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  • Governo de MT quer aproveitar a Covid pra “passar a boiada” em terras indígenas

    Governo de MT quer aproveitar a Covid pra “passar a boiada” em terras indígenas

    Os povos indígenas do Brasil inteiro, que têm sido alvo de genocídio há 520 anos, vêm assistindo a uma ofensiva cada vez mais veloz contra suas terras e modos de vida desde o início do governo Bolsonero. Aliado a governadores de direita ligados ao agronegócio, como Mauro Mendes, do DEM de Mato Grosso, a intensão explicitada pelo ministro do Meio Ambiente condenado por crime ambiental, Ricardo Salles, é realmente “passar a boiada” sobre a legislação ignorando a natureza e os povos tradicionais. No último dia 17 de junho, por exemplo, a Assembleia Legislativa de MT aprovou em primeira votação o Projeto de Lei Complementar 17/2020, elaborado dentro do Palácio Paiaguás, sede de um governo que renega seu nome indígena. O chamado “PLC da Invasão“, autoriza o Cadastro Ambiental Rural – CAR de fazendas sobre territórios tradicionais de indígenas que ainda não foram homologados pela União, incluindo áreas já comprovadas ou em vias de demarcação definitiva.

    O PLC contraria a Constituição de 1988, que diz que a legislação sobre terras indígenas é EXCLUSIVA da União, e portanto não pode ser objeto de leis estaduais que diminuam a proteção sobre essas áreas, como apontou ofício do Ministério Público sobre o caso. Mas segue o mesmo princípio da Instrução Normativa Número 9 da FUNAI, publicada no mesmo fatídico 22 de abril da reunião ministerial e que vem sendo denunciada desde então por trazer elementos ditatoriais que visariam o genocídio final dos povos indígenas e a apropriação de suas terras e seus recursos.

    Por conta dessa nova ofensiva, 62 entidades da sociedade civil, às quais se soma agora os Jornalistas Livres, publicaram essa semana uma Carta Pública ao Povo de Mato Grosso e às Autoridades Políticas denunciando o PLC, a Instrução Normativa e a política genocida dos governos estadual e federal. Veja abaixo a íntegra da carta e as assinaturas das entidades:

    Carta Pública ao Povo de Mato Grosso e às Autoridades Políticas

    As organizações e entidades políticas que assinam abaixo vêm a público externar a profunda contrariedade à aprovação em primeira votação – por 13 votos favoráveis (1), do Projeto de Lei Complementar – (PLC) 17/2020, pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso, no último dia 17 de junho de 2020. O referido Projeto, também chamado de PLC da invasão, que foi elaborado pelo Governador Mauro Mendes no Palácio Paiaguás, autoriza o registro do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de fazendas em sobreposição a Terras Indígenas no estado. Significa que sua aprovação na Assembleia Legislativa e promulgação pelo Governador, promoverá alterações significativas na Lei Complementar 592/2017, que: “dispõe sobre o Programa de Regularização Ambiental (PRA), disciplina o Cadastro Ambiental Rural (CAR), a Regularização Ambiental dos Imóveis Rurais e o Licenciamento Ambiental das Atividades Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Naturais, no âmbito do estado de Mato Grosso, e dá outras providências”.

    Segundo o Ministério Público Federal (MPF), por meio do Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais em Mato Grosso (2) – enviado recentemente para Assembleia Legislativa, manifestou que o avanço do PLC 17/2020 promoverá alterações importantes, dentre essas: as substituições dos termos “terras indígenas” por “terras indígenas homologadas”, “áreas interditadas ou declaradas em processo de demarcação de terra indígena” por “áreas de terra indígena homologada”, e “terra indígena” por “terra indígena homologada”. No mesmo documento, o MPF anotou que o Projeto enviado pelo Palácio Paiaguás excluirá dos bancos de dados, “em definitivo, todas as Terras Indígenas delimitadas, declaradas, demarcadas fisicamente, além daquelas interditadas, que têm restrições de uso e ingresso de terceiros para a proteção de povos indígenas em isolamento voluntário. Tais atos violam a publicidade e a segurança jurídica destas Terras Indígenas, desconsiderando por completo os dados do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) e do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Simcar)”.

    Outro elemento fundamental levantado pelo MPF/MT, é que a Constituição Federal de 1988, além de estabelecer que as Terras Indígenas são bens da União, também fixa como competência privativa desta a legislação sobre populações indígenas. Desse modo: “Destarte,não detém, o estado de Mato Grosso, competência legislativa para diminuir a proteção sobre territórios indígenas, bens da União, ao limitar o seu conceito a apenas as “Terras Indígenas homologadas”, deixando de fora e desprotegidas todas as Terras Indígenas nas demais fases do processo de demarcação”. (OFÍCIO/PR-MT/OPICT n. 1618)

    Cabe informar que o Projeto de Lei Complementar – 17/2020 que avança na Assembleia Legislativa encontra-se em acordo mútuo com a Instrução Normativa N 09 da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), publicada pelo Governo Federal em 22 de abril de 2020. A referida Instrução, desde a sua publicação, tem sido duramente criticada pelas lideranças indígenas, através da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT) e outras instituições políticas, como também, por organizações indigenistas, com destaque para o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Operação Amazônia Nativa (Opan), Instituto Centro de Vida (ICV) e Indigenista Associados (INA), além da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Somam-se, ainda, organizações ambientalistas como o Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD). Além das críticas recebidas, 49 procuradores e procuradoras do MPF de 23 estados apontaram que a Instrução Normativa do Governo Federal é inconstitucional, recomendando ao presidente da Funai para que anulasse imediatamente a referida instrução normativa.

