Ao anunciar a batida da Operação “Torre de Marfim” na manhã o dia 7/12 em seus veículos, novamente a empresa comete um gravíssimo “engano”. O apresentador divulga o valor total de verbas repassadas aos projetos de pesquisa da UFSC num período de sete anos – R$ 500 milhões -, como se fosse o valor sob suspeita de desvio, que sequer foi apurado ainda. Depois do estardalhaço do roubo milionário e das reputações arruinadas, tudo se resolve com “uma correção”. Parece que a lição de irresponsabilidade da grande mídia na cobertura da “Operação Ouvidos Moucos”, que ajudou a enterrar o reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, não ensinou nada à rede Globo.
O texto da matéria no G1 também aborda a operação na UFSC de modo incriminador e toma o ponto de vista da PF como absoluto, sem ouvir a universidade. No entanto, a informação contradiz o próprio anúncio da rede na televisão: “São analisados contratos no valor total de R$ 500 milhões. A PF esclareceu que nem todo esse dinheiro pode ter sido desviado, mas é objeto da investigação.”
O que há por trás desse repetido “engano”? É um erro idêntico ao que incitou o linchamento público do reitor Cancellier e levou-o ao suicídio no dia 2 de outubro. Cau foi cunhado pela Globo, diante da opinião pública, como “chefe de uma quadrilha criminosa, que desviou 80 milhões” que, na verdade, correspondia ao total de recursos transferidos ao Programa Universidade Aberta no período de dez anos. A errata levou torturantes 48 horas para ser colocada no ar, tempo suficiente para o reitor, que sequer era citado nas investigações, cair na “boca do povo” como chefe de uma quadrilha.
Amatéria também não explicava que os desvios sob suspeitas haviam ocorrido em período anterior a sua administração. Como carro chefe da programação, a Globo errou no conteúdo da denúncia, pela qual Cancellier era acusado de tentativa de atrapalhar os trabalhos de investigação, não de participar dos desvios, o que não confere motivo de prisão, mas apenas pagamento de multa. Finalmente a emissora errou por nunca questionar a PF pela prisão ilegal do reitor.
Erros fatais na divulgação da campanha da PF parece que não modificaram o descuido com a informação na Globo e suas concessionárias
Até agora não comprovada, a acusação de interferir na apuração foi apresentada pelo corregedor geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, um desafeto político do reitor, já processado por calúnia e difamação e por levantar falsas denúncias que resultaram em operações policiais igualmente violentas e espetaculares, conforme dossiê investigativo dos Jornalistas Livres publicado em 30 de outubro.
Exemplo do efeito dos “erros” na divulgação das operações da Polícia Federal
Fica também evidente por trás dessas operações de nomes publicitários, como “Ouvidos Moucos” e “Torre de Marfim”, o preconceito contra as universidades que domina as corporações policiais. Com a grande mídia atuando como uma espécie de relações públicas, essas investidas espetacularizadas da PF concorrem para incutir na opinião média o estigma de que as instituições públicas de ensino são “antros de corrupção” e que seus professores, servidores e estudantes são “um bando de criminosos”.
Na operação “Ouvidos Moucos”, o site oficial da PF também divulgou o valor total das verbas repassadas ao Programa de Educação à Distância como se fosse o volume do desvios. Grande mídia continuou repetindo o “erro” mesmo depois do suicídio do reitor
Nota da Administração Central da UFSC sobre a nova Operação da PF
A Administração Central da UFSC, por meio da presente nota, torna público seu posicionamento diante de operação policial que promoveu conduções coercitivas de servidores e busca e apreensão em locais do campus Trindade na manhã desta quinta feira, 07 de dezembro.
