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  • ‘Vamos criar distração’ VAZAJATO#parte21

    ‘Vamos criar distração’ VAZAJATO#parte21

    Do The Intercept Brasil

    O Procuradores da Lava Jato no Paraná programaram a divulgação da denúncia contra Luiz Inácio Lula da Silva no caso do sítio em Atibaia fazendo um cálculo corporativista e midiático. Em maio de 2017, eles decidiram publicar a acusação numa tentativa de distrair a população e a imprensa das críticas que atingiam Procuradoria-Geral da República na época, mostram discussões travadas em chats no aplicativo Telegram entregues ao Intercept por uma fonte anônima.

    À época, a equipe do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estava sob bombardeio por causa de um áudio vazado da colaboração premiada dos executivos do conglomerado JBS que atingia em cheio o presidente Michel Temer. Havia suspeitas de que o material havia sido editado. Meses depois, problemas mais graves – como o jogo duplo do procurador Marcelo Miller, que recebeu R$ 700 mil para orientar a JBS – levaram o próprio Janot a pedir que o acordo fosse rescindido.

    A denúncia do sítio já estava pronta para ser apresentada em 17 de maio de 2017, dia em que o jornal O Globo publicou reportagem acusando Temer de dar aval a Joesley para a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, do MDB. Diante da notícia, que caiu como uma bomba em Brasília, o coordenador das investigações no Paraná, Deltan Dallagnol, decidiu adiar o oferecimento e a divulgação da acusação contra Lula, inicialmente programadas para o dia seguinte.

    O perito Ricardo Molina, contratado pela defesa de Michel Temer, disse que o áudio da gravação da conversa de Joesley Batista com o então presidente era “vagabundo” e questionou sua autenticidade.

    Quatro dias depois, num domingo, a força-tarefa debatia no Telegram o tratamento dado pela imprensa ao áudio de Temer e Joesley. Peritos entrevistados ou contratados por veículos de comunicação identificaram cortes na gravação e apontaram que poderia ter havido edição do arquivo.

    A Lava Jato do Paraná, que não teve participação na delação da JBS, se preocupava: além de considerarem as falas de Temer inconclusivas do ponto de vista jurídico, os procuradores – que nunca lidaram bem com críticas da imprensa – se incomodavam com a repercussão das suspeitas de adulteração do material.

    Convencidos da integridade da gravação, os procuradores esperavam que viesse a público o quanto antes um laudo da Polícia Federal sobre o áudio. Foi durante essa discussão que Santos Lima expôs seu plano no grupo Filhos do Januario 1, restrito aos integrantes da força-tarefa: “Quem sabe não seja hora de soltar a denúncia do Lula. Assim criamos alguma coisa até o laudo”. Após seu chefe, Deltan Dallagnol, se certificar de que o plano poderia ser posto em prática, ele comemorou, no mesmo grupo: “Vamos criar distração e mostrar serviço”.

    A denúncia contra Lula foi apresentada à justiça e divulgada à imprensa no final da tarde do dia seguinte, dia 22.

    ‘ANUNCIARAM BATOM NA CUECA. E COM RELAÇÃO AO TEMER, NÃO TEM’

    COMO QUASE TODO O BRASIL, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná ficou sabendo do áudio em que Joesley Batista incriminava Michel Temer pela imprensa. Às 19h54 de 17 de maio, o procurador Athayde Costa enviou ao grupo de Telegram Filhos do Januario 1 o link da reportagem de O Globo. A informação abalou Brasília a tal ponto que forçou Temer a fazer um pronunciamento no dia seguinte para garantir, em seu português empolado, que não renunciaria à Presidência.

    Enquanto os procuradores da Lava Jato discutiam o vazamento, a procuradora Jerusa Viecili avisou aos colegas que a denúncia do sítio estava pronta para ser apresentada. Dallagnol, porém, avaliou que a acusação seria “engolida pelos novos fatos”, ou seja, os desdobramentos das revelações contra Temer.

