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  • Como foi o Miss Curitiba Trans 2017

    Como foi o Miss Curitiba Trans 2017

    Texto por Cássia Ferreira

    No última sexta feira (3) aconteceu o Miss Curitiba Trans, um evento que vai muito além de um concurso de beleza. Trata-se também de um manifesto político em prol de uma luta por identidade e visibilidade da comunidade de transexuais e travestis, no melhor estilo girl power de enfrentamento da hostilidade, violência e até mesmo da hipocrisia da sociedade que as exclui todos dos dias. Como lembrou uma das líderes do Transgrupo Marcela Prado, e organizadora do evento, Catuxa Bourges “Não somos nós que excluímos a sociedade, é a sociedade quem nos exclui”.

    Ao anunciar as candidatas à coroa, Catuxa reforçou o objetivo do evento: “Cada menina aqui hoje tem uma história e está buscando a construção de sua identidade… Elas não estão aqui só para serem julgadas. Vamos escolher uma representante desse espaço político”. Num evento de empoderamento e força política, a comunidade trans tenta se fazer visível como ponto de partida para o debate e a desconstrução de estereótipos. Como disse a Miss de 2015, Nallanda Bioshe, além do caráter de representação da comunidade, ela se sente feliz ao emprestar a sua imagem na tentativa de “modificar um pouquinho a imagem que os cidadãos brasileiros têm de nós, mulheres trans”.

     


     

    Nallanda Bioche, miss 2015 – Foto: Josiane Sobrinho

    Uma coroa, uma porta aberta

    Desde que conquistou a coroa em 2015, Nallanda tem trabalhado como modelo. Uma porta que se abriu com a visibilidade alcançada pelo concurso. Apesar das oportunidades que tem surgido para a Miss, a realidade sobre a empregabilidade para pessoas transexuais e travestis está longe de um ideal almejado pela comunidade. O tema foi abordado no tradicional quadro de perguntas as candidatas. Questionada sobre isso, a candidata Renata Borges lembrou que para as portas da empregabilidade se abrirem é necessário além de consciência, mudanças principalmente no sistema de educação escolar. E ainda fez um apelo aos conselhos educacionais para que não tirem a acessibilidade das pessoas trans, “precisamos de escolas que incluam e não excluam” reforçou. Ela também lembrou do trabalho de ONGs como o transgrupo Marcela Prado que auxiliam nesse processo de orientação e cidadania. Segundo um levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% das pessoas trans recorrem a prostituição como profissão, a maioria por falta de opção e oportudades devido a rejeição da sociedade.


    Renata Borges, candidata Miss Curitiba 2017 – Juh Moraes

    Debate social

    Também foram abordadas questões sobre o direito a retificação do nome, opinião sobre a conjuntura política atual, racismo, violência contra mulher, e sobre o projeto de “cura gay”, recentemente discutido no congresso nacional. Questionada sobre este último tópico, a candidata Dione Freitas respondeu de pronto “É inadmissível discutir cura gay para algo que não é doença”. A exposição de assuntos trans na mídia tradicional também foi levantada e teve um ponto de vista positivo da candidata Patrícia Lemonge, “Estamos aqui para isso, a gente tem que ser vista. Eu não sou menos por ser trans, nem mais. Eu sou igual a todo mundo”, respondeu.

    Na foto, Dionne Freitas – Foto: Josiane Sobrinho

    A mídia tem dado mais voz as minorias – que são, na prática, maiorias – e começamos a perceber uma certa evolução das políticas públicas, como a possibilidade de retificação do nome que é de certa forma um alívio para as pessoas transexuais que abrem caminho para serem tratadas com o devido respeito, alguns estados que já estão habilitados a realizar a cirurgia trangenitalizadoras, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, a face da violência e da intolerância ainda é vista no dia a dia dessas mulheres. Num cenário contraditório, o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo, mas também ocupa o topo da lista dos que “mais consumem pornografia transexual”, como lembrou Tatiana Araújo, presidente da Rede Trans nacional. Mais um fato da realidade paradoxal que abrange a comunidade LGBTI.

    Realidade ambígua

    Outro fator alarmante que diz respeito a violência contra transexuais reflete na expectativa de vida, em média 35 anos. Sendo menos da metade da média nacional, de 75 anos, segundo o IBGE. Além da aparente resistência no Congresso para acesso aos direitos civis, ainda com uma bancada conservadora capaz de apresentar projetos como a “cura gay”, ou na tentativa de impor limitações ao debate de gênero, sexualidade e política nas escolas por exemplo, abrindo brecha para a intolerância e a cultura do ódio. Sabendo desta realidade o evento teve poio de segurança da ANTIFA, grupo de combate ao fascismo, que montou guarda na porta do Tetro Guaíra para o caso de hostilização.

    Se não fossem as iniciativas de grupos e ativistas engajados em promover compreensão e o respeito a comunidade que condicionam um certo posicionamento político, seria difícil pensar uma mudança de hábitos da sociedade. Propício foi o agradecimento de abertura do Miss Curitiba Trans 2017, Catuxa peitou: “Sim eu sou uma mulher trans. Aprendi a me amar, aprendi a me reconhecer, aprendi a mudar meus conceitos. Tudo isso porque eu faço parte de uma grande associação que trabalha com as mulheres travesti e transexuais e os homens transexuais, ao transgrupo Marcela Prado”. A entidade que organizou o concurso, trabalha desde 2004 com o objetivo promover a cidadania, saúde, educação, combater estigmas e construir paradigmas que realmente representem a realidade dos travestis e transexuais no estado do Paraná. O Miss Trans faz parte da promoção dessas ações. Como disse Linda Power, uma das pessoas envolvidas na organização, o concurso traz visibilidade a esse universo “As trans ficam muito escondidas, hoje com a mídia estão vindo mais para fora do armário. Quando você via uma trans ou travesti? Era sempre na noite, numa boate ou num show. E esse concurso que vem trazendo para um horário diferente e um público diferente. E num teatro então, melhor ainda a visibilidade e a importância desse concurso”.

