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Tag: Sérgio Moro

  • Golpe pra quê?

    Golpe pra quê?

    Um dos principais gestos analíticos para a devida compreensão do atual momento da crise democrática brasileira é a distinção entre a figura pessoal do presidente Jair Bolsonaro e o bolsonarisimo, entendido como projeto político disruptivo.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    Sim, por mais estranho que possa parecer, fica cada vez mais claro que uma coisa não está, necessariamente, vinculada à outra.

    Explico.

    Há Jair Bolsonaro na política brasileira desde a década de 1990. Já bolsonarismo começou a nascer em 2014, quando o até então parlamentar de baixo-clero, inexpressivo, animador de auditório, aumentou seu capital eleitoral em quase 400%, tornando-se o deputado federal mais votado pelo Estado do Rio de Janeiro.

    O bolsonarismo é o resultado de um conjuntura específica de crise, alimentado por uma sociedade que se vê colapsada e impulsionada por outro projeto político disruptivo: o lava-jatismo.

    Durante algum tempo, bolsonarismo e lava-jatismo estiveram na mesma trincheira, mas nunca foram a mesma coisa. Juntos, mas não misturados!

    Bolsonaro soube se aproveitar do clima. Havia concorrentes. Marina Silva era a principal. Jair acabou vencendo a corrida. Venceu, também, porque foi mais esperto.

    Parece que agora, no exato momento em que escrevo este texto, o presidente Jair Bolsonaro começa a fazer o movimento de descolamento do bolsonarismo, abandonando a agenda da ruptura disruptiva e adotando a estratégia do aparelhamento institucional.

    Novamente, vem agindo com astúcia política, e se mostrando ainda mais perigoso para o contrato social inaugurado na redemocratização e instituído pela Carta de 1988.

    Olhando daqui, com certo distanciamento, creio que seja possível localizar na crônica os dois momentos que marcaram a inflexão do Bolsonaro disruptivo, que acreditava estar liderando uma revolução saneadora, para o Bolsonaro sistêmico, manipulador das instituições.

    Foram dois momentos que mostraram ao presidente que se continuasse marchando com os insanos, provavelmente não terminaria o mandato.

    O primeiro foi o dia 22 de maio, quando o presidente Bolsonaro, diante da possibilidade de ter seu aparelho de celular apreendido para perícia por ordem do ministro Celso de Melo, decidiu que, sim, interviria no Supremo Tribunal Federal. Em seus devaneios golpistas, Bolsonaro acreditou mesmo que bastava enviar um destacamento militar ao STF para fechar a corte superior da Justiça brasileira. O mais assustador é que ele não estava sozinho no projeto. Entre os generais palacianos houve quem apoiasse a ideia.

    Ao perceber que generais da ativa, com comando efetivo de tropas, não o acompanhariam na quartelada, o presidente recuou. Os bastidores da conspiração foram revelados na edição de agosto da Revista Piauí, em matéria assinada por Mônica Gugliano.

    O segundo momento foi o dia 18 de junho, quando Fabrício Queiroz, depois de mais de um ano desaparecido, foi preso.

    Queiroz é o fio solto do esqueminha de corrupção de baixo clero que enriqueceu o clã Bolsonaro. O presidente sabia perfeitamente que estava ali o seu ponto fraco e, acuado, se convenceu de que não tinha vara longa o suficiente para bancar o conflito com as outros poderes da República.

    A partir de então, vimos outro Bolsonaro, mais habilidoso no jogo político institucional. Aproximação com o centrão, piscadelas para medidas de transferência de renda, afastamento do núcleo ideológico mais radicalizado e liderado por Olavo de Carvalho, constantes pitos públicos em Paulo Guedes. Tudo isso indica que Bolsonaro está tentando se afastar do bolsonarismo.

    Os pilares do bolsonarismo são o neoliberalismo ortodoxo de Guedes e a guerra ideológica olavista. Ao que parece, Bolsonaro está dando de ombros para ambos. A ver se sustenta.

    Precisamos mencionar ainda o dedo certeiro na escolha do comando do Ministério Público. A dupla Augusto Aras e Lindoura Araújo não está apenas esvaziando a Operação Lava Jato. Está ocupando o território.

    Quando começou o governo, Sérgio Moro parecia muito maior e mais perigoso para as garantias democráticas que o próprio Bolsonaro.

    Moro era o herói laureado pela grande imprensa, o lorde gentil e educado, premiado, capa de revista, maxilar quadrado, terno preto alinhado, com caimento perfeito nos ombros. Já Bolsonaro era o aloprado desajeitado, feioso, o “burro chucro” que prometia tropeçar nas próprias pernas na primeira esquina.

    Nas crises, o tempo corre especialmente rápido.

    Hoje, Moro, sem nenhum poder efetivo de decisão, tenta se manter no jogo, contando com a lealdade de seus aliados na grande mídia e no poder Judiciário. Não é algo irrelevante, mas parece pouco para o homem que, em algum momento, foi o mais poderoso player em atuação no tabuleiro da política nacional.

    Já Bolsonaro demonstra ter aprendido a operar, e manipular, as instituições da República.

    Um dos mais importantes e inesperados acontecimentos nesta “temporada 2020” da crise democrática brasileira é o apequenamento de Moro e o amadurecimento político de Bolsonaro. Como os dados estão rolando, nada garante que até 2022 a situação continuará assim. A fotografia do momento é essa.

    Os dias 28 de agosto e 1º de setembro são outros dois momentos cruciais na recente crônica da crise.

    Em 28 de agosto, Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, foi afastado do mandato por decisão monocrática de Benedito Gonçalves, ministro do Superior Tribunal de Justiça, em episódio inédito na história da moderna democracia brasileira. Witzel foi afasto à revelia da Assembleia Legislativa, sem que seus advogados tenham sequer recebido denúncia formal do Ministério Público. O processo foi manipulado pelo Palácio do Planalto, diretamente pelo gabinete do presidente da República.

    Parte da esquerda comemorou a derrocada de Witzel, como se fosse a redenção da memória de Marielle Franco. A derrocada de Witzel é vitória de Bolsonaro, mais uma. Nada além disso.

    Ao abater Witzel, Bolsonaro matou dois coelhos com única paulada: eliminou um desafeto político e controlou o processo de escolha do próximo procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro, a quem caberá decidir o futuro de Flávio, o 01.

    Em 1º de setembro, dando desculpa esfarrapada, Deltan Dallagnol se desligou da operação Lava Jato. Dallagnol enfrenta dificuldades no STF e no Conselho Nacional do Ministério Público, onde Gilmar Mendes e Augusto Aras afiam a lâmina da guilhotina. Dallagnol não seria o primeiro a perder o pescoço na mesma guilhotina que ajudou a montar.

    Caiu, assim, o último grande símbolo da Lava Jato, deixando o terreno livre para que Bolsonaro se aproprie da força-tarefa, direcionando a artilharia lava-jatista aos seus adversários, à esquerda e à direita.

    Vamos combinar, né? É muito melhor do que, simplesmente, extinguir a operação, que ainda conta com sólido capital político. Mas vale usar a marca e manter a narrativa do combate à corrupção, fazendo do Ministério Público uma política “soft”, sem armas de fogo.

    Nem precisa de arma de fogo não. O monopólio do processo penal é mais mortal que fuzil. Além do mais, essa coisa de canhão na rua e milico fechando tribunal é tão demodê.