    17 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

    Jerusa Viecili – 20:11:21 – pessoal, terminamos a denuncia do sitio. segue em anexo caso alguem quiera olhar. a ideia era protocolar amanha, mas devido aos novos acontecimentos …..
    Deltan Dallagnol – 20:11:26 – Por isso Janot me disse que não sabe se Raquel è nomeada pq não sabe se o presidente não vai cair
    Dallagnol – 20:11:38 – Esperar
    Dallagnol – 20:11:45 – Amanhã será engolida pelos novos fatos
    Dallagnol – 20:11:56 – E cá entre nós amanhã devemos ter surpresas
    Viecili – 20:11:56 – [anexo não encontrado]
    Viecili – 20:12:06 – [anexo não encontrado]
    Athayde Ribeiro Costa – 20:12:09 – Tem que ser segunda ou terca
    Viecili – 20:12:18 – sim, por isso podem olhar. pq eu nao aguento mais esse filho que não é meu! hehehehe
    Costa – 20:12:39 – É nosso
    Costa – 20:12:47 – E de todos

     

    As primeiras conversas dos procuradores sobre a delação da JBS revelam um clima de excitação. “To em êxtase aqui. Precisamos pensar em como canalizar isso pras 10 medidas”, escreveu Dallagnol em 17 de maio, no mesmo grupo, referindo-se ao projeto de medidas contra a corrupção capitaneado por ele.

    “Bem que poderia vir uma gravação do Gilmau junto né?!”, escreveu minutos mais tarde o procurador Roberson Pozzobon, em alusão ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, visto como um arqui-inimigo pela força-tarefa. O procurador Orlando Martello retrucou, pouco depois: “Defendo uma delação com temer ou Cunha para pegar Gilmar”.

    Passada a euforia inicial, no entanto, alguns procuradores começaram a expressar ceticismo sobre o real impacto do áudio contra Temer.

    19 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

    Carlos Fernando dos Santos Lima – 07:14:59 – Os áudios do Temer não são matadores, mas são bem melhores que eu imaginava.
    Santos Lima – 07:21:31 – E quanto a participação do Miller, ele até poderia negociar valores, mas tratar do escopo é algo inadmissível, pois é justamente aí que há a possibilidade de uso de informações privilegiadas. Houve ingenuidade em aceitar essa situação como se ela não fosse aparecer na imprensa.
    Santos Lima – 07:28:11 – [anexo não encontrado]
    Santos Lima – 07:28:52 – Júlio. Você que é especialista, conhece essa dupla sertaneja?
    Viecili – 07:31:41 – Problema foi que anunciaram batom na cueca. E com relação ao Temer, não tem.
    Viecili – 07:35:21 – Kkkkk desconheço; só apareceram nas paradas recentemente
    Santos Lima – 07:40:28 – Os diálogos são indefensaveis no contexto politico. Não há volta para o Temer. Ainda mais que a Globo não está aliviando como os jornais de São Paulo.
    Santos Lima – 07:40:33 – http://m.oantagonista.com/posts/exclusivo-a-integra-do-anexo-9
    Viecili – 07:44:22 – Sim. No contexto político. Mas com relação a crime, os áudios não são tão graves como anunciado.

     

    ‘AÍ MATA A REPERCUSSÃO’

    À MEDIDA QUE OS DIAS PASSAVAM, crescia a preocupação dos procuradores com questões que a força-tarefa considerava perigosas à imagem da Lava Jato. Uma delas era a situação delicada do ex-procurador Marcello Miller, que veio à tona no dia seguinte à reportagem de O Globo.

    A imprensa apontava que Miller, braço-direito de Janot na Lava Jato até o início de 2017, havia sido contratado pelo escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe, que trabalhava no acordo de leniência – a delação premiada de pessoas jurídicas – da JBS em outra operação, a Greenfield. À época, a PGR limitou-se a afirmar que Miller não participou das negociações da delação.

    A força-tarefa também se preocupava com as condições do acordo com a JBS, que previa, inicialmente, total imunidade aos delatores: eles não seriam denunciados criminalmente, ficariam livres da prisão e de tornozeleira eletrônica e poderiam se manter no comando das empresas. Dallagnol reportou aos colegas que apoiadores da Lava Jato consideraram “absurdo os batistas nos EUA rindo da nossa cara”, referindo-se aos irmãos Joesley e Wesley Batista, que deixaram o Brasil no mesmo dia em que fecharam a delação.

