí,  encontraram Marcondes já entubado, medicado e internado na prática, embora não oficialmente. Conforme ela, o médico chamado Luciano repassou todos os procedimentos realizados aos familiares e informou que, embora não houvesse vaga na UTI pelo SUS, o paciente ficou numa vaga particular de internação. “Nós até agradecemos pelo atendimento”, dizem eles. “Só não tinha sido internado no papel ainda, mas já estava com acesso venal, pronto para a operação, apenas aguardando a nossa presença para que pudéssemos acompanhar”, confia Nésia.

    Com esse depoimento, José e Nésia confirmam, contudo, que o paciente só foi encaminhado para a cirurgia no abdômen e de retirada do baço depois das 14 horas, com a chegada da família ao Marieta Bornhausen. De fato, a cirurgia, de acordo com o prontuário, só ocorreu às 16 horas. “Não houve negligência: o problema é que ele estava muito machucado”, acredita José, segundo quem o cunhado apresentava marcas de pauladas no abdômen, costas, cabeça, nuca e um grande corte nas têmporas, próximo à orelha, mas não viram marcas de pneu indicando que ele teria sido atropelado, como chegou a ser especulado nos jornais e redes sociais. Nós tentamos conversar com a direção do hospital durante todo o final de semana e hoje pela manhã cedo, mas a recepção informou que era preciso aguardar a chegada de um dos diretores.

    Apesar da controvérsia, a família está considerando entrar com processo contra o hospital por negligenciar o atendimento à pessoa indígena, que segue recomendações e normais específicas do Ministério da Saúde regidas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

    Por todas essas circunstâncias que contradizem a narrativa da Delegacia de Polícia, é possível que a Polícia Civil do Balneário de Piçarras prenda o assassino em poucas horas, como está prometendo há três dias o delegado Douglas Teixeira Barroco. É possível e até provável que isso aconteça. (A Rádio Cidade, de Itajaí, inclusive já anunciou essa prisão de modo antecipado, informando no dia 4/1, até a hora em que Gilmar teria sido detido, às 22 horas do dia anterior). Com o pescoço, o peito e o braço coberto por tatuagens exuberantes, o homem do porrete de madeira que esmigalhou o crânio de um dos mais brilhantes cérebros da nação indígena Laklãnõ Xokleng foi facilmente identificado por testemunhas do crime e por filmagens de câmaras de monitoramento desde o dia 2 de janeiro e imediatamente após o falecimento de sua vítima.

    Com dois mandados de prisão em aberto, uma tentativa de homicídio e um assassinato, fotografado pela polícia de todos os ângulos, o criminoso só escapou até agora por algum “milagre” do recesso do Ano Novo. Com o assassino do homem que era o registro vivo da cultura e da língua Laklãnõ metido atrás das grades, a justiça seria restabelecida e as três etnias indígenas de Santa Catarina se apaziguariam, assim como sossegaria a indignação das entidades de apoio aos povos originários de todo o Brasil com essa nova barbárie contra os indígenas de Santa Catarina. Mas os movimentos tribais mostram que muito pouco ou nada vai mudar com a prisão do empacotador nascido em Blumenau, como consta em sua ficha criminal. Para as lideranças indígenas são muitas as outras mãos que seguraram o porrete assassino erguido contra o povo Xokleng por mais um dos jovens desajustados e violentos, desses “jeruás” malvados que a degeneração da sociedade branca produziu desde os tempos dos bugreiros.

    Entre os homens brancos, a prisão do criminoso é a catarse que o coliseu precisa para aplacar sua sede de justiça imediata. Mas no pensamento indígena não se passa desse modo. “Este rapaz deve ser preso, nem sei por que ainda continua foragido, mas isso não vai mudar nada”, afirma Nanblá Gakran, primo-irmão de Marcondes Namblá, de quem era parceiro num projeto messiânico e grandioso de salvar a língua Laklãnõ Xokleng do desaparecimento. “Vão prendê-lo e outros crimes bárbaros continuarão acontecendo contra os indígenas”. Com muita gravidade na voz e na expressão, professor Gakran assume o que grande parte da comunidade indígena acredita, mas nem todos têm a coragem de manifestar além das redes sociais: a ideia de que Gilmar César de Lima é um pau mandado. “Um pistoleiro, com homicídios anteriores, que foi provavelmente pago para fazer o que fez. Nós queremos é chegar ao que está por trás desses crimes”, afirma veemente.

    A comunidade indígena recusa com firmeza a hipótese sustentada pelo delegado de que se trata de um crime comum, cometido por “motivo fútil”, sem “relação com racismo ou etnia”, como ele afirmou aos jornais. Esse ponto de vista é compartilhado pela ex-cacique Guarani da T.I. Morro dos Cavalos, Kerexú Yxapiry, por Laura Parintintins, que estuda antropologia na UFSC e Pietra Dolamita, da etnia Kauwá Apurinã, que vive no Rio Grande do Sul. Nas redes sociais, parentes ironizam, com a tradicional elegância, o motivo que Gilmar teria alegado a uma testemunha para espancar o pesquisador, de que Marcondes teria mexido com o seu cachorro Rottweiler. Mostram que a justificativa na qual o delegado Douglas Teixeira Barroco norteia seu trabalho, segundo ele mesmo, é desmentida pelas próprias imagens das câmaras de vigilância, nas quais Namblá não esboça qualquer reação contra o agressor ou qualquer movimento direcionado ao cachorro.

    O assassinato do Xokleng Marcondes Namblá foi o terceiro de caráter hediondo ocorrido no berço da colonização europeia no prazo de um ano e contra indivíduos das três etnias: além dele, o bebê Vitor Kaingangue foi degolado em dezembro de 2016 por outro psicopata, movido por ódio contra indígenas enquanto era amamentado pela mãe na rodoviária de Imbituba, depois de fazer um carinho na cabeça da criança. E no Dia dos Finados, em novembro passado, Ivete Souza, mãe da líder Guarani Kerexú, teve a mão decepada a golpes de facão na aldeia Itaty do Morro dos Cavalos. Como dia Dolamita, “Nós acreditamos que quando ocorre o assassinato de um negro, uma mulher, um homossexual, um indígena, nunca é apenas um indivíduo que suja suas mãos de sangue. São sempre muitas mãos da sociedade racista que puxam o gatilho ou baixam o porrete”

    Vídeo publicado em homenagem a por amigos de infância na aldeia

  • ETNOCÍDIO NO ANO NOVO: Professor indígena é brutalmente assassinado em Santa Catarina

    ETNOCÍDIO NO ANO NOVO: Professor indígena é brutalmente assassinado em Santa Catarina