    Claro que tudo pode mudar, que Dallagnol e Moro podem se recuperar, que os quadros lava-jatistas ainda leais à República de Curitiba podem virar o jogo, novamente. Mas a fotografia do momento, repito, é essa.

    Fato fato mesmo é que nos últimos dias Jair Bolsonaro está dormindo mais tranquilo, assistindo a recuperação de sua popularidade e se sentindo cada vez mais confortável nos corredores do poder. A cadeira já não queima tanto.

    Talvez esteja perguntando a si mesmo: onde eu estava com a cabeça? Golpe pra quê?

  • Sem ressentimento, sem esquecimento

    Sem ressentimento, sem esquecimento

    Quatro de agosto de 2020. Sérgio Moro sofre sua principal derrota desde que se tornou um dos principais atores na cena política nacional.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    A segunda turma do STF determinou a exclusão da delação de Antonio Palocci do processo movido no âmbito da Operação Lava Jato contra o presidente Lula.

    Ricardo Lewandovski e Gilmar Mendes votaram favoráveis à exclusão. Edson Fachin (o ahá uhú do Dallagnol) votou contra a exclusão, o que significa votar a favor de Sérgio Moro. Fachin é o melhor advogado que Moro poderia ter.

    Não é exatamente a primeira derrota. Houve outras. Mas essa, sem dúvida alguma, foi a maior e sinaliza para a possibilidade de outra derrota, que seria devastadora. A suspeição de Moro no julgamento de Lula deve ser julgada pela plenária da corte ainda neste ano. A derrota na segunda turma não significa, necessariamente, que Moro será derrotado no colegiado ampliado. Mas indica a possibilidade. Definitivamente, o ex-juiz já viveu dias melhores.

    Lewandovski e Mendes falaram o óbvio! Moro politizou o julgamento de Lula com o objetivo claro de interferir nas eleições presidenciais.

    Grande novidade!

    Moro inseriu a delação de Palocci no processo por conta própria, sem ser provocado pela acusação, o que é mais do que atípico. É criminoso. É prova cabal de que o juiz era, na verdade, o chefe da acusação.

    Todos sabiam o que estava acontecendo. Todos calaram, consentiram, incluindo o próprio STF, que em abril de 2018 negou o pedido de habeas corpus, decisão que, na prática, mandou Lula pra cadeia. A mesma segunda turma negou outros dois pedidos de habeas corpus, em junho e agosto de 2019. Lewandowski sempre votou a favor da defesa de Lula, o que significava votar a favor do devido processo legal.

    Por que agora, justo agora, esse revés?

    Simples! O tempo da política é o tempo rápido, da constante mudança, principalmente em tempos de crise.

    A partir de 2014, o establishment jurídico brasileiro se associou aos grupos políticos anti-petistas. O objetivo era colocar um ponto final na hegemonia do Partido dos Trabalhadores, o que em cenário de normalidade democrática seria impossível.

    A aposta era que o PSDB, antagonista do PT desde meados da década de 1990, herdaria o butim. A situação saiu do controle e Bolsonaro foi eleito.

    O establishment jurídico dobrou a aposta: acreditou que seria possível negociar com Bolsonaro, controlar Bolsonaro. Errou novamente.

    A Lava Jato acumulou muito poder, a ponto de não querer mais ser puxadinho de ninguém. Nem do PSDB, nem do bolsonarismo, nem do próprio Ministério Público. Costuma-se dizer que o Ministério Público é o quarto poder, independente até mesmo do Poder Judiciário. A Lava Jato se tornou o quinto poder, independente do próprio Ministério Público.

    Nessa situação de desencanto, onde bolsonarismo e lava-jatismo se tornam ameaças ao próprio sistema, Lula volta a ter grande relevância. Primeiro, porque quando presidente sempre foi conciliador. Ninguém defendeu melhor o capitalismo brasileiro que Lula. Segundo, porque Lula é “o outro” tanto do bolsonarismo como do lava-jatismo.

    O sistema político que foi construído na redemocratização encontrou em Lula o seu melhor gestor. É uma virtude. Tenho saudade não apenas do tempo em que Lula era presidente. Tenho saudade do Lula como presidente. O Lula presidente foi muito melhor que o Lula metalúrgico. O Lula presidente é muito melhor que esse Lula líder esquerdizado pós-cárcere.

    Reabilitar os direitos políticos e a reputação de Lula seria a única forma possível de confrontar, ao mesmo tempo, o lava-jatismo e o bolsonarismo, os dois filhos rebeldes daqueles que apostaram na desestabilização da democracia como tática de retomada do poder.

    Que seja assim. Que se reposicionem. Que assumam, mesmo que silenciosamente, sua responsabilidade nessa nossa tragédia geracional. Sem ressentimento. Mas também sem esquecimento. Esquecer jamais. Nomes e sobrenomes serão sempre lembrados.

    Fotos de Lula Marques

  • Qual será o lugar de Aras na história da crise democrática brasileira?

    Qual será o lugar de Aras na história da crise democrática brasileira?

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Não é nenhuma novidade ver profissionais do Direito ocupando posição de grande influência política no Brasil. É algo tão antigo quanto a própria existência nacional. Basta lembrar de Joaquim Nabuco, que no final do século XIX disse que as “faculdades de Direito são a antessala da Câmara dos Deputados”.

    Mas algo mudou no perfil da atuação política dos profissionais do Direito. Empoderados pela Constituição de 1988, eles não se contentam mais em serem apenas bacharéis eleitos que se locupletam com cargos políticos e gordos salários. Pretendem interferir na realidade nacional, participar ativamente do debate público. Têm seus próprios projetos de nação. Estão convencidos de que podem mesmo salvar o país.

    Vários são os nomes: começando por Joaquim Barbosa e chegando até Sérgio Moro, passando por Deltan Dallagnol, Luís Roberto Barroso e tantos outros. Aqui, neste ensaio, quero tratar de um personagem específico, alguém que vem constantemente frequentando o noticiário político: Augusto Aras, Procurador Geral da República.

    Aras representa bem a complexidade da crise democrática brasileira.

    Membro do Ministério Público Federal desde 1987, Aras está longe de ser “bolsonarista raiz”, tampouco é “terrivelmente evangélico”. Na campanha para a PGR, Aras até piscou para os conservadores, falou em “ideologia de gênero”, criticou a criminalização da homofobia. Estava interessado no emprego.

    Bastam dois cliques no Google para descobrir que o jurista baiano não tem compromisso de longa data com a agenda conservadora nos costumes. Bem pelo contrário, pois Aras chegou a oferecer, em 2013, uma festa em homenagem ao ex-deputado petista Emiliano José. Zé Dirceu e Rui Falcão estavam entre os convivas. Por muito menos, o Bolsonarismo já colou o selo de “comunista” na testa de outros.

    Jair Bolsonaro, que de bobo não tem nada, sabe que o PGR é estratégico para a sobrevivência política do presidente da República. Bolsonaro acompanhou de perto, de dentro da Câmara dos Deputados, o que Rodrigo Janot fez com Michel Temer. Duas denúncias em exercício de mandado, o que acabou consumindo todo o capital político de Temer, que não fez mais nada a não ser se defender.