    O procurador Athayde Costa considerava que o Ministério Público estava “perdendo a guerra da comunicação” no caso da JBS. Concordando, Dallagnol angustiava-se com o silêncio de Janot, que não havia se manifestado publicamente desde a revelação de O Globo. Um trecho do diálogo entre os dois no Telegram mostra que Dallagnol tentou orientar o procurador-geral da República sobre como abafar a crise.

    20 de maio de 2017 – Chat privado

    Deltan Dallagnol – 15:50:31 – Caro segue o que postei mais cedo para mais de 100 colegas. Conte comigo e com a FT.
    Dallagnol – 15:50:32 – Caros a FTLJ não participou dos acordos e ficamos sabendo com a matéria do globo, como todos. É fácil quem não está na mesa de negociacao criticar. Há muitas peculiaridades no caso que justificam os termos do acordo. A questão é utilitária. Esse acordo entregou mais de 1800 políticos; o presidente da república e alguém que poderia ser o próximo, com provas bastante consistentes de ilícitos graves. Como creio que a PGR esclarecerá em breve, Miller não atuou no acordo, nem mesmo a empresa Trench, que só trabalha na leniencia, que é conduzida pela Greenfield e ainda não foi fechada. Está começando, como outras vezes, uma intensa guerra de comunicação. A imunidade é justificável, mas será um desafio na área da comunicação. A PGR conta com nosso apoio nesse contexto porque temos plena confiança na correção do procedimento e no interresse público envolvido na celebração dos acordos como feitos, considerando inclusive as peculiaridade do ambiente de negociação, feita com empresários que não tinham sequer condenações ou um ambiente adverso muito claro. Lembremos que o mais importante agora são as reformas que poderão romper com um sistema político apodrecido e as revelações desse acordo poderão contribuir muito nessa direção, se soubermos canalizar a indignação para o ponto certo, que é a podridão do sistema e a necessidade de mudanças.
    Dallagnol – 15:50:41 – Na minha opinião, precisamos focar em esclarecer os seguintes pontos em redes sociais e entrevistas: 1) Falsa estabilidade não justifica mantermos corruptos de estimação e crises intermitentes decorrerão da omissão em enfrentar esse mal. 2) A gravação é regular – tem a matéria da Folha que postei. Quanto à edição, há análises periciais com resultado pendente, mas tudo indica que confirma a ausência de edições. 3) Miller não atuou nos acordos feitos. 4) A excepcionalidade dos benefícios se justifica pela excepcionalidade das circunstâncias, pela exclusividade do que foi entregue, pela força dos fatos e provas, pela pela ausência de condenações e disposição em correr riscos na ação controlada. 5) A podridão revelada justifica priorizar a reforma anticorrupção. O ideal é que a PGR tome a frente nisso. Esse caso é um desafio pelo prisma da comunicação, com a máquina de marketeiros profissionais e duvidas naturais e legítimas da população.
    Dallagnol – 15:51:17 – Eu creio que um pronunciamento seu em vídeo ou exclusiva no JN seria muito pertinente e daria o tom para nós todos.

     

    Janot não respondeu naquele sábado, mas fez uma declaração, pela primeira vez desde a eclosão do escândalo, horas após as mensagens de Dallagnol. O Procurador-geral enviou ao STF uma manifestação afirmando que o áudio contra Temer “não contém qualquer mácula que comprometa a essência do diálogo”.

    A angústia em Curitiba, contudo, não foi aplacada. Assim, no domingo à noite, Santos Lima apareceu com a ideia salvadora.

    21 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

    Carlos Fernando dos Santos Lima – 20:02:26 – Quem sabe não seja hora de soltar a denúncia do Lula. Assim criamos alguma coisa até o laudo.
    Deltan Dallagnol – 21:03:14 – Acho que a hora tá ficando boa tb. Vou checar se tem operação em BSB, que se tiver vai roubar toda a atenção

     

    A resposta de Dallagnol mostra que os procuradores queriam garantir que não haveria, na Lava Jato de Brasília, uma operação – prisões ou buscas e apreensões contra investigados, por exemplo – que disputasse a atenção da imprensa com a acusação contra o ex-presidente.