    Professor formado pelo Curso de Licenciatura Indígena da UFSC,  Namblá era uma liderança atuante da Terra Indígena Laklãnõ Xokleng

    O professor de Educação Indígena da etnia Laklãnõ Xokleng, Marcondes Namblá, 38 anos, é mais uma vítima de violência e assassinato brutal contra indígenas em Santa Catarina. Casado, pai de cinco filhos, educador, estudioso e líder expressivo de seu povo, ele foi encontrado inconsciente, com marcas de espancamento, no amanhecer do primeiro dia do ano. O crime ocorreu na avenida Eugênio Krause, na Praia de Armação, em Penha, no Litoral Norte de Santa Catarina, onde fazia trabalho extra durante o verão vendendo picolé para aumentar a renda como professor Admitido em Caráter Temporário (ACT) pela rede pública estadual, que não paga o período de férias. Socorrido e levado em estado muito grave ao Pronto Atendimento mais próximo, foi internado no Hospital Marieta Konder Bornhausen, no município de Itajaí, a uma hora de Florianópolis, mas não sobreviveu às fraturas cranianas das pauladas que recebeu. Quando chegou ao hospital, os médicos já teriam diagnosticado morte cerebral do professor, que teve os ossos do crânio moídos com um porrete de madeira. Marcas de pneus de carro no corpo mostram que depois de ter recebido muitos golpes na cabeça e no corpo, pode ainda ter sido propositalmente atropelado.

    No início da noite de ontem (2/1), as entidades indígenas de Santa Catarina receberam a notícia de que o professor, não resistindo aos graves ferimentos, faleceu no Unidade de Terapia Intensiva do hospital. O corpo do professor da Escola Indígena de Educação Básica Laklãnõ, pertencente à rede estadual, foi velado na quarta-feira (3/1), na Igreja Pentecostal Adoração a Deus, da Aldeia Coqueiro e o sepultamento ocorreu às 14 horas no cemitério da Aldeia Figueira, em José Boiteux, no Alto Vale do Itajaí, sob forte comoção de familiares, amigos e entidades apoiadoras. A comunidade exige mais eficiência e agilidade na investigação do caso e punição dos culpados.

    O Boletim de Ocorrência foi registrado pela família na Delegacia Policial do Balneário de Piçarras, ao lado do município de Penha. “Não é um caso isolado”, disse o Centro Interdisciplinar de Antropologia e História, em “Nota de tristeza, solidariedade e despedida”, relembrando que, em dezembro de 2016, o bebê Vitor Kaingang foi degolado enquanto mamava no colo da mãe, na rodoviária de Imbituba. Câmeras de vigilância de estabelecimentos locais detectaram a imagem de um homem ainda não identificado, acompanhado de um cachorro que lhe desferiu vários golpes com um porrete de madeira mesmo depois de fazê-lo cair. As imagens mostram que ele dá de costas e retorna para continuar o espancamento ao perceber que a vítima ainda apresentava sinais de vida. Segundo relatos aos bombeiros, houve ao menos três testemunhas da agressão cometida por esse homem armado com uma tábua de madeira. A Polícia Civil está ouvindo essas testemunhas, investigando o caso e promete apresentar uma solução em poucas horas. Conforme o agente de indigenismo da FUNAI, Jairo Pinto de Almeida, que esteve ontem na Delegacia do Balneário de Piçarras acompanhando a investigação, a Procuradoria Federal especializada da FUNAI também está tomando as providências cabíveis.

    Com professores do Curso de Licenciatura intercultural Indígena da UFSC, do qual integrou a primeira turma

    Missionário evangélico e ex-candidato a cacique (julho de 2017), Marcondes Namblá pertencia à aldeia Plipatól, no município de José Boiteux, que integra a Terra Indígena Ibirama, no Vale do Rio Itajaí, em Santa Catarina. Em outubro, foi eleito para exercer a importante função de juiz da Terra Indígena Laklãnõ. É um dos sobreviventes de um processo brutal de extermínio iniciado durante a colonização europeia em meados do século XIX, do qual restou praticamente apenas o subgrupo Laklãnõ/Xokleng.

    Membro de uma das famílias tradicionais de seu povo, com vários primos e irmãos pesquisadores como ele, o professor assassinado formou-se na primeira turma do Curso de Licenciatura Indígena da Secretaria de Estado da Educação. Mas foi como aluno também da primeira turma de Licenciatura Indígena Intercultural do Sul da Mata Atlântica (2011-2014), da UFSC, que obteve maior destaque como “brilhante liderança, pesquisador e orador”, conforme o indigenista Jairo de Almeida. Considerado um jovem e promissor líder indígena, formou-se em abril de 2015, com o trabalho de conclusão de curso “Infância Laklãnõ: Ensaio Preliminar”. Nessa monografia, o pesquisador apresenta um estudo das brincadeiras típicas das crianças da sua etnia em situação de vida cultural mais próxima do ideal e antes da Barragem Norte, que destruiu o acesso aos banhos de rio (http://licenciaturaindigena.ufsc.br/files/2015/04/Marcondes-Nambla.pdf.) Profundo conhecedor da cultura e da língua Xocleng/Laklãnõ, alimentava o sonho de desenvolver com o primo Nanblá Gakran, professor da UFSC, doutor em linguística pela Universidade de Brasília e reconhecido especialista em história oral indígena, um projeto de registro escrito dessa língua. Recém-aprovado em concurso público para finalmente ser efetivado como professor no reinício das aulas deste ano, também se preparava para fazer mestrado em Antropologia e incrementar os projetos na escola indígena onde atuava.