    Fica, então, a pergunta: por que Bolsonaro escolheu um não alinhado para posição tão decisiva? Certamente, havia outros candidatos mais palatáveis à ala ideológica do governo. Difícil saber o que passa na cabeça do presidente. Resta apenas tatear a crônica e sugerir algumas hipóteses. Vamos lá.

    Aras foi indicado por Bolsonaro em 5 de setembro de 2019. Naquela altura, as relações de Bolsonaro com Moro já estavam um tanto estremecidas. COAF, Juízes de garantia e a disputa pelo controle da Polícia Federal. Não eram poucos os pontos de tensão.

    Estava claro para todos que bolsonarismo e lava-jatismo não eram aliados orgânicos.

    A Lava Jato foi determinante para pavimentar a chegada de Bolsonaro no Palácio do Planalto, mas jamais deixou de ter seu próprio projeto de poder. Esse projeto tem nome, sobrenome e horizonte cronológico: Sérgio Moro, 2022. No horizonte lava-jatista, Bolsonaro sempre foi visto como um momento de transição.

    Bolsonaro, escaldado, precisava de alguém no comando do Ministério Público que fosse capaz de agir como contraponto à Lava Jato. Sob todos os aspectos, Aras era o nome ideal. Crítico histórico da Lava Jata, Augusto Aras foi o principal antagonista de Rodrigo Janot, o PGR que entre 2015 e 2017 atuou como fiador dos menudos de Curitiba.

    Para além de rivalidades, vaidades e projetos pessoais de poder, entre Janot e Aras há uma clara diferença naquilo que se refere ao conceito de Ministério Público. Desde a década de 1990 que Janot defende um Ministério Público ativo politicamente, cuja função seria “representar os interesses da sociedade civil, que ainda não é capaz de se fazer representar pelo voto”, como disse em conferência ministrada no congresso anual da OAB em 1996.

    Na época, Janot era o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, a ANPR. Na lógica de Janot, o despreparo da sociedade civil faz com que o voto seja manipulado por políticos profissionais inescrupulosos, cabendo ao Ministério Público a missão de tutelar o povo.

    Já Augusto Aras defende um MP contido e respeitador do sistema político-partidário. Em sua produção intelectual, Aras se mostra muito preocupado com a fragilização dos partidos políticos, o que seria o principal fator de enfraquecimento da democracia representativa brasileira. Nas palavras do próprio Aras:

    “Os partidos políticos são relevantes para a sociedade brasileira, em especial porque despersonalizam o poder político institucionalizado. Todas as vezes que nós temos os salvadores da pátria e aventureiros do poder político, nós corremos o risco de mitificações que geraram ditaduras, como as de Mussolini (Itália) e Hitler (Alemanha) e, no Brasil, com os coronéis da região Nordeste e os caudilhos do sul.”

    Tal como Janot, Aras também vê certo despreparo do povo, que ainda não teria se interessado em fiscalizar a fidelidade partidária dos seus eleitos. Mas enquanto Janot vê a solução no Ministério Público ativista, Aras argumenta que saída passa pela própria política institucional, pelo fortalecimento dos partidos, cabendo ao poder judiciário apenas criar jurisprudência para coibir a infidelidade partidária.

    “Temos de evitar aventureiros”, afirmou Augusto Aras em entrevista ao Jornal “A Tarde” publicada em 19 de junho de 2016.

    Hoje, Aras é subordinado leal de Jair Bolsonaro, que trocou de partidos diversas vezes e que, neste exato momento, é um presidente sem partido. O mundo não gira. O mundo capota.

    O que estou querendo dizer é que a jornada que Augusto Aras está movendo contra a Lava Jato não é apenas estratégia para agradar o chefe e faturar a indicação para o STF. É produto de convicção política, é questão conceitual. Para Aras, o MP não pode aceitar que uma de suas forças tarefas conspire para a destruição do sistema político/partidário.

    Seria superestimar demais Bolsonaro e sua equipe imaginar que eles, conhecendo as convicções teóricas de Aras, sabiam que o procurador baiano é o homem ideal para colocar freios na Lava Jato? Ou será que o governo da décima maior economia do mundo se deixou levar pelo papinho da ideologia de gênero que Aras lançou durante a corrida à PGR e escolheu o chefe do MP baseado apenas nisso?

    Fato mesmo é que Aras está fazendo dois trabalhos. É o protetor dos milicianos fascistas que ocupam o Palácio do Planalto. Mas é também o inimigo mais perigoso que a Operação Lava jato já teve.

    Muitos já tentaram, mas ninguém conseguiu acuar a Lava Jato com a eficiência de Augusto Aras. Os operadores sentiram o golpe e colocaram os pés pelas mãos, numa tentativa desesperada de alargar o apoio na opinião pública ao bater, com pelo menos cinco anos de atraso, na porta de José Serra. Aconteceu no último 3 de julho.

    A Lava Jato tenta, desesperadamente, tirar o nariz da água.

    Retomo a pergunta inicial: qual será o lugar de Augusto Aras na história da crise democrática brasileira?

    Depende da avaliação. O que é pior para o Brasil?

    Se acharmos que é Bolsonaro e sua quadrilha, colocaremos Augusto Aras na lata de lixo da história, junto com outros colaboracionistas. Se acharmos que é a Lava Jato, talvez o jurista baiano tenha alguma chance de sair disso tudo com alguma menção honrosa na biografia.

    E você? O que acha?

     

  • O MELANCÓLICO FIM DA LAVA JATO

    O MELANCÓLICO FIM DA LAVA JATO

     

    ARTIGO

    Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

    Depois de embalar o sonho das “pessoas de bem”, que vestiram verde e amarelo e foram às ruas apoiar o pretenso combate à corrupção, o fim da Operação Lava Jato está próximo e não poderia ser dos mais melancólicos.
    Tudo indica que ela será substituída pela criação da Unidade Nacional Anticorrupção (Unac) por parte do Ministério Público Federal. A Unac, se realmente prosperar, terá sede em Brasília e concentrará ações atualmente dispersas entre as unidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. A proposta é do próprio procurador-geral da República, Augusto Aras que, diferentemente dos seus antecessores, foi escolhido pelo presidente Bolsonaro sem levar em conta a lista tríplice elaborada pela categoria.
    A decisão de Aras é uma das consequências práticas da guerra que passou a ser travada entre bolsonaristas e lava-jatistas, após a demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Moro, que foi conivente com parte dos abusos cometidos pelo governo enquanto esteve no poder, saiu atirando e acusando Bolsonaro de “tentar interferir politicamente na Polícia Federal”.
    Um dos principais beneficiados pela Lava Jato, Bolsonaro, que dificilmente teria sido eleito se não fosse a criminalização e o ódio ao PT que ela disseminou, viu na atitude de Moro uma forma de atingir seu governo, mas, principalmente, de se cacifar para a disputa presidencial em 2022. É importante lembrar que o apoio de Moro junto à opinião pública, no momento em que deixou o governo, era significativamente superior ao do próprio Bolsonaro.
    Os partidos de oposição, por sua vez, há muito denunciam os desmandos da Lava Jato
    e como ela, em seis anos de existência, tem cometido todo tipo de ilegalidade. Além de grampear os telefones dos advogados que defendem o ex-presidente Lula nos processo do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, os advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins lembram que o próprio Lula foi condenado sem provas e por “atos indeterminados”.