    O Projeto de Lei Complementar – 17/2020, assim como a Instrução Normativan° 09 (FUNAI), traz elementos com raízes ditatoriais que visam submeter os povos indígenas à assimilação, em sentido contrário ao que concebe a Constituição Federal de 1988. As medidas desconsideram todo o arcabouço legal da política indigenista do próprio Estado em consonância com tratados internacionais de proteção aos direitos dos Povos Indígenas. Esta norma favorece exclusivamente aos interesses dos grandes latifundiários, chamados comumente de empresários do agronegócio, que se encontram incrustados com suas propriedades privadas dentro das terras indígenas, que são bens do Estado Brasileiro, conforme o que determina o Artigo 20 da Constituição Federal de 1988.

    Desse modo, denunciamos que o PLC – 17/2020, apresentado pelo Governo de Mato Grosso à Assembleia Legislativa, e a Instrução Normativa da FUNAI que o “inspirou” representam flagrantes desrespeitos à Constituição Federal, que reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas e tradições e o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcar, proteger e fazer respeitar os seus bens (Constituição Federal de 1988 – artigo: 231).

    Ambos, na sua essência, pretendem oferecer legitimidade e permitir a emissão de títulos de propriedade para invasores das terras indígenas que se encontram, inclusive, em fase avançada do procedimento administrativo de demarcação, regulado pelo Decreto 1775/96. Advertimos ainda, que estas iniciativas administrativas do Governador Mauro Mendes e do Presidente Jair Bolsonaro produzem uma profunda instabilidade jurídica nos negócios fundiários no Brasil e poderão causar graves prejuízos, inclusive financeiros, às pessoas físicas e jurídicas de boa-fé, que poderão ser levadas ao erro por confiarem nas informações disponibilizadas pelas novas legislações e normativas. Além de promoverem maiores conflitos nas regiões que contam com a presença dos Povos Indígenas.

    Reafirmamos que a Constituição Brasileira de 1988 reconhece os territórios indígenas e a forma tradicional dos povos viverem em seus territórios e considera que todos os títulos de propriedade incidentes nas terras tradicionalmente ocupadas são nulos e não produzem efeitos jurídicos (Artigo 231, § 6º da CF/88).

    Por fim, cabe lembrar que com o atual contexto de pandemia – que já ceifou mais de cinquenta mil vidas de cidadãs e cidadãos, inclusive indígenas, existe preocupação e solidariedade de toda a sociedade nacional e internacional com a saúde e bem-estar dos Povos Indígenas. Várias campanhas solidárias têm se multiplicado para arrecadar alimentos, materiais de limpeza e higiene, equipamentos para saneamentos básico e de proteção. Têm se somado a essas iniciativas igrejas, sindicatos, organizações não-governamentais, escolas, universidades, governos e várias outras instituições nacionais e internacionais. O que se espera daqueles que ocupam cadeiras no executivo e legislativo (estadual/federal) é que cumpram o seu papel institucional e venham se somar à defesa dos indígenas que estão vulneráveis e em risco. Ao contrário, com mais esta iniciativa, ficarão marcados negativamente na história junto ao Governo de Mato Grosso e ao Governo Federal por se colocarem contra os indígenas, incentivando a invasão dos territórios e submetendo as comunidades à insegurança, ao medo e à violência dentro de um contexto de pandemia.

    Diante do exposto, nos solidarizamos com a resistência do Povo Indígena do Estado de Mato Grosso e exigimos a imediata revogação pela Assembleia Legislativa do Projeto de Lei Complementar – PLC – 17/2020.

    A seguir, os signatários:

    1) Associação Comunitária da Aldeia Indígena Mayrob – ACAIM (Povo Apiaká);

    02) Associação dos Amigos e Amigas do Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário Prestes – AAMOBEP;

    03) Associação dos Docentes da Universidade Estadual do Estado de Mato Grosso – ADUNEMAT;

    04) Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso – ADUFMAT – Seção Sindical/UFMT;

    05) Associação dos Senegalês de Cuiabá – MT (ASSENMAT);

    06) Associação dos/as Venezuelanos/as de Cuiabá – MT;

    07) Associação Indígena Inhã Apiaká;

    08) Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – ANDES/Sindicato Nacional (Regional Pantanal);

    09) Central Única dos Trabalhadores – CUT/MT;

    10) Centro Acadêmico de Ciências Sociais do Campus Universitário Gabriel Nóvis Neves – Cuiabá/UFMT;

    11) Centro Acadêmico de Nutrição do Campus Universitário Gabriel Nóvis Neves –Cuiabá/UFMT;

    12) Centro Burnier – Mato Grosso;

    13) Clube de mães do Bairro Renascer;

    14) Comissão Pastoral da Terra – CPT/MT;

