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  • A FORÇA E A FRAQUEZA DO BOLSONARISMO

    A FORÇA E A FRAQUEZA DO BOLSONARISMO

    “O tema da educação não é da esquerda”. Foi dessa maneira que o líder do Governo na Câmara dos Deputados, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), se dirigiu a seus seguidores nas redes sociais, comentando o resultado da votação sobre a renovação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

    Daniel Pinha é professor do Departamento de História da UERJ

    Embora o governo tenha agido nos bastidores para postergar a votação e sequer tenha apresentado proposta alternativa sobre a matéria, no discurso de Vitor Hugo a votação foi vitoriosa para Bolsonaro. A fala do deputado, postada em vídeo em suas redes sociais, evidencia a fraqueza e a força do bolsonarismo: a fraqueza em operar no interior das regras do jogo democrático para propor e aprovar uma agenda, um plano de ação; a força, em ideologizar absolutamente todas as esferas da vida política, mantendo acesa e permanente a chama eleitoral de embate direita versus esquerda, animando, desta forma, sua base nas ruas e redes sociais.

    Criado em 2007 pelo governo Lula, o Fundeb recolhe 20% dos impostos e os divide para estados da federação investirem na educação básica, em proporção ao número de alunos matriculados em cada escola. A divisão dos recursos obedece critérios quantitativos, repassando verbas para governadores de estados dos mais diversos matizes ideológicos.

    Em um primeiro momento, o governo Bolsonaro encaminhou uma proposta de suspensão do Fundeb para 2021 e alterações no uso dos recursos, como a proibição do uso para pagamento de aposentados e pensionistas. O objetivo era retirar recursos do fundo para fortalecer o Renda Brasil, novo projeto que o governo está preparando para substituir o Bolsa Família.

    Deputados do centrão fisiológico, apoiadores de Bolsonaro, tentaram obstruir e adiar a votação, para tentar emplacar suas propostas. Sem sucesso. A votação decorreu e a derrota da proposta do governo foi acachapante: 499 a 7. Se a medida “direita versus esquerda” valesse para este caso, atendendo ao modo como o Major Vitor Hugo narrou a situação, a esquerda poderia começar a preparar seu processo revolucionário a partir do Parlamento, com a incrível base de quase 500 deputados…

    A derrota do governo expressa não só a inabilidade no Legislativo, mas também do Executivo em apresentar reformas imprimindo ritmo a mudanças. O governo não apresentou proposta alternativa ao Fundeb. Não possuía. Sofreu uma derrota retumbante e mudou, pouco antes, a narrativa: recuou porque sabia que ia perder. A discussão não contou com a presença do ministro da Educação. Em um ano e meio, já são quatro ministros e nenhum conseguiu apresentar um projeto estrutural de educação para o país.

    A pergunta feita pela deputada Tábata Amaral ao então ministro Velez Rodrigues continua no ar: qual o programa, qual a agenda deste governo para a educação? A ausência, no caso do governo Bolsonaro, é até bem vinda, tendo em vista o que poderia ser este projeto, se ele existisse. De qualquer forma, é sintomático que este governo tenha mantido e renovado um projeto criado por Lula para a educação brasileira.

    A renovação do Fundeb é vitória do Lulismo. Educação e cultura são trincheiras fundamentais do projeto político bolsonarista no sentido de implementar sua guerra ideológica. Cortes de bolsas de pesquisa científica, nomeações impostas de reitores e diretores de institutos de pesquisa são exemplos de medidas tomadas por este governo no âmbito da educação. São mudanças sensíveis, com impactos diretos na atuação dos educadores e pesquisadores. Não se pode dizer que executem um programa; antes destroem do que edificam algo.

    A bandeira da educação é vista, sobretudo, como instrumento retórico de um embate ideológico que retoma instrumentos conceituais da Guerra Fria. Weintraub foi exemplo máximo disso: administrava com um celular na mão, soltando bravatas, espalhando mentiras, ódio, violência e racismo pela internet, inclusive em horário de expediente.

