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  • Documentário “Na fila do SUS” traz o impacto do sucateamento da saúde pública no Brasil

    Documentário “Na fila do SUS” traz o impacto do sucateamento da saúde pública no Brasil

    texto: Pedro Santi, para os Jornalistas Livres

    Saúde. Direito básico do cidadão

    Os serviços públicos são interesse popular, e boa parte do povo brasileiro necessita deles para sobreviver. Com o SUS (Sistema Único de Saúde) não é diferente – saúde é um direito básico de todo cidadão e em tempos de calamidade, como a pandemia do coronavírus, fica mais evidente a necessidade de um bom serviço de saúde pública. O Documentário “Na fila do SUS”, dirigido pela profissional e pesquisadora da área Ellen Francisco, retrata o impacto que o sucateamento do SUS têm na vida dos brasileiros mais vulneráveis socialmente.

    Manifestação contra o sucateamento do SUS

    “Na fila do SUS”. São Paulo, Rio e Amazônia

    Reconhecendo o sistema único de saúde como uma luta popular, a obra apresenta essa reflexão a partir de três diferentes situações e regiões do Brasil. Em São Paulo, o foco é com moradores de rua e dependentes químicos. A cidade não tem hoje políticas públicas para essa população, e isso implica em falta de ações como redução de danos e ressocialização. Pessoas em situação de rua vivem em constante ameaça de doenças respiratórias e dermatológicas, como tuberculose e escabiose, além de doenças psicológicas, fruto da falta de cuidado com a saúde mental dessas pessoas.

    No Rio de Janeiro, o debate gira em torno da precarização da atenção primária nos postos de saúde e hospitais. As Clínicas da Família sofreram com esse desmonte e isso gerou uma crise na rede. Funcionários com meses de salários atrasados e pacientes relatando superlotação e restrição de atendimento. Consequência direta da desestruturação do atendimento básico.

    Por último, “Na fila do SUS” denuncia a influência do agronegócio nas áreas de preservação ambiental da Amazônia. E o impacto disso na saúde dos povos indígenas. Como o sucateamento do SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e a transferência para os precários serviços de saúde da rede municipal, a região carece de atendimento de qualidade para esse povo que vem sofrendo com doenças causada pelos impactos ambientais.

    “Na Fila do SUS é uma iniciativa para debatermos a importância da saúde pública e do SUS na vida do povo brasileiro. Se a situação já estava difícil em diversas capitais, agora em tempos de Coronavírus a coisa ganhou ares desesperadores. É uma produção urgente para mostrar que tem muita gente defendendo o SUS e a saúde pública.” diz Vito Ribeiro, roteirista do filme.

    Agentes comunitários da saúde participam de manifestação a favor do SUS

    Luta de classes na saúde

    O documentário, com a opinião de pesquisadores e acadêmicos especialistas no assunto, traz essa crítica ao poder político que precariza e limita a capacidade do SUS de atender os menos favorecidos. Dentre os responsáveis estão os planos de saúde privados, empresas, partidos e candidatos políticos – os interesses particulares nesse meio acabam causando esse desmonte, e milhões de brasileiros são prejudicados.

    A previsão para o lançamento de “Na fila do SUS” é de junho de 2020, na plataforma de documentários independentes Bombozila. O projeto faz parte de uma campanha de financiamento coletivo – para colaborar, basta entrar na página da vaquinha online e apoiar. O documentário também pode ser encontrado no instagram: @NaFiladoSus. Confira o trailer abaixo:

     

    https://www.youtube.com/watch?v=fTkq9BNu3Uc

  • “A Sós”: Só um grande jornalista poderia fazer um documentário como este

    “A Sós”: Só um grande jornalista poderia fazer um documentário como este

     

    Vinicius Lima é um jornalista recém-formado pela PUC-SP. Há anos ele trabalha no projeto SP invisível, um movimento que conta histórias  de moradores de rua e de pessoas que vivem ou trabalham nas ruas de São Paulo. Veja a página aqui.