    As entidades de apoio aos povos originários, que já mobilizavam vários grupos de solidariedade ao povo Guarani e Xokleng motivados por episódios de violência anteriores, reagiram com revolta e consternação, exigindo que as autoridades policiais apurem os culpados e as condições do assassinato. Em novembro, o caso em que Ivete Antunes, 59 anos, mãe da ex-cacica da aldeia Itaty do Morro dos Cavalos, teve a mão decepada em um ataque a facão no Feriado dos Finados já havia estarrecido as entidades apoiadoras, que organizaram uma rede de voluntários para dar segurança à aldeia e prevenir novos ataques à mão armada que vinham se intensificando desde o início de novembro. No final do ano, uma manifestação no centro de Florianópolis, denunciou as condições de miséria dos índios Xokleng, que ficavam alojados embaixo da Ponte quando precisavam vir à Capital em busca de tratamento de saúde ou de emprego. O fato intensificou a luta por uma casa de passagem para os indígenas, projeto já aprovado pela Câmara de Vereadores e nunca cumprido.
    No magistério e na carreira acadêmica o indígena cruelmente assassinado enfocou a língua e a cultura de seu povo, por quem é considerado um guerreiro

    Em todos os três casos envolvendo agressões e etnocídios, as entidades de apoio aos povos indígenas criticam o que chamam de um esforço do poder público, autoridades policiais e grande mídia para construir uma narrativa que neutralize a conotação racista dos crimes. “É triste e revoltante que esse tipo de ataque contra indígenas no estado se torne normal e invisibilizado. E até agora não há um culpado e ninguém punido por essas crueldades”, diz nota publicada pela Comissão Nhemonguetá. A líder da aldeia Itaty do Morro dos Cavalos, em Palhoça, a ex-cacica Kerexu Xapyry, afirmou que o Povo Guarani e todos povos indígenas de Santa Catarina estão em luto e prestam sua solidariedade ao povo Laklãnõ Xokleng. “Não foi acidente! Não foi afogamento! Ele foi espancado e foi a óbito por fratura no crânio. Foi encontrado na areia da praia frequentada por brancos, nazis, da região ocupada e renominada como Vale Europeu”, desabafou o filósofo Nuno Nunes, que vive com o povo Guarani do Morro dos Cavalos há mais de duas décadas. Pelos testemunhos e provas levantadas até agora, ficou claro que não se trata de um latrocínio, mas de um crime de ódio racista.

    Músico e missionário, o professor Marcondes Namblá deixou alguns registros audiovisuais. Veja aqui em seleção de Música romântica em língua Xocleng.

    Aqui Marcondes Namblá toca e canta durante ensaio da banda na Igreja da aldeia Plim Pantolo (Figueira) na terra indígena do povo Lãklaño Xocleng, na Barragem de Ibiramana, a 25 quilômetros do centro da cidade de Vítor Meirelles. No vídeo, gravado  pelo Jornal Biguaçu em Foco em 6/07/2013, o músico e poeta Marcondes Namblá canta um sertanejo romântico em idioma Xokleng. Publicado por Laura Pripra, em maio de 2017 .(https://www.facebook.com/laura.pripra.92/videos/105569203370948/)

     

    HOMENAGENS, MANIFESTOS E CARTAS DE PESAR

    Nota da ABA/CAI sobre o assassinato do professor indígena Laklãnõ-Xokleng, Marcondes Namblá, da Terra Indígena Laklãnõ

    A Associação Brasileira de Antropologia e sua Comissão de Assuntos Indígenas vêm somar-se às várias manifestações de pesar, indignação e anseio por justiça frente ao perverso assassinato por espancamento do professor indígena Laklãnõ-Xokleng, Marcondes Namblá, da Terra Indígena Laklãnõ, situada no município de José Boiteux, no alto vale do Itajaí. Marcondes recentemente aprovado no primeiro concurso público para professor indígena realizado pelo Estado de Santa Catarina, lecionava na Escola Laklãnõ. O martírio de Marcondes soma-se a pelos menos dois outros crimes recentes igualmente bárbaros, também ocorridos no litoral de Santa Catarina.

    Conclamamos autoridades e instituições públicas de todos os níveis de governo a promover campanhas de sensibilização sobre a importância do respeito aos modos de vida e aos direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição e sobre as graves violações de tais direitos, no passado e no presente, para que estas não se perpetuem.

    Na escola Laklãnõ, Marcondes desenvolvia projetos para o fortalecimento da língua indígena,
    utilizando-se da música como estímulo para as aulas. Exercia o cargo de Juiz na Terra Indígena, o que expressa sua postura equilibrada, carismática e conciliadora. Essa função, para o povo Laklãno- Xokleng, é a única com autoridade para fiscalizar e repreender eventuais excessos cometidos pelos caciques.

    Marcondes formou-se em 2015 no Curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, tendo defendido um brilhante Trabalho de Conclusão de Curso sobre o banho de rio e educação das crianças. Seu trabalho demonstra a centralidade desta atividade para o desenvolvimento e habilitação das crianças Laklãnõ-Xokleng e os prejuízos causados pela Barragem Norte para a continuidade desta prática. Enquanto acadêmico, assessorou a Política Indígena da FURB e vinha se preparando para ingressar no mestrado em Antropologia da UFSC.

    Casado e pai de cinco filhos, Marcondes estava desempenhando trabalho temporário no local em que foi assassinado no litoral do estado de Santa Catarina: vendendo picolé em período de férias turísticas. O comércio voltado aos turistas que visitam o litoral sul do Brasil nos meses de verão tem sido uma importante alternativa de renda para as populações indígenas da região, encapsulados em territórios exíguos que não lhes oferecem alternativas de sustento.

    As imagens do crime já circularam amplamente pelo país e a polícia parece já ter identificado o algoz. A polícia qualificou o crime como “homicídio por motivo fútil”. Os requintes de crueldade e covardia do crime lembram o assassinato de Galdino Pataxó, queimado vivo em Brasília há mais de 20 anos. Nesse período, uma geração de jovens indígenas conseguiu acessar a educação escolar e universitária, buscando conhecimentos que possam lhes garantir justiça e dignidade. Com tristeza observamos que, apesar disso, continuam expostos à mesma situação de vulnerabilidade e violência.

    Em dezembro de 2016, a criança Vitor Kaingang, com dois anos de idade, foi degolada por um desconhecido, enquanto era alimentada pela mãe, em Imbituba. Em novembro do ano passado (ou seja, há dois meses!), a indígena Ivete de Souza, 59, teve a sua mão esquerda decepada a golpes de facão, desferidos por dois adolescentes durante um ataque à aldeia Guarani da TI Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, no contexto da constante intimidação que tem sido promovida contra os indígenas dessa região. Dona Ivete é mãe da cacica Eunice Kerexú.

    Tudo leva a crer que não estamos diante de fatos isolados. Vitor Kaingang, dona Ivete Guarani e, agora, Marcondes Laklãnõ são, a nosso juízo, vítimas da atmosfera de intolerância e ódio étnicos em que vivemos, em especial na região Sul, e que conta com a cumplicidade de autoridades públicas e meios de comunicação, que destilam diuturnamente discursos preconceituosos contra os indígenas, seus modos de vida e seus direitos fundamentais. Tais manifestações, por sua vez, são repercutidas nasredes sociais e chegam até os comentários postados sob as notícias que veiculam tais crimes bárbaros.
    Não surpreende, assim, que pessoas se sintam autorizadas a brutalizar indígenas – homens ou mulheres, idosas ou crianças.