    Vale dizer: depois de anos revirando a vida e quebrando todos os sigilos bancários, fiscal e telefônico do ex-presidente Lula, de sua família e amigos, não foi encontrado nada que pudesse incriminá-lo.
    Às denúncias dos advogados de Lula vieram se somar, em meados do ano passado, a série de vazamentos publicados pelo site The Intercept BR. Eles mostraram conversas dos procuradores que atuam na Lava Jato, em Curitiba, trazendo à tona muito do seu modus operandi. A série, que ficou conhecida como #VazaJato, mostrou, por exemplo, que Moro não atuou apenas como juiz, mas como auxiliar da própria acusação.
    Caía por terra o discurso de “juiz imparcial” sob o qual Moro sempre tentou se acobertar. Os vazamentos deixaram visível também a perigosa proximidade entre os lava-jatistas e integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Quem se lembra de um exultante procurador chefe em Curitiba, Deltan Dallagnol em conversa com Moro, assegurando “In Fux we trust”? Fux, no caso, é o ministro Luiz Fux.
    As denúncias da #VazaJato correram mundo e foram destaque nos principais jornais da Europa e dos Estados Unidos, contrastando com o silêncio que sobre elas reinou na mídia brasileira. Silêncio explicado pelo fato da mídia local ter se valido das cinematográficas operações da Lava Jato para disseminar o ódio ao PT, patrocinar o golpe contra a presidente Dilma Rousseff (impeachment sem crime de responsabilidade é o que?), prender e impedir Lula de disputar as eleições de 2018, abrindo espaço para a vitória de Bolsonaro e suas políticas antipopulares, antinacionais e de submissão aos interesses dos Estados Unidos.
    Na semana passada (1/7), nova reportagem do The Intercept BR, em parceria com a agência de jornalismo investigativo Pública, mostrou algo ainda mais grave e que veio confirmar denúncias que pairavam sobre a Lava Jato: a interferência de agentes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e do próprio FBI, polícia e serviço de inteligência daquele país, em suas ações.
    Quem se lembra que um dos policiais que escoltou Lula, quando ele saiu da prisão para ir ao enterro do seu neto, usava adesivo que não era da Polícia Federal?

    As novas revelações do The Intercept BR/Pública mostram uma parceria “informal” entre Lava Jato e autoridades estadunidenses que, exatamente por ter se dado de maneira  informal, é ilegal. Se o compromisso da Lava Jato fosse realmente combater a corrupção e não atender aos interesses de setores dos Estados Unidos (deep State?), bastaria ter se pautado pelos canais legais. Desde 2001, com o decreto 3.810, Brasil e Estados Unidos firmaram acordo prevendo procedimento escrito e formal, intermediado por órgãos específicos de lado a lado.
    Em outras palavras, mais do que uma operação anticorrupção, como sempre tentou se mostrar, a Lava Jato começa a ter sua verdadeira face desenhada. Ela é parte do kit da “guerra híbrida” adotado pelos Estados Unidos para intervir na política e na vida de países. No caso brasileiro, as razões são muitas. Desde o início dos anos 2000, estudos apontavam que o Brasil tinha tudo para, em menos de duas décadas, se transformar em potência mundial.
    Esses estudos, claro, incomodaram a grande potência mundial e potência maior do hemisfério, mas acabaram sendo deixados de lado em função dos ataques terroristas às torres gêmeas, em 2001. Nesse meio tempo, assumiu o poder no Brasil e também na maioria dos países da América do Sul, governos populares que buscaram o desenvolvimento de suas economias e parcerias no cenário internacional.
    O Mercosul foi fortalecido, a Unasul foi criada e o Brasil esteve à frente do surgimento do BRICS e passou a integrá-lo, juntamente com Rússia, Índia, China e África do Sul.
    Como se isso não bastasse, o Brasil anunciou em 2007 a descoberta do pré-sal e em 2014, apesar da pesada campanha da mídia para derrotar o PT, Dilma Rousseff consegue se reeleger, com a agremiação dando início ao seu quarto mandato à frente da presidência da República.
    Para alguns, tudo isso não passa de “teoria da conspiração”, mas se os fatos forem observados, coincidentemente as ações da Lava Jato apontam para a desorganização e estabelecimento do caos na economia brasileira e para a criminalização de governos que possibilitaram inúmeros avanços ao país.

