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  • Agora com a ajuda do genro de Silvio Santos, brasileiros são levados ao matadouro

    Agora com a ajuda do genro de Silvio Santos, brasileiros são levados ao matadouro

    Por Ricardo Melo*

    O Brasil está no fundo do poço. Não pretendia gastar muito tempo com Bolsonaro, um facínora orgulhoso de sua condição.

    Mas não pode passar sem registro seu ato mais recente: criar um ministério para o genro de Silvio Santos, o tal Fabio Faria.

    Para quem não se lembra, Fabio Faria é aquele mesmo, deputado pilhado pagando passagens com verba parlamentar para namoradas como Adriane Galisteu e família.

    Membro do tal centrão, agora “colega de trabalho” do sogro decrépito e capacho de qualquer governo, Fabio Faria une o inútil ao desagradável aos olhos do povo: engrossa a gangue do capitão no Congresso e fortalece os laços com o dono de uma emissora já conhecida como Sistema Bolsonaro de Televisão. Sim, o SBT, que entrou para a história ao tirar do ar um telejornal de horário nobre para não se indispor com seu patrão do Planalto.

    A patiFaria corre solta.

    Falemos dos governadores e prefeitos que tentaram posar de equilibrados de olho em dividendos eleitorais.

    Não durou muito tempo. Um exemplo. João Dória, o Bolsodória, e seu assecla Bruno Covas vinham fazendo discursos ¨humanitários” até outro dia. Seu repertório esgotou-se tão rápido quanto sua sinceridade.

    São Paulo, assim como o Brasil, vive um momento de ascenso da pandemia. O número de vítimas cresce sem parar. Qualquer aspirante a médico sabe que é hora de reforçar as poucas medidas de defesa à disposição. A única à mão enquanto não se descobre uma vacina é manter as pessoas isoladas e dar a elas condições de sobreviver.

    O que faz Bolsodória? O contrário. Libera geral. Manda abrir tudo obedecendo ao comando de seus tubarões do Lide de sempre. As fotos estampadas nas redes mostram multidões circulando pelas ruas indefesas diante do apetite do coronavírus e dos senhores das bolsas de valores.

    No Rio, a mesma coisa. Assim como Bolsodória, Witzel segue na prática os mantras de quem o elegeu: “E daí”. Ou: “todos vão morrer mesmo. É o destino”. Enquanto isso, faz o que parecia inacreditável. Alimenta uma máquina de corrupção à custa do sofrimento de milhares de brasileiros. Contrata a construção de hospitais a preços hiper super faturados que nunca saíram do papel. Assim acontece em vários outros estados. “Governantes” valem-se da morte do povo para engordar seus cofres particulares.

    Tentei evitar, mas tenho que falar de Bolsonaro novamente. Depois de tentar esconder as mortes e roubar o Bolsa Família, ele e seu capanga preferido, Paulo Guedes, estudam ampliar o prazo da esmola aos desvalidos. Como? Em vez dos trocados de 600 reais que até hoje não chegaram a milhões que morrem de fome, fala-se em… 300 reais!! Faça vc mesmo os cálculos para ver o tamanho do disparate.

    O destino dos países, mais do que nunca, depende da juventude, do povo trabalhador e de governantes responsáveis (a esse respeito, pesquisem no google o nome Jacinda Ardern, da Nova Zelândia. uma sugestão: https://www.brasil247.com/oasis/jacinda-ardern-quando-a-coragem-restaura-a-politica).

    Chega. Não, não pague as dívidas, apenas as indispensáveis que podem te deixar sem luz, água, gás. Peça ajuda aos poucos advogados honestos, cada vez mais raros, é verdade. Procure a parte sadia da OAB. Recorra às organizações populares, aos sindicatos ainda dignos deste nome e, sobretudo, aos coletivos de jornalistas que se libertaram da mídia oficial. Ignore o palavrório dos políticos cínicos, hipócritas e ladrões, seja qual for o partido. E, se puder, fique em casa.

    O Brasil depende dos brasileiros dignos desse nome.

     

    *Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

     

    Leia mais Ricardo Melo em:

     

    Manifestações mostram que Bolsonaro desliza sem volta para o precipício

     

    PANDEMIA: 1% MAIS RICO DO PAÍS NÃO ESTÁ NEM AÍ PARA AS MORTES DOS POBRES

    RICARDO MELO: BRASIL À DERIVA, SALVE-SE QUEM PUDER!

  • A oposição conservadora da mídia da ‘Casa Grande’ e as fake news

    A oposição conservadora da mídia da ‘Casa Grande’ e as fake news

     

    Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

    Por falta de segurança para realizarem seu trabalho, os repórteres das TVs Globo e Band, da Folha de S. Paulo e do portal UOL não vão mais cobrir a entrevista matinal de Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada. A decisão foi tomada por essas empresas, uma vez que o “cercadinho” destinado à imprensa fica colado ao local de onde os apoiadores do “Mito”, alguns extremamente exaltados, ameaçam os jornalistas.
    O próprio Bolsonaro já ameaçou cassar a concessão da TV Globo e cortar a publicidade do governo federal na “Folha”. A cada dia, Bolsonaro vem subindo mais o tom das críticas aos profissionais e aos veículos que divulgam notícias que o desagradam. Enquanto isso, a reação da mídia brasileira, quando acontece, se mantém tímida e circunscrita a alguns poucos assuntos.
    A título de exemplo, enquanto a mídia internacional, há meses, chama Bolsonaro pelo
    que ele realmente é – um presidente fascista que está destruindo o Brasil – aqui, a mídia hegemônica, também conhecida como mídia da “Casa Grande”, insiste em tratá-lo por presidente. A mídia da “Casa Grande”, por exemplo, não faz qualquer menção à eleição fraudada de 2018. Fraudada por fake news e também pelas matérias tendenciosas e distorcidas por ela publicadas ao longo de anos.
    Nas redes sociais e em inúmeros grupos de Whatsapp, as questões envolvendo Bolsonaro e essa mídia estão cada dia mais polarizadas. De um lado, os apoiadores do capitão reformado insistem em afirmar que a Rede Globo e qualquer outro veículo que o critica “é comunista” e, de outro, os que defendem que essa mídia mudou.
    Já em locais sombrios da internet, continuavam sendo produzidas e divulgadas fake news sobre os mais diversos assuntos. Estavam em alta as “fakes” dando como certa a intervenção militar, as que insultavam os ministros do STF e as que desacreditavam a ciência e a quarentena em se tratando do combate ao covid-19.

    Razões que levaram o ministro do STF, Alexandre de Moraes, no âmbito do processo
    aberto naquela Corte em 2019 para investigar o uso de fake news e a disseminação de
    discursos de ódio, ter determinado, na quarta-feira (27/5), a busca e apreensão de
    material junto a 29 suspeitos – entre empresários e blogueiros -, ter quebrado os sigilos
    fiscal e bancário deles (de agosto de 2018 a maio de 2020) e determinado que sete
    parlamentares prestem esclarecimentos.
    Entre os suspeitos que tiveram seus sigilos fiscal e bancário quebrados estão o
    empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan, o dono da rede de academias Smart
    Fit, Edgard Gomes Corona, Wiston Rodrigues, que coordena o Bloco Movimenta Brasil,
    e a blogueira Sara Winter. Os quatro, bolsonaristas de primeira hora. Todos devem ser
    ouvidos pela Polícia Federal nos próximos dias.
    O resultado disso tudo tem sido uma enorme confusão na cabeça do cidadão comum.
    E não é para menos. Daí a importância de se entender esse aparente novo
    posicionamento de parte da mídia corporativa brasileira, o impacto das fake news
    nesse contexto e o que isso tem a ver com os interesses da oposição conservadora.