1. Não houve, de parte das autoridades envolvidas, qualquer comunicado à instituição quanto à ação levada a cabo na data de hoje, na UFSC e em outros locais;
2. Não houve, até o presente momento, qualquer notificação formal à instituição, a respeito do objeto das investigações, das pessoas investigadas ou dos motivos da operação;
3. As menções de que as denúncias teriam sido encaminhadas pela administração da UFSC, conforme consta de algumas notícias veiculadas pela mídia, não se referem oficialmente a nenhuma ação que a atual gestão tenha praticado;
4. As conduções coercitivas de servidores mostraram-se, como as prisões e outras conduções ocorridas em setembro, desnecessárias, considerando, ao que tudo indica, que não haveria resistência ou negativas em prestar todos os esclarecimentos às autoridades por parte dos envolvidos.
Assim, manifestamos novamente nossa surpresa diante de outra operação policial, com ampla cobertura midiática, afetando diretamente a comunidade universitária sem que tenha sido respeitada a relação institucional entre os responsáveis pela operação e a Universidade Federal de Santa Catarina.
Reafirmamos, por fim, nossa convicção de que todo e qualquer ato que configure irregularidade deva ser rigorosamente apurado, desde que seguidos os princípios da presunção de inocência, do direito à ampla defesa e ao contraditório, com base no devido processo legal, rejeitando qualquer ação apenas espetaculosa e midiática, a exemplo do que vivemos recentemente e cujo trágico desfecho é de conhecimento de toda a sociedade.
Administração Central da UFSC
07 de dezembro de 2017
Por Antonio Acioli Cancellier especial para os Jornalistas Livres:
“Decorridos 30 dias, sem nenhuma manifestação do Ministro da Justiça, fomos surpreendidos pela informação de que a referida delegada foi promovida à superintendente da PF em Sergipe. Surpresa, decepção e muita indignação, pois pelas normas do serviço público federal, servidores que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida… Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade”.
No DIA dois de dezembro lembramos, com pesar e saudades, a passagem de dois meses da morte do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o meu querido irmão Cau. Em 14 de setembro, os responsáveis pela operação OUVIDOS MOUCOS arrancaram Cau de sua cama. Levaram não um santo, não um herói, mas um homem digno, um professor respeitado, um jornalista competente, um estudioso do Direito, um jurista, pessoa cordial, sempre aberto ao diálogo.
Como um condenado foi conduzido a uma prisão de segurança máxima, permanecendo nu por cerca de duas horas na frente de outros prisioneiros, submetido à vexatória revista invasiva íntima, algemado nas pernas e mãos. Alguém conhece a súmula vinculante número 11 do Supremo Tribunal Federal? Vestiu o uniforme laranja e mandado para a cela; claro, sem esquecer as piadinhas óbvias.
Irmãos Cancellier, Acioli e Júlio, na formatura do reitor em Direito
Mas como réu condenado, foi tratado também pela imprensa, pois repercutiram e ampliaram uma informação falsa, divulgada pelo próprio Facebook e site oficial da Polícia Federal, que a operação investigava o desvio 80 milhões de reais do programa de Ensino à Distância na UFSC. Era mentira: Cau não foi acusado de desviar um centavo da UFSC, mas 80 milhões de reais são belas manchetes para alimentar a fúria justiceira de uma matilha impregnada de ódio, alimentada pelas manchetes da TV e replicada ad infinitum nas redes sociais.
Como jurista, Cancellier sabia muito bem que as acusações que pesavam contra ele não tinham consistência alguma. Ao mesmo tempo, imagino que em sua cabeça martelava a máxima de outro luminar, Rui Barbosa: “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada.” E como cidadão, acostumado ao dia a dia das operações midiáticas e espetaculosas, certamente imaginava que dificilmente poderia se livrar da mácula que lhe foi gravada na alma a ferro e fogo.
No dia 2 de outubro, se atirou do quarto andar de um shopping center de Florianópolis. Junto ao seu corpo destroçado, um bilhete: “MINHA MORTE FOI DECRETADA QUANDO FUI BANIDO DA UNIVERSIDADE!!!” Nove palavras que valem por um testamento. Nove palavras que sintetizam todos os manuais de psicologia: matem o que uma pessoa mais ama e valoriza, o que resta é um cadáver ambulante.