    Outro efeito prático da Lava Jato foi, sob o argumento de “combate à corrupção”, levar empresas brasileira como a construtora Odebrecht praticamente à falência, obrigada a demitir mais de 230 mil funcionários. Já a Petrobras, além da campanha de desmoralização a que foi submetida, teve que pagar multas milionárias para acionistas
    nos Estados Unidos.
    Em 2014, os serviços de inteligência dos Estados Unidos já tinham sido pegos com a boca na botija, espionando a então presidente Dilma e os contratos para exploração do pré-sal que estavam sendo preparados pela Petrobras. O então presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, nunca negou as espionagens e, até onde se sabe, não pediu desculpas pela ação dos serviços de inteligência. Essa história, em detalhes, está registrada no documentário do diretor estadunidense Oliver Stone, intitulado Snowden. O documentário está disponível na Netflix.
    Vale observar ainda que operações semelhantes à Lava Jato (ou mesmo seus desdobramentos) tiveram lugar na América do Sul, redundando em desorganização da economia desses países, criminalização de governantes populares, eleição de governos neoliberais ou mesmo em golpes de Estado, sempre sob o argumento do “combate à
    corrupção”.
    Voltando a Moro e Dallagnol, nesses seis anos de Operação Lava Jato, eles passaram de figuras inexpressivas a estrelas do noticiário da mídia brasileira (TV Globo à frente). Só que agora estão às voltas para explicar o inexplicável.
    Como se aliaram a integrantes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a agentes do FBI contra empresas brasileiras? Como incriminaram e condenaram, sem provas, o ex-presidente Lula? Como agiram de maneira nitidamente partidária, uma vez que as condenações recaíram quase que exclusivamente sobre o PT e aliados, deixando de fora notórios corruptos do PSDB?
    Apesar dessas questões já serem levantadas pelos advogados de Lula antes mesmo dele passar 580 dias na prisão, só agora ganharam ressonância.
    Por mais de seis anos – março de 2014 é considerado o seu começo – a Operação Lava Jato mandou e desmandou no Brasil. Além do “combate à  corrupção” ter sido transformado pela direita e pela mídia corporativa em problema número 1 do país, em nenhum dos Poderes houve quem se dispusesse a enfrentá-la.
    A presidente Dilma Rousseff, com sua postura republicana, jamais interferiu ou tentou interferir nessas ações. No Congresso Nacional, a maioria dos integrantes, mais preocupada com as eleições que aconteceriam em poucos meses, não deu atenção ao
    assunto e, pelo lado do Judiciário, tudo parecia certo.
    Só que não.
    As operações que tiveram início com a prisão, pela Polícia Federal, de um dono de posto de gasolina em Brasília (daí o nome Lava Jato) onde havia uma casa de câmbio utilizada para evadir divisas do país, rapidamente levou o Ministério Público Federal em Curitiba a criar uma equipe de procuradores para atuar no caso, sob o argumento de que já investigava um dos doleiros (Albert Youssef) envolvidos em transações com o dono do posto de gasolina.
    Numa história que ainda precisa ser devidamente esclarecida, uma investigação que deveria ter ficado em Brasília foi parar na capital do Paraná. Mais ainda: a descoberta de que Yousseff havia dado de presente uma Land Rover para um ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, jogou a empresa no olho do furacão.
    Num passe de mágica, os procuradores em Curitiba, chefiados por Dallagnol, começaram a buscar, de todas as formas, um elo entre a corrupção de diretores da Petrobras e o ex-presidente Lula. Nenhum outro presidente lhes pareceu suspeito. Moro, aliás, foi contra investigar Fernando Henrique Cardoso, para não “melindrar apoio importante”.
    Um mês e pouco depois, a operação já contava 30 pessoas presas e 46 indiciadas pelos crimes de formação de organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro nacional, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Nas 71 operações acontecidas desde então, mais de 100 pessoas foram presas e quase o mesmo número condenadas.
    Os processos contra os acusados, o tempo em que ficavam presos sem julgamento, as
    condições em que eram mantidos encarcerados, nada disso parecia importar para a Justiça brasileira e muito menos para a mídia. Enquanto isso, vazamentos, cujo timing
    político era nitidamente calculado, foram fundamentais para impedir, em março de 2016, que Lula se tornasse chefe da Casa Civil de Dilma, e, em 2018, contribuíram para torpedear a candidatura do petista Fernando Haddad à presidência da República.
    Ninguém, obviamente, é contra o combate à corrupção. Mas o que chama atenção é que a Lava Jato não combateu a corrupção. O que ela combateu foi o PT, a democracia, as principais empresas brasileiras e a soberania do país. Uma das primeiras medidas econômicas aprovadas pelo Congresso Nacional, depois do golpe contra Dilma e da posse do ilegítimo Michel Temer, foi um projeto do senador tucano José Serra (SP), alterando a legislação sobre o pré-sal brasileiro, a fim de beneficiar as empresas multinacionais.
    Para complicar ainda mais essa história, que em muitos aspectos se assemelha a um triller de cinema, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, morre, em janeiro de 2017, num acidente de avião. Teori era o relator da Lava Jato na Suprema Corte e estava às vésperas de retirar o sigilo de cerca de 900 depoimentos e homologar as 77 delações da Odebrecht. Ele vinha publicamente fazendo censuras à atuação do juiz Moro e da própria Lava Lato.
    Sua família nunca acreditou no resultado da perícia sobre o acidente.
    Depois da morte de Teori, opera-se uma curiosa coincidência. Todas as pessoas chave na Lava Jato, sejam seus integrantes, sejam aqueles, em instâncias superiores, que vão julgar os atos de seus integrantes, passam a ser de Curitiba ou vinculados a Curitiba: Moro, o desembargador do TRF-4, João Pedro Gebran Neto, o ministro do STJ, Félix Fischer, e o ministro que ocupa a relatoria da Lava Jato no STF após a morte de Teori, Edson Fachin.
    Fazendo um corte para os dias atuais, o destino da Lava Jato, mesmo com todas as suas ilegalidades, poderia ter sido outro se não fosse a ambição de Moro. Ao querer incluir em seu currículo além do cargo de ministro da Justiça (negociado com Bolsonaro ainda na campanha eleitoral) uma vaga no STF ou mesmo a presidência da República, entrou em rota de colisão com Bolsonaro.

    O problema para Bolsonaro é que Moro acabou se transformando em “queridinho” de parte da direita brasileira (Globo à frente) e, segundo o sociólogo português, Boaventura de Souza Santos, em candidato dos Estados Unidos à presidência do Brasil, a pessoa ideal para manter o país atrelado aos interesses do Tio Sam. Bolsonaro e Moro estão, assim, disputando num mesmo campo.
    É importante lembrar também que figuras como o ex-advogado da Odebrecht, Rodrigo Tacha Duran, que, há mais de três anos, vem tentando fazer delação premiada contra Moro, parece que finalmente conseguirá. Entre outras coisas, Duran tem dito dispor de provas da existência de vendas de sentenças por parte da “República de Curitiba” e de propina ligando essas sentenças, as delações premiadas e advogados amigos de Moro.
    Os integrantes da Lava Jato, obviamente, não estão dispostos a aceitar seu fim
    passivamente. Na última quinta-feira (2/7), numa tentativa de mostrar serviço, a Lava Jato, que andava meio sumida, reapareceu fazendo uma operação de busca e apreensão na casa do tucano José Serra. Há pelo menos dez anos que as denúncias contra Serra são conhecidas e não deixa de ser esquisito só agora a turma de Curitiba, através do braço de São Paulo, ter resolvido agir.
    A explicação mais plausível parece ser a de que a Lava Jato, a fim de tirar o foco das denúncias de que vem sendo alvo, usou essa operação como manobra diversionista. Diante da ameaça de extinção, nada melhor do que uma ação em cima de um notório
    corrupto que sempre esteve acima da lei, para tentar se mostrar imparcial.
    Outra prova de que a turma da Lava Jato está se sentindo acuada foi o adiamento do
    julgamento de Dallagnol no Conselho do Ministério Público, pelo Power Point contra Lula. Marcado para amanhã (7/7), última sessão antes das férias do meio de ano, o adiamento surpreendeu alguns conselheiros e foi interpretado como medo de derrota,
    especialmente diante das recentes revelações da #Vazajato.
    Se as previsões do ministro do STF, Gilmar Mendes, estiverem corretas, em setembro os dois processos impetrados pela defesa de Lula arguindo a suspeição de Moro para julgá-lo serão analisados. Some-se a isso que a Comissão de Direitos Humanos da ONU já tem em seu poder a documentação envolvendo o julgamento e as condenações, sem provas, de Lula.
    Pelo “conjunto da obra” e por razões diferentes, o fim da Lava Jato está próximo e aqueles que se orgulharam de ter vestido verde e amarelo e ido às ruas apoiar seus “heróis” vão começar a ter vergonha.
    Fizeram papel de bobos.

     

  • O PLATÔ DA CURVA BOLSONARISTA

    O PLATÔ DA CURVA BOLSONARISTA

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia (UFBA)

     

    Os infectologistas nunca estiveram tão na moda. Vinte e quatro horas por dia. É só ligar a TV e tropeçamos em um infectologista transbordando termos técnicos, falando em curva de transmissão para cá, curva de óbitos para lá. Curvas, curvas e mais curvas. Tomo esse vocabulário emprestado para analisar o atual momento do bolsonarismo.

    O bolsonarismo fez suas vítimas fatais, e são bem mais numerosas do que os 30 mil já levados pela covid-19. Parte da população brasileira morreu para o convívio democrático. Essa gente não volta mais à razão. Eles precisam ser isolados. Durante algum tempo, essa parcela correspondia a 30% da sociedade. Os famosos 30%, resilientes, leais ao bolsonarismo. Porém, a última pesquisa realizada pelo instituto Datafolha (publicada em 29 de maio) mostra algo novo.

    1°) A faixa cinza dos que avaliam o governo como “regular” vai se estreitando e o coro da rejeição vai engrossando. Os indecisos estão migrando para o campo do antibolsonarismo. Essa é tendência sólida.