    A experiência serviu para apurar o olhar do jovem repórter. Ali, onde as pessoas genericamente vêem “mendigos”, “vagabundos”, “vítimas do sistema”, “craqueiros”, “coitados”, dependendo de onde o observador esteja no espectro político, Vinicius encontra histórias de vida, alegrias, tristezas, amores, escolhas, os porquês de estarem onde estão e fazendo o que fazem.

    Vinicius vai muito além dos estereótipos porque sabe que eles servem apenas para reforçar as barreiras da invisibilidade e, por que não?, justificar nossa insensibilidade diante da dor e do sofrimento do “Outro” —ele não é um ser como nós, dotado de sentidos como os nossos.

    Já foi moda no jornalismo o repórter se fantasiar de morador de rua, de imigrante turco na riquíssima Alemanha, de miserável no Império Americano. Maquiagem, roupas esfarrapadas, sotaque fajuto, tudo para “vivenciar na própria pele” o que o Outro sentiria na condição de marginalizado e excluído.

    Caô total. Verdadeiro estelionato.

    Primeiro, porque esse método de investigação jornalística cassa a palavra de quem já tem a palavra, quando não a própria existência, negada. Quem fala é o repórter fantasiado.

    Depois, porque nunca, nem com todos os artifícios, reproduz-se a singularidade das histórias de vida de quem acabou indo morar nas ruas. O máximo que se consegue é reverberar os preconceitos e clichês de quem se arvora a intérprete do “marginalizado e excluído”.

    Bem mais difícil foi o percurso investigativo escolhido por Vinicius para falar do amor que acontece nas ruas, pela voz dos próprios amantes. Porque pressupôs um trabalho delicado de prospecção e seleção dos cases apresentados. E porque exigiu o estabelecimento de uma profunda relação de confiança entre entrevistador e entrevistado, algo sempre difícil de obter no território inóspito das calçadas.

    Emocionante, delicado, veraz. Tudo isso poderia ser dito deste documentário, produzido como trabalho de conclusão de curso, sob orientação do professor Marcos Cripa, do jornalismo da PUC-SP. Prefiro dizer que é um pungente resgate jornalístico. Torna visível o que foi invisibilizado por camadas e mais camadas de estereótipos. Dá voz a quem sempre foi calado. Preenche com alma e amor os corpos desumanizados pelo preconceito.

    Você não olhará mais para um morador de rua como olhava antes. É para isso que serve o Jornalismo, afinal! Assista agora:

  • Os Cavaleiros da Contra-Reforma

    Os Cavaleiros da Contra-Reforma

    Quem leu a manchete que divulgou a aprovação da “Nova RAPS” (Rede de Atenção Psicossocial) na última quinta-feira (14), pela CIT (Comissão Intergestora Tripartite – composta por secretários de Saúde da união, estados e municípios), poderia pensar que se trata de uma conquista, que avançamos no campo da política pública de saúde mental no Brasil. Em pleno golpe, um respiro! Nada mais falacioso, no mesmo estilo do que é veiculado na mídia sobre as benesses das reformas todas (trabalhista, da previdência etc.), que o golpe não cessa de nos empurrar goela abaixo todos os dias.

    A manchete nos diz que foram vetadas a abertura de novos leitos em manicômio e que será ampliada a rede de assistência. Pois bem, a lei 10.216 de 2001, que consolida a diretriz da atenção em saúde mental no Brasil, já vetava a abertura de novos leitos nesses lugares que produzem muitas coisas (sobretudo violação de direitos), menos saúde mental. A proposta, alardeada pelo Ministério da Saúde como avanço, foi comemorada pelos setores mais retrógrados da saúde mental no Brasil, aliada da indústria farmacêutica. Na prática, a idéia é aumentar o valor de repasse da diária para os leitos manicomiais e cessar seu fechamento progressivo, que acontecia quando os moradores de hospitais psiquiátricos (que ainda são mais de 4.000 pessoas em pleno século 21…) saíam de seus cárceres para retornar à vida em sociedade. Essas vagas em manicômios (sim, hospitais psiquiátricos e manicômios são a mesma coisa!) não serão mais extintas com a nova política, mas serão disponibilizadas para novas internações, que seguirão produzindo muitos novos moradores.