Nos devolveram um simulacro daquele grande homem que nos roubaram. Seus ossos estavam quebrados, o corpo estraçalhado, ensanguentado; mas não satisfeitos, os carrascos também o cobriram de excrementos, pois aos fascistas não basta a morte clínica, necessitam também cobrir o cadáver com as marcas de desonra. E os fascistas se travestem de democratas nas redes sociais, muitas vezes vestem togas, como disse o desembargador Lédio Rosa de Andrade. Mas também se escondem sob o manto de jornalistas honestos em veículos hipócritas, que vendem à sociedade a ideia que a corrupção deve ser banida, quando, na realidade, a eles só interessam defender os privilégios dos seus apaniguados.
Acioli, diante do cadáver do irmão: “Nos devolveram um simulacro daquele grande homem que nos roubaram” Foto: Pipo Quint Agecom/UFSC
No dia 31 de outubro, entregamos ao Ministro da Justiça uma representação solicitando a abertura de PROCEDIMENTO DE RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL contra a delegada da Polícia Federal Érika Mialik Marena, responsável pela operação Ouvidos Moucos. Decorridos 30 dias, sem nenhuma manifestação do Ministro da Justiça, fomos surpreendidos pela informação que a referida delegada foi promovida à superintendente da PF em Sergipe. Surpresa, decepção e muita indignação, pois pelas normas do serviço público federal, servidores que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida… Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade.
O que nos conforta é o apoio e solidariedade que diversos segmentos da sociedade têm emprestado à família. Juristas, juízes, desembargadores, professores, alunos, servidores públicos, membros do Legislativo e alguns órgãos da imprensa que apoiam a família e nos incentivam nesta árdua caminhada em busca da Justiça.
Nos conforta saber que pessoas como a médica do trabalho Edna Maria Niero, depois de preencher o minucioso formulário do Sistema Nacional de Agravos de Notificação com os seus dados e as condições do óbito, a médica atestou que o nexo causal da morte do reitor é relacionado ao trabalho: “Não tive nenhuma dúvida”, afirma ela. “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”.
Edna Maria Niero: “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”
Segundo ela, as circunstâncias da morte do reitor tiveram imediata repercussão entre os profissionais que integram a área da saúde do trabalhador, entre médicos, psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, assistentes sociais, antropólogos etc. “Nós discutimos o caso amplamente em congressos, reuniões e fóruns virtuais da área. Para o conjunto de técnicos não houve dúvidas de que se tratava de acidente do trabalho: “Em todo o Brasil ficou claríssimo para os profissionais da saúde do trabalhador: foi acidente do trabalho, um transtorno mental que levou ao óbito. A proibição de circular na universidade onde realizou a maior parte de sua trajetória de vida e a humilhação que sofreu levaram-no à decisão de acabar com o seu sofrimento.” Tirar o trabalho de alguém é, portanto, tirar a sua vida. E nós sabemos que a universidade era a vida do reitor”. (Reportagem completa em https://jornalistaslivres.org/2017/12/exclusivo-suicidio-do-reitor-cancellier-foi-notificado-como-acidente-do-trabalho-provocado-por-constrangimento-moral-insuportavel/)
No dia 31 de outubro, o Congresso Nacional se reuniu em sessão solene para homenagear a memória do Professor Cancellier.
Dentre as várias personalidades que fizeram uso da palavra naquela ocasião, calou fundo em nossos corações e mentes o brado da ex-senadora Ideli, do qual recorto o seguinte trecho: “E é desse corpo caído, do nosso querido Cau, do Reitor da nossa Universidade Federal de Santa Cataria, que ecoa o grito por justiça e por respeito ao Estado de direito para todos, para brancos e pretos, para homens e mulheres, para ricos e pobres. É esse corpo caído, essa vida que se joga, que exige que milhares, milhões de corpos se levantem. Que a vida se erga para barrar o Estado de exceção. Que se erga contra o avanço do fascismo e do autoritarismo. Que se erga pelo Estado de direito.