    Os poderes e instituições públicos constituídos, contudo, não podem nem devem se sentir à vontade nesse ambiente. Antes, eles têm a responsabilidade de, junto com as organizações de justiça e direitos humanos da sociedade civil, conter a expansão dessa atmosfera genocida e dissolver o racismo institucional. É imperativo tolher os que disseminam o ódio, a intolerância e o preconceito contra os modos de vida indígenas, e combater o crime de racismo perpetrado contra os índios por diferentes atores. O diversionismo em relação à efetivação dos direitos indígenas reconhecidos na Constituição Federal implica na cumplicidade com a barbárie de que o assassinato de Marcondes Laklãnõ é a mais recente expressão.

    Nossos sentimentos vão para seus familiares e amigos, para o povo Laklãnõ e para seus colegas e professores da UFSC, que hoje choram a perda de uma pessoa tão vivaz, brilhante, querida e cheia de planos.

    Brasília, 05 de janeiro de 2018.

    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA – ABA E SUA COMISSÃO DE
    ASSUNTOS INDÍGENAS – CAI

    Formatura de Marcondes Namblá, no Curso de Licenciatura Indígena Intercultural da UFSC em maio de 2015

     

    Nota do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena da UFSC

    HOMENAGEM E TRIBUTO A MARCONDES NAMBLÁ

    Publicado em 03/01/2018 às 11:38

    PERDEMOS MARCONDES

    Perdemos todos com a partida brusca, trágica e inadmissível de Marcondes Namblá, ocorrida em 02 de janeiro de 2018. Estamos de luto, sentindo profunda amargura e consternação.

    Marcondes, pertencente ao povo Laklãnõ-Xokleng da Terra Indígena Laklãnõ, Alto Vale do Itajaí, integrou a primeira turma do curso Licenciatura Intercultural Indígena da UFSC, cuja formatura ocorreu em abril de 2015. Em seu Trabalho de Conclusão de Curso pesquisou e trabalhou o tema Infância Laklãnõ e a prática dos banhos nos rios, obscurecidos pela construção da Barragem Norte. Em suas Considerações Finais aponta: “Espero que essa reflexão possa contribuir para a construção de um novo pensamento em busca de alternativas para a resolução dessa problemática que hoje está instituída entre os Filhos do Sol e que os Espíritos da Natureza estejam conosco nos direcionando para o caminho certo.”

    Marcondes era uma liderança expressiva e ora exercia o cargo de juiz na Terra Indígena. Era exímio falante da língua Laklãnõ e dominava a sua escrita e compreensão. Era professor na Escola Laklãnõ.

    Perdemos a criatividade, o brilhantismo, a originalidade e sensibilidade, o empenho, o vigor e os horizontes de Marcondes. Ficamos com a memória, feitos, reflexões, sua alegria, competência e habilidade.

    Equipe de coordenação do curso Licenciatura Intercultural Indígena.

    UFSC, 03 de janeiro de 2018.

    Reitor da UFSC se solidariza com a família de Marcondes Namblá e a Comunidade Indígena

    Reitor da UFSC se solidariza com a família de Marcondes Namblá e a Comunidade Indígena

    Foto: Agecom/UFSC

    O professor Ubaldo Cesar Balthazar, reitor pro tempore da UFSC, se solidariza com a família de Marcondes Namblá, vítima de espancamento no município de Penha, litoral norte de Santa Catarina, e toda a comunidade indígena. No dia 7 de dezembro de 2017, o reitor havia se encontrado com a diretoria da Associação dos Estudantes Indígenas da Universidade Federal de Santa Catarina – AEIUFSC -, quando recebeu um documento das lideranças tradicionais indígenas.

    “O primeiro diálogo com o reitor nos deu esperança que haverá continuidade a ideia e projetos do nosso saudoso e eterno professor Dr. Luiz Carlos Cancellier na UFSC e assim tornar-se uma universidade realmente diversificada com os povos indígenas cada vez mais presentes, ocupando seus espaços, dentro e fora da academia.

    Queremos compartilhar essa notícia com indígenas e não indígenas, apoiadores da causa da mãe Terra, que hoje se inicia um novo ciclo da AEIUFSC, a qual formalizou com nosso reitor, parceria e um diálogo recíproco, onde obtivemos êxitos, pois o que buscamos é o equilíbrio entre dois mundos, o mundo indígena e o mundo não indígena (Zug, Juruá, Karaiwá, fog). Acredita-se que no futuro próximo os novos estudantes indígenas possam saber que a AEIUFSC esteve e sempre estará buscando o melhor para o bem viver dos estudantes indígenas do Brasil.”

    “Que bom que vocês se organizaram, que foi feita a Associação, pois no mundo do branco uma pessoa sozinha não tem força e vocês estão no caminho certo por estarem se organizando. Podem contar comigo”, disse à época o reitor, agora considerado um Vágdjó pelas lideranças indígenas.

    “Que Nhanderú o guie pelo caminho da sabedoria sempre, obrigado!”, ratificou o conselheiro Sérgio Karai, e finalizou: “”Nós estudantes indígenas resistimos, juntos somos mais fortes.”

    #Guarani
    #Kaingang
    #Laklãnõ/Xokleng
    #Sateré_Mawé
    #Munduruku

    Participaram do encontro a SAAD – (Secretarias de Ações Afirmativas e Diversidade) com o professor Marcelo Tragtenberg; Pro-reitoria – PRAE, representado pelo professor Pedro Manique Barreto; e a coordenadora do curso de Medicina, professora Simone Van De Sande Lee.

    Nota de Pesar pela morte do professor Marcondes Namblá da Fundação Nacional do Índio

    É com imenso pesar que a Funai lamenta o violento assassinato do professor Xokleng Marcondes Namblá, de 38 anos, espancado em Penha, no Litoral Norte de Santa Catarina, na madrugada do dia 1º de janeiro. Ao ser atacado diversas vezes de forma brutal, o professor faleceu dia dois no hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí.Namblá era egresso do curso de Licenciatura Indígena da Universidade Federal de Santa Catarina e lecionava na Escola Indígena de Educação Básica Laklãnõ. Exercia forte liderança junto à comunidade indígena e era juiz na organização política do povo Xokleng. O professor pretendia ingressar no Mestrado em Antropologia e continuar suas pesquisas e projetos sobre a infância e as implicações sociolinguísticas e identitárias de seu povo.A perda de Marcondes Namblá representa falta irreparável não só à esposa, aos cinco filhos que deixa e ao seu povo, mas a todo o país, que perde um importante pesquisador e compartilhador da riqueza cultural Xokleng.Mobilizados em prol da solução do caso, os servidores da Funai da Coordenação Regional Litoral Sul, juntamente com a Coordenação Técnica Local em José Boiteaux, fizeram o levantamento das informações junto ao Corpo de Bombeiros e a Sesai e buscaram pelos relatos das testemunhas. Após informarem o fato às autoridades policiais federais, acompanham a investigação já aberta pela Polícia Civil de Piçarra, dispondo-se a prestarem o apoio necessário. Houve, ainda, contato com a Procuradoria Federal Especializada da Funai em Chapecó solicitando intervenção formal cabível junto às instâncias policiais e judiciais competentes.