    No minuto seguinte, ele enviou uma mensagem a outro grupo de Telegram, o Conexão Bsb – CWB, e consultou os colegas da PGR sobre a agenda da semana seguinte.

    21 de maio de 2017 – Conexão Bsb – CWB

    Deltan Dallagnol – 21:04:26 – SB, estamos querendo soltar a nova denúncia do Lula que sairia semana passada, mas seguramos. Contudo, se tiver festa de Vcs aí, ela será engolida por novos fatos… Vc pode me orientar quanto a alguma data nesta semana? Meu receio é soltarmos num dia e no seguinte ter operação, pq aí mata a repercussão
    Sérgio Bruno – 21:24:03 – Sem operações previstas para esta semana
    Dallagnol – 21:39:18 – Obrigado!

     

    Com o sinal verde de Brasília, Dallagnol retornou ao grupo da força-tarefa no Paraná e deu a notícia.

    21 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

    Dallagnol – 21:39:51 – Nesta semana não tem op de BSB (mantenham aqui óbvio). Da pra soltar a den Lula Cf acharmos melhor
    Jerusa Viecili – 21:40:51 – Faremos o release amanha
    Santos Lima – 21:45:18 – Vamos criar distração e mostrar serviço.

     

    AS REVIRAVOLTAS SOBRE A DELAÇÃO DA JBS, no entanto, estavam apenas começando. No início de setembro de 2017, após os delatores entregarem novos materiais em complementação ao acordo já homologado, Janot anunciou que a PGR iria rever as delações de Joesley, do diretor de relações institucionais da JBS, Ricardo Saud, e do advogado da empresa, Francisco de Assis e Silva.

    O motivo: em meio à nova remessa de arquivos entregues à PGR, a JBS incluiu a gravação de uma conversa em que Joesley e Saud falam sobre a atuação alinhada da holding com Marcello Miller durante a negociação da delação.

    11 de outubro: Um dia após ser preso, Joesley Batista deixa sede da Polícia Federal em São Paulo rumo a Brasília.

    A situação de todos os envolvidos deteriorou-se rapidamente. Em dez dias, Joesley e Saud foram presos e viram seus acordos de delação serem cancelados por Janot. A rescisão dos contratos ocorreu em 14 de setembro, mesma data em que a PGR fez a segunda denúncia contra Temer com base na colaboração da JBS. Meses depois, em fevereiro de 2018, o executivo Wesley Batista e o advogado Francisco de Assis e Silva também perderiam os benefícios da delação.

    Miller, por sua vez, acabaria denunciado em junho de 2018 por ter aceitado R$ 700 mil da JBS para orientar os delatores durante as negociações. O processo contra ele, que corre na Justiça Federal de Brasília, foi trancado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em 17 de setembro. A Quarta Turma do tribunal acatou um pedido da defesa de Miller, que apontou “inépcia” na denúncia do Ministério Público.

    A perícia da PF sobre o áudio, revelada mais de um mês depois que Lula foi denunciado no caso do sítio, identificou cortes, mas descartou adulteração na gravação. O conteúdo dela foi usado na denúncia que a PGR faria contra Temer e seu ex-assessor, Rodrigo Rocha Loures, em 26 de junho de 2017.

    Lula foi condenado a 12 anos e 11 meses de prisão no processo do sítio de Atibaia pela juíza Gabriela Hardt, em fevereiro de 2019. Ela admitiu ter partido de uma sentença do antecessor, Sergio Moro. O petista espera o julgamento de seu recurso na segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

    Já os delatores da JBS aguardam, até hoje, que o STF decida se vai homologar a rescisão de suas colaborações, como pediu Rodrigo Janot. No último dia 9, pouco antes de encerrar seu mandato à frente da PGR, Raquel Dodge enviou um pedido ao STF para que priorize o julgamento do caso.

     

    QUESTIONADO PELO INTERCEPT SOBRE O CASO, o Ministério Público Federal do Paraná disse que “quando nenhuma questão legal (como a existência de prazo ou risco de prescrição) ou razão de interesse público determina o momento de apresentação de uma denúncia ou manifestação, a força-tarefa ouve a equipe de comunicação quanto ao melhor momento para sua divulgação”.