PESADELO DE KAFKA: Proscrito da universidade, cercado por calúnias de todos os lados, o reitor não viu chances de provar sua inocência e foi levado ao óbito
Completados hoje dois meses da tragédia que consternou o país, a União, a Polícia, a Justiça e o Ministério Público Federal continuam ignorando os notórios abusos e excessos de poder que levaram ao linchamento moral e à morte do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, já amplamente denunciados por renomados juristas. No entanto, uma atitude corajosa e mantida até agora no anonimato, pode mudar o curso dessa história de horror e impunidade. Enquanto as associações corporativistas dos juízes federais do Brasil e de Santa Catarina; dos procuradores da república e dos delegados da Polícia Federal emitia uma nota oficial isentando esses agentes de qualquer falha na condução da “Operação Ouvidos Moucos”, silenciosamente, uma médica do trabalho do Hospital Universitário notificou a morte de Cancellier ao Ministério da Saúde como fruto de assédio, humilhação e constrangimento moral relacionados ao trabalho. Com a notificação, o suicídio do reitor fica tipificado como acidente do trabalho e passar a constituir um importante instrumento para responsabilizar o Estado brasileiro pela sua morte.
Antes de se aposentar por tempo de contribuição, a médica Edna Maria Niero, 55 anos, coordenadora da equipe do Ambulatório de Saúde do Trabalhador do hospital da UFSC, cumpriu o que havia prometido a si mesma e aos colegas de profissão de todo o país no dia da morte de Cancellier. A profissional conta que só esperou passar um pouco a forte comoção causada pela tragédia para poder fazer as investigações necessárias e levantar os dados pessoais do professor junto à Reitoria, ao setor do Pessoal da UFSC e ao prontuário médico. E no dia 24 de outubro, depois de preencher o minucioso formulário do Sistema Nacional de Agravos de Notificação com os seus dados e as condições do óbito, a médica atestou que o nexo causal da morte do reitor foi sofrimento no trabalho: “Não tive nenhuma dúvida”, afirma ela. “Quando foi violentamente alijado do local onde atuava no auge da sua gestão, o reitor foi também arrancado de sua própria vida”. O abalo emocional que ele sofreu está incluído na lista de doenças de notificação compulsória do MS e integra agora as estatísticas epidemiológicas de morte do trabalhador.
“Em todo o Brasil ficou claríssimo para os profissionais da área: foi acidente do trabalho” (Edna Maria Niero)
A proibição de se aproximar da universidade onde realizou a maior parte de sua trajetória de vida e a humilhação que sofreu levaram-no à decisão do suicídio, afirma Edna. Segundo ela, as circunstâncias da morte do reitor tiveram imediata repercussão entre os profissionais que integram a área da saúde do trabalhador, entre médicos, psicólogos, enfermeiros, psiquiatras, assistentes sociais, antropólogos etc. “Nós discutimos o caso amplamente em congressos, reuniões e fóruns virtuais da área. Para o conjunto de técnicos no Brasil ficou claríssimo que se tratava de acidente do trabalho: um transtorno mental que levou ao óbito”. Quem atua nessa área compreende que na nossa sociedade o trabalho é a identidade da pessoa e se confunde com a sua própria vida, explica. “Tirar o trabalho de alguém é, portanto, tirar a sua vida. E nós sabemos que a universidade era a vida do reitor”, pontua a médica que, como Cancellier, fez toda sua formação e carreira profissional na UFSC, desde que saiu do município de Tubarão, no Sul de Santa Catarina, aos 16 anos. Graduada em Medicina em 1986, fez mestrado em Ergonomia e Doutorado em Engenharia de Produção na mesma instituição, buscando preencher o aspecto interdisciplinar da sua especialidade.
Embora conterrânea do professor Cancellier, Edna só o conheceu antes da sua eleição para reitor, quando foi chamada a contribuir com o processo de implantação de uma equipe de Saúde do Trabalhador. “O ambulatório de ST do Hospital Universitário foi criado por iniciativa e incentivo de sua gestão”, reconhece, lembrando que o reitor era entusiasta de projetos que fortalecessem o cuidado com as condições do ambiente do trabalho a fim de evitar casos de doenças psíquicas e emocionais ligadas ao estresse e à depressão. “Ele sempre dizia a nossa equipe da Reitoria: trabalhem, mas preservem sua alegria. O trabalho não pode gerar sofrimento”, conta Maria de Lourdes Borges, secretária de Cultura e Artes da UFSC.