    15) Coletivo Ecossocialista Raízes;

    16) Coletivo Proteja Amazônia;

    17) Companhia de Jesus em Mato Grosso;

    18) Congregação da Irmãs da Imaculada Conceição de Castres (Irmãs Azuis);

    19) Conselho Indigenista Missionário – CIMI/MT;

    20) Conselho Regional de Psicologia – CRP 18 – Mato Grosso;

    21) Consulta Popular – MT;

    22) Diretório Central dos Estudantes do Campus Universitário do Araguaia – UFMT: DCE/CUA/UFMT;

    23) Diretório Central dos Estudantes do Campus Universitário Gabriel Nóvis Neves – DCE/Cuiabá/UFMT;

    24) Federação de Sindicato de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil – FASUBRA;

    25) Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso – FEPOIMT;

    26) Fórum de Direitos Humanos e da Terra;

    27) Fórum de Mulheres Negras de Mato Grosso;

    28) Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD/MT;

    29) Fórum Permanente de Saúde de Mato Grosso;

    30) Fórum Sindical, Popular e de Juventudes de Luta pelos Direitos e pelas Liberdades Democráticas – Mato Grosso;

    31) Frente Popular pela Vida, em Defesa do Serviço Público e de Solidariedade ao Enfrentamento à Covid – 19;

    32) Grêmio Estudantil Inclusão IFMT – Campus de Barra do Garças;

    33) Grupo de Trabalho para Criação do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Alto Taquari;

    34) Grupo Livre-mente: Conscientização e Direitos Humanos LGBTQI;

    35) Instituto Centro de Vida – ICV/MT;

    36) Instituto de Arte Indígena Brasileira Xepí – Parque Indígena do Xingu;

    37) Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu – IPEAX/Xingu;

    38) Instituto Munduruku – Povo Munduruku: Noroeste de Mato Grosso;

    39) Instituto de Negras e Negros pela Igualdade: UNEGRO – Pantanal/MT;

    40) Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida – RCA;

    41) Laboratório de Tecnologias Ciências e Criação, Estudos, Pesquisas, Práticas;

    42) Levante Popular da Juventude;

    43) Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB/MT;

    44) Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST/MT;

    45) Núcleo de Estudos Afro-brasileiro, Indígena e de Fronteira, Maria Dimpina (NEABI/NUMDI);

    46) Partido Comunista Brasileiro – MT – PCB/MT;

    47) Partido dos Trabalhadores de Cuiabá – PT/Cuiabá;

    48) Partido dos Trabalhadores de Cuiabá – (Direção Estadual – PT/MT);

    49) Rede MT Ubuntu;

    50) Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares em Mato Grosso;

    51) Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA;

    52) Operação Amazônia Nativa – OPAN/MT;

    53) Organização de Suporte das Atividades dos Migrantes no Brasil – OSAMB/Haitianos;

    54) Organização Rusga Libertária;

    55) Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – SINASEFE/MT;

    56) Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT;

    57) Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação da UFMT – SINTUF/UFMT;

    58) UNEGRO – Pantanal Rondónopolis

    59) União da Juventude Comunista – UJC/MT;

    60) União Estadual dos Estudantes – UEE/MT;

    61) Unidade Classista – MT;

    62) Unidade Popular pelo Socialismo – Mato Grosso: UP/MT.

     

    1. Deputados que votaram favoravelmente ao PLC – 17/2020: 1) Carlos Avallone; 2) Dilmar Dal Bosco; 3) Dr. Eugênio; 4) Dr. Gimenez; 5) Faissal; 6) Dr João; 7) Max Russi; 8) Nininho; 9) Paulo Araújo; 10) Pedro Satélite; 11) Silvio Favero; 12) Valmir Moretto; 13) Xuxu Dal Molin.
    2. OFÍCIO/PR-MT/OPICT n. 1618 Cuiabá-MT, 13 de maio de 2020.

    Carta publica contra o PLC 172020 ALMT Assinado por 62 organizacoes

  • Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?

    Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades?

    Terras ocupadas? Territórios? Territorialidades? – Dominique Tilkin Gallois*- in TERRAS INDÍGENAS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA (ISA) 2004

     

    O CONTATO COLOCA UM GRUPO INDÍGENA DIANTE DE LÓGICAS ESPACIAIS DIFERENTES DA SUA E QUE PASSAM A SER EXPRESSAS TAMBÉM EM TERMOS TERRITORIAIS. AS DIVERSAS FORMAS DE REGULAMENTAR A QUESTÃO TERRITORIAL INDÍGENA PELOS ESTADOS NACIONAIS NÃO PODEM SER VISTAS APENAS DO ÂNGULO DO RECONHECIMENTO DO DIREITO À “TERRA”, MAS COMO TENTATIVA DE SOLUÇÃO DESSE CONFRONTO.

    Fragmento:

     

     

     

    Terra Indígena é o mesmo que território indígena? 