    2°) A aprovação do governo ficou em níveis já conhecidos, ali na casa dos 30%. Mas não são os mesmos 30% de antes. Desses 30%, 11% são formados por novos apoiadores, que avaliam positivamente o governo por causa da primeira parcela do auxílio emergencial liberado para amparar as famílias em meio à epidemia. Isso sugere que a crise com Sérgio Moro e a aproximação com o centrão derreteram parte da base orgânica do bolsonarismo, perda que por enquanto está sendo compensada pelo refluxo dos amparados. Mas esses novos apoiadores não são militantes. São pessoas desesperadas. Apoio desesperado é sempre volátil. O bolsonarismo raiz está em algo próximo a 20%.

    Os dois movimentos detectados pela pesquisa sugerem que a epidemia bolsonarista entrou na “fase platô”. A curva está achatada. Não há mais espaço de crescimento. Daqui para frente, no que se refere a apoio popular, Bolsonaro só perde, no máximo preserva o que tem. Não haverá uma segunda onda de contaminação. Isso talvez explique os gritos, os palavrões. É o rugido do animal acuado, com medo, desesperado. De manhã, Bolsonaro ameaça o país de golpe. De tarde, recebe os deputados do centrão para negociar cargos e verbas. Se há condições objetivas para o golpe, por que se enlamear junto ao centrão, sacrificando a narrativa da “nova política”?

    Talvez hoje não existam condições objetivas para o golpe. Talvez hoje os generais palacianos não sejam capazes de arrastar a tropa para uma aventura golpista. Mas não há dúvidas de que estão tentando. Não há dúvidas de que vivemos uma atmosfera de golpe. Neste exato momento, há pessoas tentando viabilizar a implantação de um regime de força, reunindo quadros das forças armadas, das PMs e grupos paramilitares.

    Bolsonaro sobrevoa o STF de braços dados com o ministro da Defesa. Augusto Heleno ameaça a República. Mourão diz para deixar o “homem governar”. Cada vez mais a solução de um governo moderado, austero, técnico, comandado por Hamilton Mourão fica menos provável. Já não é tão fácil abandonar Bolsonaro. Os militares com cargos no governo estão atolados até o pescoço na lama do bolsonarismo. São cúmplices de crimes que vão da lavagem de dinheiro à formação de grupos de extermínio. No mínimo são prevaricadores. No mínimo.

    O Ministério da Saúde está ocupado por militares, a maioria sem qualificação técnica para enfrentar a maior crise sanitária da história do país. No dia em que escrevo este texto, o Brasil registrou mais de 1.200 mortos pela covid-19. Há quem diga que entraremos agosto na casa dos 200 mil mortos. O Exército brasileiro carregará sobre os ombros essa tragédia. Não há mais como desvincular o Exército do bolsonarismo. Até pouco tempo isso era possível. Hoje, não mais.

    No último domingo, 31 de maio, a Avenida Paulista se tornou arena de uma batalha campal. Pela primeira vez, grupos antifas ocuparam as ruas para confrontar a malta fascista, que até aqui fazia o que bem entendia, sem ser incomodada. Esses grupos são formados por membros de torcidas organizadas, homens com know-how de conflito de rua. Não são militantes de esquerda good vibes não. Não é a galerinha da bicicleta de bambu, do sarau de poesia. É uma moçada de periferia, boa de porrada.

    Enquanto isso, começa a tomar corpo na sociedade civil o movimento dos 70%, que busca organizar a rejeição ao bolsonarismo em uma pauta comum mínima de defesa da democracia. A iniciativa é vista com desconfiança pelo Partido dos Trabalhadores. Lula se recusou a assinar o manifesto. Haddad se insubordinou e assinou.

    É viável uma frente ampla sem o PT, que ainda é muito forte entre as esquerdas brasileiras? O anti-petismo se tornou força tão interditante a ponto de a própria frente ampla caminhar melhor sem o PT?

    Perguntas ainda sem respostas.

    Fato fato mesmo é que a curva do bolsonarismo está achatada, o que não é exatamente uma boa notícia. O bolsonarismo é diferente do corona vírus. É mais letal. É muito mais perigoso.

    Isolado, rejeitado pela ampla maioria e limitado a 1/5 da população, sem nada a perder. Nesse cenário, o Bolsonarismo transforma a presidência da República num bunker de sobrevivência ocupado por bandidos armados e apavorados. O golpe, então, deixar de ser um desejo, um horizonte de possibilidade constantemente evocado, para se tornar questão de vida ou morte.

    Mesmo que seja derrotada, uma tentativa de golpe sempre ceifa vidas, instaura um trauma na memória nacional e desmoraliza o país no mundo inteiro, afastando investidores.

    A curva achatou, mas o vírus do bolsonarismo continuará matando o brasil por muito tempo.

     

  • A oposição conservadora da mídia da ‘Casa Grande’ e as fake news

    A oposição conservadora da mídia da ‘Casa Grande’ e as fake news

     

    Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

    Por falta de segurança para realizarem seu trabalho, os repórteres das TVs Globo e Band, da Folha de S. Paulo e do portal UOL não vão mais cobrir a entrevista matinal de Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada. A decisão foi tomada por essas empresas, uma vez que o “cercadinho” destinado à imprensa fica colado ao local de onde os apoiadores do “Mito”, alguns extremamente exaltados, ameaçam os jornalistas.
    O próprio Bolsonaro já ameaçou cassar a concessão da TV Globo e cortar a publicidade do governo federal na “Folha”. A cada dia, Bolsonaro vem subindo mais o tom das críticas aos profissionais e aos veículos que divulgam notícias que o desagradam. Enquanto isso, a reação da mídia brasileira, quando acontece, se mantém tímida e circunscrita a alguns poucos assuntos.
    A título de exemplo, enquanto a mídia internacional, há meses, chama Bolsonaro pelo
    que ele realmente é – um presidente fascista que está destruindo o Brasil – aqui, a mídia hegemônica, também conhecida como mídia da “Casa Grande”, insiste em tratá-lo por presidente. A mídia da “Casa Grande”, por exemplo, não faz qualquer menção à eleição fraudada de 2018. Fraudada por fake news e também pelas matérias tendenciosas e distorcidas por ela publicadas ao longo de anos.
    Nas redes sociais e em inúmeros grupos de Whatsapp, as questões envolvendo Bolsonaro e essa mídia estão cada dia mais polarizadas. De um lado, os apoiadores do capitão reformado insistem em afirmar que a Rede Globo e qualquer outro veículo que o critica “é comunista” e, de outro, os que defendem que essa mídia mudou.
    Já em locais sombrios da internet, continuavam sendo produzidas e divulgadas fake news sobre os mais diversos assuntos. Estavam em alta as “fakes” dando como certa a intervenção militar, as que insultavam os ministros do STF e as que desacreditavam a ciência e a quarentena em se tratando do combate ao covid-19.

    Razões que levaram o ministro do STF, Alexandre de Moraes, no âmbito do processo
    aberto naquela Corte em 2019 para investigar o uso de fake news e a disseminação de
    discursos de ódio, ter determinado, na quarta-feira (27/5), a busca e apreensão de
    material junto a 29 suspeitos – entre empresários e blogueiros -, ter quebrado os sigilos
    fiscal e bancário deles (de agosto de 2018 a maio de 2020) e determinado que sete
    parlamentares prestem esclarecimentos.
    Entre os suspeitos que tiveram seus sigilos fiscal e bancário quebrados estão o
    empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan, o dono da rede de academias Smart
    Fit, Edgard Gomes Corona, Wiston Rodrigues, que coordena o Bloco Movimenta Brasil,
    e a blogueira Sara Winter. Os quatro, bolsonaristas de primeira hora. Todos devem ser
    ouvidos pela Polícia Federal nos próximos dias.
    O resultado disso tudo tem sido uma enorme confusão na cabeça do cidadão comum.
    E não é para menos. Daí a importância de se entender esse aparente novo
    posicionamento de parte da mídia corporativa brasileira, o impacto das fake news
    nesse contexto e o que isso tem a ver com os interesses da oposição conservadora.