    O discurso bolsonarista impõe uma narrativa que reduz toda agenda do governo a uma fórmula esquerda versus direita. Um caso aparentemente despolitizado, como, por exemplo, a importação de respiradores, remédios ou vacinas para o tratamento da Covid, ganha outro significado quando se fala que eles foram importados da China. Nos termos das guerras virtuais, das disputas políticas nas redes sociais, onde paira, em grande parte, a lógica da “bolha” que confirma expectativas prévias – e não a abertura para a diferença – esta modalidade de discurso faz sentido e soa efetiva. No entanto, isso não parece ser suficiente para governar nos termos da democracia.

    Entendendo o ato de governar como construir um plano de ação, ter uma estratégia e conseguir implementar efetivamente este plano. Bolsonaro mostrou capacidade de vencer a eleição, de governar não – uma eleição marcada pelo afastamento forçado e injustificado do seu principal adversário, Lula. Hoje, ora reclama que a democracia é regime “ingovernável”, ora faz uma ameaça de golpe, ora negocia com o centrão a própria sobrevivência. Este discurso super ideologizado traz também uma força: mantém uma base convicta de sua visão de mundo, mantém uma coesão ideológica em torno de si. Isto faz diferença em um contexto de crise democrático-representativa, em que boa parte da população expressa profunda desconfiança da política e dos políticos.

    A votação do Fundeb traz uma boa e uma má notícia. A boa é que Bolsonaro é ruim de governo e as regras do jogo democrático parecem atrapalhá-lo em suas próprias pernas, vivendo o drama do jogador que reclama o quanto a bola é redonda. Agindo dessa forma, por outro lado, ele mantém acesa a chama eleitoral naquilo que mais “fideliza” a sua base, isto é, a ideologia; assim, ele é forte candidato à reeleição, o que é uma péssima notícia para todos os brasileiros.

  • NILCEA FREIRE (1953-2019): “A DOR DA GENTE NÃO SAI NO JORNAL”

    NILCEA FREIRE (1953-2019): “A DOR DA GENTE NÃO SAI NO JORNAL”

    Nilcea Freire, que nos deixou neste sábado (28/12), vítima de câncer, aos 66 anos, foi uma mulher extraordinária, muito à frente de seu tempo. Médica, feminista, reitora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), foi ministra de Políticas para as Mulheres do Governo Lula, cargo análogo ao ocupado atualmente pela pastora evangélica Damares Alves –e só por aí já se pode fazer uma idéia do quanto o País ficou mais fanático, mais intolerante, mais triste, mais ignorante.

    Reitora da UERJ entre 2000 e 2004, Nilcea –pela primeira vez na história do Brasil implantou com a política de cotas (reserva de vagas para alunos negros de baixa renda e formados por escolas públicas). Embora as cotas estivessem em consonância absoluta com a reivindicação do movimento negro, a sua implantação em uma das principais universidades do País deu ensejo a uma violenta onda de repúdio que varreu toda a grande mídia brasileira e boa parte dos círculos intelectuais. Para estes, o ingresso de negros e estudantes de baixa renda no ambiente elitista da academia afigurava-se como uma afronta ao preceito do mérito.

    Previu-se a derrocada do ensino superior, o caos, a falência da formação em terceiro grau. Mas, em vez disso, os novos ingressantes no ensino superior abriram linhas de pesquisa inéditas, trouxeram experiências ainda desconhecidas para o coração acadêmico, transformaram-se em vetores de uma universidade renovada e muito mais inclusiva, colorida e diversa. Logo as cotas tornaram-se paradigma no ensino superior, obrigando mesmo as mais vetustas instituições de ensino brasileiras, como a USP, a também criarem ações afirmativas para a inclusão de novas parcelas sociais em sua comunidade de professores, alunos e funcionários. Nilcea, corajosamente, mostrou o caminho.

