Jornalistas Livres

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  • O que é a Expocannabis, a exposição da maconha

    O que é a Expocannabis, a exposição da maconha

     

     

    Por Leide Jacob e Lina Marinelli, dos Jornalistas Livres

     

    Enquanto engatinhamos nos processos para a legalização da maconha –nesta semana, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o registro e produção de remédios à base de cannabis–, no Uruguai, de 6 a 8 de dezembro, será realizada em Montevidéu a sexta edição da Expocannabis, uma das feiras mais importantes do setor.

    Mercedes Ponce de León, 35 anos, idealizadora e responsável pelo evento, esteve em São Paulo e, em meio a vários compromissos, concedeu uma entrevista exclusiva para os Jornalistas Livres. Ativista em Direitos Humanos, Mercedes contou não apenas detalhes sobre a feira, como surgiu, e sua importância, mas também como funciona a regulamentação da cannabis no Uruguai.

    Desde 2013, é possível comprar maconha em farmácias, plantar em casa ou participar de clubes que se encarregam de cultivar para os sócios. Mercedes explicou questões técnicas, como os compostos químicos, efeitos e aplicações terapêuticas da maconha.

    Você sabe o que é CBD e THC?

    Mercedes também falou da história do proibicionismo e suas origens racistas, do preconceito, da participação das mulheres e, claro, do narcotráfico que, com a regulamentação, perdeu negócios. Afinal, a quem interessa manter esse proibicionismo? No Brasil usar maconha ainda é crime, o que significa dizer que quem fatura é o narcotráfico.

    Considerando apenas o uso medicinal, a projeção é que o mercado represente 6,5% do total da indústria farmacêutica (R$ 76 bilhões em 2017), segundo estudos da Green Hub. Com a decisão desta semana da Anvisa, a medicação à base de maconha poderá ser comprada na farmácia mediante apresentação de receita médica. Até agora, era necessário uma autorização especial para importar esses remédios, em um processo caro e burocrático.

    Ainda temos muito o que aprender, inclusive no entendimento quanto ao uso completo, terapêutico da planta, afinal, é melhor fumar um cigarro de maconha antes de dormir ou tomar remédio tarja preta toda noite à vida toda? Não é à toa que os brasileiros são os maiores frequentadores da Expocannabis, 45% do total do último evento, mais que os próprios uruguaios. E também não é à toa que a Mercedes passou por aqui com a agenda lotada. Mas, para nossa sorte, ela encontrou um tempinho para compartilhar suas experiências.

     

  • Parlamento do Mercosul rechaça golpe de Estado na Bolívia

    Parlamento do Mercosul rechaça golpe de Estado na Bolívia

    Reunião do Parlamento do Mercosul teve como foco principal a situação política da Bolívia

    A 69ª Reunião do Parlamento do Mercosul, realizada no dia de ontem, 11/11,  em Montevidéu, aprovou  uma declaração rechaçando o golpe cívico-militar em curso na Bolívia “contra o governo democraticamente eleito do presidente Evo Morales”. No documento, parlamentares do Uruguai, Paraguai, Brasil e Argentina afirmam que o Parlasur “não reconhece qualquer regime surgido do Golpe de Estado”. E ainda condenam a “violência política extrema empregada por milícias privadas, com a cumplicidade de comandantes militares e policiais contra integrantes do governo e de seus familiares”.

    Assinada pelo presidente do Parlamento do Mercosul, Daniel Cggiani e pelo secretário Edgar Lugo, a resolução foi provada pela ampla maioria dos presentes, com 45 votos e apenas dois contra entre os presentes. O quórum do Parlasur é formado por um total de 116 parlamentares, 37 do Brasil, 43 da Argentina, 18 do Uruguai e 18 do Paraguai.

     

    Presidente do Parlasur, Daniel Caggiani: “Manifestação contundente combatendo o golpe”

    Trata-se de uma primeira manifestação contundente condenando e rejeitando o golpe no âmbito do Mercosul, afirmou Caggiani, deputado pelo MPP (Movimento de Participação Popular que integra a Frente Ampla no Uruguai). Em entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, afirma a importância de uma instituição do Mercosul reconhecer, como o fez o governo do Uruguai, o que houve na Bolívia como golpe, enquanto o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e da Argentina, Antônio Macri, declararam que se trata de renúncia, sem admitir o golpe de Estado. O documento reitera a adesão ao Protocolo de Ushuaia sobre o compromisso democrático no Mercosul ao Estado Plurinacional da Bolívia e República do Chile. Por último, o Parlamento encarrega a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Mercosul de receber denúncias de violações aos direitos humanos por parte do povo boliviano e das autoridades golpeadas e ameaçadas. Determina que a comissão mantenha a vigilância permanente para que essas pessoas “tenham seus direitos preservados e possam se asilar politicamente sem serem perseguidas pela ditadura”.

