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Tag: Sônia Guajajara

  • Como adiar o fim da razão?

    Como adiar o fim da razão?

    Em 1537, o Papa Paulo III, emitiu a Bula Sublimis Deus, percebendo que algo não ia bem na relação espúria com os povos das terras recém ocupadas nas Américas. Reconheceu o Papa que índio era gente e que deviam legitimamente gozar de sua liberdade.

    Em 2020, o presidente do Brasil diz que o índio é cada vez mais ser humano. Curioso, não era até então?  Me faz refletir, como na Terra plana, se pensam os comandantes que nem todos são gente assim como eu, você, aquele.

     

    A líder indígena, Sônia Guajajara, ser humano, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, diz que irá à justiça por crime de racismo por parte de Jair  Bolsonaro. O presidente demonstra desconhecer a Constituição, diante dos achiques que constantemente faz com os povos indígenas e toda diversidade cultural da nação.

    Tuíra Kayapó e Sônia Guajajara

    O presidente se diz religioso, próximo aos cristãos. Creio que sim, vi imagem dele até  sendo batizado nas águas do Rio Jordão. Como ocorre então tal pensamento, pensar que alguns são menos humanos?

     

    Assinou o Papa a Bula Sublimis, em 1537: nós, que, embora indignos, exercemos sobre a terra o poder de nosso Senhor e buscamos com todas as nossas forças recolher as ovelhas dispersas de seu rebanho no aprisco a nós confiado, consideramos, no entanto, que os índios são verdadeiramente homens e que eles não só são capazes de compreender a fé católica, como, segundo nos informaram, anseiam sobremaneira recebê-la. Desejosos de prover amplo remédio para estes males, definimos e declaramos pela presente Encíclica, ou por qualquer sua tradução assinada por qualquer notário público e selada com o selo de qualquer mandatário eclesiástico, a quem se deve dar os mesmos créditos que às autoridades originais, que, não obstante o que quer que se tenha dito ou se diga em contrário, os ditos índios e todos os outros povos que venham a ser descobertos pelos cristãos, não devem em absoluto ser privados de sua liberdade ou da posse de suas propriedades, ainda que sejam alheios à fé de Jesus Cristo; e que eles devem livre e legitimamente gozar de sua liberdade e da posse de sua propriedade; e não devem de modo algum ser escravizados; e se o contrário vier a acontecer, tais atos devem ser considerados nulos e sem efeito.

     

     

    imagens por helio carlos mello©

  • Terra, território e juventude

    Terra, território e juventude

     

    O mapa da América parece a garça que padece enrolada no plástico, entre lixo condenada, na imagem que vejo numa revista americana. A noção da vida sofre tantos deslizes nesses tempos de maluco comando.

     

    Poucos governos querem entender o espaço do outro, respeitar seus territórios e bem viver. Por mais que o sistema valorize a propriedade privada de seus comandantes, pouco se importa com a terra que os pés pisam. Não lhe interessa os pés dos homens ou o chão que a juventude necessita para os seus.

    Se há coisa de que gosto é vagar no espaço virtual das imagens dos satélites. Sem sair do lugar, percorro o mundo todo, passo pelos mares sem me molhar, rompo furacões e tempestades sem nada temer. Vejo as matas verdes virando terra vermelha, desertos de areia e rios turvos. Nada abala minhas rotas, mas há desassossego a cada passeio que dou.

    Não me envolvo em pendengas de ministros e capitães que negam que o mato cai a cada dia, dizendo que meus satélites mentem.

     

    Mentem aqueles que não veem por onde pisam, dormem em galhofas. Mentem aqueles que dizem que há poucos índios na terra ampla de nossas reservas, patrimônio de cada ser que nasce e respira. Guardam.

    Cito um estudo, saber que os forasteiros da ciência renegam:

     

    Cerca de 60% dos 509 milhões de hectares de propriedades rurais no Brasil, cadastradas no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) do INCRA em 2013, estão concentrados em menos de 2,5% dos imóveis rurais. Em estados como o Mato Grosso do Sul, onde o conflito entre indígenas e produtores rurais tem se exacerbado, a área total de imóveis rurais cadastrada somava mais de 33 milhões de hectares, ocupando 94,21% do território do estado. No entanto, essa área está concentrada em um número pequeno de propriedades. Cerca de 17% dos imóveis rurais do estado acumulam mais de 27 milhões de hectares, o equivalente a 80% de toda a área. (Muita terra para pouco índio? ISA-Instituto Socioambiental).

     

    Lembro-me também de minha magna carta, também sua, papéis nobres que a todos aquecem, embrulham e nos presenteiam:

     

    Constituição Federal

    Título VIII    

    Da Ordem Social

    Capítulo VIII    

    Dos Índios

     

     

     

     

     

     

     

     

    Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

    • São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
    • As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
    • O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
    • As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
    • É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
    • São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

     

     

    Imagens por Helio Carlos Mello©

  • Em assembléia, povo Terena diz “não devemos temer os puxarará!”