    Racha das TVs

    Essa é uma das poucas vezes, em mais de três décadas, que as seis famílias que detém concessões de TVs no Brasil (Marinho, Macedo, Santos, Saad, Dallevo Jr. e Carvalho) apresentam divergências e estão rachadas. A Globo, mesmo apoiando a agenda ultraliberal do governo (Estado mínimo, retirada de direitos sociais, privatizações, subserviência aos Estados Unidos) tem sido crítica a determinadas posturas de Bolsonaro em especial agora, no que diz respeito à pandemia. Já as demais têm feito de tudo para se manterem numa boa com o governo.
    O espaço de emissora “chapa branca”, do qual a Globo foi titular durante tanto tempo, passou a ser ocupado pela TV Record, do empresário e autointitulado bispo, Edir Macedo. O apoio explícito de Macedo e de sua igreja a Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018 lhe valeu as boas graças e gordas verbas oficiais desde a posse do ex- capitão. Foi para a Record que Bolsonaro deu a primeira entrevista depois de eleito, desbancando um privilégio sempre concedido à Globo.

    As brigas entre os Marinho e Edir Macedo não são de agora e antes se pautavam mais
    por questões específicas do que por problemas políticos. Os Marinho sempre tiveram
    uma relação espúria com o poder público, e Macedo, uma relação promiscua com a
    Igreja Universal do Reino de Deus. Os ataques que uns faziam aos outros não eram
    mentirosos, mas o problema é que expunham milhares de telespectadores aos interesses privados desses dois grupos, valendo-se de uma concessão pública, como são os canais de TV.
    Essa guerra, onde não há “mocinhos”, acabou chegando à política e tem atingido a Globo e a própria saúde da população brasileira. Um exemplo disso aconteceu com a série que o Jornal Nacional estreou há poucos dias, na qual apresenta depoimentos de médicos e profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao coronavírus no país.

    Em um desses depoimentos, houve uma confusão por parte do JN, ao apontar um dos hospitais no qual uma médica trabalha como não possuindo condições adequadas de atendimento aos pacientes. Foi o que bastou para que a TV Record lançasse críticas à série. Críticas replicadas por muitos internautas como sendo prova de “fraude” e de “mentira” por parte da Globo e que contribuíram para alimentar o submundo das fake news.

    A pressão foi tanta que a Globo, que raramente leva ao ar um “erramos”, em editorial lido por William Bonner, dois dias depois, explicou o que aconteceu e pediu desculpas à médica, ao hospital e aos telespectadores.

    O SBT vem em seguida à Record no quesito apoio ao governo. Como se não bastassem os elogios rasgados (pagos a peso de ouro) que Sílvio Santos tem feito dentro e fora de seu programa a Bolsonaro, no sábado (23/5) ele chegou ao cúmulo de cancelar a edição do principal noticiário de sua emissora, o “SBT Brasil”, depois de ouvir reclamações do governo após a edição do telejornal do dia anterior, quando foi mostrado o execrável vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, aquela onde sobraram palavrões e ameaças e faltou um mínimo de espírito público.

    No lugar do telejornal, sem qualquer aviso prévio de mudança, o SBT exibiu a reprise do programa “Triturando”. A descarada censura empresarial de Sílvio Santos é um caso único mesmo em se tratando da mídia da “Casa Grande” e está sendo criticada até pelas emissoras afiliadas ao SBT, que a consideraram “vergonhosa”.
    Já a TV Bandeirantes e Rede TV vêm alternado elogios e críticas a Bolsonaro, conforme as verbas publicitárias que recebem. Isso ficou nítido na fala do presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, durante a reunião ministerial do dia 22 de abril, em que afirmou que a Band “queria dinheiro”.
    A frase dá a entender que o banco havia recusado um pedido de ajuda da emissora, pois Guimarães emendou dizendo que “acho que a gente tá com um problema de narrativa. Hoje de manhã, por exemplo, o pessoal da Band queria dinheiro. O ponto é o seguinte: vai ou não vai dar dinheiro pra Bandeirantes? Ah, não vai dar dinheiro pra Bandeirantes? Passei meia hora levando porrada, mas repliquei”.
    Considerado porta-voz informal de Bolsonaro, o apresentador do programa policialesco “Brasil Urgente”, José Luiz Datena, de maior audiência na Band, reagiu com indignação e criticou as palavras do presidente da Caixa. Chegou mesmo a anunciar que “nunca mais” entrevistaria Bolsonaro, atitude que, para muitos, não passou de jogo de cena, certo de que os brasileiros têm memória curta.

    Dos veículos da “Casa Grande”, apenas a Folha de S. Paulo, durante a campanha eleitoral de 2018, com uma série de reportagens de Patrícia Campos Mello, chegou a fazer críticas ao processo. A série dava conta de que dezenas de empresários brasileiros, que apoiavam Bolsonaro e haviam comprado pacotes de disparos de mensagens contra o PT no WhatsApp às vésperas do primeiro turno, se preparavam para repetir a prática no segundo turno das eleições. A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, o que é vedado pela legislação eleitoral. Some-se a isso que o conteúdo dessas mensagens era mentiroso. O que constitui crime.

    A grave denúncia da “Folha” acabou caindo no vazio, pois não teve repercussão nos
    demais jornais como Globo e Estado de S. Paulo e menos ainda nas TVs. O próprio
    Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que havia se comprometido publicamente a combater
    e punir as fake news durante as eleições, não tomou qualquer providência.
    Os chamados “jornalões” que tanto combateram os governos petistas, por sua vez, foram unânimes ao apoiar a retirada de direitos da população brasileira, a exemplo das reformas Trabalhista e da Previdência, nos governos Temer e Bolsonaro, apresentadas por eles como “fundamentais e necessárias” para a “geração de empregos e retomada do crescimento”.
    Esses mesmos jornais, na maioria das vezes, fizeram vistas grossas não só às declarações como as próprias ações do governo Bolsonaro no que diz respeito à destruição da Amazônia, à perseguição aos índios, mulheres, negros, LGBTs, professores, artistas, cientistas, aposentados e funcionários públicos. Perseguição às quais se somam agora as contra governadores e prefeitos que criticam Bolsonaro e resistem ao “retorno às atividades normais” em plena pandemia. O que esses jornais e a própria Globo não imaginavam é que poderiam ser a próxima vítima.
    Como a perseguição chegou também a alguns veículos da “Casa Grande”, era de se esperar que, finalmente, passassem a fazer jornalismo. Vale dizer: divulgar o que está acontecendo e ouvir sempre os vários lados envolvidos na questão. Mas não é o que se vê. Nesse sentido, os casos da TV Globo, do Estado de S. Paulo e da própria “Folha” são emblemáticos.
    Na edição de quarta-feira (27/5) o Jornal Nacional trouxe uma longa reportagem sobre a decisão do ministro Alexandre de Moraes no que diz respeito ao combate às fake news e aos discursos de ódio. Os mandados de busca e apreensão atingiram em cheio apoiadores de Jair Bolsonaro e têm tudo para chegar ao Palácio do Planalto.
    Para repercutir a decisão, sem dúvida muito importante para o futuro da democracia
    brasileira, o JN ouviu quase uma dúzia de pessoas: entrevistou os presidentes da Câmara e do Senado, além de parlamentares de diversas agremiações e de especialistas.
    Ficou de fora dessa repercussão, no entanto, o nome mais importante: o do candidato
    Fernando Haddad, do PT, que disputou com Bolsonaro o segundo turno das eleições em 2018 e foi derrotado exatamente pelo discurso de ódio e pelas fake news. Excluir o PT e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff do noticiário não só da TV Globo como de todos os demais veículos do Grupo Globo – O Globo, CBN, G1, Valor Econômico, Época, GloboNews – tem sido uma prática. Além de jamais entrevistá-los, até em comparações são excluídos. Já se transformou em bordão os repórteres da Globo, por exemplo, ao fazerem comparações entre o governo atual e os de Lula e Dilma, citá-los apenas como “governos anteriores”. O nome dessa técnica em jornalismo é silenciamento e tem como objetivo impedir que recordações positivas voltem à memória das pessoas.