A médica responsável pela notificação (na ponta à direita), ao lado dos gestores da UFSC na assinatura de acordo para implantação do Ambulatório de Saúde do Trabalhador no HU. Foto: Agecom/ UFSC
Com o nexo causal atestado pela autoridade médica, o suicídio do reitor entra para os dados epidemiológicos do Ministério da Saúde como morte provocada por abalo emocional resultante de assédio moral insuportável. Embora já fosse conhecida nos fóruns restritos ao campo da medicina do trabalho, a iniciativa da servidora manteve-se no anonimato até há pouco. Na véspera da realização da “Aula Pública Resistência ao Abuso de Poder e ao Fascismo”, realizada na Universidade Federal de Santa Catarina no dia 27 de novembro, tomei conhecimento da notificação através da assistente social do Fórum da Justiça da Trindade, Maris Tonon, integrante, como eu, do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção. No dia seguinte, ao discursar em nome do Coletivo que promovia o evento, revelei a atitude da médica, que não estava na plateia, mas foi muito aplaudida pelo auditório lotado do Garapuvu, em Florianópolis. Assista ao vivo https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/643048125819068/
Hoje, ao completar dois meses do falecimento de Cancellier, contatei Edna por telefone na cidade de Joinville, onde ministra um curso na área de saúde. Em uma longa conversa, a médica se disse feliz pelo acolhimento de sua iniciativa e desejou que ela se desdobre em outras ações capazes de restabelecer a justiça e a verdade para o professor. Lembrou que as consequências jurídicas ou penais da notificação competem a outras instâncias, mas a tipificação do óbito para que sejam tomadas providências no sentido de evitar novos casos são de sua atribuição. “Ainda que isso não devolva a vida do reitor, é meu dever fazê-lo”.
Como profissional da área, esclarece que agiu em nome da sua obrigação ética e profissional de trazer as causas do óbito à luz dos órgãos públicos responsáveis pela saúde do trabalhador. “São as estatísticas que monitoram as ações na área e geram intervenções capazes de prevenir outros acidentes de trabalho dessa natureza”, explica. Hoje, a cada dez trabalhadores atendidos pelo Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor na UFSC, sete apresentam sintomas de depressão ligados ao falecimento trágico do reitor, segundo informação também da assistente social Maris Tonon. Outros cinco casos de suicídio ocorreram na UFSC após a tragédia, dois deles de estudantes, mas não se pode afirmar que haja relação com a morte de Cancellier porque as circunstâncias e causas ainda estão sendo estudadas.
Responsável também pelas pesquisas em torno dos danos à saúde do trabalhador catarinense provocados pelo Amianto, que determinaram a proibição do seu uso em Santa Catarina, a médica diz que não cabe a ela entrar no mérito da culpa. Revela, contudo, que ficou chocada com a manifestação das associações corporativistas de juízes e delegados ao defenderem a normalidade dos procedimentos abusivos da delegada e da juíza “sem sequer citaram o suicídio como consequência da operação”.
Ao saber pelos Jornalistas Livres da decisão concretizada pela médica, o irmão mais velho do reitor, o professor aposentado do INPE, Antônio Aciolli Cancellier de Olivo, disse que atitudes como a dela confortam a família e encorajam a sua luta por justiça. Afirmou ainda que o nexo causal do óbito relativo ao trabalho é confirmado pelo bilhete encontrado junto ao cadáver do irmão com os dizeres: “Minha morte foi decretada no dia em que fui banido da universidade”. Para o irmão mais novo, o jornalista Júlio Cancellier, a atitude de notificar o óbito como relacionado ao trabalho “é mais um elemento importante para confirmar que Cau foi vítima de atos ilegais, desumanos e cruéis”. E acrescentou: “Já se passaram dois meses de sua morte e nada do que fopi alegado para prendê-lo e bani-lo da universidade foi comprovado”.