    Racha das TVs

    Essa é uma das poucas vezes, em mais de três décadas, que as seis famílias que detém concessões de TVs no Brasil (Marinho, Macedo, Santos, Saad, Dallevo Jr. e Carvalho) apresentam divergências e estão rachadas. A Globo, mesmo apoiando a agenda ultraliberal do governo (Estado mínimo, retirada de direitos sociais, privatizações, subserviência aos Estados Unidos) tem sido crítica a determinadas posturas de Bolsonaro em especial agora, no que diz respeito à pandemia. Já as demais têm feito de tudo para se manterem numa boa com o governo.
    O espaço de emissora “chapa branca”, do qual a Globo foi titular durante tanto tempo, passou a ser ocupado pela TV Record, do empresário e autointitulado bispo, Edir Macedo. O apoio explícito de Macedo e de sua igreja a Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018 lhe valeu as boas graças e gordas verbas oficiais desde a posse do ex- capitão. Foi para a Record que Bolsonaro deu a primeira entrevista depois de eleito, desbancando um privilégio sempre concedido à Globo.

    As brigas entre os Marinho e Edir Macedo não são de agora e antes se pautavam mais
    por questões específicas do que por problemas políticos. Os Marinho sempre tiveram
    uma relação espúria com o poder público, e Macedo, uma relação promiscua com a
    Igreja Universal do Reino de Deus. Os ataques que uns faziam aos outros não eram
    mentirosos, mas o problema é que expunham milhares de telespectadores aos interesses privados desses dois grupos, valendo-se de uma concessão pública, como são os canais de TV.
    Essa guerra, onde não há “mocinhos”, acabou chegando à política e tem atingido a Globo e a própria saúde da população brasileira. Um exemplo disso aconteceu com a série que o Jornal Nacional estreou há poucos dias, na qual apresenta depoimentos de médicos e profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao coronavírus no país.

    Em um desses depoimentos, houve uma confusão por parte do JN, ao apontar um dos hospitais no qual uma médica trabalha como não possuindo condições adequadas de atendimento aos pacientes. Foi o que bastou para que a TV Record lançasse críticas à série. Críticas replicadas por muitos internautas como sendo prova de “fraude” e de “mentira” por parte da Globo e que contribuíram para alimentar o submundo das fake news.

    A pressão foi tanta que a Globo, que raramente leva ao ar um “erramos”, em editorial lido por William Bonner, dois dias depois, explicou o que aconteceu e pediu desculpas à médica, ao hospital e aos telespectadores.

    O SBT vem em seguida à Record no quesito apoio ao governo. Como se não bastassem os elogios rasgados (pagos a peso de ouro) que Sílvio Santos tem feito dentro e fora de seu programa a Bolsonaro, no sábado (23/5) ele chegou ao cúmulo de cancelar a edição do principal noticiário de sua emissora, o “SBT Brasil”, depois de ouvir reclamações do governo após a edição do telejornal do dia anterior, quando foi mostrado o execrável vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, aquela onde sobraram palavrões e ameaças e faltou um mínimo de espírito público.

    No lugar do telejornal, sem qualquer aviso prévio de mudança, o SBT exibiu a reprise do programa “Triturando”. A descarada censura empresarial de Sílvio Santos é um caso único mesmo em se tratando da mídia da “Casa Grande” e está sendo criticada até pelas emissoras afiliadas ao SBT, que a consideraram “vergonhosa”.
    Já a TV Bandeirantes e Rede TV vêm alternado elogios e críticas a Bolsonaro, conforme as verbas publicitárias que recebem. Isso ficou nítido na fala do presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, durante a reunião ministerial do dia 22 de abril, em que afirmou que a Band “queria dinheiro”.
    A frase dá a entender que o banco havia recusado um pedido de ajuda da emissora, pois Guimarães emendou dizendo que “acho que a gente tá com um problema de narrativa. Hoje de manhã, por exemplo, o pessoal da Band queria dinheiro. O ponto é o seguinte: vai ou não vai dar dinheiro pra Bandeirantes? Ah, não vai dar dinheiro pra Bandeirantes? Passei meia hora levando porrada, mas repliquei”.
    Considerado porta-voz informal de Bolsonaro, o apresentador do programa policialesco “Brasil Urgente”, José Luiz Datena, de maior audiência na Band, reagiu com indignação e criticou as palavras do presidente da Caixa. Chegou mesmo a anunciar que “nunca mais” entrevistaria Bolsonaro, atitude que, para muitos, não passou de jogo de cena, certo de que os brasileiros têm memória curta.

    Dos veículos da “Casa Grande”, apenas a Folha de S. Paulo, durante a campanha eleitoral de 2018, com uma série de reportagens de Patrícia Campos Mello, chegou a fazer críticas ao processo. A série dava conta de que dezenas de empresários brasileiros, que apoiavam Bolsonaro e haviam comprado pacotes de disparos de mensagens contra o PT no WhatsApp às vésperas do primeiro turno, se preparavam para repetir a prática no segundo turno das eleições. A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, o que é vedado pela legislação eleitoral. Some-se a isso que o conteúdo dessas mensagens era mentiroso. O que constitui crime.

    A grave denúncia da “Folha” acabou caindo no vazio, pois não teve repercussão nos
    demais jornais como Globo e Estado de S. Paulo e menos ainda nas TVs. O próprio
    Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que havia se comprometido publicamente a combater
    e punir as fake news durante as eleições, não tomou qualquer providência.
    Os chamados “jornalões” que tanto combateram os governos petistas, por sua vez, foram unânimes ao apoiar a retirada de direitos da população brasileira, a exemplo das reformas Trabalhista e da Previdência, nos governos Temer e Bolsonaro, apresentadas por eles como “fundamentais e necessárias” para a “geração de empregos e retomada do crescimento”.
    Esses mesmos jornais, na maioria das vezes, fizeram vistas grossas não só às declarações como as próprias ações do governo Bolsonaro no que diz respeito à destruição da Amazônia, à perseguição aos índios, mulheres, negros, LGBTs, professores, artistas, cientistas, aposentados e funcionários públicos. Perseguição às quais se somam agora as contra governadores e prefeitos que criticam Bolsonaro e resistem ao “retorno às atividades normais” em plena pandemia. O que esses jornais e a própria Globo não imaginavam é que poderiam ser a próxima vítima.
    Como a perseguição chegou também a alguns veículos da “Casa Grande”, era de se esperar que, finalmente, passassem a fazer jornalismo. Vale dizer: divulgar o que está acontecendo e ouvir sempre os vários lados envolvidos na questão. Mas não é o que se vê. Nesse sentido, os casos da TV Globo, do Estado de S. Paulo e da própria “Folha” são emblemáticos.
    Na edição de quarta-feira (27/5) o Jornal Nacional trouxe uma longa reportagem sobre a decisão do ministro Alexandre de Moraes no que diz respeito ao combate às fake news e aos discursos de ódio. Os mandados de busca e apreensão atingiram em cheio apoiadores de Jair Bolsonaro e têm tudo para chegar ao Palácio do Planalto.
    Para repercutir a decisão, sem dúvida muito importante para o futuro da democracia
    brasileira, o JN ouviu quase uma dúzia de pessoas: entrevistou os presidentes da Câmara e do Senado, além de parlamentares de diversas agremiações e de especialistas.
    Ficou de fora dessa repercussão, no entanto, o nome mais importante: o do candidato
    Fernando Haddad, do PT, que disputou com Bolsonaro o segundo turno das eleições em 2018 e foi derrotado exatamente pelo discurso de ódio e pelas fake news. Excluir o PT e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff do noticiário não só da TV Globo como de todos os demais veículos do Grupo Globo – O Globo, CBN, G1, Valor Econômico, Época, GloboNews – tem sido uma prática. Além de jamais entrevistá-los, até em comparações são excluídos. Já se transformou em bordão os repórteres da Globo, por exemplo, ao fazerem comparações entre o governo atual e os de Lula e Dilma, citá-los apenas como “governos anteriores”. O nome dessa técnica em jornalismo é silenciamento e tem como objetivo impedir que recordações positivas voltem à memória das pessoas.