    O falecimento de Namblá, que viajou de sua aldeia para o litoral com o objetivo de vender picolés e complementar o salário que ganhava como professor, provocou, ainda, o desabafo dos servidores, que expressaram a difícil realidade da população indígena local na luta pelo compartilhamento do espaço urbano na região.

    Diante disso, a Coordenação Regional tem trabalhado arduamente pela promoção do direito à permanência digna dos indígenas nesses espaços, conscientizando a população e autoridades locais por meio de cartilhas e rodas de conversa, representando os interesses dos povos indígenas junto às prefeituras para que haja acolhimento digno aos que se deslocam às cidades, entre outras ações, visando à valorização e ao respeito à presença dos povos Guarani, Xokleng e Kaingang nos espaços públicos.

    Namblá se vai, mas deixa a força para a continuação do fazer indigenista na busca pela garantia dos direitos dos povos originários.

    Contribuição: Jairo Almeida (CTL em José Boiteaux), Marlinda Telles, Luis Felipe Bueno e Juliano Aberladino (CR Litoral Sul)

     

    04/01/2018
    Nota do Cimi em repúdio ao assassinato do professor Xokleng Marcondes Namblá

    Marcondes era da Terra Indígena Laklãnõ, que fica no município de José Boiteux, no Vale do Itajaí. Era professor formado pela Universidade Federal de Santa Catarina

    O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul vem a público manifestar sua indignação e pedir agilidade nas investigações para apurar as circunstâncias, as motivações e os responsáveis pelo assassinato, na madrugada do dia 1º de janeiro de 2018, do professor Marcondes Namblá Xokleng (na foto ao lado).

    O professor Marcondes era da Terra Indígena Laklãnõ, que fica no município de José Boiteux, no Vale do Itajaí.Marcondes foi espancado a pauladas na praia da Penha, no litoral norte de Santa Catarina. Era professor formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

    Conforme informações veiculadas pela imprensa, imagens de câmeras de monitoramento mostram o momento em que Namblá foi espancado por um homem que estava com um cachorro andando de um lado para o outro numa calçada, na  Avenida Eugênio Krause, no bairro Armação. Em uma das mãos o homem portava um pedaço de madeira.

    Marcondes, ao que parece, foi abordado pelo homem, ocasião em que trocaram algumas palavras. No momento seguinte, quando o indígena já se encontrava de costas para o agressor, este desferiu-lhe uma paulada na cabeça. Marcondes caiu no chão e o agressor, antes de fugir, covardemente continuou a desferir-lhe pauladas. Namblá foi encontrado desacordado por volta das 5h30min,  quando então foi levado para atendimento no Hospital Marieta Konder Bornhaunsen, em Itajaí, mas não resistiu aos ferimentos. Conforme familiares, Marcondes, juntamente com outros indígenas, estava na praia para vender seus produtos.

    O Cimi Sul vem alertando, ao longo dos últimos anos, sobre a onda de intolerância contra indígenas no litoral de Santa Catarina, especialmente manifestada por autoridades municipais que não aceitam o fato de os indígenas frequentarem as praias. E quando prefeitos, vereadores, secretários municipais e alguns meios de comunicação passam a veicular informação ou a proferir discursos contra os indígenas, uma boa parcela da população se sente legitimada a agir contra os indígenas, tentando repeli-los da região. No período do verão, os indígenas se dirigem ao litoral para a exposição e comercialização de seus produtos, especialmente o artesanato.

    Cabe-nos, neste momento, lembrar do terrível acontecimento em Imbituba, litoral de Santa Catarina, no dia 30 de dezembro de 2016, quando o pequenino Vitor Kaingang, com dois anos de idade, acabou sendo degolado por um desconhecido, enquanto era alimentado pela mãe. Passados dois anos, a vítima, dessa vez, foi um professor indígena morto a pauladas.

    Alguns dirão que não há relação entre os dois crimes. O Cimi Sul, que acompanha os povos indígenas, suas lutas e desafios, vem denunciando que a intolerância tem aumentado significativamente nos últimos anos. As manifestações ocorrem em rede, especialmente através da internet, de alguns jornais, de alguns programas de rádios e televisivos, ferramentas que lamentavelmente acabam sendo usadas para estimular o ódio contra indígenas, negros e estrangeiros oriundos de países mais pobres.

    No entender do Cimi há sim uma conexão entre o crime de Imbituba e de Penha porque são consequências do contexto de intolerância étnica e anti-indígena. Cabe ao poder público dar o exemplo e tentar, através das redes de justiça e do direito, extirpar esta tendência racista, homofóbica e xenofóbica que avança pelo país, mas especialmente na Região Sul.

    O Cimi chama a atenção do Ministério Público Federal (MPF), da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério da Justiça, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) para a necessidade de ampliar o diálogo com as autoridades municipais – especialmente as situadas no litoral – para que acolham com respeito os indígenas e lhes resguardem os direitos de ir e vir, de frequentar as praias, de percorrerem avenidas, ruas e estradas. Que eles tenham o direito de comercializar seus produtos.

    Por fim, há urgência no combate às violências físicas, mas é igualmente urgente coibir aqueles que propagam o ódio, a intolerância e o desrespeito ao modo de ser dos indígenas. Há que se combater o crime de racismo constantemente veiculado pelas redes sociais, inclusive nos sites de notícias. E para saber se estes crimes ocorrem, não há necessidade de muitas investigações ou pesquisas: basta ler alguns dos comentários que são postados abaixo das notícias que veicularam o assassinato do professor Marcondes Namblá.