Da esquerda para a direita: o irmão Júlio, o filho Mikhail, o irmão mais velho Acioli e o reitor: perda irreparável. Foto: acervo pessoal
Uma fonte da reitoria, que prefere não se identificar, assegura que antes de tomar a decisão de pôr fim à vida, Cancellier recebeu, por canais indiretos, informação do Ministério Público Federal de que seu retorno ao cargo de reitor não seria mais autorizado. Como professor de direito administrativo, nesse momento ele teria compreendido também que não havia condições morais de retornar ao exercício em sala de aula quando era acusado pela massa ignara de um desvio de verbas que sequer ocorrera na sua gestão. Cercado de todos os lados pela mídia, pela Polícia, pela Justiça Federal, o reitor não viu chances para provar sua inocência no pesadelo, digno de um romance de Kafka, no qual fora enredado pelo corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado.
Sem provar nada contra seus indiciados, sem retificar as informações distorcidas que inflamaram o ódio na opinião pública e midiática, sem pedir desculpas aos familiares pela perda traumática de um irmão e de um pai inocente, a “hollywoodiana” operação Ouvidos Moucos conseguiu apenas arrancar do reitor o único bem que ele tinha, além de um apartamento de classe média: seu trabalho e sua vida.
DELEGADA ERIKA MARENA: PROCESSADA E PROMOVIDA
Delegada foi promovida ao cargo de superintendente da Polícia Federal de Sergipe, uma “premiação” ambígua, típica dos aparatos de repressão brasileiros historicamente negados ao reconhecimento dos seus crimes
A notificação do suicídio do reitor como acidente do trabalho traz um instrumento jurídico fundamental para os processos futuros ou vigentes de responsabilização da União por essa morte e pelos danos irreparáveis causados pela perda à família e à comunidade universitária. Exemplo disso é a denúncia apresentada no dia 31 de outubro pela família ao Ministério da Justiça contra a delegada federal Érika Mialik Marena requerendo a instauração de inquérito para apurar sua responsabilização administrativa, cível e criminal pelos episódios de abuso de poder que levaram ao suicídio do reitor, conforme anunciado com exclusividade pelos Jornalistas Livres. https://jornalistaslivres.org/2017/11/dossie-exclusivo-2-postagens-inveridicas-que-levaram-ao-linchamento-publico-do-reitor-da-ufsc-continuam-nas-paginas-oficiais-da-pf/
Entregue ao ministro Torquato Jardim, a denúncia também alega violação da lei do sigilo de operações policiais antes da sua conclusão, argumentando que ao convocar a mídia para cobrir a prisão, a delegada feriu o dever de proteção à imagem de um cidadão que não era sequer investigado ou citado no processo e jamais havia respondido a um processo administrativo em sua carreira. Conforme a carta-denúncia, a delegada descumpriu a própria determinação da juíza Janaína Cassol, que autorizou o pedido de prisão sob a condição de que a imagem da universidade e dos envolvidos fosse resguardada e que o sigilo da operação fosse mantido até a sua conclusão.
Aula Pública na UFSC reúne mais de mil pessoas contra o Estado de Exceção no dia 27/11. Foto: Henrique Almeida Agecom/UFSC
Até agora, o irmão Acioli Cancellier, que assina a representação, bem como os advogados da família, não receberam resposta do Ministério da Justiça. Ao contrário, no dia 28 último, a ex-coordenadora da Lava-Jato em Curitiba foi nomeada ao cargo de superintendente da Polícia Federal do Estado do Sergipe pelo novo diretor geral da PF, Fernando Segóvia, o que configura uma “premiação” ambígua, típica dos aparatos de repressão brasileiros historicamente negados ao reconhecimento dos seus erros e crimes perante as vítimas.