    Moro

    Ao mesmo tempo em que buscam apagar a memória positiva associada aos governos Lula e Dilma, a Globo não mede esforços para expor seus “heróis” como é o caso do ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, e do governador de São Paulo, o tucano João Dória, possivelmente já de olho nas eleições de 2022.
    O pedido de demissão de Moro rendeu uma cobertura digna dos mais importantes fatos da República. Presente com destaque em todas as edições do JN desde então, Moro foi alvo de uma entrevista de 20 minutos no Fantástico, no domingo 24/5.
    Entrevista que se assemelhou muito a um processo de mídia training, no qual os
    “pontos positivos” de Moro (implacável contra a corrupção, determinou a prisão de Lula) foram destacados e os “negativos” apresentados de maneira que ele pudesse, desde já, neutralizá-los. Algo como: permaneci no governo Bolsonaro por 16 meses, porque queria defender a independência da Polícia Federal e deixei o governo, por me sentir traído.
    Quanto a João Dória, ele tem sido presença constante no JN, que tem deixado sua câmera e microfone abertos para falar sobre o combate à pandemia e quaisquer outros assuntos do seu interesse. O curioso é que São Paulo, o estado mais rico da federação, é o que tem também o maior número de contaminados e mortos pelo covid-19.
    São Paulo vem sendo governado pelos tucanos há mais de 20 anos, mas isso não vem ao caso. Como não vem ao caso que todos os partidos conservadores – MDB e PSDB à frente – com o entusiástico apoio da mídia da “Casa Grande” aprovaram o congelamento por 20 anos dos gastos com saúde e educação. Deu no que deu. Já o “Estadão” que no segundo turno das eleições presidenciais havia considerado, em editorial, “uma escolha muito difícil” entre o candidato do PT, Fernando Haddad, e Jair Bolsonaro, então filiado ao PSL, voltou a insistir na mesma tecla.
    Um dia depois de ver parte da mídia determinar que seus profissionais abandonassem o “cercadinho”, o matutino conservador paulistano fez outra comparação para lá de esdrúxula, entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula, dizendo que “nasceram um para o
    outro” e “enxergam o mundo e seu papel nele da mesmíssima perspectiva”.
    Além de vergonhoso e não corresponder minimamente à realidade (Bolsonaro é um
    fascista e Lula, um humanista) um texto como esse tem tudo para entrar para a história da mídia da “Casa Grande” como prova da má-fé e subserviência de um punhado de redatores aos seus patrões. Não por acaso, o próprio Haddad, fazendo uma paródia do editorial do “Estadão”, publicou, em suas redes sociais, que entre o jornal conservador paulistano e Bolsonaro, a “escolha ficou muito difícil”.
    Já a “Folha”, como esses outros dois veículos, quer a saída de Bolsonaro do poder, mas
    está longe de admitir, por exemplo, que fez campanha contra Dilma; que defendeu a
    condenação e prisão, sem provas, de Lula; que a eleição de 2018 foi fraudada e que a
    restauração da democracia no Brasil passa por novas eleições. Uma pista do que ela e
    os demais veículos da “Casa Grande” pretendem foi dado pelo artigo do professor de
    Direito Internacional da USP, Pedro Dallari, publicado em sua edição de 28/5.
    Sob o título de “A hora do vice-presidente. A gravidade da situação atual não admite
    outra solução para o país”, o também matutino paulistano deixa claro os limites e os
    interesses da oposição que passou a fazer ao governo Bolsonaro. Essa oposição, por
    exemplo, exclui o campo progressista, a começar pelo maior partido político brasileiro,
    o PT.

    É nesse sentido que, guardadas as proporções, a mídia da “Casa Grande” tem lá suas
    semelhanças com a turma das fake news e da disseminação do ódio. Foi no caldo da
    sistemática desconstrução dos governos petistas – e, no passado, no de todos os governos progressistas como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart – que as fake news prosperaram: combate ao comunismo, denúncias sem provas de corrupção, linchamento midiático de adversários etc.
    Ao tomar partido contra o PT, a mídia corporativa brasileira passou a apoiar tudo o que pudesse significar a sua derrota. E foi aí que veio Bolsonaro. E foi aí também que essa mídia, que já não gozava de muita respeitabilidade, perdeu a condição de fonte confiável de informação, se é que algum dia a teve. Condição que agora luta para recuperar e até mesmo para sobreviver.
    A TV Globo – que tem visto sua audiência aumentar, mas ao mesmo tempo, vem sendo
    obrigada a um drástico enxugamento em sua folha de pessoal e reestruturação de seus
    veículos – trabalha para sair por cima não só desse racha, mas para voltar a dar as cartas na política brasileira. Quem não se lembra que o patriarca Roberto Marinho se considerava um “fazedor de presidentes” e realmente o foi mesmo após o fim da ditadura de 1964?
    Daí o dilema que vivem no momento Globo, Folha e Estadão. Ao contrário dos demais veículos e da turma das fakes news, que parecem dispostos a ir com Bolsonaro até o fim (qualquer que seja ele), os três tendem a calibrar essas críticas. Dificilmente, no entanto, elas atingirão a agenda ultraliberal do governo, que defendem com unhas e dentes. Daí, cada dia mais, a oposição que fazem assumir a postura de “conservadora”, com nome e sobrenome para quem apoiam: Hamilton Mourão.
    A Globo sabe que Bolsonaro não tem como cassar-lhe a concessão, pois exigiria o apoio de dois terços dos membros do Congresso Nacional, que ele não tem. Mas ele pode adotar medidas como colocar a Receita Federal para analisar a situação da empresa. Várias no setor da mídia são devedoras contumazes. Toda essa situação é inédita no Brasil. É a primeira vez que parte dessa mídia se vê
    afrontada por quem ela mesma ajudou a eleger. O fato, por si só, deveria propiciar uma profunda reflexão e mudança de comportamento por parte dessa mídia e de quem a faz.
    Como dificilmente isso acontecerá, a democracia no Brasil continua precisando de outra mídia. Mas isso é assunto para outro artigo.