    Em assembléia, povo Terena diz “não devemos temer os puxarará!”

    Entre os dias 08 e 11 de maio, lideranças indígenas se reuniram na Aldeia Ipegue, no Mato Grosso do Sul. A XIII Assembleia Terena reuniu cerca de 800 lideranças indígenas como caciques, líderes de retomadas, mulheres, anciões e juventude, de diferentes povos; além dos Terena, participaram os Guarani Kaiowá, Kinikinau, Kadiwéu, Guató, Guajajara, Kaigang, Xukuru e Xakriabá.

    Foi um encontro de reafirmação da resistência dos povos indígenas contra os ataques promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro.

    Na língua Terena, “puxarará” é sinônimo de homem branco colonizador e opressor, personificado, nos dias de hoje, na figura de Bolsonaro e seus apoiadores. Para o povo Terena, é hora de enfrentamento, de ocupação de todos os espaçõs de poder pelos povos indígenas, seja nas universidades, no Congresso Nacional, ministérios, secretarias estaduais ou municipais.

    Os Jornalistas Livres acompanharam a Assembleia Terena, que também contou com a participação de grandes lideranças, como Joênia Wapichana (primeira mulher indígena eleita deputada federal) e Sônia Guajajara, primeira mulher indígena a concorrer à presidência da república, além de personalidades apoiadoras da causa indígena, como a cantora Maria Gadu.

    Confira, a seguir, a galeria de imagens do encontro, e a carta produzida durante a assembleia.

     

    Fotos: Leonardo Milano

    Carta de Ipegue: documento final da 13º Assembleia Terena

    “ […] antigamente, quando puxarará falava, tínhamos que ficar quietinhos, pois quem retruca o trovão? Mas hoje não! Puxarará falou, nós respondemos a altura, seja no Congresso Nacional, no Judiciário e na instância do Executivo”.

    O Conselho do Povo Terena, organização tradicional base da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), reunido na aldeia Ipegue, por ocasião da 13º Hanaiti Hó`únevo Têrenoe, entre os dias 08 a 11 de maio de 2019, juntamente com representantes dos povos Guarani Kaiowá, Kadiwéu, Kinikinau, Guató, Guajajara, Xukuru, Kaigang e Xakriabá, vem expressar o compromisso de luta pelo bem viver da humanidade e oferecer a sociedade envolvente a oportunidade de construirmos juntos, um mundo baseado no respeito aos modos de vida de cada um e à Mãe Terra. Nos últimos anos, nós lideranças indígenas temos feito o enfrentamento necessário para defender as nossas vidas e o direito de viver em nossos territórios tradicionais, de acordo com nossas cosmovisões e modo próprio de ver e entender o mundo.
    Chegamos a nossa 13º Assembleia Terena, até aqui foi um caminho difícil, trilhado em torno da luta pela terra. Muitas lideranças que estavam na largada inicial não estão mais, muitos foram perseguidos pelo processo de criminalização instrumentalizado pelas vias estatais, outros, tombaram na luta, derramando seu sangue na terra sagrada e outros tantos, foram cooptados pelo governo. Passamos pelo governo dito de esquerda, que se entregou ao capital; resistimos ao governo golpista, que rifou nossos direitos ao agronegócio; e agora estamos prontos, para fazer a resistência qualificada, ante ao governo de extrema direita de Bolsonaro, anti-indígena, racista e autoritário.
    Desde o primeiro dia deste ano, nós povos indígenas temos sofrido intensos retrocessos no que tange aos nossos direitos, mas também, desde o primeiro momento estamos resistindo, no campo ou na cidade, portanto, a retomada dos nossos direitos usurpados é medida que se impõe. Os povos indígenas têm muito a ensinar à sociedade envolvente, pois diariamente estamos dando exemplo de participação política e exercício ativo da cidadania cultural.
    A Constituição Federal de 1988 consagrou a natureza pluriétnica do Estado brasileiro. No entanto, vivemos o cenário mais grave de ataques aos nossos direitos desde a redemocratização do país. O governo Bolsonaro decidiu pela falência da política indigenista, mediante o desmonte deliberado e a instrumentalização política das instituições e das ações que o Poder Público tem o dever de garantir. Além dos ataques às nossas vidas, culturas e territórios, repudiamos os ataques orquestrados pela Frente Parlamentar Agropecuária contra a Mãe Natureza.
    Diante disso, nós, cerca de 800 lideranças indígenas, exigimos das instâncias de poder do Estado o atendimento das seguintes reivindicações:
    • A conclusão das demarcações de todas as terras Terena, Guarani Kaiowá e Kinikinau, conforme determina a Constituição brasileira e estabelece o Decreto 1775/96, bem como a expulsão de todos os posseiros invasores da terra indígena Kadiwéu. A demarcação dos nossos territórios é fundamental para garantir a reprodução física e cultural dos nossos povos, ao mesmo tempo que é estratégica para a conservação do meio ambiente, da biodiversidade e para a superação da crise climática. Exigimos a adoção de ações emergenciais e estruturantes, por parte dos órgãos públicos responsáveis, com o propósito de conter e eliminar a onda crescente de invasões, loteamentos, desmatamentos, arrendamentos e violências, práticas ilegais e criminosas que configuram uma nova fase de esbulho das nossas terras, que atentam contra o nosso direito de usufruto exclusivo.
    • Revogação do Parecer 001/2017/GAB/CGU/AGU, da Advocacia Geral da União.