“Estão gozando com a nossa cara, ou pior, com este gesto, o novo diretor da Polícia Federal está dando uma tapa na cara da sociedade”, afirmou Aciolli Cancellier em carta enviada aos Jornalistas Livres, na qual considerou um deboche a nomeação da delegada ao cargo de superintendente do Sergipe. “Que eu saiba, servidores públicos que estejam submetidos a sindicâncias ou processos administrativos disciplinares, nem férias podem gozar. E ela foi promovida”. (Ver a respeito artigo do Regime Jurídico Único que rege a questão no funcionalismo público: Decreto nº 59.310 de 23 de Setembro de 1966). Júlio Cancellier afirmou que apesar da nomeação de Érika Marena, o caso não vai cair no esquecimento. “O Ministério da Justiça já mandou investigar a operação”. Os advogados que apoiam a família também estudam outras ações, segundo ele. Além do requerimento para apurar sua responsabilidade no Ministério da Justiça, a delegada é alvo de investigação na Corregedoria da Polícia Federal.
Ao mesmo tempo em que recebe uma “promoção”, a delegada também é afastada do foco do escândalo na Superintendência da PF em Santa Catarina, onde os desastres de sua atuação conseguem ser unanimidade entre os setores de esquerda e os que apoiaram o impeachment de Dilma. É o caso do procurador geral do Estado, João dos Passos Martins, que condenou a prisão do reitor como uma afronta ao Estado de Direito, e emitiu nota pública se manifestando pela punição dos agentes responsáveis. “Limitar o poder é condição básica da democracia e do direito”, afirmou durante a Aula Pública.
Atualização: No dia seguinte ao fechamento desta edição, o Estadão publicou, em reportagem que cita o trabalho dos Jornalistas Livres no caso, informação de que a “petição foi processada e tramita na forma de processo administrativo, atualmente na Polícia Federal”. O repórter Luiz Maklouf Carvalho acrescenta ainda: “Na PF, segundo o Ministério da Justiça, a corregedoria abriu procedimento para verificar a notícia-crime descrita na petição da família. O procedimento está sendo analisado pelo Núcleo de Polícia Judiciária. Ao fim da análise, que está em fase de execução, haverá um parecer sobre a existência do crime. A depender do que diga o parecer, abre-se um inquérito sobre a delegada”.
Presidente da Associação Kantiana Brasileira, Maria Borges: “A prisão do reitor com requintes de crueldade pode ser analisada à luz do mal no direito”. Foto: Raquel Wandelli
REQUINTES DE CRUELDADE
A violência de Estado contra o reitor pode ser analisada sob a ótica do mal no Direito, argumentou a filósofa Maria de Lourdes Borges, ao falar sobre seus projetos futuros de investigação durante a defesa do seu Memorial para o cargo de professora titular do Curso de Filosofia da UFSC, no dia 29 de novembro. Presidente da Associação Brasileira de Filosofia Kantiana e especialista em Hegel, a professora afirmou que podem ser vistos como requintes de crueldade a prisão espetacularizada por mais de cem agentes da Polícia Federal; o fato de um cidadão desarmado e sem antecedentes criminais ter sido algemado nas mãos e acorrentados nos pés, submetido a revista íntima, despido e humilhado durante duas horas em frente aos outros presos e encarcerado num presídio de segurança máxima, sem a constituição de denúncia e sem o direito à defesa. Esses fatos abusivos indicam, segundo ela, o exercício do mal pelos aparatos policiais e pelo sistema jurídico como um todo. https://www.facebook.com/raquelwandelli/videos/1556866457739067/
Agasalhando sem nenhum cuidado acusações de que estava atrapalhando as investigações imputadas pelo corregedor Hickel do Prado (que, ao contrário do seu acusado, apresentava antecedentes por crime de calúnia e difamação), a Polícia e a Justiça Federal trataram um homem de ficha limpa como prisioneiro de guerra. Essa figura analisada pela filosofia do direito refere-se ao sujeito animalizado e judaizado diante da opinião pública, cegada e incitada ao ódio pelo poder. Em nome da necessidade do coliseu de satisfazer sua fome de violência, toda injúria física e tortura psicológica contra o prisioneiro pode ser legitimada. Não apenas a supressão dos seus direitos, mas a violação do seu corpo e da sua dignidade.
Nota do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção
Pela apuração imediata das responsabilidades civis e criminais: há dois meses morria o professor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, vítima de abuso de poder!