    Miss Curitiba Trans 2017 – Foto: Mariana Alves

    O Miss Curitiba Trans 2017 corou Priscila Siqueira, para ela o título representa “um sonho desde criança, de me tornar mulher, de me transformar, e acho que hoje prova que meu sonho foi real e que aconteceu” e revelou seus objetivos como miss “Estou disposta ajudar em qualquer coisa, para que a gente possa estar se unindo mais”, afirmou a cabelereira, 28 anos. Thayla Santos e Melissa Souza receberam a faixa de primeira e segunda princesa respectivamente, além da Paola Pimental, que ficou com a faixa de Miss Simpatia.

    Para a cobertura foi organizado um pequeno grupo de voluntários com 5 fotógrafas e um fotógrafo de Curitiba. Uma das fotógrafas, Josiane Sobrinho, é uma mulher trans de 22 anos que aprendeu a fotografar nas últimas semanas e diz ter ficado muito feliz com a experiência, pois, além de a vontade de trabalhar como fotógrafa ter aumentado, “foi muito importante ver essas mulheres, porque elas são do jeito que eu quero ser” e ter feito parte disso trouxe esse desejo para mais próximo de ser realizado. Veja mais imagens abaixo: 

    Foto: Juh Moraes
    Paola Pimental, Miss Simpatia – Foto: Juh Moraes
    Miss Curitiba Trans 2017 – Foto: Isabella Lanave
    Catuxa Borges, organizadora – Foto: Isabella Lanave
    Foto: Cassia Ferreira
    Foto: Juh Moraes
    Foto: Mariana Alves
    Foto: Isabella Lanave
    Foto: Juh Moraes
    Foto: Juh Moraes
    Foto; Isabella Lanave
    Foto: Mariana Alves
    Foto: Josiane Sobrinho
  • Leo Nardi, 16 anos, estudante, homem trans e uma história de resistência

    Leo Nardi, 16 anos, estudante, homem trans e uma história de resistência

    Leo Nardi, homem Trans de 16 anos, foi ameaçado de expulsão pela diretora do colégio Fernão Dias Paes onde estuda, depois que tirou a camiseta numa festa da turma do terceiro ano – era o conhecido “trote da troca”.

    Na opinião de Leo, a E.E. Fernão Dias Paes, em São Paulo, parece não estar preparada para receber estudantes trans.

    Dias antes, Leo e um grupo de alunos explicaram para a diretora e alunos da escola que tratava-se de um evento preconceituoso que fariam  piadas lgbtfóbicas. Mas a conversa de nada adiantou e a festa aconteceu.

    No dia da festa, Leo subiu no palco e fez um protesto tirando a camiseta e exibindo o corpo com a frase: “Minha disforia não é piada.” A diretora ligou para a mãe de Leo dizendo que ele seria expulso porque “tirou a roupa e invadiu uma festa do 3° ano”. Vale lembrar que se ele fosse um homem cisgênero isso seria considerado normal.

    Leo conseguiu ha poucos meses, depois de muita luta, incluir seu nome social na lista de chamada, mas disse que todos os dias acontece um novo episódio de transfobia, porque alguns professores não respeitam o nome social das pessoas trans. ‘O professor de matemática Diego disse que nós éramos meninas que queríamos ser ‘machões’ que isso não estava certo porque não temos idade para sabermos o que queremos da vida.”

    Os problemas familiares começaram quando a mãe descobriu que Leo se atraia por mulheres. Com 13 anos ele passou por um quadro de depressão  profunda…”eu ficava trancado no quarto o dia todo “.

    Desde criança Leo nunca se sentiu como uma mulher, mas não sabia nomear o que sentia. Depois das ocupações das escolas, durante a tentativa do governo de implantar o projeto de reorganização escolar, Leo começou a pesquisar sobre sua condição, a partir daí, descobriu e assumiu sua transexualidade. O mais triste é que sem apoio familiar Leo pretende largar os estudos: “Eu não sei se vou continuar na escola acho que eu pretendo sair porque vou ter que me manter sozinho agora vai ser difícil manter essa relação escola x trabalho”.

    Em 2015, o homem trans Samuel Silva foi expulso da faculdade Cásper Libero acusado de agressão a um coordenador de classe que o tratou no feminino. Também no ano passado fundamentalistas religiosos aliados a políticos conservadores conseguiram retirar dispositivos do Plano Municipal de Educação, que eles nomeiam como “ideologia de gênero”, que tinham como objetivo combater a Lgbtfobia nas escolas.

    O estudante Leo Nardi e o repórter Léo Moreira Sá, ambos homens trans, na E.E Fernão Dias Paes.
    O estudante Leo Nardi e o repórter Léo Moreira Sá, ambos homens trans, na E.E Fernão Dias Paes.

    Isso tende a piorar o quadro de precariedades que afetam a comunidade de travestis, mulheres transexuais e homens trans negando a essa população o direito à educação e a cidadania plena. Muitas pessoas trans não suportam a pressão da transfobia institucionalizada nos ambientes educacionais e acabam saindo da escola. O resultado é evidente: uma imensa maioria só consegue espaço profissional no mercado informal sobrevivendo de subempregos ou da prostituição.
    “Essa escola e muitas outras não são ambientes para pessoas que estão dispostas a uma democracia com liberdade. É um meio excludente.” concluiu Leo Nardi.

    Texto: Leo Moreira Sá/Jornalistas Livres

    Vídeo: Katia Passos/Jornalistas Livres