    Desde o Golpe de Estado, confirmado ao final da tarde de domingo, 10/11, o governo democrático da República Plurinacional da Bolívia recebeu três manifestações produzidas no Uruguai em defesa do Governo Evo Morales e do Estado Constitucional. A primeira veio do Governo do Uruguai, expedida pelo presidente Tabaré Vásquez ainda no domingo. Ontem, além da decisão do Parlamento do Mercosul, a Frente Ampla divulgou manifesto rechaçando o golpe e declarando solidariedade ao povo boliviano, a Evo Morales e aos membros do governo boliviano presos e ameaçados.

     

    Jornalistas Livres – Qual a importância dessa declaração no âmbito internacional e a quem ela representa?
    O Parlamento do Mercosul é a representação política do bloco onde não só se representam os estados como também os povos e a diversidade das forças políticas que integram os parlamentos. Portanto, essa resolução é muito importante porque expressa a vontade política nesse caso do corpo de representação parlamentar da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o que corresponde a quase 600 milhões de pessoas.

    Daniel Caggiani – Entre os quatro pontos da resolução, um é o que condena e ratifica que o que está acontecendo na Bolívia é um golpe civil e militar. Isso também é importante porque para o Mercosul, como assim o expressou o governo do Uruguai, na Bolívia há um golpe de Estado, enquanto o presidente do Brasil fala que não há golpe e na Argentina também se fez uma declaração dizendo que o presidente da Bolívia renunciou. Portanto, é a única instituição do Mercosul que se pronunciou claramente condenando e rejeitando o golpe.

    Jornalistas Livres – Além de afirmar que se trata de golpe, o que essa resolução oferece ao povo boliviano e às autoridades golpeadas da Bolívia?

    Daniel Caggiani – Ela adquire importância porque também já se ocupa da integridade das pessoas que estão sendo perseguidas, dos familiares dos parlamentares, do presidente, do vice-presidente, que também estão sendo perseguidos. Faz uma denúncia internacional e também propõe que a Comissão dos Direitos Humanos, tanto no âmbito especializado dos parlamentares, os assuntos que fazem a preservação e a defesa dos direitos humanos estabeleça um contato institucional que possa funcionar na Bolívia com a finalidade de fazer uma missão de controle e monitoramento, principalmente para preservar os direitos das vítimas e também para aquelas pessoas que queiram ser exiladas politicamente não sejam perseguidas pela ditadura.

     

    Conteúdo da Declaração:

    Artigo1. Rechaçar o Golpe Cívico-militar em curso no Estado Plurinacional da Bolívia contra o governo democraticamente eleito do presidente Evo Morales, bem como a estratégia de extrema violência política implementada por milícias privadas com a cumplicidade de comandantes militares e policiais contra membros do governo e suas famílias.

    Artigo 2. Realizar um chamado à comunidade internacional para pedir a proteção da vida do presidente Evo Morales e dos integrantes dos poderes executivo, legislativo e governos locais, bem como de seus familiares, diante da onda de violência deflagrada pelos promotores do Golpe de Estado.

    Artigo 3. Declara não reconhecer qualquer regime surgido do Golpe de Estado e reitera seu total respaldo à vigência do Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no Mercosul, o Estado Plurinacional da Bolívia e a República do Chile.

    Artigo 4. Encarregar a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Parlamento do Mercosur de realizar o acompanhamento permanente da situação, informando-a ao Parlamento do Mercosur e, caso seja necessário, estabelecer-se como um espaço institucional para receber as queixas de violações dos direitos humanos, e lidar com elas no âmbito deste colapso da ordem democrática.

    Declaração Parlasuur decl-64-2019

    PARLAMENTARES DO MERCOSUL DISCURSAM CONTRA GOLPE DE ESTADO

    “Acabamos aprovar no a declaração de rechaço ao golpe na Bolívia. A carta teve 45 votos favoráveis e denunciou o golpe de Estado, onda de violência política extrema, com violações de direitos humanos, que se instaurou no país e que põe em perigo milhares de bolivianos”. Fernanda Melcchiona, deputada federal do PSOL, representando o Brasil no Parlasur, em seu twitter.