    Moro

    Ao mesmo tempo em que buscam apagar a memória positiva associada aos governos Lula e Dilma, a Globo não mede esforços para expor seus “heróis” como é o caso do ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, e do governador de São Paulo, o tucano João Dória, possivelmente já de olho nas eleições de 2022.
    O pedido de demissão de Moro rendeu uma cobertura digna dos mais importantes fatos da República. Presente com destaque em todas as edições do JN desde então, Moro foi alvo de uma entrevista de 20 minutos no Fantástico, no domingo 24/5.
    Entrevista que se assemelhou muito a um processo de mídia training, no qual os
    “pontos positivos” de Moro (implacável contra a corrupção, determinou a prisão de Lula) foram destacados e os “negativos” apresentados de maneira que ele pudesse, desde já, neutralizá-los. Algo como: permaneci no governo Bolsonaro por 16 meses, porque queria defender a independência da Polícia Federal e deixei o governo, por me sentir traído.
    Quanto a João Dória, ele tem sido presença constante no JN, que tem deixado sua câmera e microfone abertos para falar sobre o combate à pandemia e quaisquer outros assuntos do seu interesse. O curioso é que São Paulo, o estado mais rico da federação, é o que tem também o maior número de contaminados e mortos pelo covid-19.
    São Paulo vem sendo governado pelos tucanos há mais de 20 anos, mas isso não vem ao caso. Como não vem ao caso que todos os partidos conservadores – MDB e PSDB à frente – com o entusiástico apoio da mídia da “Casa Grande” aprovaram o congelamento por 20 anos dos gastos com saúde e educação. Deu no que deu. Já o “Estadão” que no segundo turno das eleições presidenciais havia considerado, em editorial, “uma escolha muito difícil” entre o candidato do PT, Fernando Haddad, e Jair Bolsonaro, então filiado ao PSL, voltou a insistir na mesma tecla.
    Um dia depois de ver parte da mídia determinar que seus profissionais abandonassem o “cercadinho”, o matutino conservador paulistano fez outra comparação para lá de esdrúxula, entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula, dizendo que “nasceram um para o
    outro” e “enxergam o mundo e seu papel nele da mesmíssima perspectiva”.
    Além de vergonhoso e não corresponder minimamente à realidade (Bolsonaro é um
    fascista e Lula, um humanista) um texto como esse tem tudo para entrar para a história da mídia da “Casa Grande” como prova da má-fé e subserviência de um punhado de redatores aos seus patrões. Não por acaso, o próprio Haddad, fazendo uma paródia do editorial do “Estadão”, publicou, em suas redes sociais, que entre o jornal conservador paulistano e Bolsonaro, a “escolha ficou muito difícil”.
    Já a “Folha”, como esses outros dois veículos, quer a saída de Bolsonaro do poder, mas
    está longe de admitir, por exemplo, que fez campanha contra Dilma; que defendeu a
    condenação e prisão, sem provas, de Lula; que a eleição de 2018 foi fraudada e que a
    restauração da democracia no Brasil passa por novas eleições. Uma pista do que ela e
    os demais veículos da “Casa Grande” pretendem foi dado pelo artigo do professor de
    Direito Internacional da USP, Pedro Dallari, publicado em sua edição de 28/5.
    Sob o título de “A hora do vice-presidente. A gravidade da situação atual não admite
    outra solução para o país”, o também matutino paulistano deixa claro os limites e os
    interesses da oposição que passou a fazer ao governo Bolsonaro. Essa oposição, por
    exemplo, exclui o campo progressista, a começar pelo maior partido político brasileiro,
    o PT.

    É nesse sentido que, guardadas as proporções, a mídia da “Casa Grande” tem lá suas
    semelhanças com a turma das fake news e da disseminação do ódio. Foi no caldo da
    sistemática desconstrução dos governos petistas – e, no passado, no de todos os governos progressistas como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart – que as fake news prosperaram: combate ao comunismo, denúncias sem provas de corrupção, linchamento midiático de adversários etc.
    Ao tomar partido contra o PT, a mídia corporativa brasileira passou a apoiar tudo o que pudesse significar a sua derrota. E foi aí que veio Bolsonaro. E foi aí também que essa mídia, que já não gozava de muita respeitabilidade, perdeu a condição de fonte confiável de informação, se é que algum dia a teve. Condição que agora luta para recuperar e até mesmo para sobreviver.
    A TV Globo – que tem visto sua audiência aumentar, mas ao mesmo tempo, vem sendo
    obrigada a um drástico enxugamento em sua folha de pessoal e reestruturação de seus
    veículos – trabalha para sair por cima não só desse racha, mas para voltar a dar as cartas na política brasileira. Quem não se lembra que o patriarca Roberto Marinho se considerava um “fazedor de presidentes” e realmente o foi mesmo após o fim da ditadura de 1964?
    Daí o dilema que vivem no momento Globo, Folha e Estadão. Ao contrário dos demais veículos e da turma das fakes news, que parecem dispostos a ir com Bolsonaro até o fim (qualquer que seja ele), os três tendem a calibrar essas críticas. Dificilmente, no entanto, elas atingirão a agenda ultraliberal do governo, que defendem com unhas e dentes. Daí, cada dia mais, a oposição que fazem assumir a postura de “conservadora”, com nome e sobrenome para quem apoiam: Hamilton Mourão.
    A Globo sabe que Bolsonaro não tem como cassar-lhe a concessão, pois exigiria o apoio de dois terços dos membros do Congresso Nacional, que ele não tem. Mas ele pode adotar medidas como colocar a Receita Federal para analisar a situação da empresa. Várias no setor da mídia são devedoras contumazes. Toda essa situação é inédita no Brasil. É a primeira vez que parte dessa mídia se vê
    afrontada por quem ela mesma ajudou a eleger. O fato, por si só, deveria propiciar uma profunda reflexão e mudança de comportamento por parte dessa mídia e de quem a faz.
    Como dificilmente isso acontecerá, a democracia no Brasil continua precisando de outra mídia. Mas isso é assunto para outro artigo.

  • José Celso faz discurso histórico sobre Lula

    José Celso faz discurso histórico sobre Lula

    O Teatro Oficina Uzyna Uzona estava lotado para presenciar o lançamento do livro “Lula Livre – Lula Livro”, que reúne textos, ensaios, poesia, prosa, charges e fotos de 90 autores, com presenças ilustres como Eduardo Suplicy, Chico César, Alice Ruiz e muitos outros. O primeiro a discursar no evento foi o diretor do teatro e “anfitrião do evento”, José Celso. Seu discurso enfatizou a potência espiritual de Lula, sua alegria, seu talento para a política e a vida e sugeriu que nós devemos incoporar estas qualidades.

