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  • Pai, caminhoneiro, herói!

    Pai, caminhoneiro, herói!

    Por Stéfanni Meneguesso Mota, especial para os Jornalistas Livres

     

    Era 1995, uma operária metalúrgica e um caminhoneiro começavam uma família, em uma casa de dois cômodos e um banheiro na periferia da Grande São Paulo. Ali começava a história da Stéfanni, esta mesma que agora, como uma jornalista formada, escreve para vcês para contar como foi ser criada pela potência de uma sindicalista e o carinho de um caminhoneiro dentro de uma boleia.

    Esta é com meu pai e irmã no trancamento na Anchieta, no domingo, 27/5

    É domingo à noite, dia 27 de maio, 9 dias após o início da paralisação dos caminhoneiros contra o aumento abusivo do combustível, sobretudo do diesel. Pego uma carona para me encontrar com meu pai, no km 23 da Rodovia Anchieta.  Uma fila de caminhões no acostamento, os grevistas fizeram fogueiras para segurar o frio. “Comprei umas pizzas aqui, quem quiser é só chegar” grita um deles, provavelmente um dos caminhoneiros de São Bernardo do Campo, cidade de muitas montadoras e transportadoras.

    Travar a Rodovia na cidade em que se mora e trabalha é difícil. Cortar o transporte de combustível mexe diretamente na economia e vida cotidiana do povo, mas também dificulta a mobilidade do próprio movimento, que se segura na coletividade. Quem pode traz pão com manteiga, água, comida. “Seu padrinho conseguiu um ônibus pra levar o pessoal pra ir usar um banheiro, tomar um banho”, meu pai me conta ao me ver chegar.

    Olhei para os lados e num breu não vi patrões ou empresários. Vi homens, trabalhadores em uma das profissões mais insalubres de que tenho conhecimento cruzando os braços em uma greve tão legítima quanto qualquer outra. Veio em minha cabeça um filme do que levou aqueles homens àquele momento, um roteiro que se confunde com a história de meu próprio pai.

    Claudio começou a dirigir muito cedo. Ainda menor de idade, aprendeu o ofício com seu próprio pai e outros caminhoneiros amigos. Na raça. Aos 17 anos foi emancipado, depois que meu avô sofreu um acidente. Passou a ser responsável pelo sustento dos pais e três irmãos mais novos. Quando nasci, a casa tinha um único fogão portátil de duas bocas, que meu pai levava com ele para cozinhar na estrada, nas longas viagens levando carros para a Argentina.

    O frete pequeno não permitia comer na estrada. Minha mãe, muito guerreira, comia na fábrica e eu comia na creche. Na volta pra casa, sobrava saudade, mas o que trazia no bolso não pagava as contas. Nos anos de governo progressista, meu pai passou a transportar carros em território nacional, o frete melhorou, mas não houve rompimento com a rotina insalubre. Além do óleo diesel, o pedágio e os gastos com manutenção também aumentaram, as estradas continuaram péssimas e perigosas.

    Para fechar com saldo positivo no fim do mês, continuava necessário rodar por dias a fio sem dormir. Por falar nisso, você consegue pensar em outra profissão que obrigue o trabalhador a se drogar para ficar acordado e produzir à exaustão?

    Ninguém me contou, eu vi e vivi tudo isso em 23 anos acompanhando meu pai em suas viagens nos fins de semana, enquanto minha mãe fazia hora extra na fábrica. Depois da escola, eu ia para a casa da minha avó que cuidava de mim até minha mãe chegar, então ele me ligava: “Alô, o pai pegou carga! Quer ir comigo ou ficar na Vó?”. Daí era uma listinha de tarefas que eu conhecia bem: ligar para a minha mãe e avisar, pedir a minha avó que me levasse em casa para fazer uma malinha com roupas para o fim de semana, esperar pelo meu pai que chegava lá pelas 21h.

    Era pegar a carga na sexta, para rodar centenas de quilômetros parando só para descarregar. Passávamos a noite acordados, ao som de música sertaneja, Elvis Presley e Balão Mágico. “Filha, separa 10 reais”, e eu sabia que estávamos chegando a outro pedágio. Sempre que tinha sede, era eu quem lhe dava água. Eu tinha 7 anos e era tratada por ele com muito carinho e respeito. Tínhamos longas conversas na noite escura da rodovia, o assunto não acabava nunca. Garça, Pompéia, Marília, Presidente Prudente, Osvaldo Cruz, Dracena…

    Sempre que o caminhão parava para descarregar, eu separava as notas e levava as chaves dos carros, pulava do caminhão e pedia insistentemente para ser seu chapa. Então ele me deixava dobrar e guardar as cintas que amarravam os carros à carreta. Quando não fazia hora extra, minha mãe nos acompanhava e a viagem era melhor.