     

    Frente a ruptura institucional do Estado Plurinacional da Bolívia, a Frente Ampla:

     

     

    1 – Manifesta sua total condena ao golpe de Estado consumado na Bolívia por meio dos grupos opositores violentos, apesar do anúncio efetuado pelo presidente Evo Morales de chamar a um novo processo eleitoral a partir do informe que resultou da missão eleitoral da Organização dos Estados Americanos.
    2 – Rejeita os atos de violência e destruição de edifícios públicos, como também as ameaças e perseguição política a funcionários do governo boliviano e representações diplomáticas estrangeiras.
    3 – Expressa a sua solidariedade com o irmão povo boliviano e exorta a respeitar a institucionalidade e a democracia, assim também como a defesa dos direitos humanos, o respeito à vida e à integridade das pessoas.
    4- Manifesta o seu apoio à posição do governo uruguaio expressado no seu comunicado de prensa No 121/19.
    5 – Faz um chamado urgente para que se realize um novo processo eleitoral garantindo uma saída pacífica e democrática, sem interferência estrangeira, onde o próprio povo boliviano possa escolher seu governo de acordo com sua Constituição, restabelecendo imediatamente a plena vigência do Estado de Direito.
    Tradução: Letícia Ibaldo

    O governo uruguaio manifesta sua consternação com o colapso do estado de direito produzido no Estado Plurinacional da Bolívia, que forçou o presidente Evo Morales a sair do poder e mergulhou o país no caos e na violência.

    O Uruguai considera que não há argumento para que eles possam justificar esses atos, em especial tendo anunciado algumas horas antes o presidente Morales sua intenção de convocar novas eleições, com base no relatório produzido pela missão eleitoral da Organização dos Estados Americanos.

    O governo uruguaio faz um apelo urgente a todos os atores bolivianos para que cessem os atos de violência e que o processo eleitoral seja realizdo de acordo com as disposições da Constituição e das Leis do Estado Plurinacional da Bolívia, restaurando imediatamente o Estado Direito e respeitando plenamente os direitos humanos e civis de todos os habitantes e, em particular, a inviolabilidade das representações diplomáticas estrangeiras e de seus funcionários.

    Tradução: Letícia Ibaldo

     

  • Domingo de eleições aumenta isolamento de Bolsonaro na América do Sul

    Domingo de eleições aumenta isolamento de Bolsonaro na América do Sul

    Com eleições presidenciais em Argentina e Uruguai e eleições regionais na Colombia, o último domingo (27) foi decisivo para o futuro político da América do Sul. Em disputa, estiveram representantes da recente “onda azul”, que reconduziu a direita ao poder em diversos países na região, representantes dos governos progressistas que prevaleceram nos primeiros anos 2000 e alguns movimentos de renovação política.

    Na Argentina, principal parceiro econômico do Brasil no continente, o presidente Maurício Macri, da conservadora Juntos pela Mudança, assistiu a uma ampla rejeição de suas políticas neoliberais e de sua guinada à direita ao estilo bolsonarista durante a campanha, quando defendeu jargões como a “família tradicional” e abusou da denúncia de um “perigo vermelho” para enfraquecer seus adversários. Com mais de 95% das urnas apuradas, já era certo que ele tinha perdido a eleição em primeiro turno por uma diferença de 8 pontos para Alberto Fernandez, o ex-chefe de gabinete da ex-presidenta Cristina Kirchner, que também voltará ao poder na condição de vice-presidenta pelo partido peronista. Das 23 províncias do país, Macri só não perdeu em 5. Sendo que uma de suas derrotas foi na província de Buenos Aires, a mais populosa do país, onde a governadora Eugenia Vidal foi amplamente preterida pelo ex-ministro da fazenda de Cristina, Axel Kicilof.

    Em seu discurso da vitória, Alberto Fernandez defendeu a adoção de políticas econômicas que priorizem a geração de empregos e, ainda, pediu pela libertação de Lula.

    No Uruguai, outro membro do Mercosul que votou para presidente, Daniel Martínez, da Frente Ampla, o partido do ex-presidente Pepe Mujica, também teve cerca de 40% dos votos, largando bem a frente do direitista Luis Lacalle Pou, que teve 28%. Os dois agora disputarão um segundo turno onde serão decisivos os votos dos demais candidatos. Um dos destaques foi a boa performance da frente esquerdista na capital Montevideo, que concentra boa parte da população uruguaia, em contraste com boas votações dos opositores nas áreas mais rurais do país.