    Mulher de esquerda desde a juventude, Nilcea militou nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro nos anos da Ditadura Militar. Por causa disso, amargou o exílio no México, entre 1975 e 1977. Em 1989, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, partido em que permaneceu até 2016. Em 27 de janeiro de 2004, Nilcea foi empossada Ministra-Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Governo Luiz Inácio Lula da Silva –inaugurou-se aí um período de impressionante mobilização feminista.

    Delicadeza e resolutividade com a dor dos outros

    A 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em julho do mesmo ano, reuniu mais de 120 mil mulheres de todo o país. No final de 2004, saiu do forno o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que impulsionou os mais relevantes avanços com vistas aos direitos das mulheres: Lei Maria da Penha, criação do ‘Ligue 180’ e do Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência, garantia de direitos às trabalhadoras domésticas, políticas focadas na melhoria das condições de vidas das trabalhadoras do campo e para as mulheres negras, promoção da memória da mulher brasileira e articulação em torno da garantia de direitos sexuais e reprodutivos, inclusive fazendo uma clara defesa da autonomia da mulheres nesse campo, foram também marcos de sua gestão.

    Em uma palestra realizada em julho de 2015, Nilcea falou sobre as mortes de mulheres em decorrência de abortos realizados na precariedade da clandestinidade e da pobreza. Foi uma fala grave e crua, que cobrava da sociedade brasileira a coragem de elaborar políticas públicas que pudessem impedir as perdas de vidas de mulheres pela desassistência e desamparo. Nada de Jesus na goiabeira, nada de meninos de azul e meninas de rosa. Nada de gritos. Nilcea passou a vida a exigir atenção à dor de quem sofre. E o fez com delicadeza e sentido de responsabilidade. Por isso, ela foi imprescindível. Por isso estamos tão tristes hoje.

     

    https://youtu.be/RrvPUzbEzXo

     

     

  • A Venezuela resiste e Gleisi Hoffmann acerta ao participar da posse de Maduro.

    A Venezuela resiste e Gleisi Hoffmann acerta ao participar da posse de Maduro.

    Original do FaceBook do autor, Afrânio Silva Jardim*

    APÓS GRANDE VOTAÇÃO NAS RECENTES ELEIÇÕES
    PRESIDENCIAIS, NICOLAS MADURO TOMARÁ POSSE, NOVAMENTE, COMO PRESIDENTE DA VENEZUELA.

    Muitos países não querem reconhecer esta eleição, na verdade, por questões ideológicas. Eles e seus empresários estão boicotando, com a ajuda da grande mídia comercial, a tentativa de se introduzir o socialismo democrático no país irmão.

    Ninguém aponta e traz prova de qualquer irregularidade em tais eleições, apenas falam que elas não foram legítimas e justas … Como assim ???

    A situação do Brasil ainda é mais delicada, pois o Ministério das Relações Exteriores questionou a legitimidade das eleições do Maduro pelo fato de o seu maior opositor estar preso e não ter podido concorrer no pleito.

    Isto é de uma hipocrisia alarmante. A prevalecer este argumento, a eleição do Capitão truculento, aqui no Brasil, também é ilegítima e injusta. Pois o líder disparado nas pesquisas de opinião pública – ex-presidente Lula – também foi mantido preso e não pôde concorrer nas eleições, mesmo com manifestação em sentido contrário da ONU. Dois pesos, duas medidas.

    Como socialista, também gostaria de estar na Venezuela no dia de amanhã. Depois de Allende, no Chile, esta é mais uma tentativa de instaurar uma economia socialista através dos meios democráticos, com eleições e sem violência política, salvo aquela usada para evitar golpes de Estado, tentados pelas forças de Direita, auxiliadas pelos Estados Unidos.

    Julgo, pois, correta a presença da senadora Gleisi Hoffman.

    Os socialistas devem estar juntos para resistir a esta onda conservadora e retrógrada que se espalha pelo mundo todo. Como a história avança através das forças sociais que se opõem, em breve, voltaremos a ter esperanças mais concretas de que a justiça social ainda será possível neste mundo desigual e egoísta.

    *Professor de Direito da UERJ