    • Manutenção do Subsistema de Saúde Indígena do SUS, que é de responsabilidade federal, com o fortalecimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a garantia da participação e do controle social efetivo e autônomo dos nossos povos e as condições necessárias para realização da VI Conferência Nacional de Saúde Indígena. Reiteramos a nossa posição contrária a quaisquer tentativas de municipalizar ou estadualizar o atendimento à saúde dos nossos povos.
    • Efetivação da política de educação escolar indígena diferenciada e com qualidade, assegurando a implementação das 25 propostas da segunda Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena e dos territórios etnoeducacionais. Recompor as condições e espaços institucionais, a exemplo da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena, na estrutura administrativa do Ministério da Educação para assegurar a nossa incidência na formulação da política de educação escolar indígena e no atendimento das nossas demandas que envolvem, por exemplo, a melhoria da infraestrutura das escolas indígenas, a formação e contratação dos professores indígenas, a elaboração de material didático diferenciado.
    • Fim da violência, da criminalização e discriminação contra os nossos povos e lideranças, praticadas inclusive por agentes públicos, assegurando a punição dos responsáveis, a reparação dos danos causados e comprometimento das instâncias de governo na proteção das nossas vidas.
    • Ao Congresso Nacional, exigimos o arquivamento de todas as iniciativas legislativas anti-indígenas, tais como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00 e os Projetos de Lei (PL) 1610/96, PL 6818/13 e PL 490/17, voltadas a suprimir os nossos direitos fundamentais: o nosso direito à diferença, aos nossos usos, costumes, línguas, crenças e tradições, o direito originário e o usufruto exclusivo às terras que tradicionalmente ocupamos.
    • Ao Supremo Tribunal Federal (STF), reivindicamos não permitir nem legitimar nenhuma reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras tradicionais. Esperamos que, no julgamento do Mandado de Segurança (MS) n. 34. 201, relacionado a Terra Indígena Taunay-Ipegue; no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) n. 1137139, relacionado a Terra Indígena Buriti e no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) n. 803.462, relacionado a Terra Indígena Limão Verde, o STF reafirme a interpretação da Constituição brasileira de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário) e que exclua, em definitivo, qualquer possibilidade de acolhida da tese do Fato Indígena (Marco Temporal).
    Reafirmamos nosso compromisso de continuar lutando pela terra, pois a luta pela mãe terra é a mãe de todas as lutas.
    Reafirmamos nosso compromisso de continuar integrando a Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib), constituindo assim, organização tradicional indígena base da Apib.

    Deliberações do Conselho Terena:

    • Fica decidido que a próxima Assembleia Terena será realizada na Retomada Nova Esperança, Terra Indígena Pilad Rebuá, município de Miranda, no ano de 2020;
    • Fica encaminhada a participação da Comissão de Mulheres Terena na Marcha das Margaridas, em agosto de 2019;
    • Fica encaminhado a realização do Encontro da Juventude Terena, na Aldeia Limão Verde, no segundo semestre de 2019;
    • Fica encaminhado a constituição de Comissão Terena para discutir a participação indígena na política;
    • Fica autorizado o ingresso do Conselho Terena como Amicus Curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6062 (ADI 6062), em trâmite no Supremo Tribunal Federal;
    • Fica autorizada, a expedição de ofícios à Funai, ao MPF e a DPU solicitando a adoção de medidas no que tange a demarcação das terras Pilad Rebuá, Nioaque e Lalima;
    • Fica encaminhado, a realização de oficinas de formação jurídica e política, a ser executado pelo Núcleo de Defesa e Assessoria Jurídica Popular;
    • Fica encaminhado, a expedição de ofícios ao MPF e DPU solicitando a adoção de providência referente ao transporte de acadêmicos indígenas do município de Miranda e a manutenção de bolsas permanência dos acadêmicos indígenas da Terra Indígena Taunay-Ipegue;
    • Fica encaminhado, a expedição de ofícios ao MPF solicitando a adoção de providências referente ao assento destinado ao Conselho Terena no Condisi-MS;
    10. Fica encaminhado a realização do Fórum Estadual de Educação Escolar Indígena, que será realizada no mês de agosto, na Cachoerinha T.I Cachoerinha, Miranda;
    11. Fica encaminhado, a designação de um (a) Terena para exercer o cargo de coordenador (a) na educação escolar indígena no Município de Aquidauana pasta da Semed.

    Povo Terena,
    Povo que se levanta!!

    Aldeia Ipegue, 11 de maio de 2019.

    Conselho do Povo Terena

    Articulação dos Povos Indígenas do Brasil –APIB