    Na Colômbia, depois de cerca de 1 ano e meio das eleições presidenciais que terminaram com a vitória de Ivan Duque, aliado do ex-presidente Alvaro Uribe, representantes da direita de linha dura, a oposição ganhou espaço e venceu nas três principais cidades, Bogotá, Medelín e Cali. Na capital, cuja adminsitração é considerada a segunda mais importante no país, seguida do cargo de presidente, a centro-esquerdista Claudia López, da Aliança Verde, fez história ao se tornar a primeira mulher eleita para o cargo e a primeira pessoa assumidamente LGBT. Sua sigla agora é considerada a principal opositora do presidente, que no geral amargou derrotas em quase todos os departamentos do país. Outro destaque foi a eleição do primeiro ex-guerrilheiro das FARC, Guillermo Torres, conhecido como Julián Conrado, na cidade de Turbaco (Bolívar).

    Os resultados evidenciam o isolamento do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que chegou a dar declarações hostis contra o peronismo, na Argentina, e que agora assiste líderes que adotam políticas econômicas como as suas sofrerem duras derrotas. Até em países onde a direita continua no poder, como é o caso do Chile e da Colômbia, os mandatários têm procurado manter distância de Bolsonaro, que é reconhecido pelos eleitores locais como um extremista que gerou resultados pífios na economia e rápida deterioração de indicadores sociais. As recentes declarações que deu com simpatia pelas ditaduras de Alfredo Strossner e Augusto Pinhochet, em Paraguai e Chile, também contribuíram para péssima imagem na região, causando enorme constrangimento nesses países onde não há espaço para defesa dos regimes militares.

    Se confirmado o favoritismo de Martínez, no Uruguai, Bolsonaro passará a estar obrigado a conviver com um Mercosul majoritariamente de esquerda e que reconhece Lula como um preso político e, no geral, com uma América do Sul em que nem mesmo a direita deseja fazer fotografias e ter seus partidos associados a seu nome.

    Rodrigo Veloso – Bacharel em Relações Internacionais e militante da esquerda fluminense

  • Nós por nós, sempre!

    Nós por nós, sempre!

    Por Lúcia Perez, de 16 anos, drogada à força, estuprada e empalada tomamos as ruas. Erguemos nossos cartazes por Beatriz, também de 16 anos, que foi estuprada por 33 homens no Rio de Janeiro. Gritamos numa só voz por Rayzza, militante feminista queimada viva, em Cabo Frio no Rio de Janeiro. Unimo-nos por Cláudia Silva Ferreira, arrastada por um carro da Polícia Militar por 350 metros. Abraçamo-nos pela garota de 16 anos – que não cometeu crime algum – presa numa cela com 30 homens e foi abusada durante 20 dias. Choramos pelas meninas de 7 anos da República Centro-Africana que eram obrigadas a fazer sexo oral em soldados da ONU em troca de água e bolachas de água e sal. No desespero de ver um bebê de dois anos morrer abusado pelo padrasto, vimos que precisávamos agir.
    Mesmo embaixo de chuva continuamos na luta contra a violência masculina que nos humilha, destrói, machuca, estupra e mata todos os dias. Ocupamos espaços que nos são negados e nos posicionamos contra o sistema patriarcal que nos oprime todos os dias.

    Fotos: Emergente

    Diariamente nos vemos abaladas por práticas machistas e misóginas, como o caso da garota de 13 anos que engravidou após ter sido estuprada por seu responsável, e teve que foi questionada por um juiz se havia “tentado fechar a genitália” durante o estupro. Desesperamo-nos com o caso do Coronel da Polícia Militar que foi encontrado em um carro com uma criança de 2 anos nua. Percebemo-nos alvos quando acontecem 5 espancamentos a cada dois minutos, 179 relatos de agressão por dia, 1 estupro a cada 11 minutos – totalizando 133 mulheres estupradas por dia, e 1 feminicídio a cada 90 minutos, somente no Brasil. Resistimos quando percebemos que estupros não tem relação com tesão ou prazer, e sim com dominação.
    Revoltamo-nos contra todos os tipos de violência – física, sexual, psicológica, patrimonial e moral – e contra a leveza das penas de nossos agressores e assassinos. Lutando para que nós, mulheres, sejamos vistas como humanas. Pela autonomia de nossas vidas e corpos.

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    Na Argentina, no Peru, Brasil, Venezuela, Chile, Equador, Costa Rica, Paraguai, Uruguai, Bolívia e em diversos países do mundo todo! Pelas meninas judias e cristãs sequestradas para serem escravas sexuais, pelas vítimas da mutilação genital na África, pelas mulheres ao nosso redor que sofrem com assédios, agressões e violações. Pelas que nos apoiam e pelas que não nos apoiam. Por todas elas. Por todas nós. Seguiremos até que todas sejamos livres!
    Somos nós por nós, sempre!

  • O golpe é contra a América Latina!

    O golpe é contra a América Latina!