     

    São comuns idéias como “imemorialidade” da ocupação indígena em determinada região, assim como é corrente a caracterização do modo de vida indígena através de seus vínculos com a “natureza”, ou com algum “nicho ecológico” que acabaria configurando o que seria a “sua terra”. Aparentemente, provar a ocupação continuada de um grupo indígena numa área e, a partir dessa relação histórica, caracterizar um modo de vida indígena a partir de sua adaptação ao ambiente ocupado seria suficiente para configurar a relação que um grupo indígena mantém com esta “sua terra”. Mas não é tão simples. Primeiro, porque seria negar o tremendo impacto que a colonização teve sobre as populações indígenas, muitas delas rechaçadas e refugiadas em áreas que não correspondem à sua localização histórica, nem à extensão territorial ocupada antes da dizimação gerada pelo encontro com frentes de colonização. Mas, então, bastaria recuperar a documentação comprobatória e a memória do grupo acerca de seu território para apoiar as demandas de demarcação ou revisão de limites das Terras Indígenas? Nessa acepção, terra seria simplesmente uma parcela dentro de um território historicamente mais amplo. Como se sabe, praticamente todos os grupos indígenas perderam grandes porções de seus territórios, fragmentados em parcelas que são reivindicadas e demarcadas, num parcelamento que gera novas reivindicações, assentadas no direito constitucional que enfatiza os “direitos originários” dos índios sobre suas terras, independentemente da demarcação. 

    Tal equação não é suficiente. Território não é apenas anterior à terra e terra não é tão somente uma parte de um território. São duas noções absolutamente distintas. 

     

    Como expuseram vários estudos antropológicos, a diferença entre “terra” e “território” remete a distintas perspectivas e atores envolvidos no processo de reconhecimento e demarcação de uma Terra Indígena. A noção de “Terra Indígena” diz respeito ao processo político-jurídico conduzido sob a égide do Estado, enquanto a de “território” remete à construção e à vivência, culturalmente variável, da relação entre uma sociedade específica e sua base territorial.

     

    * Antropóloga, docente do Departamento de Antropologia Social da FFLCH-USP e coordenadora do NHII-USP (Núcleo de História Indígena e do Indigenismo).

     

    imagens por helio carlos mello©

     

    Leia o texto completo em:

    https://pib.socioambiental.org/files/file/PIB_institucional/dgallois-1.pdf

  • “Desfaça tudo essas reservas”, diz ruralista a secretário em reunião de fazendeiros do Pará com governo federal

    “Desfaça tudo essas reservas”, diz ruralista a secretário em reunião de fazendeiros do Pará com governo federal

    Da Publica

    Quem entrasse desavisado pela porta do auditório Olacyr de Moraes, no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no início da tarde do último dia 10, teria dificuldade em saber que se tratava de um encontro entre grandes fazendeiros paraenses e autoridades das áreas da agricultura e do meio ambiente do governo Jair Bolsonaro. Em vez dos esses chiados, típicos do sotaque do Pará, ouvia-se na plateia os erres marcados dos sotaques sulistas, comuns entre os que detêm latifúndios em solo amazônico. Reunidos no auditório, os produtores rurais foram à Brasília apresentar a fatura do apoio enfático dado a Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial.

    A reportagem da Pública presenciou as quase quatro horas do encontro, idealizado pela Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) e bancado pelo governo, sobretudo pelo titular da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf), Luiz Antônio Nabhan Garcia. Ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Nabhan Garcia foi tratado na reunião como “vice-ministro” apesar da inexistência formal do cargo. Foi ele quem gravou vídeos disparados pelo WhatsApp convocando os produtores ao encontro. O convite empolgou: o auditório ficou completamente abarrotado e alguns fazendeiros ficaram do lado de fora, esticando o pescoço para acompanhar a discussão.

    A titular do Mapa, ministra Teresa Cristina, fez questão de reconhecer o pronto apoio dado pelo agronegócio, grande protagonista da economia brasileira nos últimos anos, em campanha. “Podem ter certeza que o governo do presidente Bolsonaro tem um apreço e um carinho muito especial pelos produtores rurais, que foram aqueles que primeiro o apoiaram, foram aqueles que primeiro acreditaram. Talvez porque a gente tenha sofrido tanto que os produtores rurais deram um basta e acreditaram que o presidente Jair Bolsonaro era a pessoa que podia fazer a mudança de rumo no nosso país”, discursou. “O estado do Pará foi um dos estados que primeiramente deu a ele [Bolsonaro] o seu voto de confiança.” Vale registrar que a ministra se referia aos fazendeiros, e não à população, que votou majoritariamente no candidato do PT, Fernando Haddad.

     

    O presidente da União Democrática Ruralista, Luiz Antônio Nabhan Garcia. Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil

    Diante da ministra, do “vice-ministro” Nabhan Garcia e outras autoridades, como o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), general Jesus Corrêa, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato, e o secretário executivo da Secretaria de Governo, Mauro Biancamano, a principal exigência colocada à mesa pelos ruralistas foi a flexibilização radical (talvez o termo correto seja desmonte) da fiscalização ambiental feita em solo paraense.