    Um dos mentores da estratégia, o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima foi consultado separadamente porque não integra mais os quadros do MPF, já que aposentou-se em março deste ano. No entanto, ele não respondeu aos contatos do Intercept. O espaço está aberto para os comentários dele, que serão acrescentados se forem enviados.

    A Procuradoria-geral da República também foi procurada para comentar o tema, mas informou que não irá se manifestar.

     

     

  • Sérgio Moro é um homem corrupto, mas quem liga?

    Sérgio Moro é um homem corrupto, mas quem liga?

     

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

     

    “Corrupção”. Sem dúvida, esta é a palavra mais evocada no debate político brasileiro. Em qualquer fila de banco (se é que elas ainda existem), em qualquer mesa de bar, podemos encontrar brasileiros e brasileiras interpretando o Brasil como o resultado de uma epidemia de corrupção.

    Na percepção dessas pessoas, corrupção significa roubo, mas não qualquer tipo de roubo. Corrupto é o político que rouba dinheiro público. O especulador do mercado financeiro não é corrupto. O patrão que não respeita direitos trabalhistas não é corrupto. O juiz que conspira com o acusador não é socialmente lido como um homem corrupto. Corrupção é, antes de tudo, uma leitura social.

    Nesta chave de leitura, a corrupção seria prática exclusiva da política institucional, que passa a ser considerada como naturalmente corrupta e corruptora. Os resultados da disseminação dessa maneira de pensar são bastante conhecidos: negação da política e descrédito das instituições fundamentais para a democracia representativa.

    Acontece que a palavrinha “corrupção” é safada, tem vários significados possíveis para além daquele que foi cristalizado no imaginário dos brasileiros. Se formos reconstruir a tradição do pensamento republicano, que atravessa os textos de autores como Aristóteles, Tomás de Aquino, Guicciardini, Maquiavel, Montesquieu e Hannah Arendt, veremos que o termo “corrupção” tem sentido muito amplo.

    No pensamento republicano, o país corrompido não é exatamente aquele onde os políticos roubam dinheiro público.

    País corrompido é aquele que perdeu a capacidade de garantir o convívio pacífico, é aquele que não consegue mais mediar os conflitos entre seus cidadãos. Nesta forma de pensar, é função do Estado garantir a existência de um espaço abstrato ao qual as pessoas possam recorrer para resolver seus conflitos. Chamamos esse espaço abstrato de “justiça”.

    Onde deve ficar a cerca que divide minha propriedade da propriedade do meu vizinho? Dois metros pra cá ou dois metros pra lá?

    Quem é o culpado pelo acidente de trânsito? Eu dei a seta, o cara não viu. O sujeito diz que mudei de faixa sem sinalizar. Quem tá certo?

    Se não existe o tal espaço abstrato, onde todos acreditamos ser possível conseguir um julgamento imparcial, só há uma forma de resolver os conflitos cotidianos: na ponta da faca.

    Já pensaram, leitor e leitora, o inferno que seria viver sob o império da força? Para evitar essa situação de agonia completa existe o Estado e sua função principal é garantir a “boa vida”, entendida como convivência civilizada. Mas pra isso, é necessário que as pessoas acreditem na imparcialidade Justiça.

    É uma questão de crença mesmo! Não há corrupção mais grave do que a descrença em relação à Justiça.

    Não é novidade pra ninguém que os valores republicanos ainda não fincaram raízes no Brasil. Atravessada por um patrimonialismo de tipo arcaico, extremamente privatista, a grande maioria da população brasileira não tem nenhuma preocupação com o devido processo legal, com a imparcialidade da Justiça.

    Nas periferias das grandes cidades, o tribunal do tráfico é visto como algo normal. As PMs invadem casas de pobres sem mandado. Auto de resistência é forjado, com arma de fogo sendo plantada na mão do defunto.

    Juiz convesando no Telegram com o procurador? Quem liga?

    Por isso, apesar da gravidade, as revelações feitas pelo Intercept Brasil e seus parceiros na imprensa nacional (Reinaldo Azevedo, Folha de São Paulo e, agora, a Revista Veja) não são suficientes para mobilizar a sociedade civil. Não digo que os vazamentos não sejam fato político relevante, longe disso. Sérgio Moro é alvo de críticas dentro e fora do Brasil. Sua imagem está se desgastando. Ele deixou de ser um superministro para se tornar um elemento de crise dentro do governo, alguém que precisa do apoio quase diário do presidente da República.