    Palavras de José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, em ato promovido pela central sindical PIT-CNT de Montevidéu em apoio a Dilma Rousseff e contra o golpe no Brasil, no dia 31 de agosto de 2016.

    Tradução livre de Eduardo Mejía Toro (eamejiat@unal.edu.co) e Marcos Paulo T. Pereira (marcosptorres1@gmail.com)

    Eu acho que, fundamentalmente, nós, uruguaios,

    temos uma tarefa: informar bem, curtinho,

    ao pessoal com quem falamos.

    Porque tem muitíssimo ruído, mas pouca informação.

    Não é para confundirmos barulho com criação de pensamento. O que temos que transmitir ao povo uruguaio, em primeiro lugar, é a motivação mecânica deste golpe.

    A motivação mecânica – não a motivação profunda – consiste na existência de um senhor, Eduardo Cunha, ex-presidente do parlamento brasileiro. Ao que parece, alguém que passou pela Suíça lhe deixou 5 milhões de dólares em seu nome, mas ele não sabe quem foi… Como isso vazou, o próprio parlamento começou a investigá-lo. Esse senhor, para se defender, foi falar com a presidenta e pediu para ela que o pessoal do PT não apoiasse a comissão investigadora.

    Foto por Leandro Taques
    Foto por Leandro Taques

    Entretanto, o PT decidiu respaldar a comissão investigadora. Então, esse senhor lembrou-se que numa gaveta tinha arquivado um requerimento, de três advogados que tinham estudado o último orçamento e que tinham encontrado elementos para fazer uma acusação jurídica. Ao que ele falou: “se me entregam na comissão eu vou estourar isso”.

    E qual foi o “erro” do PT e da presidenta?

    Não comprar a ideia dele de esconder um ninho de corrupção.

    Isto é o que está em primeiro lugar: esta mulher está sendo

    condenada por não ter entrado na corrupção.

    É claro, esta é a motivação mecânica de como aconteceram as coisas. Havia muito mais por detrás: as derrotas eleitorais, as reformas sociais, a redistribuição da renda que tinha acontecido durante treze anos e a chegada a um momento de crise pela situação mundial, que limitava a economia brasileira… Então tinham que conspirar por baixo.

    Simplesmente, derrotados nas eleições, certos grupos não aceitaram a realidade política de sofrer uma derrota e ir preparar os seus respectivos partidos para a próxima disputa eleitoral. Não…

    Cuspiram na cara da democracia!

    O que demonstra, mais uma vez, que são democratas quando lhes convém, nem tanto quando não lhes convém – em primeiro lugar está o bolso, querido.

    Naturalmente, é um processo que tem muitas lições e isso também tem que ser dito. A companheira Dilma não teve como entrar no jogo para negociar e, sobretudo, desagradou muitas pessoas da sua militância, porque quis aliviar o peso da crise econômica com algumas medidas econômicas relativamente conservadoras, sem discutir primeiro com seu povo. Quer dizer, uma resposta técnica demais e pouco política. Para além disso, ela não era dada a conversar com a oposição, parece que Dilma não é simpática com os seus opositores, contrariamente a Lula, um cara que consegue lidar com qualquer um. Mas a velha experiência sindical de negociador de Lula é outra história.

    Foto por Leandro Taques
    Foto por Leandro Taques

    Mas estes são fatores de segunda ordem, que têm que ser aproveitados para aprender que nunca se pode acreditar que por que se ganhou uma eleição e se tem o apoio da maioria, se tem o controle absoluto do poder. E é também uma demonstração de que estas questões não são um problema de gerenciamento técnico, não é que seja possível desprezar a qualidade técnica e o seu gerenciamento, mas é necessário que a política ajude nas decisões técnicas.

    Vimos, queridos companheiros,

    a consumação de um GOLPE DE ESTADO,

    que já tinha sido anunciado faz tempo.

    Aqui veio o chanceler do Brasil, há pouco tempo, e disse para nós, com todas as letras, que estava decidido, quer dizer, que todo esse debate parlamentar foi uma grande encenação, a decisão já estava tomada, num outro lugar. Fizeram todo um cenário de trapaçaria para a opinião pública e o olhar geral, com toda a aparência de um julgamento, mas desde o primeiro momento tudo já estava decidido. Daí, quando os companheiros falam de um golpe de estado, é um golpe de estado mesmo! E, se não for um golpe de estado, é como aquela charada, de que tem patas, tem isto e tem aquilo … parece que é, e se não é, é como se fosse.