    Leia o discurso completo, transcrito a partir da gravação da transmissão ao vivo realizada pela Fundação Perseu Abramo:

    “Livro? Livro?
    Livro!
    Lula Livre! Livre! Livre!

    Realmente depende de cada um de nós esse momento. Cada um de nós livra o Lula. E tem que livrar porque o Lula é um talento extraordinário que surgiu na sociedade brasileira, na política brasileira. É um ator e um político extraordinário, só comparável a Getúlio e a Leonel Brizola. Ele faz parte da grande arte que é a política. E nesse momento, depois que ele conheceu a Sônia Guajajara, que pôs o dedo na cara dele e falou “Você não fez nada por nós”, ele sacou. Ele sacou o que é exatamente a importância das terras pros seres que cuidam da terra, não somente os indígenas. Os indígenas sagram as terras, têm essa sabedoria. Nós aqui do teatro, que vamos fazer 60 anos, também sagramos não só esse teatro, não só o entorno do Bixiga, do Parque-Rio das Artes do Bixiga. O bairro do Bixiga é um bairro sagrado e ele está ameaçado de ser exterminado agora porque houve um acordo entre os candidatos, o candidato a presidente da República Alckmin…

    (vaias)

    Não, não gasta muita energia não! Aquele cara é um chuchu de picolé. Não, calma.

    E o outro lá, o Dória.

    (vaias)

    Isso eu desafio o jornalismo a pesquisar. Saber como é que é o negócio. Porque é o seguinte: O Sílvio Santos sempre quis trocar o terreno dele, desde que foi tombado pelo IPHAN. Ele disse “Não quero empatar o serviço de você, nem quero que você empate o meu.” Ficamos amigos e tal, mas de repente, depois do Golpichmant, ele quer ter o monopólio do bairro do Bixiga para revitalizar o bairro. Revitalizar é a palavra que ele usa, mas a palavra certa é genocídio. Expulsar a população toda!

    A periferia central de São Paulo é um luxo! O Bixiga é a periferia central. Nesse lugar existe povo. O mesmo povo que está nas periferias existe aqui, e perto de teatros, cantinas, de uma vida vivida de uma maneira, que precisava sim de muito incentivo pras pessoas. As pessoas aqui são muito massacradas. Nós inclusive aqui no Teatro Oficina estamos na mesma onda do Lula Livre e do Parque Augusta.

    Isso não para.

    Mas acontece o seguinte: eu acho importante que algum jornalista tenha coragem de estudar o caso. Porque foi uma cessão de um bairro, a começar pelo teatro, pra massacrar um povo. Quer dizer, é uma coisa… Que a gente tá vivendo um momento! Nossa! Imagine arrochar a saúde! A saúde é a gente. É a vida. Arrochar a saúde por 20 anos! É ridículo acima de tudo. Nós não podemos permitir. Todo mundo tem pulsão de vida. Todo mundo quer viver, todo mundo quer viver com alegria. Você vê as ruas cheias de moradores de rua. Essa situação, eu não vou nem falar nela, porque estou nela, estou vivendo, nós todos estamos dentro dela.

    Mas nós temos uma coisa importante. Nós somos num certo sentido o renascimento. Porque o que tá aí é um quadrado morto. É uma fase do capitalismo imobiliário que traz o momento da maior corrupção do mundo que é a desigualdade. Nunca na história da humanidade houve tamanha desigualdade como existe hoje no mundo. Eles estão apavorados. Esses golpes todos, esse endireitamento do mundo é uma reação deles a todo movimento que veio desde… durante a ditadura, teve 68, movimentos subterrâneos, luta armada, a gente nunca permitiu isso, teve a constituição de 1988… E nós tivemos um momento luxuoso com o Lula.

    Imagina, o Lula! O Lula hoje em dia tem uma compreensão, eu chamo muita atenção pra isso porque é muito importante, nesse ato inclusive a gente pratica isso, é a cosmopolítica. Cosmopolítica é o momento em que você liga o social ao cósmico. O que é o cósmico? É o sol, é o ar que você respira, é a terra que você pisa. Não se trata de uma coisa espiritual é concreto. Tudo isso é concreto. E nós que estamos ameaçados, que estamos aqui há 60 anos, nós somos índios, nós sagramos esse lugar em que nós estamos e nós não admitimos isso.

    Então passa a ser uma luta, e o Lula representa uma luta de todos, pela vida!

    Por isso a política tem que ganhar uma coisa, tem que deixar a seriedade. Saber que a vida é trágica mas é cômica, é ridícula, dá pra rir, tem que rir, alegria é a prova dos 9! Sem alegria não se muda nada, com cara feia, cara de militante, isso já era! É verdade.

    (aplausos)

    A gente tem que entrar nas coisas de corpo e alma, inteirinho, a gente tem que se dar. A ideologia é uma coisa morta. Eu não tenho ideologia nenhuma, nem quero saber. Porque idéias, como disse Oswald de Andrade, levam as pessoas a queimar gente em praça pública, por idéias. São as idéias que nos dominam, as idéias abstratas, abstrações desse capitalismo que não nos reconhece como gente, como bicho humano, gente de verdade.

    O Lula realmente é um ser cosmopolítico. Porque é um cara que, como se diz na minha linguagem mais favorita, que sabe das coisas. O Lula sabe das coisas. Sabe.

    (aplausos)

    Ele não é só um político no strictu sensu, ele é, como tem a mulher da vida, a puta, ele é um homem da vida. Um ser da vida. Ele já passou por tudo que tinha pra passar. E agora ele tá passando por um momento fabuloso. Um movimento que se compara ao suicídio do Getúlio. Porque ele prefere ficar preso do que ser libertado e não poder concorrer. Ele tá lutando por uma causa e muita gente não compreende a grandeza dessa causa. Não compreende, não sabe, porque foi numa balela de um judiciário, que felizmente nos EUA não existe, mas um judiciário que atuamente é a ideologia dominante, do grande Moro.

    Moro? Morô? Moro, qualé? Não dá.
    (vaias)

    Nós fizemos uma peça do Artaud que se chama – Esse casaco aqui é de índio do México, Tarahumara, ele dizia – “Pra dar um fim no juízo de Deus”. A gente não precisa de juízo. A gente não precisa de juiz. Nós somos nossos juízes. A gente vive sob a tirania do juízo bíblico, sob a teoria do Freud, do super-ego, isto é, da polícia na cabeça. Não tem polícia nenhuma! Tira! Fica com o ego, o id e o inconsciente que já dá pra tudo. Não precisa ter polícia interna.

    Por isso a política tem que ganhar uma forma de alegria. A gente só vence se conseguir criar toda uma atmosfera de primavera. Se for uma primavera brasileira. É muito sério: a coisa mais desprezada do mundo chama-se teatro, até então. O próprio Oswald de Andrade quando escreveu o Rei da Vela disse: “A esse enjeitado, o teatro brasileiro.” Mas é que nas épocas como esta o teatro surge. Os teatros todos tão maravilhosos. Tão cheios de gente. Ontem eu vi uma peça extraordinária aqui. E há peças extraordinárias em todos os lugares. Ou seja, há um levante da condição humana. Do poder humano, do poder do bicho homem, ligado à natureza evidente, à natureza animal e vegetal. Quer dizer, é o momento de você assumir totalmente que você é um ser terráqueo, que você tem uma coisa chamada desejo e liberdade. São duas coisas que todo ser-humano tem. É uma coisa que tá acima de tudo e abaixo de tudo. Os baixo são muito importantes. A política precisa rebolar.