    À dir. está o meu pai, numa greve em S.Bernardo; vê-se que ele tem uma marca de bala de borracha nas costas

    Lembro que um dia antes de ir pra escola minha mãe me chamou. “Tá tudo bem, mas seu pai sofreu um acidente.” Durante a aula, eu não conseguia parar de pensar no que poderia ter acontecido. À noite ele chegou em casa. Só tinha machucado a mão, mas os custos para consertar o caminhão tombado sairiam do bolso dele. Foram meses de aperto. Também me lembro de estar na casa da minha avó, quando meu pai chegou em casa sem camisa, com um machucado grande nas costas. “Isso é tiro de borracha mãe, não é nada”, mas era alguma coisa sim. Meu pai tem marcada na pele a prova de que a polícia nem sempre foi pacífica com caminhoneiros grevistas.

    Em 2018, meu pai completa 34 anos de estrada, rodando sobre 5 eixos que custam caro por um frete que só consigo chamar de injusto, mesmo sendo um dos melhores do seguimento. Trabalhando por noites a fio, meu pai não concluiu o ensino médio, não esteve presente em todas as fases de minha vida e perdeu boa parte do crescimento de minha irmã mais nova. Mas rodou da Bahia até São Paulo sem parar, para estar presente no dia 4 de dezembro de 2017, o dia da apresentação do meu trabalho de conclusão de curso. Aquela foi a primeira vez que meu pai pisou numa faculdade e foi para ver sua filha conquistar o primeiro diploma universitário da família. Costumo dizer que, colocando em números eu fiz 30% do esforço, todo o resto foi trabalho duro dos meus pais.

    Por tudo isso, mesmo tendo uma posição político-ideológica que me impede de levantar algumas das bandeiras daqueles caminhoneiros, tenho por eles um profundo respeito. Nutro uma admiração enorme por estes homens e mulheres que, sem um sindicato organizado para defender seus direitos, organizaram uma série de paralisações e trancamentos, usando a força da comunicação de motorista para motorista. A luta dos caminhoneiros está longe de acabar, pois é grande, é importante e é solitária. Não é só pela redução do preço do diesel, mas é também por mais segurança, postos de parada, direitos trabalhistas e condições para cumprir a lei. A luta é minha e de cada filha de caminhoneiro, para que possamos saber que nossos pais voltarão para casa e nos verão crescer, estarão lá nos nossos primeiros passos, aniversários e diplomas também.

     

    Leia mais informações sobre a greve dos caminhoneiros no link

     

     

  • A SOLIDARIEDADE E O MENINO DA MANGUEIRA

    A SOLIDARIEDADE E O MENINO DA MANGUEIRA

    Todos já devem saber que a Feijoada e a apresentação do samba na quadra da Mangueira foram canceladas.

    Apesar da triste notícia, a diretoria da Mangueira resolveu distribuir para a comunidade do Morro toda a feijoada que foi preparada pra a festa que aconteceria hoje em sua quadra, na apresentação da cantora Alcione e segmentos da escola. O motivo foi um forte tiroteio que ocorreu no Morro.

    Me chamou atenção o Depoimento do Romário Souza, presidente da torcida organizada da Mangueira.

    Não teve feijoada, mais sobrou emoção.

    Assim relatou o Romário responsável pela torcida organizada da Estação Primeira de Mangueira:

    Como não teve feijoada a Escola liberou a feijoada pra comunidade comer, estava eu na fila e tinha muitas crianças, e uma no meio de muitas me chamou atenção… Um menino aparentemente de 8 anos de idade fez a pergunta: “Tio, feijoada é bom?” Prontamente respondi que sim e perguntei se ele nunca tinha comido e ele disse que não, e vendo aquela fila olhei e me perguntei quantos também não têm essa oportunidade de comer uma feijoada. Não, não teve feijoada. Foi um prejuízo enorme pra escola, mas, pra inúmeras pessoas, foi a comida que salvou o seu dia.

    Essa é a IMAGEM que uma ESCOLA DE SAMBA deve ter. Muito provável que em outros lugares essa comida fosse toda para o lixo. Ela teve custos e ninguém gosta de perder. Mas ganha que sabe ser solidário. Decerto, a COMUNIDADE DA MANGUEIRA retribuirá muito mais do que ela já faz.

    “As pessoas que se preocupam com o bem estar do próximo mostram que a solidariedade enriquece suas almas e as faz mensageiras da alegria.”

    SALVE A ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA ??

     

    Leia a nota oficial da Mangueira, sobre o cancelamento da feijoada e do ensaio da escola:

    “A diretoria da Estação Primeira de Mangueira vem informar ao público frequentador do Palácio do Samba, que devido à falta de segurança na região, que no dia de hoje fechou o Jardim Zoológico da Quinta da Boa Vista e vias de acesso, causando grande transtorno à população, optamos por cancelar o Ensaio Show deste sábado, 13 de janeiro, que aconteceria a partir das 22h no Palácio do Samba.
    Confirmamos a realização do Ensaio de Rua, amanhã, domingo, 19h na Av. Estação Primeira de Mangueira, ao lado do metrô Maracanã e o Ensaio Show no próximo sábado, dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião padroeiro da cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Que Ele possa nos abençoar com paz e segurança!
    Gratos pela compreensão de todas e de todos. Saudações mangueirenses.”