    É, também, uma decisão política da direita de agredir este governo… Quer dizer, uma escolha política que procurou reacomodar o arcabouço jurídico para poder se apresentar ante a opinião da cidadania e, sobretudo, do mundo. Como disse o presidente do senado: “Se nós erramos, que nos corrija a democracia!”. Parece que no subconsciente sabia, tinha bem claro, a trapaça que estava fazendo. Existe um quê subconsciente no pessoal que votou essa decisão, porque isto tinha um segundo capítulo, uma segunda intenção, que não era outra senão proibir a atividade política da presidenta por anos, mas muitos não tiveram a cara para participar desse crime.

    Não tenho dúvidas que isto é uma perda imensa

    para a América Latina.

    Tenho algumas ideias, companheiros, acredito que a integração da América Latina está na frente de tudo … que nunca teremos massa crítica para lutar no mundo que a gente vive se não conseguimos a integração! Mas a integração não é apagar as fronteiras, nem apagar o hino, nem mudar a bandeirinha da pátria, nem nada disso, a integração é ter força coletiva como sociedade para poder dizer alguma coisa e ter peso no mundo em que vivemos!

    Em todos estes anos, apostamos, sem conseguir, que o Brasil, pelas suas dimensões e, por isso, pela sua responsabilidade que tem com América Latina, congregaria essa integração, porque ela só se dará com a Amazônia ou não se dará. E sem integração não se tem massa crítica para fazer desta América um mundo melhor.

    Já tivemos, companheiros, há mais de cem anos, a discussão acerca da construção do socialismo num país só. Já a tivemos, já assistimos essa fita, já sofremos com ela, temos que aprender com a história. Se acreditarmos que no mundo de hoje, com a explosão tecnológica, seja possível para os pequenos países conseguir um sinal libertador, que permita chegar perto do socialismo, estamos mais que sonhando. Então, o primeiro problema é a integração das nossas universidades, de nosso conhecimento, porque ali se está formando o que vai ser a classe trabalhadora do futuro.

    O desenvolvimento tecnológico do mundo vai impor uma qualificação para os trabalhadores do futuro, necessariamente de tipo universitária, não por vontade do mundo capitalista, mas por uma necessidade tecnológica. Essa massa que está ingressando nas faculdades da América hoje é, potencialmente, revolucionária. Nossa luta pela integração é uma luta por integrar a inteligência latino-americana. Ter um sistema de pesquisa nosso e ter uma consciência universitária que pertencem às aflições do continente.

    Tenho visto muita poesia,

    muito fervor revolucionário,

    e tenho visto muitos castelos de ilusão caírem no solo.

    Não quero mentir para as novas gerações, não, a humanidade está na frente de um desafio do tamanho que o homem nunca viu acima da terra. O homem tem que demonstrar, como espécie, se é capaz, deliberadamente, de criar uma sociedade melhor ou não. Ou sucumbir. É isso o que temos, companheiros, a luta gigantesca, extremamente volumosa e difícil, e não vamos conseguir com quatro gritos. Precisamos de uma profissionalização de nossas vidas, de nossa entrega, da construção de times, de um sentido de compromisso com uma humanidade melhor. Não é fácil porque o mundo está se globalizando e aparecem para nós contradições por todas as partes.

    A companheira falava contra as multinacionais, dentro em pouco vamos estar arrasados pelo populismo das direitas da Europa, que também estão contra as multinacionais, mas são fascistas. Nada podemos esperar desse ultranacionalismo, o de Trump, o de Le Pen, o que liderou o processo da Inglaterra… Esses não são nossos companheiros.

    Então, é bem claro que a luta pelo Brasil não é só um questão de solidariedade, é uma questão de tremendo interesse como latino-americano.

    O problema não é só do Brasil é um problema nosso. Nós estamos jogando com a história, o futuro da Amazônia, por quê? Porque sem Brasil não teremos jamais massa crítica para poder negociar no mundo que virá. Vocês podem imaginar, compatriotas, negociar com esse continente que se chama China, ou Índia, ou Estados Unidos (com a sua terra prometida de costas para o Canadá), ou com a Europa que, apesar de tudo, são setecentos milhões de cidadãos com desenvolvimento do primeiro mundo.

