UFSCar dispensa professores e estudantes, mas trabalhadores terceirizados seguem em atividade

Foto: Denny Césare/Código 19
Foto: Denny Césare/Código 19

Todos os dias um contingente de 106 pessoas, composto em sua maior parte por mulheres, sai cedo de suas casas para chegar às 7h na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Não são estudantes. Trata-se de funcionários e funcionárias da empresa terceirizada Works Construção e Serviços, que é responsável pela limpeza do campus. Essas mulheres e esses homens, terceirizados, percorrem longas distâncias para chegar ao trabalho e esse deslocamento é feito por transporte público, na imensa maioria dos casos. 

Essa é uma descrição comum da vida da classe trabalhadora no Brasil: acordar cedo, atravessar a cidade, voltar para casa, fazer o trabalho doméstico e de cuidados (no caso das mulheres, principalmente), descansar e repetir a dose no dia seguinte. O que há de novo nessa rotina é que essas pessoas estão expostas à contaminação pelo Covid-19, como tem sido amplamente divulgado pela imprensa nacional e internacional, já que se trata de uma pandemia que tem matado gente, diariamente, no mundo todo. 

Seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde e de outros organismos implicados no combate à crise sanitária, a UFSCar suspendeu as atividades da comunidade acadêmica desde o dia 16 de março de 2020. Entretanto, funcionários e funcionárias da empresa terceirizada responsável pela limpeza seguem prestando serviços na Universidade, mesmo que ela não esteja funcionando para o público.

Parte desse conjunto de profissionais, cerca de 15, de acordo com uma funcionária que preferiu não ser identificada, entrou de férias por indicação da empresa. Entretanto, a maior parte dele segue limpando prédios para ninguém, colocando suas vidas e a de toda a comunidade em risco. O isolamento social não deveria ser tratado como um privilégio e sim como um direito de todos os trabalhadores e trabalhadoras. Não é o que tem acontecido. 

Não há nenhum sentido lógico em conservar as faxineiras e os faxineiros cumprindo suas atividades normalmente. A única razão para que uma decisão dessa ordem seja mantida é que algumas vidas parecem valer mais que as outras em um país tão desigual quanto o Brasil. Não por menos, a primeira morte por coronavírus confirmada no Rio de Janeiro foi justamente de uma trabalhadora doméstica, que não foi dispensada de suas funções, apesar de sua patroa estar infectada. 

Em 2003, o filósofo negro Achille Mbembe nomeou esse poder de escolher quem deve (e merece) viver e quem deve (e pode/merece) morrer. Necropolítica. O prefixo parece duro e é. A escolha imposta para quem está no trabalho precário – terceirizado, informal, autônomo, intermitente – é entre a cruz e a espada: se expor à possibilidade de contaminação, e consequentemente ao risco da morte por conta do vírus, ou abrir mão de seus trabalhos, sem condições dignas e seguridade, e enfrentar o perigo (ou a certeza) da fome e da miséria. 

A responsabilidade da barbárie é macropolítica. O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) precisa ser responsabilizado por não oferecer alternativa econômica para as que pessoas possam seguir a risca as recomendações de isolamento social e também por discursar irresponsavelmente sobre essa pandemia que, de acordo com as projeções, pode matar muitas milhares de pessoas no país. Um estudo preliminar da Oxford, por exemplo, fala em 478 mil mortes no Brasil caso o governo Bolsonaro siga imóvel. 

A responsabilidade social de denunciar e não se calar diante da barbárie é de todos e todas. É preciso cumpri-la diariamente, em todos os casos de que se tenha notícia. As trabalhadoras e os trabalhadores de contrato terceirizado, cumprindo funções na UFSCar, devem ser imediatamente dispensadas/os de suas atividades.

Veja também: “A periferia não pode surtar. E a gente sabe que está ao Deus dará”

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. É muito triste essa situação. Na Unicep, também em São Carlos, está acontecendo isso. A empresa terceirizada está fazendo as mulheres trabalharem. Muitos funcionarios na Unicep tbm não pararam

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