    Chapecó, SC, 03 de janeiro de 2018
    Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Sul

     

    Nota de tristeza, solidariedade e despedida do Comin (Centro Interdisciplinar de Antropologia e História – CIAH – UNILA)

    Hoje (03/01) foi um dia triste para o povo Laklãnõ/Xokleng. Foi necessário se despedir do jovem guerreiro Marcondes Namblá, de 38 anos de idade. Infinitos adjetivos foram ditos para descrevê-lo e homenageá-lo uma última vez. Um pai, um filho e um irmão exemplar, um grande amigo, um dedicado professor, uma liderança preocupada com o bem do seu povo, cantor e compositor, sempre solidário, alegre, sorridente, inteligente, responsável, trabalhador.
    Marcondes era formado na Licenciatura Intercultural Indígena pela UFSC e professor na Escola Indígena de Educação Básica Laklãnõ, em José Boiteux (SC), durante o ano letivo, onde era contratado temporariamente. Havia acabado de ser aprovado no Concurso Público para se efetivar como professor pelo Estado de Santa Catarina. Ele foi trabalhar nas férias escolares na praia de Penha, junto com outras pessoas da Terra Indígena Laklãnõ, pois nas férias, professores não concursados não recebem salário. Esta é a situação da maioria dos professores indígenas.
    Na praia, durante a festa de Ano Novo, ele saiu para caminhar sozinho e não voltou mais. Foi encontrado desacordado, na Rua Eugênio Krause, em Penha, pelas 5h30min da manhã, do dia 01. Foi levado ao Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, onde ficou internado na UTI, até não resistir aos ferimentos e falecer no final do dia 2.
    Marcondes foi assassinado a golpes de madeira por um homem ainda não identificado. Câmeras de segurança registraram a violência.
    Este não é o primeiro caso de violência contra pessoas indígenas no litoral de Santa Catarina. No ano passado o bebê Vitor Kaingang foi degolado, enquanto estava no colo de sua mãe, na rodoviária de Imbituba.
    Por que há tanto preconceito, tanto ódio contra os povos indígenas no Brasil? Não é fácil e não é justo, há mais de 500 anos, sentir-se excluído, violentado e assassinado na própria terra. A vida dos povos indígenas é uma constante luta para ter reconhecimento, respeito, lugar para morar, para viver do seu modo, para viver em paz.
    O Marcondes foi um grande lutador pelo seu povo. Lutava utilizando palavras, sorrisos, descontração, conhecimento e música. Lutava para fortalecer a cultura do seu povo e para levar conhecimento aos não indígenas também. Ele sabia que a falta de conhecimento e a falta de uma convivência saudável entre os diferentes geram preconceito e violência. Que injustiça ele partir logo dessa forma. Ele foi um grande parceiro de trabalho e amigo junto com o COMIN e com a UNILA na luta pela garantia de direitos dos povos indígenas. Todos sentiremos muito a sua falta. Fica o exemplo de vida que foi. Fica como semente que vai produzir muitos frutos para continuarmos lutando.
    Nas fotos o Marcondes aparece em diversos momentos durante o Seminário de 35 anos do COMIN, realizado em outubro de 2017, que refletia justamente sobre o tema “Interculturalidade: Tecendo caminhos de justiça através de (con)vivências entre povos indígenas e não indígenas.” A morte do Marcondes só confirma o quanto é necessário tecermos mais caminhos de justiça.
    O COMIN e o Centro Interdisciplinar de Antropologia e História – CIAH – UNILA deixam registrado aqui o agradecimento pela caminhada conjunta e o nosso pesar aos amigos e familiares enlutados. Nós seguimos na luta para que a justiça prevaleça

     

    Nota do historiador Clóvis Brighenti

    O povo Xocleng do Alto Vale do Itajaí não só um professor especializado na sua cultura, como um formador de novos educadores

     

    NEPI publica nota por justiça pela morte de Marcondes Namblá

    03/01/2018 

    “O Núcleo de Estudos de Povos Indígenas (NEPI) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) vem a público expressar o profundo pesar e a extrema necessidade de justiça frente ao assassinato cruel sofrido pelo professor indígena Laklãnõ-Xokleng, Marcondes Namblá. Marcondes foi morto enquanto fazia trabalho temporário em Penha-SC, vendendo picolé neste período de férias turísticas no litoral do estado. Foi espancado na cabeça até cair desacordado, foi resgatado pelos bombeiros, levado ao hospital, passou por três cirurgias e não resistiu.

    Marcondes era egresso da UFSC, formado pelo Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, fazia parte de uma geração que vislumbrou na Universidade um lugar para compreender melhor as dinâmicas políticas, econômicas e sociais que ao longo da história atingiram seu povo de forma injusta e sangrenta. O povo Laklãnõ-Xokleng vem Resistindo aos efeitos muitas vezes perversos do embate com o Estado e Marcondes descobriu que poderia compreender tais dinâmicas estudando as crianças de seu povo, dialogando com a Antropologia, a História e a Linguística.

    Mostrou que a Barragem Norte, que dividiu a Terra Indígena Laklãnõ, transformou o cotidiano das crianças, limitando o banho de rio e as brincadeiras que eram desenvolvidas na água. Mais ainda: estas brincadeiras mobilizavam vocabulários específicos, na língua nativa, que deixavam de ser utilizados pelas crianças, uma vez que as mesmas viam-se impedidas de brincar em determinadas partes do rio.

    Como professor e liderança em sua comunidade, preocupava-se com a língua materna, com processos de circulação de saberes e com as dimensões identitárias que eram configuradas pelo território. Tinha planos de seguir os estudos em nível de Mestrado, tinha posicionamentos claros quanto ao lugar da escola na formação das crianças e jovens de sua Terra Indígena, tinha projetos ligados à revitalização da língua Laklãnõ-Xokleng, tinha a intenção de ter uma renda extra neste verão… Tinha tudo isso quando saiu na rua, foi abordado e brutalmente assassinado!

    A nós restou a revolta de ter de aceitar a notícia de que vidas indígenas são interrompidas em qualquer esquina, como se algum outro ser humano tivesse o direito de fazer isto… Não tem! Em dezembro de 2015, o menino Vitor, da etnia Kaingang, foi assassinado na rodoviária de Imbituba, litoral catarinense, no colo de sua mãe. A Terra Indígena de Morro dos Cavalos vem sofrendo ataques consecutivos, violentos, os quais deixam marcas físicas, como uma mão decepada, e psicológicas, tal qual o medo que não vai embora. A violência aos povos indígenas é sistemática, diária, individual e coletiva.

    Registramos aqui nossa tristeza, nossa indignação, nossa perda, mas sobretudo, nosso desejo de justiça.”