    Nós os latino-americanos isolados num monte de repúblicas vamos poder equilibrar essa balança? Não, companheiros, isto tem que ser compreendido por todos: para atuar no jogo diplomático se precisa de massa crítica, tem que ter peso para que as suas razões tenham validade, tem que ter o peso da massa por trás de capacidade socioeconômica, de capacidade científica, para que seja possível ganhar o direito de defender alguma coisa ou impor alguma coisa… Não é simples. É possível? Não sei, os fatos demonstrarão…

    É belíssimo, temos que lutar por isso… Temos que dar conteúdo a nossa existência! A gente não pode construir uma sociedade de escravos, conscientes de que somos determinados pelo que passa no mundo rico, sem ter capacidade de sermos nós mesmos. Acredito nas possibilidades do continente, nos desafios do continente, por isso o pedido feito aos companheiros: este não é um problema da Dilma, do Brasil ou do PT, é um problema de todos nós! E nossa também é a luta da Bolívia, do Equador, do povo argentino, temos que começar a ficar cientes de que cada vez mais precisamos pensar como espécie, com dimensões de espécie, para defender a vida, ali onde se apresenta e onde houver que a defender.

    E temos que considerar que temos que ser inteligentes, que precisamos de aliados, e que os aliados não somos nós mesmos, os aliados têm diferenças, mas sem aliados não se pode fazer política transcendente. Porque isso é o que fazem os orgulhosos, viciados no poder. Ter aliados é tentar procurar buscar – ao máximo – aqueles setores da sociedade que, sem pertencer a nós, tem contradições com esse mundo. Temos que ver quais são esses grupos, esses setores que às vezes estão afetados e que vivem sem as distintas formas de propriedade de nossos países, que também são vítimas. E não é para dá-los de presente (aos adversários), por esquematismos, multiplicando a força deles, multiplicando seus aliados potenciais somente por medo, porque não têm que ter medo, os pequenos comerciantes, não ter que ter medo as camadas da classe média, da América latina, do Uruguai…Não é essa a luta! A luta é outra, a luta é contra a gigantesca concentração de riqueza no mundo contemporâneo, onde a taxa que gera capital a nível mundial é mais importante que a taxa de crescimento da economia mundial. O que demonstra que a riqueza está se multiplicando, mas se está concentrando muito mais do que se multiplica.

    Por isso, essa luta do Brasil é nossa.

    Vamos acompanhá-la!

    Eu tinha aqui um envelope, uma carta do Lula que chegou para mim antes de ontem, que tornei pública. Curiosamente não apareceu na imprensa…acontece … não tive sorte. Esse é nosso problema. A resposta é o boca a boca, é o comunicarmos entre nós! Há uma parte importante do nosso povo que está confundida ou que pode estar confundida pela enorme pressão que tem uma informação distorcida, que mais que dizer verdades diz meias-verdades. É um jeito de torturar não dizendo verdades. As partes fundamentais deste drama não aparecem… Aparecem seus sucessos, mas não as partes fundantes do drama e acredito que é papel dos companheiros tratar de difundir a verdade.

    Finalmente, companheiros, sem derrotismos. Temos veteranos aqui … que podem ter sido enganados, e certamente o foram, mas que se lembram de quando estávamos no caralho da ditadura, lembrem-se! Não vão conseguir tão fácil. Para eles também não vai ser simples, porque apesar do orçamento, da manipulação da mídia, tem uma coisa que está presente: eles não têm razão, no fundo não têm razão, pelo enorme egoísmo que contém este conjunto de escolhas. E nossa luta tem razão, apesar dos erros, dos sonhos, das utopias, e das bobagens que fazemos, porque não podemos deixar pelo caminho as limitações da nossa condição humana.

    O que tem de maior valia em nós não é nem nosso talento, nem o grau de verdade, senão a razão histórica, por razões da generosidade de acreditar que o homem tem capacidade de criar, apesar de todos os pesares, um mundo melhor.

    A nossa visão não é genocida do homem, pois não acreditamos que o homem pode ser o lobo do homem. O homem pode ser a expressão da solidariedade, no conjunto da humanidade. O homem é o fator criador de civilização. Reconhecemos essa quota de egoísmo que todos levamos, mas nossa luta é por aprender a dominar esse egoísmo que levamos para conseguir criar uma civilização melhor do que a nossa. Este é nosso senso: nunca vamos tocar o céu com as mãos e ter um mundo perfeito… Vamos subir escadas civilizatórias numa humanidade melhor. Não somos deuses, temos que administrar nossas contradições e aprender a direcioná-las, porque precisamos de civilização e da sociedade. Isto é o que eles não têm, porque estão fechados num egoísmo desesperado para justificar e aumentar a riqueza, é bom que percebamos isto, porque não é que sejamos bons, mas porque bom é o caminho que escolhemos para viver sem atrapalhar aos outros.

    Obrigado.