    O Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgãos encarregados por lei de fazer fiscalização ambiental, foram alvos de duras críticas e xingamentos. Era alguém tocar no nome deles e o burburinho começava. Aos poucos, palavras de ordem eram gritadas e aplausos efusivos demonstravam o apoio da plateia a quem tomava coragem de gritar no meio da multidão. Nas manifestações anônimas, feitas durante as falas, os órgãos foram acusados de praticar “terrorismo de Estado”, alguns disseram que o governo “tem que acabar” com eles, a despeito da obrigação do Estado em mantê-los, e os chamaram de “câncer”. Produtores falaram em “desfazer essas porcarias de Unidades de Conservação” (UCs) – termos similares aos usados por eles para se referir a outras áreas protegidas pela União, como terras indígenas e assentamentos de reforma agrária.

    Nas falas feitas em um púlpito do auditório por produtores rurais e autoridades não ligadas ao governo federal, o tom não foi muito diferente. Para ficar em um exemplo, a representante da Associação dos Produtores dos Campos do Araguaia (Aprocampo), Genny Silva, chamou o Ibama, em fala pública, de “instituto brasileiro de assalto à mão armada”. O radicalismo das demandas foi tamanho que levou os representantes do governo Bolsonaro à não usual posição de pedir ponderação, cautela e apego à institucionalidade aos presentes. Se o descrédito demonstrado por Bolsonaro pelos órgãos ambientais, como na ocasião em que o presidente disse que a festa do ICMBio e do Ibama “ia acabar”, gela a espinha dos ambientalistas, para os ruralistas paraenses parece ser pouco. Eles querem a nova era de Bolsonaro para já e, nela, não querem ter que receber fiscais do Ibama em suas porteiras.

    “O Brasil está numa hemorragia generalizada e o governo vem com band-aid pra querer estancar a hemorragia. Não vai conseguir! Nós não podemos querer reformar órgãos inúteis que não têm mais função a não ser consumir dinheiro público e perpetuar a corrupção”, afirmou Paulo César Quartiero, que ocupava o posto de vice-governador em Roraima até janeiro do ano passado pelo DEM. “Quer que eu cito (sic)? Ibama, ICMBio, quantos mais? Vou citar o Incra também? Vou. Que mais?”, questionou à plateia. Alguns fazendeiros falaram na Fundação Nacional do Índio (Funai). “A Funai a gente deixa à parte porque ela não obedece ao governo brasileiro, ela obedece às monarquias europeias”, disse, arrancando risos, referindo-se ao fato de a fundação ter firmado parcerias para desenvolvimento de projetos com recursos do Fundo Amazônia, que tem a Noruega como principal doadora.

    Quartiero, aliás, é um antigo adversário da causa indígena em Roraima, como ele mesmo admitiu em entrevista ao jornal O Globo. Foi arrozeiro na área da TI Raposa Serra do Sol, homologada em 2005. Teve uma fazenda desapropriada em decorrência do processo de demarcação. Em 2008, quando era prefeito de Pacaraima (RR), foi preso pela Polícia Federal (PF) acusado de tentativa de homicídio, formação de quadrilha e posse de artefatos explosivos. Segundo o Ministério Público Federal afirmou em denúncia, tais crimes ocorreram após ele ter coordenado ataques a indígenas da Comunidade Renascer. Nove indígenas ficaram feridos na ação, oito deles baleados, segundo a PF informou à época. A ação ainda corre na Justiça Federal. Hoje Quartiero é suplente na diretoria da Faepa, pois é produtor rural na ilha do Marajó, no Pará.

    A sugestão de Quartiero de que não adiantaria reformar órgãos ambientais, mas sim extingui-los, gerou uma manifestação imediata do anfitrião Nabhan Garcia. Ao tomar a palavra, ele sublinhou que não fora o governo Bolsonaro quem havia “criado” ou referendado a TI Raposa Serra do Sol e lembrou as consequências legais de extinguir órgãos ambientais. “Não se acaba com a Funai como você tá dizendo. Aqui não tem espaço para a pirotecnia, me desculpe. Se tem alguém aqui formado em direito, sabe o que eu tô dizendo. Não é assim que se acaba com Funai, com Ibama, com Incra. Não é assim. Não se acaba, aí é pirotecnia”, respondeu Nabhan Garcia.

    Apesar da impossibilidade jurídica de extinção dos órgãos, o secretário de Assuntos Fundiários lembrou que o governo federal vem esticando a corda nesses órgãos, tentando favorecer os interesses dos ruralistas. “A questão da Funai: ela é responsável pela identificação, delimitação, demarcação, licenciamento de terra e etc. [O governo] Tirou isso da Funai. Não dá pra acabar com a Funai, mas dá pra tirar o que era nocivo que a Funai fazia e assim o governo fez em 1º de janeiro, feriado nacional, no dia de sua posse. Tem lá uma medida provisória tirando da Funai todas essas situações. Passando pra nossa secretaria inclusive as cláusulas quilombolas também, da Fundação Palmares. Hoje está tudo no Ministério da Agricultura, na Secretaria de Assuntos Fundiários, que por sua vez o órgão executor é o Incra, o novo Incra, que está com boas intenções e vai promover as mudanças”, argumentou Nabhan Garcia, sinalizando mudanças na política indigenista. “Eu só estranho que a lei funciona contra nós e a nosso favor não funciona”, murmurou Quartiero, ainda um tanto contrariado.