    Mas, ainda assim, a população, preocupada com problemas que julga serem mais graves (violência urbana, desemprego) olha o escândalo da “Vazajato” de forma fria, com algum desinteresse.

    Não há pressão popular para a libertação de Lula. As pessoas até votariam em Lula se tivessem a chance, mas não estão convencidas de que ele seja inocente. Votariam mesmo desconfiando. Os mais pobres não são tão moralistas assim, tendem ao pragmatismo.

    Mas daí a ocupar as ruas e exigir a libertação de Lula, a distância é grande, muito grande. Estamos longe de construir esse clima de mobilização.

    Uma forma de aquecer essa opinião pública seria vincular os crimes da Lava Jato à destruição da economia e ao alto índice de desemprego. Ou seja, ao conspirar com representantes do Ministério Público, Sérgio Moro não apenas corrompeu a ética da magistratura, a Constituição e os preceitos mais elementares do Estado de Direito, mas colaborou para tirar a comida do prato de milhões de famílias. Na vida, poucas coisas são mais persuasivas que a materialidade.

    Essa narrativa, acompanhada da memória positiva da “Era Lula”, no médio prazo, poderia criar outra atmosfera. A ver o que vai acontecer.

    Por ora, dá pra saber que a denúncia da fraude processual, por si só, ecoa pouco nas bases da sociedade, muito pouco. Não dá pra exigir que uma nação que ainda não foi capaz de se republicanizar tenha compromisso com valores republicanos.

    Não há dúvida de que Sérgio Moro seja corrupto, um corrupto mais perigoso que o outro Sérgio, o Cabral. Ladrão de dinheiro público é fácil de punir: prende o cabra e exige restituição do dinheiro roubado. Já a corrupção do processo legal é algo muito mais grave, pois sinaliza para o cidadão comum que a Justiça não é legítima.

    Todos, então, passam a se sentir autorizados a resolverem seus conflitos com suas próprias mãos.

    Sim, hoje o Brasil é país corrompido, mas não porque parte da classe política rouba dinheiro público. Isso acontece no mundo inteiro, em maior proporção em alguns lugares, em menor proporção em outros. Político ladrão não é jabuticaba. Um Estado com instituições saudáveis previne e pune esse tipo de corrupção sem maiores traumas.

    O Brasil está corrompido porque cada vez mais o processo legal é uma farsa, um rito manipulado por aqueles que desejam fazer política sem se submeter às urnas. Quem de nós liga pra isso?

     

  • PF força conexão entre Vaza Jato e Operação Chabu em SC

    PF força conexão entre Vaza Jato e Operação Chabu em SC

    Prefeito Gean Loureiro continua afastado da Prefeitura de Florianópolis

    O prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (ex-MDB), continua afastado do cargo desde a segunda-feira pela manhã (17/6), quando foi preso e teve seu celular e computadores apreendidos pela Operação Chabu, desencadeada pela Polícia Federal em Santa Catarina. Gean foi preso junto com mais sete agentes policiais, incluindo o delegado federal Fernando Caieron, dirigentes públicos e empresários da área de tecnologia acusados de compor uma rede criminosa de tráfico de informações sigilosas a políticos e empresários investigados por corrupção. Foi solto ao final do mesmo dia, mas o delegado continua preso, junto com mais cinco agentes. O caso ganhou ainda mais repercussão nesta semana, depois que a PF “plantou” em veículos de direita ligações improváveis entre a espionagem denunciada pela Operação Chabu e os vazamentos do Morogate.

     
    Na quarta-feira (19/6), os advogados do prefeito tentaram suspender o seu afastamento no TRF4, mas não obtiveram êxito. Por enquanto, quem administra a capital é o vice-prefeito José Batista Nunes (PSDB). Em live veiculada nesta sexta-feira, 21, na página do Facebook do vereador Afrânio Boppré, ele e o vereador Lino Peres afirmam que a oposição está muito apreensiva porque Gean Loureiro tem frequentado a Câmara de Vereadores e o seu gabinete, de onde entra e sai levando pastas e documentos. Querem saber, por exemplo, por que o prefeito, sendo apontado como o articulador da “Orcrim”, foi solto no mesmo dia da prisão e continua livre para passear no seu gabinete e recolher provas.
     