Mais de dois meses depois da espetaculosa operação “Ouvidos moucos”, protagonizada pelos agentes públicos Polícia Federal e Ministério Público Federal, sob a chancela da Justiça Federal, e precisamente 60 dias após a morte do professor Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, um silêncio cúmplice e profundo das autoridades públicas do estado se faz sentir, na comunidade universitária e sociedade em geral.
Prevalece até aqui a impunidade e nenhuma ação concreta de apuração e investigação de responsabilidades foi instaurada contra os agentes do fascismo. Ademais, outros cinco professores e um técnico-administrativo continuam banidos da UFSC: Marcos Baptista Lopez Dalmau, Gilberto de Oliveira Moritz, Rogério da Silva Nunes, Eduardo Lobo e Marcio Santos (professores); Roberto Moritz da Nova (funcionário da FAPEU). Todos tiveram suas vidas expostas e foram julgados e condenados pelo tribunal da mídia tradicional, parceira e cúmplice, desde as primeiras horas da manhã, da PF, MPF e Justiça Federal.
O Coletivo Floripa contra o Estado de Exceção vem à público exigir que as autoridades constituídas de Santa Catarina, a saber o governo estadual e os deputados estaduais, ajam no sentido de instaurar o devido processo legal de apuração de responsabilidades das autoridades envolvidas no flagrante abuso de autoridade e ruptura do Estado Democrático de Direito.
Na Sessão Solene fúnebre do Conselho Universitário da UFSC do dia 03 de outubro, o governador em exercício, Eduardo Pinho Moreira, assumiu como posição oficial a nota emitida pelo Procurador Geral do Estado, João Martins dos Passos Neto: “Por isso, respeitado o devido processo legal, é indispensável a apuração das responsabilidades civis, criminais e administrativas das autoridades policiais e judiciárias envolvidas”.
Em recente Sessão na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), em homenagem ao reitor morto, o desembargador e professor da UFSC, Lédio Rosa de Andrade, também cobrou uma posição do Executivo estadual e do próprio parlamento catarinense. É preciso investigar quem autorizou a transferência do reitor e dos demais presos da Superintendência da Polícia Federal para o Presídio de Florianópolis, no qual foram submetidos a toda sorte de humilhações. Qual autoridade autorizou a entrada do professor Cancellier e dos demais presos no sistema prisional de SC? É sempre bom lembrar: a “espetacular” e desastrada operação mobilizou 105 policiais para prender seis professores e um técnico-administrativo da UFSC. A PF os chamou, leviana e irresponsavelmente, de “quadrilha”, que havia “desviado R$ 80 milhões do programa de ensino à distância”. Uma mentira que o site da Polícia Federal mantinha no ar, até dias atrás, porque na verdade esse era o montante do programa em mais de 10 anos. O suposto desvio, ainda sob investigação, teria sido, algo entre R$ 300 a R$ 500 mil, em período anterior à gestão de Cancellier.
Enquanto a comunidade universitária e a sociedade aguardam providências concretas do governo de SC e da Assembleia Legislativa, num gesto de escárnio, a delegada responsável pela tal operação é “severamente promovida” para o cargo de Superintendente da Polícia Federal, no estado de Sergipe. É mais uma agressão vil aos familiares, amigos, colegas de profissão que continuam a luta em defesa da Autonomia Universitária e do Estado Democrático de Direito.
Contra todo tipo de golpe e perda de direitos!
Pela aprovação urgente da Lei Cancellier de Abuso de Autoridade na Câmara Federal!
Pelo absoluto respeito aos Direitos Individuais e Coletivos assegurados na Constituição!
Em defesa da UFSC, da Autonomia Universitária, da Soberania Nacional e do Estado Democrático de Direito!
Não ao Estado de Exceção!
Florianópolis (SC), 02 de dezembro de 2017.
Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção
Aula Pública na UFSC “Resistência ao Aubso de Poder e ao Fascismo” marcou os dois meses de morte trágica do reitor. Foto: Henrique Almeida da Agecom/UFSC