    Ibama engole críticas e promete mudanças para agradar a fazendeiros

    Quando subiu ao púlpito ao som dos murmúrios do público, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, procurou ser breve. Começou pedindo desculpas pela ausência de seu chefe, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “Todo o ministério, inclusive o Ibama, tem um apreço muito grande pelos produtores rurais. A gente tá tentando mudar uma mentalidade que existiu no passado, de perseguição para quem produz nesse país”, afirmou Bim. “Nesse novo Ibama, a gente está buscando um diálogo muito grande com todos os atores envolvidos pra gente se entender. E, se entendendo, evitar os pontos de atrito que ainda existem. Mudar a cultura de um órgão é uma coisa que demora um pouco, mas a gente está lutando para que essas mudanças aconteçam”, disse. O presidente do Ibama saiu rápido da sala a pretexto de uma audiência com o Ministério Público. Para aguentar a pressão dos produtores, ficou o titular da Diretoria de Proteção Ambiental, Olivaldi Azevedo, major da Polícia Militar de São Paulo, alçado ao posto pelo ministro Salles.

     

     

    Diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Major Olivaldi.
    Reprodução Instituto Brasileiro de Segurança Pública.

     

    O major foi alvo de um dos discursos mais inflamados e aplaudidos da tarde, feito por Nelci Rodrigues, a presidente da Associação de Produtores Rurais Vale do Garça. Nelci começou pedindo desculpas por não saber fazer “discurso bonito” e foi direto ao assunto. Sua associação fica na região da influência do trecho da rodovia BR-163 que corta 11 municípios do estado do Pará onde, em 2006, o governo federal criou um mosaico de áreas protegidas com o objetivo de fazer um plano de desenvolvimento sustentável para a região e mitigar o impacto do futuro asfaltamento da rodovia, ainda não realizado.

    As UCs foram criadas sobre pequenas e grandes posses rurais já existentes – muitas delas estimuladas pelo próprio governo – e até hoje a regularização fundiária não foi efetivada a contento. Com sotaque sulista, Nelci conta que foi à Amazônia ainda criança acompanhando seu pai, que havia sido estimulado pela propaganda dos governos militares que rezava o lema “integrar para não entregar”. E prosseguiu: “A BR-163 vive um conflito de guerra. O Brasil tem que ter memória. Eu me lembro perfeitamente quando meu pai dizia que o militarismo só era ruim pra vagabundo: ‘Então vocês podem ir para o Pará e tenham certeza que vocês vão melhorar de vida’. E sabe o que aconteceu? Nós pioramos”, relatou. “Vivo no Pará há mais de 30 anos, tenho cinco filhos, criei todos e eles são formados, hoje, graças a uma posse e eu sou produtora rural. Em 2006, foi criado um mosaico de Unidades de Conservação atingindo o meu Pará. Aí eu lhe digo: os xiitas do Ibama, as ‘mundiça’ do ICMBio, o câncer do ICMBio no país tomam a casa de uma mãe de família e fala o seguinte: ‘Você tem que sair dessa casa, porque essa casa vai virar casa do macaco’. Tinha um general que abriu a BR-163 e o chamamento era unânime: ‘Venham integrar para não entregar’. Agora, se não deram título da terra, se não fizeram nada, não é culpa nossa”, protestou. “Eles nos invadiram. A regra do jogo muda e a gente fica sem saber. E somos tachados de grileiros. Se um audacioso xiita repetir um trem desse… Eu não tenho tamanho, mas coragem Deus me deu”, bradou, sendo ovacionada por aplausos.

    Muitos fazendeiros falaram no estímulo dado à chamada colonização dos rincões do Pará pelos governos militares e demonstraram ressentimento com as questões ambientais trazidas na democracia. A lei ambiental da época permitia que as posses e propriedades rurais desmatassem 50% da área das fazendas. A aprovação do Código Florestal, em 2012, determinou em 20% a superfície passível de desmatamento para a produção no bioma amazônico. Alguns produtores se manifestaram até mesmo pedindo a volta dos parâmetros de desmatamento da ditadura. Coube a Nabhan Garcia novamente acalmar os ânimos e dizer que não cabia ao governo alterar o código na canetada, mas deixar claro que seria possível uma articulação no Congresso para mudar as leis ambientais.

    Ao fim de sua fala, Nelci Rodrigues vocalizou outro pensamento comum entre os produtores rurais: a argumentação de que as leis ambientais os empurravam para a ilegalidade. Protestou contra o fato de a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), órgão do governo estadual paraense, não validar o Cadastro Ambiental Rural (CAR) em fazendas situadas em UCs, o que é proibido por lei. “Tem 300 mil cabeças de gado nas Unidades de Conservação. A gente não pode vender porque não tem o CAR. Aí eu não posso vender porque o frigorífico é multado ao comprar. Obrigam nós a ser ilegal. Obrigam nós a tirar nosso gado e levar pra um arrendamento que é legalizado pra só assim nós podermos vender”, afirmou Nelci. “Desfaça tudo essas reservas que a maldita Marina Silva fez”, exigiu, referindo-se à ex-ministra do Meio Ambiente, que estava à frente do Ministério do Meio Ambiente quando da criação das UCs.