    Os quatro vereadores da oposição, Afrânio Boppré (PSoL), Marquito (PSoL), Lino Peres (PT) e Vanderlei Farias, o Lela (PDT), já emitiram duas notas conjuntas reivindicando informações da Polícia Federal para se posicionarem com mais clareza sobre o ocorrido. “Decidimos evitar julgamentos ou absolvições enquanto não tivermos informações em profundidade”, explica Lino. Querem saber que informações há nos equipamentos e celulares apreendidos e o possível envolvimento de outros funcionários públicos municipais nessa rede de tráfico de informações. “Se Gean diz que é vítima de uma armação, queremos saber quem é esse agente oculto que tem tanto poder e influência na vida da cidade”, afirma Boppré.
     

    PF APELA PARA O PAVÃO DE PERNA CURTA

     
    Moro conduz PF ao grotesco

    Nesta quinta-feira, 20/6, a revista Isto É publicou reportagem de capa na edição do fim de semana, intitulada “Cerco aos hackers” , 
    afirmando que a PF está investigando as “possíveis ligações” entre a Operação Chabu, a Vaza Jato e a atuação de agentes cibernéticos em Santa Catarina, no Brasil, Dubai e Emirados Árabes. Segundo “investigações preliminares”, a PF teria encontrado conexões entre o jornalista investigativo Glenn Greenwald, do The Intercept, Edward Snowden, refugiado na Rússia, com os irmãos bilionários russos Nikolai e Pavel Durov. Os Durov são proprietários do programa de conversação em chat, o Telegram, de onde vazaram os diálogos entre o ministro da Justiça Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, revelados por Greenwald e sua equipe no escândalo conhecido também como Brasilgate. Finalmente, a PF teria encontrado ligações com Evgeniy Mikhailovich Bogachev, conhecido como Slavic, que criou o vírus Cryptolocker e o código Zeus. Slavic é procurado pelo FBI sob a acusação de cometer crimes cibernéticos, afirma a reportagem, sempre baseada no narrativa surgida no domingo passado, no perfil anônimo do Twitter, o “Pavão Misterioso”, já denunciado por vários sites de aferição como fake news grosseira, a exemplo do Estadão.

    Conforme o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, entrevistado pelo IstoÉ, o órgão “acredita ter se aproximado dos hackers que invadiram a privacidade dos procuradores”. A relação conspiratória, clara tentativa de criminalizar os jornalistas do The Intercept e levar os denunciadores da tribuna para o banco dos réus, foi levianamente lançada em veículos brasileiros de direita desde o início da semana. Estão aí todas as tintas de mais uma farsa do ex-juiz que fraudou a justiça com seus processos persecutórios e seletivos, baseados numa relação de influência ilícita sobre os procuradores da Lava Jato e na manipulação dos autos de acusação para condenar em tempo record o ex-presidente Lula à prisão. Emparedado pelas revelações do site The Intercept, trazidas a conta-gotas, como uma morte lenta, Sérgio Moro precisa com urgência de qualquer subterfúgio pra sair da berlinda e partir para a ofensiva.
     
    O único indício apontado pela revista de que a relação apontada por um perfil anônimo no twitter pode merecer a credibilidade dos seus leitores é o fato de a PF dar importância a ela. “Embora parecesse inverossímil num primeiro momento, por conter erros de grafia e tradução, ISTOÉ confirmou que a PF segue sim o rastro da pista, considerada importante pelos agentes hoje à frente do caso.” Os métodos caluniosos e fantasiosos são os já conhecidos na herança lavajatista. Enquanto a PF sege as pistas do “Pavão Misterioso”, em Santa Catarina, ninguém entende os rastros da polícia, que parece encobrir na Operação Chabu a sua própria corrupção interna. 
    Mais sobre a Operação Chabu e Alcatraz
    https://jornalistaslivres.org/corrupcao-dentro-da-pf-leva-a-prisao-de-delegado-e-prefeito-de-florianopolis/