    Montevidéu, 31 de agosto de 2016

     

  • Feminicídio no Uruguai e a luta sem treguas contra o machismo LatinoAmericano

    Feminicídio no Uruguai e a luta sem treguas contra o machismo LatinoAmericano

    Por Gastão Guedes, colaboração para os Jornalistas Livres

    Descíamos, eu e minha amiga Ana, a av. 18 de Julio em Montevidéu, por volta das 17hs. Atentos à cidade e seus acontecimentos, nos deparamos com uma pequena manifestação na Plaza de Cagancha, onde está a Columna de la Paz. Mulheres com faixas e cartazes manifestavam-se em protesto à violência contra a mulher, o “feminicidio” como é chamado na República Oriental do Uruguay.

    Apesar dos números oficiais contarem 22, ficamos sabendo que já se iam 34 mulheres assassinadas ao longo de 2015, um índice altíssimo em relação à população do país, calculada em 3,5 milhões de habitantes; ou, quatro vezes mais casos que o Chile, aponta Mariela Mazzotti, diretora do Instituto Nacional de Mulheres — INMUJERES, no Uruguai.

    A partir de 2012, a intendência de Montevidéu vem cuidando da violência contra as mulheres a partir do tratamento de homens violentos.

    Em 2013, o Ministério do Interior lançou o sistema de tornozeleiras, para controlar que o agressor não se aproxime da vítima; com isso, também um programa de ressocialização desses homens violentos, implantados nos departamentos de Montevidéu, Maldonado e Canelonoes. Porém, 80% dos homens que aderiram ao serviço abandonaram o tratamento! “O resultado é baixo”, afirma Mazzotti.

    Por um microfone, frases de protesto; cantaram, encenaram uma pequena peça e se lançaram caídas na av. 18 de Julho onde outras mulheres pintavam o contorno dos corpos, como quando se delimita espaço de um corpo falecido no chão para que a polícia científica faça seu trabalho investigativo.

    O trânsito parou! Porém, nenhum buzinaço, nenhum escândalo de motorista estressado, nada…

    Em minutos, policiais de trânsito organizaram todo o fluxo para que os veículos vindos dos dois lados da importante avenida continuassem seus trajetos pelas paralelas daquele quarteirão. E assim se fez, como numa mágica!!!

    Carros são os últimos em Montevidéu. Querendo atravessar qualquer rua ou avenida, basta colocar seu pezinho no local da faixa de travessia. Eles, os motoristas, esperam… Se você hesita (como foi o caso dos desconfiados paulistanos, eu e Ana), eles sinalizam de dentro dos carros com as mãos, num convincente gesto de “siga em frente!”.

    Fotografei as mulheres na praça e fomos embora. Ficamos sabendo que elas ainda iriam marchar em direção à Plaza Independência, onde se encontra uma estátua e os restos mortais do Gal. José Artigas… Combinamos, então, que passaríamos ali mais tarde para ver um pouco dessa marcha de umas 30 ou 40 mulheres…

    Saímos do Hotel minutos mais tarde, subimos a rua Convención e já avistamos a movimentação.

    Mas ao entramos na avenida 18 de Julho, o espanto!!! Uma fila enorme de pessoas, divididas em três colunas que avançava como num cortejo fúnebre, saindo da Plaza Independencia e subindo a grande avenida que traz a data da primeira constituição do país, retornando à Plaza de la Columna.

    Era um filme! Nenhuma bomba de gás lacrimogêneo, nenhum policial armado, nenhuma tropa de choque ou cavalaria “arrepiando” as pessoas que se manifestavam ou apenas assistiam aquela cena.

    E o mais incrível: o silêncio!!! Era brutal o silêncio… Os edifícios, as luzes do entardecer, as pessoas todas, tudo em silêncio! Mesmo quem chegasse naquele momento, saído do trabalho, das lojas e dos prédios ao redor, propagavam o silêncio, como cúmplices da causa. Uma causa que, no fundo, molestava a todos. Chamei Ana a 10 metros de mim, mas em voz baixa como se estivéssemos numa sala de cinema…

    “Vamos descendo”, sugeri. Eu precisava fotografar! A emoção era grande em presenciar tanto respeito mútuo e uma compreensão cívica nunca visto por mim em qualquer lugar que estive, nas breves ou longas viagens, quanto mais na minha grande e maltratada cidade de São Paulo. Aqui, como bem sabemos, as tais tropas de choque e bombas de gaz acabam sendo os elementos decorativos principais das fotografias nos jornais!

    Mulheres, homens, casais, crianças, idosos, todos como que ensaiados, centenas deles com camisetas e calças pretas…

    Para quem tem o vício da violência, no caso contra as mulheres, dificilmente haverá sensibilização. Para estes , o que pode realmente freá-los é a lei! E é disso que se tratava a manifestação em Montevidéu: uma lei para a tipificação da violência contra as mulheres!