    Quando subiu ao púlpito, o major Olivaldi estava nitidamente nervoso. Antes de começar a falar, alguém da plateia disse que queria ver acabar logo o ICMBio. Quando disse que era o novo diretor de proteção ambiental do Ibama, veio outro comentário da plateia: “Não fala esse nome [Ibama]. Vamos mudar o nome”. Olivaldi tentou brincar para quebrar o gelo. “Me sinto um pouco apedrejado aqui. Serei outros dias por conta do que foi construído lá atrás entre quem produz e o órgão de fiscalização ambiental”, começou. A plateia não deu descanso. “Vai trabalhar na cidade e abandona as fazendas. Não tem problema ambiental em fazenda nenhuma. Então nos abandone. Vocês não são bem-vindos”, afirmou um fazendeiro. “Não façam nada durante 60 dias. Só fecha”, disse outra voz.

    Olivaldi pediu calma. Quando conseguiu falar, o major agradou aos ruralistas. “Vamos fazer um mutirão para desembargar áreas passíveis de desembargar. Isso é promessa do governo Bolsonaro, do ministro Ricardo Salles. Estamos revendo esses embargos”, afirmou. “Tentaremos reverter o máximo daquilo que está prejudicando. Não é promessa. Isso nós vamos fazer. Mas eu peço tempo. Não se esqueçam que muito do que foi dito aqui [nas reivindicações], é preciso mudar porcaria de lei. Eu sou funcionário público. Eu vou preso… Alguém criou aquele monte de Unidade de Conservação; se tá certo ou errado, eu não vou entrar na discussão.” “Revoga!”, uma voz gritou. “Mas não sou eu que revogo. Aquilo é criado mediante lei. Tenham paciência e vamos mudar o que precisa ser mudado. Todo mundo aqui é inteligente pra entender que fazer o que ele disse: ‘Ah, não faça nada agora’. Eu vou preso. Existe Ministério Público, juiz, Judiciário, um monte de coisa cobrando a gente”, disse Olivaldi. Ele deixou o auditório na sequência.

     

    Senador Zequinha Marinho (PSC), Foto Agencia Senado.

    Senador compara atuação de órgãos ambientais ao Estado Islâmico

    O discurso de ataque aos órgãos de fiscalização ambiental ganhou respaldo também entre os parlamentares presentes ao encontro. Nos dois discursos que fizeram, o deputado federal Delegado Éder Mauro (PSD), coordenador da bancada paraense na Câmara, e o senador Zequinha Marinho (PSC) formaram fileiras com os fazendeiros nos ataques ao Ibama e ao ICMBio.

    “Estamos assistindo às piores arbitrariedades que um governo pode cometer contra os seus cidadãos. Cidadão que produz, que paga imposto”, disse Marinho, referindo-se às autuações e operações dos órgãos socioambientais. “Se o senhor tiver tempo pra ouvir alguém da região da BR-163… É uma coisa do outro mundo. É pior do que o Estado Islâmico na Síria”, qualificou. “A gente não queria continuar sendo tratado como inimigo deste país. É fundamental pacificar a questão ambiental. Produtor precisa ter mais liberdade pra produzir. O produtor do Pará é visto como um marginal. Nós somos invadidos pelo governo federal lá no Pará, que não quer diálogo, não quer conversar. Quer botar fogo em máquinas, quer prender cidadão, arrebentar com tudo, quer matar tudo”, discursou Marinho.

    O deputado Éder Mauro partiu para uma acusação mais direta. “O Ibama no estado do Pará… Eu ainda esta semana já deixei documentações na Casa Civil mostrando que hoje o Ibama ainda é dirigido por uma petista que persegue nossos produtores, os homens que produzem no estado do Pará. Vai mudar, meu amigo. Confie. A bancada do estado do Pará vai estar junto do ministro Onyx pedindo a mudança de todos que estão no estado do Pará. Da Sudam [Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia] até lá embaixo, seja que órgão for. A gente quer andar pra frente e eu acredito no presidente Bolsonaro e nesses homens que ele colocou aqui em Brasília. O Pará precisa crescer! Vocês não vão sair daqui sem a esperança de que o estado vai mudar!”, disse. Mauro não deixou claro se a “petista” a que se referiu era a superintendente do Ibama no Pará, Clívia Bezerra Araújo. Os fazendeiros que estavam na plateia, consultados pela reportagem, disseram que sim. Mauro saiu antes de o evento acabar, mas aproveitou seu tempo para defender os responsáveis pela segunda maior chacina do campo brasileiro nos últimos 20 anos, o Massacre de Pau d’Arco, que deixou dez trabalhadores mortos. “Naquela ocasião, quando a polícia esteve em Pau d’Arco pra defender o Estado, pra defender o proprietário, pra tirar os invasores da terra, matou todos na resistência e os policiais viraram bandidos”, disse.