    Equipe NEPI-UFSC
    Fotografia: Italo Mongonnan Reis
    Texto: Suzana Cavalheiro de Jesus

     

    Depoimento do Professor Douglas Antunes, do Centro de Artes da UDESC

    “Conheci o Marcondes em uma expedição da Cartografia Social Laklãnõ, um cara forte, íntegro, de presença marcante. Meus sinceros pêsames aos familiares e todos os parentes.
    Espero que sua morte seja rapidamente investigada, e a justiça seja feita: em respeito a quem ele foi, aos familiares, ao povo Laklãnõ, à todos indígenas desse país. Para lembrarmos, que embora não pareça, 1500 já passou – e os novos tempos são tempos de justiça.
    Meu adeus com carinho e respeito a esse grande guerreiro!
    Quando um guerreiro tomba, outro se levanta!”

     

    Povo Xokleng perdeu não só um professor, mas um formador de educadores

    A pesquisadora da FURB, Georgia Fontoura, fez a seguinte homenagem ao professor:

    Dizem que a grandeza de um ser humano se traduz na qualidade de seus atos, suas vivências, sementes de mais vida digna por onde vai passando. Marcondes Nanblá , pai, amigo, educador, líder indígena, estudioso e guerreiro na luta pela vida, história e cultura do Povo Laklano Xokleng no Vale Indígena do Itajaí, nos deixa no exemplo de sua jornada terrena o convite e o desafio para continuarmos coletivamente sua tarefa em construção. Sua presença alegre, perspicaz, conhecedora da história e cultura de seu povo nos momentos que juntos vivenciamos nos acompanhará na luta que segue na busca e construção por outros mundos melhores, e ainda possíveis. Este era teu desejo, esta era tua prática, esta era tua luta diária. Segue em paz jovem guerreiro que tantos exemplos deixas para tua família, teu povo, teus amigos e para os que tiveram a benção de contigo conviver, nem que fosse por breves momentos. Te saudamos neste dia quando o sol se ergue no horizonte nos lembrando, que segues em luz, honra e coração tranquilo daqueles que viveram o bom combate! Obrigada pelos valiosos ensinamentos, alegria e sonhos partilhados. Em luto pela tua injusta e desumana vida interrompida nos despedimos aqui agora, na certeza que juntos estaremos em cada ação para a concretização dos teus sonhos para com teu povo e demais povos indígenas no Brasil e além dele. Em respeito e gratidão a ti, tua família e amigos mais queridos expressamos nossos mais sinceros votos de pesar.

    Grupo de pesquisa Ethos, Alteridade e Desenvolvimento – GPEAD/FURB
    Núcleo de Estudos Indígenas – NEI/FURB

     

    Homenagem e tributo a Marcondes Namblá, vítima de espancamento em Penha

    UFPR manifesta pesar pela morte de Marcondes Nambla, ex-aluno da instituição

      4 de janeiro de 2018

    O assassinato do professor Marcondes Nambla, juiz na Terra Indígena Laklãnõ, do povo Laklãnõ-Xokleng em Santa Catarina, comoveu a comunidade da UFPR ligada à educação indígena. Marcondes foi aluno da UFPR nos anos de 2009 e 2010, antes de ingressar na UFSC.

    O Núcleo Universitário de Educação Indígena divulgou uma nota de pesar:

    O Núcleo Universitário de Educação Indígena da UFPR – NUEI/PROGRAD, somando-se à equipe de coordenação do curso de Licenciatura Intercultural Indígena da UFSC, se solidariza com os familiares e povo Laklãnõ-Xokleng diante da trágica morte do professor Marcondes Namblá, vítima de espancamento na madrugada do dia 1º de janeiro de 2018, em Penha, no Litoral Norte de Santa Catarina.

    Marcondes, pertencente ao povo Laklãnõ-Xokleng da Terra Indígena Laklãnõ, Alto Vale do Itajaí, ingressou na UFPR no curso de Música no ano de 2009, fazendo reopção de curso para Ciências Sociais em 2010. Por ser incompatível continuar cursando a UFPR e simultaneamente assumir sua função de juiz na terra indígena, Marcondes optou por estudar na UFSC onde formou-se em Licenciatura Intercultural Indígena em 2015. Preparava-se para o mestrado em Antropologia.

    Manifestamos nosso profundo pesar e indignação, clamando por justiça pelo assassinato do professor indígena Marcondes.

    Núcleo Universitário de Educação Indígena – NUEI/PROGRAD
    UFPR, 04 de janeiro de 2018

     

    http://www.ufpr.br/portalufpr/blog/noticias/ufpr-manifesta-pesar-pela-morte-de-marcondes-nambla-ex-aluno-da-instituicao/

     

    Em nome do povo Parintintin, venho a público manifestar solidariedade aos famíliares e ao povo Xokleng, pela morte do parente Marcondes Nambla, que foi brutalmente espancando a pauladas na madrugada do dia 1º de janeiro de 2018, indo a óbito no dia seguinte. Que se faça justiça, que o assassino pague pelo crime que cometeu. Que a morte de mais um parente indígena não fique impune. ?

    Laura Parintintin

     

    NOTA DE SONIA BONE GUAJAJARA – Coordenadora Executiva na empresa Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib

     

    Sônia Bone Guajajara, da Coordenadora Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

    Aproveito final de um ano e início do outro para descansar a alma e fortalecer o espírito praticando a nossa cultura, realizando os nossos rituais de proteção para enfrentar os desafios. É preciso acreditar sempre … Acreditar que um dia haja mais respeito, justiça e liberdade entre todos os povos e todas as pessoas. Cinco dias de desconexão é o suficiente para você chegar e se deparar com a primeira notícias sobre indígena …a barbárie está orquestrada contra nossos povos , lideranças , aldeias … Não dar mais pra camuflar a realidade , estamos sendo atingidos todos os dias com golpes certeiros que destrói culturas, que rouba dignidade e mata pessoas . É o racismo institucional, o preconceito , a discriminação e o ódio impregnado nas pessoas que não toleram a nossa presença … Essa intolerância só aumenta a cada dia mais, provocada principalmente por discursos de pessoas públicas , parlamentares inescrupulosos que a qualquer custo querem nos exterminar dominados pela ganância e sede de acúmulo . Mataram mais um de nós , assim como já mataram milhares, ressaltando aqui o inocente e indefeso Vitor degolado e Galdino queimado. Marcondes Nambla , Foi morto a pauladas simplesmente por ser indígena … simplesmente por ser indígena , gente!!! Vocês estão entendendo a gravidade disso ?? Quem vai responder por esse crime ?? Algum advogado criminalista pode ajudar a pressionar para que haja investigação e punição para o assassino ?? A sociedade de bem pode ajudar a dar visibilidade a essa monstruosidade ?? O mundo precisa saber que o no Brasil a gente não tem o Direito de ser indígena , tantos índios morrem como fica por isso mesmo … “Encontraram o corpo de uma pessoa com sinais de espancamento…” todo mundo se comove !! Aí se constata que era um índio …a reação instantaneamente se ameniza .. ” ahh !! Era um índio !!” E assim vai , era um índio então não interessa , a televisão não mostra , as pessoas tratam com naturalidade , as autoridades ignoram. E assim seguimos sem Marcondes Nambla !! Quantos mais tombarão??!!!
    #justicaja !!
    #seguimosemlutaeemluto!!