    Em Portugal a gente cantava: “Criar, criar, poder popular! Criar, criar, poder popular! A revolução faz quem cria com tesão! É debaixo pra cima! Ah! Ah! É de cima pra baixo! Ah! Ah!” E Portugal ia nessa, porque é uma revolução que ninguém conhece. (aqui ele fala sobre o golpe de Estado que aconteceu em Moçambique em 2017) Vai sair um livro que vai se mostrar um momento de democracia. E é um golpe que veio através televisão. De repente havia um movimento dos soldados, os soldados “unidos venceremos”, a televisão era livre, era uma janela aberta, eu tava montando um filme sobre Moçambique lá com o Celso Lucas, e de repente, estava num restaurante e entra uma imagem da Columbia Pictures e uma porção de enlatado brasileiro.

    Foi um golpe dado pela televisão. Uma coisa assim inacreditável. Era uma coisa que o mundo nem sabe disso. E nós tamos com um material todo que a gente tem que soltar porque a gente viveu isso, a gente sabe disso. Tem que virar livro também. Mas enfim.

    O que é mais importante é o que a gente vai recebendo no corpo através dessa revoluções todas. É o corpo humano junto ligado. Por exemplo, eles têm uma coisa muito bonita, por exemplo… Me dá as mãos. Vem cá Suplicy, vem cá chico. Vamos dar as mãos.

    Eles cantam assim. Todo mundo pode cantar, tamo junto.
    Tamo junto quer dizer, em uma das línguas de moçambique…

    E se todo mundo se der as mãos? Isso é teatro. Os corpos têm que estar juntos. Você tem que sentir o calor das pessoas. É isso que dá força. Juntos, o corpo junto e suingando. Olha aqui pra mim, olha a corrente! Corrente! Firma!

    (todos no Teatro Oficina dão as mãos e cantam juntos um canto moçambicano, em que Zé Celso emenda um “Lula Lá, Lula Livre”)

    Olha, o Lula é mais do que se vê nele. O Lula é um Xamã. Tem que ter a coragem de dizer essas coisas, porque é. Ele não tem só o poder de político no nível realista, de conchavo social. Ele é um poder humano.

    (No teatro, cantam “Olê, Olê, Olê, Olá, Lulá, Lulá!”, Zé Celso grita “Alegria!)

    Se o Lula falou que cada um… Mas não é idéia! Cada um é mais que uma idéia! A idéia não tem nada a ver. Aí eu discordo dele. Eu amo ele, acho ele um xamã, mas não é uma idéia, é incorporação, é macumba! Imagina! Se baixasse o talento do Lula em todos nós! Meu deus! E tem que baixar! O que tem que baixar em nós é a qualidade humana dele, a qualidade divina dele. O Lula é sagrado! O Lula é uma entidade muito forte. Eu acho que tem que começar a ver esse lado. Porque só o lado briguento da política às vezes não revela o poder político de uma tendência na sociedade.

    Essa sociedade não deve fazer cara feia, por favor! Você vê nos programas de esquerda, por favor! O programa do Haddad, eu vi ao mesmo tempo em que vi aquele daqueles bostas todos, com algumas exceções, mas era uma coisa que ficou entre o clube do PT. Não pode ser. Tem que ser aberto. Tem que ser aberto como é o Lula.

    Eu vou embora. Mas eu imploro pra que vocês acreditem que alegria é a prova dos 9 e encontrem motivos viscerais pra lutar. Não adianta ter motivos ideológicos. Motivos ideológicos, abstratos, não têm poder mais. O que tem poder é o poder humano, o poder da expressão da vida, da verdade da vida.

    Vida!
    Vida!

    É uma luta de vida e morte. É uma guerra, porque estão querendo nos matar. A gente tem que reagir com vida e tentar passar uma rasteira nessas pessoas. Tentar antropofagizar, comer toda essa porcaria e vomitar ou cagar ou abençoar. Abençoar é melhor.

    (aplausos)

    Olha, eu quis falar naquela hora porque eu queria implorar pra vocês cultivarem o amor, o humor e muito mais. O humor é imprescindível, a dança é imprescindível. O PT vai rebolar, porque o Lula rebola. O Lula tem jogo de cintura, ele vai, o Lula é grande. Então você tem que ter o Lula dentro, o Lula pinguço, com todos os defeitos humanos e todos as qualidades divinas. Então nós temos que observar esse lado e viver como ele. Seguir o exemplo dele no sentido vital. Claro, cada um na sua área, cada um na sua jogada, cada um do seu jeito, mas deixar essa coisa carrancuda da política de lado. Isso já morreu, é resto de stalinismo. Com todo amor, com toda sinceridade, eu acho que a gente tem que rir disso pra poder vencer isso.”

    *José Celso Martinez, diretor do Teatro Oficina, em sua sede, no dia 13 de Agosto de 2018, na ocasião do lançamento do livro Lula Livre – Lula Livro.

  • JÁ FOI AO BIXIGA? NÃO? ENTÃO VÁ!

    JÁ FOI AO BIXIGA? NÃO? ENTÃO VÁ!

    Por Cafira Zoé e Camila Mota, com a colaboração de Marília Gallmeister e Clarissa Mor

    O DESIMBRÓGLIO

    quem nunca viu o samba amanhecer/ vai no Bixiga pra ver/ vai no Bixiga pra ver (TRADIÇÃO, GERALDO FILME)

    No último chão de terra livre no centro de São Paulo, empreendimento bom é empreendimento público.

    No dia 05 de dezembro de 2017 foi publicado um artigo de Gabriel Rostay, especialista em política urbana, afirmando que: no terreno de Sílvio Santos, “presente” seria um empreendimento de uso misto.

    PARALELO HISTÓRICO

    No dia 23 de outubro, depois da aprovação no CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) do empreendimento imobiliário referente a torres residenciais de 100 metros de altura e 3 andares de estacionamento subterrâneo no terreno pertencente ao Grupo SS, no entorno tombado do Teatro Oficina, área envoltória de outros bens tombados: Casa de Dona Yayá, TBC, Escolinha Primeiras Letras e Castelinho da Brigadeiro, uma grande campanha pública se iniciou, clamando a Silvio Santos que desse um presente à cidade de São Paulo: um uso público, coletivo, à área em questão, que se caracteriza como último chão de terra livre no centro da cidade.

    É desejo público que o terreno de quase 11 mil m² no vale entre as ruas Jaceguai, Abolição, Japurá e Santo Amaro, receba o Parque do Bixiga, que já tramita como projeto de Lei (805/2017), e prevê a criação de uma área pública verde, de característica cultural, no coração da Bela Vista, Bixiga, se estruturando através de um programa público abrangente confluindo cultura, educação, saúde e ecologia. Trata-se, assim, da criação de uma área pública de cultura para lazer, práticas artísticas, ações formativas, ecológicas, hortas comunitárias, contando ainda com bosques para caminhadas e espaço coletivo, de estruturas efêmeras, para eventos culturais no bairro.

    Em seu texto supostamente conciliador, em que acusa o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa de lançar mão de desinformação quanto ao terreno, é Gabriel Rostay que repetidas vezes se utiliza desse recurso. Já na introdução, define mais uma vez a questão como imbróglio entre o Grupo Silvio Santos e o diretor do Teatro Oficina, ignorando a dimensão pública da questão e sua singularidade dentro do pensamento de cidade e urbanização; ignorando a extensão de uma associação inteira, composta por mais de 60 artistas entre atrizes, atores, videoartistas, iluminadores, diretores de cena, arquitetas cênicas, figurinistas, faxineirxs, jornalistas e midialivristas, porteiros e poetas, de diferentes gerações, muitos moradores do bairro do Bixiga.