     

    O deputado Delegado Éder Mauro (PSD – PA) – Agência Câmara

    Nosso patrão, Bolsonaro

    “Tudo o que foi relatado aqui, nós tínhamos em governos anteriores. Agora nós temos um governo presente, que começou há praticamente 90 dias. Estamos sob o comando da autoridade maior, aquele que foi eleito pela maioria do povo brasileiro. Se chama presidente Jair Messias Bolsonaro. Ele é o nosso patrão”, afirmou Nabhan Garcia. Em quase todas as ocasiões, ele, o grande anfitrião do encontro no Mapa, procurou acalmar os ânimos e prometer a tal nova era bolsonarista. “Eu conheci o então deputado Bolsonaro em 1994. Ele sempre foi em primeiro lugar um aliado. Todas as vezes que o setor produtivo precisou de ajuda, esse homem que não tem um palmo de terra, não era da profissão dele, sempre esteve do nosso lado”, garantiu Nabhan Garcia. A maioria da plateia pareceu confiante nas palavras, mas alguma impaciência pairava no ar. Nabhan Garcia voltou à carga: “Não queiram que o governo que assumiu há 90 dias conserte o que houve de errado em 34 anos em 90 ou 100 dias. Nós temos alguns cânceres aqui que não podem continuar mais fazendo o que fazem. Ele precisa do apoio da população pra fazer mudar. Ninguém legisla ou governa sozinho”, falou em um tom mais exaltado. O marco de 34 anos remonta ao término da ditadura.

    Um dia depois da reunião entre Nabhan Garcia e os fazendeiros do Pará, o presidente Bolsonaro assinou um decreto para converter multas ambientais em áreas de recuperação. No último dia 14, o presidente pessoalmente desautorizou uma operação do Ibama em Rondônia enquanto ela estava em curso. A operação visava combater a extração ilegal de madeira. “Ontem, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, veio falar comigo com essa informação [sobre a operação]. Ele já mandou abrir um processo administrativo para a apurar o responsável disso aí. Não é para queimar nada, maquinário, trator, seja o que for, não é esse procedimento, não é essa a nossa orientação”, afirmou o presidente em um vídeo que circulou nas redes sociais. Após o ministro Ricardo Salles ter ameaçado investigar agentes do ICMBio, o presidente do órgão, Adalberto Eberhard, pediu demissão no último dia 16 – seria substituído dois dias depois pelo coronel da Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo, Homero de Giorge Cerqueira. Servidores ambientais divulgaram um dia depois uma carta acusando o ministro Salles de destruir a política ambiental federal. Em uma live no último dia 17, Bolsonaro ameaçou demitir a diretoria da Funai e criticou a legislação ambiental vigente.

    Ao menos no meio ambiente, a nova era deu passos largos desde a reunião no Mapa.

    Publicado originalmente: https://apublica.org/2019/04/desfaca-tudo-essas-reservas-diz-produtora-a-secretario-em-reuniao-de-fazendeiros-do-para-com-governo-federal/?fbclid=IwAR2_5tQv6dF4EKi9jJHDuV_ny4-EdPyrngKLOP4uyguSfQh2DOCKsx-qn-8 

  • O Povo Que Não Pode Plantar

    O Povo Que Não Pode Plantar

    É sexta-feira e sigo com meu amigo Jekupe, escritor indígena, ao encontro de seu povo, Guarani M’byá,  para protesto na cidade de São Vicente, a matriarca urbana do país, em seus 484 anos de ruas e casas. Sei que quem tem coração no mar, nas águas, na mata e na terra, também sabe jogar sua dor na avenida. A solidão dos povos indígenas irá à praia e mais que choro, tal um pirata chegando à velha cidade, protesta com canto e dança, o jeito índio de se manifestar.

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    Os povos indígenas do Brasil, como toda sociedade nesse momento, estão também em movimento. É longa a lista de solicitações e evidentes certos direitos renegados. O direito à terra, novamente, precisa ser escancarado.

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    Chego às Terras indígenas de Paranapuã, dentro da Reserva Xixová, onde índios são acusados de serem responsáveis pela degradação ambiental. Surreal alegação. A região da Bacia de Santos tem sido notada e assolada por ocorrências de acidentes ambientais associados ao comércio e translado de produtos químicos. Acusar índios de degradação ambiental é no mínimo uma farsa.

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    Cerca de 100 índios vivem na Tekoa Paranapuã. Noto que a comunidade carece de roça, aventurando-se apenas com alguns poucos pés de cana, banana e açaí, entre a vegetação densa. O cuidado com as orquídeas e flores da mata atlântica também é notável. Casas muito simples, e um vazio de escola ou posto de saúde evidencia a ausência do Estado. Em vez de assistir, aqui o Estado prefere expurgar.

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    Os Guarani tem por nome a sentinela e a terra livre, e nesse momento a aldeia, entre toda carestia, é toda força e alvoroço. Caciques se reúnem, mulheres e homens se pintam e se adornam, crianças cantam, arcos e bordunas se aprumam. Na casa de reza, Opy, entre a fumaça dos pitynguas, cachimbos tradicionais, as lideranças comunicam a todos o motivo do protesto e como proceder. Cantam e dançam pedindo a Nhanderu, Deus, a proteção.

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    É uma sexta-feira de janeiro, índios saem da mata, transpassam a ponte pênsil, ocupam a avenida beira mar e seus marcos, se misturam na rua em dia de aniversário e feriado na cidade mais antiga  e protestam. Uma certa poesia invade a rua, apesar da dor e das necessidades, como quando antes não havia cidade.

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    Reintegração de posse é frase insana.