    NOTA DE Antonella Tassinari – PROFESSORA DE MARCONDES NAMBLÁ NO CURSO DE LICENCIATURA INDÍGENA DA UFSC

    Neste último encontro com Marcondes Nambla, há pouco mais de um mês, na Terra Indígena Laklãnõ, falamos dos seus projetos para a escola indígena, da continuidade da Licenciatura Indígena e dos seus planos de ingressar no mestrado em Antropologia, dando continuidade à sua pesquisa sobre a infância Laklãnõ. Pesquisa que ele acabara de apresentar no III Seminário Crianças e Infâncias Indígenas e que tanto impressionou o público.
    Está difícil acostumar com a ideia da sua morte prematura. Certamente fará muita falta para a família, para a comunidade Laklãnõ, mas também para nós da UFSC que nos cativamos com seu sorriso, entusiasmo e criatividade.
    Adeus, querido Marcondes, sentirei tua falta.

     

    NOTA DE JASOM OLIVEIRA – ASSESSOR DE PROJETOS DO CONSELHO MISSIONÁRIO INDÍGENA

    “Há que endurecer, mas sem jamais perder a ternura”

    Esta frase poderia ter sido dita pelo professor Laklãnõ/Xokleng Marcondes Nambla. Marquinho, como muitos o conheciam na Terra Indígena Laklãnõ onde morava, era um “Guerreiro Laklãnõ/Xokleng”:
    “Laklãnõ/Xokleng” porque é desta etnia indígena localizada na região do Vale do Itajaí em Santa Catarina,
    e “Guerreiro” porque quem teve a honra de conhecê-lo sabe do que estou falando.
    O Povo Laklãnõ/Xokleng é conhecido por ser um povo guerreiro, por ter sempre lutado e persistido em seus sonhos, direitos e ideais. A história de mais de 100 anos de contato nunca foi fácil, muito antes do contato não era fácil, e os caminhos da vida os forjaram “Guerreiros”.
    Marcondes era um verdadeiro Guerreiro Laklãnõ/Xokleng. Pai de cinco filhos, coordenador da Língua Materna Laklãnõ/Xokleng na Escola da Terra Indígena, graduado em Licenciatura Intercultural Indígena pela UFSC, sonhava em fazer Mestrado em Antropologia, atualmente era Juíz na Terra Indígena e neste ano iria ser Professor Indígena Efetivo pelo Estado de Santa Catarina. E não parava por aí, pois quando tinha alguma atividade na Escola que iria contribuir para o crescimento e fortalecimento cultural das crianças, ele era um dos primeiros a topar os desafios. O tempo podia ficar corrido no meio de tantas outras atividades, mas ele estava lá. Até às vezes pedia desculpas por não estar conseguindo fazer as coisas como gostaria no meio de tantas outras, mas estava lá. Por estarmos (eu e Janaina Hübner, minha companheira) trabalhando pelo Conselho de Missão entre Povos Indígenas – COMIN na Escola Indígena Laklãnõ, tivemos o prazer de realizar diferentes atividades com a participação do Marcondes: fortalecimento da língua materna através da música e do teatro, contação de histórias com os anciãos para os pequenos e pequenas, reflexões sobre documentos que buscavam melhores condições para seu povo, e inúmeras conversas no laboratório e corredores sobre a cultura e o que é ser um Laklãnõ/Xokleng. O Marcondes era muito firme em dizer: “assim é um laklãnõ, somos nós, somos assim, é a nossa cultura”. Muitas vezes ele tentava nos ensinar os “caminhos” para ajudar da melhor maneira o seu povo. Lembro como se fosse hoje o dia em que começamos a conversar às 8:30h de um sábado sobre os desafios da vida e quando nos demos conta já era meio-dia. O tempo voou (ou parou? Não sei).
    Aliás, ele amava o seu povo. Mil e uma ideias, planos, contribuições, sonhos para que o presente e futuro dos jovens Laklãnõ fossem melhores. Marcondes era incansável quando se tratava em lutar pela dignidade dos seus e das suas. Guerreiro firme, que sabia onde queria chegar, que dizia a sua palavra com muita clareza e segurança, pois já estava há anos meditando nela. Marcondes era um homem de fé. Conheci ele há 5 anos e tive o prazer de viver mais perto dele neste último ano. Ele tinha muitos planos para 2018. Lembrem, ele era incansável quando era para o bem viver do seu povo.
    E aquele sorriso… quando chegávamos na Escola ele me recebia com um sorrisão e um abraço e dizia: “Jasom, meu amigo”. Era muito bom aquele abraço, e aquele sorriso então! Um guerreiro firme, decidido que te presenteava um sorriso terno, doce, mesmo quando as coisas não andavam muito bem.
    O Guerreiro foi descansar debaixo do Sol, como um verdadeiro Guerreiro Laklãnõ. O incansável Marquinho estava na praia de Penha/SC pra prover uma renda para o início de ano e nestes dias estava trabalhando. Ele trabalhava na Escola mas como era contratação temporária não tinha salário nestes meses sem aula. Na virada de ano Marcondes foi covardemente assassinado a pauladas por uma pessoa ainda não identificada. Até agora ninguém sabe o que levou alguém a fazer um atrocidade dessas, pois o Guerreiro era bondoso, era terno, era um amigo. Que a justiça seja feita e o culpado seja responsabilizado.
    Guerreiro, ainda aguentou chegar no Hospital de Itajaí, mas o Guerreiro era humano. O nosso Marcondes faleceu na tarde do dia 02 de janeiro. O tempo parou por alguns instantes e tudo ficou triste…
    Ele me ensinou muitas coisas, mas uma vou guardar para os dias que virão: seja firme no que você acredita, nunca se desvie, lute como um guerreiro, mas NUNCA SE ESQUEÇA, não perca a ternura, o sorriso, a bondade e a alegria.

    Bom descanso meu amigo kaké, foi uma honra ter te conhecido e espero que um dia nos encontremos debaixo do Sol.

     https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/assassinato-de-lideranca-indigena-marcondes-nambla-e-tragico-inicio-para-2018