    “Como é possível que essa situação se arraste por 37 anos?”

    Em primeiro lugar é preciso entender que o terreno de quase 11.000 m² é composto por dezenas de lotes, que não foram adquiridos pelo proprietário de uma única vez na década de 80, portanto, o espaço, não permanece vazio e degradado por quase quatro décadas. Esta é uma informação falsa.
    Até os anos 2000, toda a faixa do terreno situada à rua Abolição — incluindo uma faixa de casas, um pequeno prédio residencial, um bar de esquina, um açougue, um prédio da Caixa Econômica ocupado por movimento de moradia e uma sinagoga existiam ali e foram comprados pelo Grupo SS, e então demolidos.
    A especulação imobiliária, é, basicamente, o processo de mudança na valorização dos solos, consistindo na prática de obtenção de lucro privado a partir de investimentos realizados sobre um determinado terreno e é muito comum em duas formas principais: a espera pela valorização ou a realização de investimentos que estimulem essa valorização. No primeiro caso, o investidor apenas adquire um terreno ou um imóvel a fim de que o aumento do seu preço seja muito superior ao da inflação no período corrente, de modo que a sua venda futura gere lucros reais. No segundo caso, o investidor adquire um espaço e constrói um imóvel ou realiza alterações e reformas sobre ele, de modo a deixá-lo mais caro e, assim, obter lucro.

    Portanto, é muito importante entender que processos de especulação imobiliária podem levar décadas e incluem muitas vezes, a desertificação de áreas produtivas com a consequente demolição das estruturas urbanas existentes, substituindo-as por sub-atividades rentáveis para os proprietários, como estacionamentos, enquanto se espera o melhor momento para empreender construções, em grande parte em desalinho com as características urbanísticas, culturais e identitárias dos locais.

    O empreiteiro desertifica a área, tornando-a insegura, insalubre, e depois oferece revitalização do espaço tomado pela aridez, fruto de sua própria destruição.

    Isso se deu com o quarteirão em questão, entorno ao Teatro Oficina.

    Demolidas casas, pequenos comércios e bares, extinguida a identidade do tecido urbano singular, cria-se o mito da situação ‘inóspita’ e da necessidade de ‘revitalização’.

    DOS ABISMOS DO EMPREENDEDORISMO

    Para Gabriel Rostay, “Empreender” significa “resolver-se a praticar (algo laborioso e difícil); tentar.” Ou seja, é a luta para realizar algo sonhado ou desejado. Poucas coisas podem ser mais belas e ilustrativas do instinto natural e força de desejo, criação e livre iniciativa humana do que o “empreendimento”.

    Da mesma maneira que o autor nos dá a contribuição com o sentido da palavra “empreendimento”, oferecemos de volta o conceito de Weltanschauung, que significa visão de mundo.

    Visão de mundo é um ponto de vista, uma maneira de interpretar a vida, a partir das experiências de um povo, de um grupo, e são inúmeras as visões de mundo, e a diversidade é gerada pela multiplicidade de culturas espalhadas pelo planeta.

    Um índio yanomami tem uma visão de mundo diferente de um desenvolvimentista; um quilombola tem uma visão de mundo diferente de um empreendedor neoliberal.
    E o mais difícil nestes tempos é a co-existência dessa diversidade.

    Em guarani se diz TEKOHA.

    TEKOHA é, literalmente, o exercício de modos de existir que resistem em determinado local, maneiras de viver, estilos de vidas, que persistem em determinado lugar.

    Lutar por um destino público para o último chão de terra livre do centro de São Paulo parece, afinal, um verdadeiro “empreendimento”, digno do verbete supracitado.

    “Quem conhece bem o local sabe como é inóspito em qualquer horário e como as pessoas o evitam à noite”
    Talvez, para uma determinada classe social, aquela região do bairro do Bixiga seja de fato desconhecida, talvez não ofereça um certo tipo de atração noturna, talvez assuste pelas características de um bairro ainda não rendido pela histeria da especulação imobiliária. Para desfazer o mito do inóspito é preciso exercitar os passos, estamos numa região do bairro que é fácil e tradicionalmente percorrida a pé. É preciso desbravar a vida urbana de uma cidade como São Paulo, não ter medo do desconhecido na capital da diversidade.

    Zanzar pelo Bixiga, pelas características histórico-culturais do bairro, além de ser um luxo, é turístico.

    Aliás, quem vê uma peça ali, pode ir jantar aonde depois?

    Em junho de 2017, na editoria cidades, a Veja São Paulo elencou o que chamou de “25 motivos para amar o Bixiga”, o que é também de fácil acesso em qualquer busca rápida de internet. Segundo Trip Advisor, e numa boa perambulada pelo bairro se identifica: o Bixiga tem ao todo 780 restaurantes, 87 atrações.

    Na referida quadra citada pelo autor, do outro lado da Jaceguai, de frente para o Teatro Oficina, há uma área de comércio local debaixo daquele trecho do minhocão. Há ali açougues, um grande sacolão, um maravilhoso pastel e caldo de cana, além do conhecido restaurante BOX 62, que serve uma comida deliciosa.
    O Bar do Bigode, um clássico, do outro lado do minhocão.

    Na rua Jardim de Dona Heloísa tem um pequeno restaurante caseiro que às sextas-feiras serve a tradicional sardinha frita. Na rua Abolição temos uma pequena panificadora que oferece doces divinos. Isso, pra ficar no entorno que será diretamente afetado pela construção das torres. Caminhando mais um pouco logo se chega no famoso Rancho Nordestino, ponto de encontro pós-peças de artistas e público. E antes de chegar nele, é parada obrigatória passar algumas horas no, Al Janiah, bar-restaurante e casa de cultura Palestina.

    Tudo isso sem falar nas tradicionalíssimas cantinas italianas… nas Festas Italianas de rua, na histórica Festa da Achiropita, na imensa feira de rua aos domingos, logo ali na Santo Amaro… Na Feira de Antiguidades — que não são comestíveis, mas por lá é possível encontrar simpáticas barracas de comidas.

    “O fracasso do diálogo”
    No capítulo sobre o fracasso do diálogo, o autor lança mão de mais desinformação.
    Ao novamente expor a situação como um embate entre o Grupo SS e Zé Celso, não compreende, ou não quer entender, que não se trata de um quintal pleiteado pela companhia, mas de uma luta por uma área pública para a cidade — sobre isso é possível encontrar inúmeras referências, desde o projeto de Lei, até publicações (textos, vídeos, imagens, manifestos e mais textos) pela internet e nas demais mídias. Acesse o perfil do Parque do Bixiga.
    Portanto, é desonesto insistir em avaliar a questão do ponto de vista da “intransigência do diretor da companhia” ao não aceitar um lote do terreno para si, afinal, não se trata mesmo de um quintal para o Teatro Oficina, trata-se de uma luta pública pela cidade em respeito ao patrimônio material e imaterial, histórico, cultural, artístico, turístico do bairro do Bixiga.

    O empreendimento se situa na área envoltória, pelo tombamento estadual, do Teatro Oficina, da Casa de Dona Yayá, do TBC, da Escolinha Primeiras Letras e do Castelinho da Brigadeiro.

    O bairro do Bixiga é tombado pelo órgão municipal de defesa do patrimônio, o CONPRESP, representando ⅓ dos cerca de 3400 bens tombados do município. Tendo em vista sua importância cultural, suscita desde os anos 1970 iniciativas do poder público para que se desenvolvam ali ações considerando sua relevância histórica.

    O tombamento se refere ao gabarito das casas, que é baixo, ao traçado das ruas. A rua Japurá, por exemplo, que também tem relação direta com a área do empreendimento, possui casas que datam da década de 40, construídas sem pilares e que, segundo a geóloga e moradora, Tânia de Oliveira Braga, correm risco de não resistir ao impacto das fundações das torres e cederem.

    Assim, poderíamos substituir “o fracasso do diálogo” pelo fracasso da escuta. Apesar do clamor público e da mobilização nas redes e nas ruas contrárias ao empreendimento imobiliário faraônico, favoráveis a pensar e elaborar juntos um destino coletivo da área para um parque público, textos como esse expõem os ouvidos moucos e a visão turva de certos setores midiáticos.

    “Na década passada, o grupo pretendia fazer um shopping e chegou a contratar até mesmo o escritório Brasil Arquitetura”
    Sim, o Grupo SS convidou o escritório Brasil Arquitetura, coordenado por arquitetos que trabalharam próximos a Lina Bardi, para elaborar um projeto híbrido, que atenderia as necessidades de mercado do grupo, com a construção do Shopping. Em contrapartida, incluiria o projeto do Teatro de Estádio.
    Mas o projeto resultou num mega empreendimento de quase 60 mil m², alienado do entorno, trancando todos os fluxos do delta de ruas, adensando ao máximo o terreno, ignorando os recuos necessários e legais para uma área envoltória de bem tombado, e desprezando o respiro fundamental para manutenção da transparência do janelão da fachada Oeste.

    Por fim, ironicamente, confinando o Teatro de Estádio, desejado como teatro aberto à cidade e ao cosmos, numa caixa preta, fechada, monumental de tal forma que o CONPRESP, à época, pede alteração no desenho e o grupo abandona o projeto.

    “Aquele pedaço do Bixiga é o que chamo de “bairro dormitório central”. Praticamente não tem empregos ou atividades, é somente uma área que recebe pessoas para dormir, até saírem para trabalhar em outras regiões no dia seguinte, exatamente como em qualquer bairro dormitório periférico por aí.”
    A Bela Vista, Bixiga, representa 16,6% dos empregos formais da Subprefeitura da Sé. Total de 135.937 (2014). O bairro do Bixiga é hoje o mais adensado da cidade de São Paulo. São 69.460 habitantes em 2,6km², uma taxa de 26.715 hab/km², 1 pessoa a cada 26m², de acordo com o censo de 2010, cuja estimativa era para 2015 chegar ao 72.000 habitantes. Toda a população está abrigada em aproximadamente 32.000 domicílios.

    No perímetro nomeado pelo autor se encontra ainda uma grande avenida, a Brigadeiro Luis Antonio, que liga o Bixiga diretamente à Avenida Paulista; o Hospital Pérola Byton; inúmeras farmácias; casas de lanche; creches; escolas… Andando pelo bairro durante a semana o ritmo não para. E nos finais de semana as feiras de rua, as festas populares, as peças, os sambas da Vai-Vai e a vida noturna não deixam ninguém parado.

    “Já imaginaram os custos que o proprietário teve ao longo do tempo com IPTU e contratação de projetos diferentes? Como é o milionário Sílvio Santos, isso vem sendo desconsiderado.”
    O grupo Silvio Santos começou a comprar estes terrenos há 40 anos atrás e por um valor muito inferior ao que ele está sendo cotado agora. Esta compaixão que muitos tem pelo empresário pelo prejuízo “imenso” com o terreno parado, dissimula a lógica mais recorrente de valorização de terras pelo mercado imobiliário: a especulação. E que no caso do terreno do Bixiga teve valorizações estratosféricas. Em 2011 foi cotado pela Caixa econômica em 33 milhões, este ano está sendo estimado em 100 milhões. Em sete anos o terreno triplicou o seu valor de mercado. Simular o vitimismo do empresariado é alma do mercado.

    E, é muito importante lembrar, que em alguns dos lotes originais encontravam-se prédios do próprio Grupo SS, que não exitou em demoli-los ao invés de mantê-los e diversificar seu uso, povoá-los de vida e com isso, talvez, diminuir a tão propagada degradação da região. Isso demonstra que o empreendimento proposto pelo Grupo não prevê, necessariamente, uma conexão com aquele lugar.

    Portanto, não se trata de demonizar o empreendimento imobiliário residencial, nem o direito de propriedade, mas de explicitar que ele está em desacordo com as características do lugar e que poderia ser feito em qualquer outro ponto da cidade. E aqui nesse ponto voltamos ao fracasso do diálogo: foi oferecido ao Grupo SS mais de 90 terrenos para a análise de uma possibilidade de troca, com todo amparo jurídico, no entanto, os empresários interromperam as negociações e nem se interessaram em conhecer os lugares propostos.

    “os que sempre dizem defender “mistura de classes” são os que falam contra as torres residenciais porque levariam moradores com maior poder aquisitivo para a região.”
    Mistura de classes não é bem uma “inovação” para o bairro do Bixiga, que é, sobretudo, reconhecido por ser um bairro histórico identificado pelas suas misturas: de povos, de línguas, de culturas, de gerações, de classes sociais. Numa caminhada que se faça desde as ruas Abolição e São Domingos, que tem uma grande concentração de cortiços, passando pelo conjunto da Japurá, em direção ao Morro dos Ingleses, onde predominam moradores mais ricos do bairro, o que se verá é uma coexistência de habitantes distintos e uma diversidade de classes em proporção surpreendente, considerando um trecho tão reduzido.

    3 condomínios de alto padrão, com aproximadamente 1000 apartamentos, impõem, na realidade, um uso único, chapado, que abre precedente para uma monocultura imobiliária que, sabemos, costuma descaracterizar bairros antigos, bairros históricos, bairros turísticos, eliminando, justamente, suas misturas.

    “para resolver qualquer questão: quem falar em “uso cultural” ou “parque”, voilà, não importa qual seja a situação, parecerá estar do “lado do bem comum”.”

    O bairro do Bixiga guarda características singulares de um bairro histórico, construído a muitas vidas e culturas (de povos originários, quilombo, à migrantes, imigrantes e mais recentemente, a chegada de refugiados), destacando-se como um território cultural plural, fértil pelas misturas entre povos, línguas, histórias, culturas, culinária, artes — que evidenciam a força histórica de um bairro formado por modos de existir que resistem: aos processos de verticalização urbana de São Paulo; ao avanço da especulação imobiliária sem precedentes; à imposição de modos de viver dentro dos grandes centros urbanos massacrados pelo planejamento urbano hierárquico.
    Desse arbitrário processo de urbanização de São Paulo — com uma verticalização imposta, sem incorporar as características culturais e geográficas de cada região — o bairro do Bixiga herdou um deserto de pelo menos onze mil metros quadrados, fabricado pelo mercado imobiliário — o terreno entre as ruas Jaceguai, Abolição, Japurá e Santo Amaro, no entorno do Teatro Oficina.

    A palavra cultura, que parece ser para o autor seu termo tabu, é protagonista, desde as primeiras formações do Bixiga, dos usos comuns deste espaço. Hoje, diferentes atores, grupos, movimentos, ligados a cultura — essa palavra vasta — promovem ações de força no bairro. O pensamento da especulação imobiliária constitui uma cultura; as tradições do bairro formam também a sua cultura; uma plantação é uma cultura; práticas artísticas, teatro, artes visuais, cinema, dança, poesia… são cultura; uma comunidade de Kefir é uma cultura viva com + de 30 tipos de microflora em simbiose; saber que tudo é cultura é uma cultura.

    O Terreyro Coreográfico, projeto nascido entre os baixios do minhocão na altura do bairro do Bixiga, cria projetos arquitetônicos a partir de uma perspectiva coreográfica, dando a ver as dimensões Públicas do espaço, através de Ritos, Celebrações, Danças, Cantos — são como coreografias para arquiteturas que trabalham a construção de um espaço a partir dos seus fluxos, das forças invisíveis e visíveis q o constituem, dos seus movimentos, desenhos…
    Para se ter ideia da movimentação do projeto para o bairro foram:
    – Mais de 10 mutirões de limpeza dos baixios do viaduto Libertas tirando quilos de lixo, lavando o espaço com caminhões pipa, sal grosso e defumações. Envolvendo mais de 300 pessoas entre artistas, moradores e trabalhadores da subprefeitura da Sé;
    – Mais de 15 transformações arquitetônicas nos baixios e arredores, envolvendo mais de
    500 pessoas;
    – 03 grandes celebrações juninas, envolvendo mais de 1.500 pessoas entre público, artistas e vendedores do Bixiga;
    – outras 07 celebrações coreográficas envolvendo mais de 2.000 pessoas;
    – 10 coreografias de confluência percorrendo diferentes bairros em torno do Bixiga e envolvendo mais de 500 artistas;
    – 03 mostras cinematográficas com mais de 10 dias de programação e horas de
    filmes, envolvendo mais de 300 pessoas;
    – O Disseminário coreográfico com 14 dias de programação intensiva transitando por diferentes espaços do Bixiga e envolvendo mais de 50 artistas convidados e mais de 1.000 pessoas no público;
    – o ExCurso LICHT, conferência com 07 dias de programação de 14 horas, envolvendo mais de 420 pessoas;
    – Outros 02 disseminários envolvendo mais de 1.000 pessoas;
    – O Cerco Coreográfico Delta com duração de três meses que recebeu 260 inscrições e mais de 150 pessoas;
    – O Cerco Coreográfico ~ Coisa Coreográfica com duração de cinco meses que recebeu
    224 inscrições e envolveu mais de 600 pessoas; (aulas de Tarot no Teatro Oficina)
    – Outros dois intensivos de feitura dos corpos com dez dias em imersões na aldeia Kalipety Guarani,
    – 07 debates na Àgora envolvendo mais de 200 pessoas entre artistas, moradores dos baixios, funcionários públicos, outros grupos e parceiros;

    Há ainda ações vindas da Vila Itororó; da casa de cultura palestina Al Janiah; do Mundo Pensante; do casarão de mídia, cultura e informação que abriga o Outras Palavras; da Casa de Mestre Ananias, do Teatro do Incêndio, do ETA, do Centro Cultural Saci, do Atelier do Gervasio, do Rizoma Móvel, que se movimenta bastante mas também mantém endereço cativo na rui Barbosa, e, mais recentemente, da Casa 1, espaço de acolhida LGBT próximo a Cia Teatro Oficina, entre tantos outros.

    “um bom empreendimento poderia transformar a área”
    Chegando até aqui na leitura desse texto já é possível compreender o encadeamento de factóides feitos pelo autor num grave circuito de desinformações em série.

    Um bom empreendimento soa evasivo, sobretudo na fragilidade de um discurso que quer ganhar adeptos no chavão dos pré-conceitos de efeito: incorrendo mais uma vez no falso binarismo entre sonho x realidade, artistas x sociedade, cultura x capital. O uso do verbo transformar só aparece para, de fato, não se modificar nada.

    Na construção do raciocínio de Rostay, transformar poderia ser substituído por violentar: um empreendimento do porte dessas torres no tecido urbano de um bairro tombado, singular e histórico como o Bixiga, poderia, de fato, ser um bom empreendimento para violentar a área, completamente desconectado de seu entorno, completamente obtuso.

    POR QUE, AFINAL, UM PARQUE PARA O BIXIGA?
    Entre os 31 distritos da capital, apenas 8 possuem área verde adequada. Essas áreas estão espalhadas pela zona norte, pelo extremo sul e em uma pequena parte da zona leste, formando uma espécie de borda verde pela metrópole, que permanece com grande parte de seu miolo cinza. O Parque do Bixiga é uma necessidade de saúde pública para a cidade de São Paulo, e mais ainda para o Bixiga.
    A subprefeitura da Sé possui hoje o indicador de área verde de 2,45 m²/hab.Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) o recomendado é um MÍNIMO de 12 m² de área verde por habitante. O território do Bixiga ocupa o pior número dentro desse perímetro, com a menor taxa de área verde por habitante. Por isso, o Parque do Bixiga é questão de saúde pública: para as pessoas, para o bairro, para a cidade. É a nossa vida no bairro da Bela Vista que está em jogo. E o mais assustador desse projeto é que com ele também não haverá mais sol. Isso porque essas 3 torres de apartamentos farão uma sombra grande o suficiente para deixar muitos moradores do Bixiga sem a luz do sol durante quase todo o dia, todos os dias do ano.
    IMPACTOS DAS TORRES
    Aumento do custo de vida
    Aumento dos aluguéis;
    Aumento exponencial do tráfego;
    Violenta transformação da paisagem de um bairro que tem como característica um conjunto arquitetônico baixo;
    Interferência na insolação e na ventilação, com assombroso sombreamento nas áreas (prédios e casas) que ficarão sob o impacto das torres;
    Impacto direto no rio do Bixiga que atravessa o terreno todo debaixo da terra;
    Impacto sobre a cultura de um bairro cultural, popular, que cultiva a força do encontro entre os teatros, os sambas, os churrascos de rua, o futebol, as caminhadas a pé, as feiras urbanas, o pequeno comércio, o corpo a corpo entre moradores, artistas migrantes e imigrantes;
    Impacto sobre as fundações das casas da rua Japurá;

    BENEFÍCIOS DE UM PARQUE NO SEU BAIRRO
    O reflorestamento do Parque do Bixiga com resgate da vegetação originária de São Paulo, sobretudo da região do Bixiga, é previsto também como forma de amenizar o impacto de ruídos, trazendo melhorias acústicas e climáticas que são fundamentais para a população de um bairro, predominantemente de casas, que sofre com o resultado das construções viárias massivas do fim da década de 60 em São Paulo.
    +
    Amenização de ruídos e impactos sonoros
    Diminuição da temperatura ambiente
    Redução da velocidade dos ventos
    Melhora considerável da qualidade do ar
    Diminuição do surgimento de asma em crianças
    Queda do risco de problemas cardiovasculares
    Aumento da qualidade de vida e melhora no estado de saúde em geral
    Redução do risco de depressão e ansiedade
    Preservação da fauna e da flora

    Melhora na permeabilidade do solo, o que evita enchentes, dando um destino para a água das chuvas. Toda cidade precisa ter áreas permeáveis.
    “O imbróglio entre o Grupo Sílvio Santos e o diretor do Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa, é muito ilustrativo de uma série de nossos problemas urbanos”
    No verbete do dicionário aurélio se diz imbróglio: situação confusa. enredo complicado ou confuso, geralmente de peça de teatro. mal-entendido. abacaxi.
    A esta altura, quem lançar mão do imbróglio, imbrogliado esta.
    No próximo capítulo, o Teatro Oficina, e sua relação direta entre encenação, arquitetura, urbanismo cultura e arte através de quase 6 décadas de trabalho incessante, e porque se tornou o teatro mais bonito e intenso do mundo, segundo o The Guardian.