    Além disso, a ampliação da rede de assistência hospitalar consiste na reinvenção de um modo de cuidado já superado em terras tupiniquins: o ambulatório de psiquiatria, de inspiração biomédica e medicalizante. Neste, o psiquiatra detém o poder hegemônico sobre o tratamento, e outras profissões da saúde, como a psicologia, a terapia ocupacional, etc., e também o serviço social, fundamentais para a alteração da compreensão do fenômeno dos transtornos mentais e seus cuidados para muito além dos marcadores biológicos, são meros coadjuvantes. É claro que os termos usados na resolução não são esses e usam do linguajar da Reforma Psiquiátrica brasileira para propor as mudanças… Não sejamos ingênuos.

    Não bastasse, a resolução prevê maior apoio e fomento às famigeradas Comunidades Terapêuticas, locais de internação para usuários de álcool e outras drogas, normalmente ligadas a setores religiosos, onde o fundamento do tratamento se resume a encarceramento, “enxada e bíblia”, além da clássica violação de direitos. O que está previsto para o Brasil é o que já assistimos em menor escala no município de São Paulo. Um exemplo inegável disto é o fato de que nos últimos dois meses, dois jovens que viviam há anos no centro de São Paulo, cuidados (com muitas dificuldades) por equipes comunitárias, e que sobreviveram às ruas, à doença mental e ao crack, não sobreviveram um mês ao Hospital Psiquiátrico. A lógica “cidade linda” chega ao planalto, para aprofundar o projeto de extermínio dos mais vulneráveis.

    *Psicóloga e psicanalista, trabalhadora da saúde mental pública no Brasil há 25 anos, docente da especialização “Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica: clínica e política na transformação das práticas”, do Instituto Sedes Sapientiae e militante da Luta Antimanicomial

  • Manifestantes protestam em Brasília contra nomeação de novo Coordenador de Saúde Mental

    Manifestantes protestam em Brasília contra nomeação de novo Coordenador de Saúde Mental

    cecilia3Cerca de 800 militantes de entidades e movimentos antimanicomiais protestaram ontem (14/1) em Brasília contra a nomeação do novo Coordenador de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, o psiquiatra Valencius Wurch.

    Os manifestantes se concentraram na sede do Ministério da Saúde (MS) e depois seguiram em cortejo com muito frevo, batuque e cantorias até o Edifício Premium, onde Valencius poderá vir a efetivamente trabalhar caso consiga reverter o quadro de negação de funcionários, pacientes e até familiares de pacientes ao seu nome.

    Na prática esta parece ser uma realidade distante. Para tentar impedir que o psiquiatra tomasse posse, o que acabou acontecendo só na semana passada – mais de um mês depois da exoneração do antigo Coordenador – militantes da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila) e do Movimento Pró-Saúde Mental do Distrito Federal ocuparam a Coordenadoria.

    No final da tarde de quarta (13), quando a ocupação completou 30 dias, o acampamento que estava concentrado em uma sala, resistindo desde as festas de fim de ano, tomou mais uma das três em que funciona a coordenação.

    “O que motivou (o crescimento da ocupação) foi a chegada de um ônibus de Pernambuco. Todas as áreas do edifício ficaram impedidas de trabalhar por determinação do Ministro com a justificativa de segurança”, explicou uma funcionária do Ministério da Saúde. Depois que Valencius saiu pela porta dos fundos para não encarar os manifestantes o fechamento do prédio foi cancelado.

    Cecilia02Desde que o psiquiatra foi anunciado pelo Ministro da Saúde, Marcelo Castro, há resistência dos profissionais e pessoas atendidas pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que alegam que Valencius tem posições contrarias a política nacional de saúde mental sustentada pelos governos Lula e Dilma até 2016.

    Segundo a pesquisadora do Observatório Nacional de Pesquisa Mental e militante da Renila, Alyne Alvarez, 19 ônibus de diversos estados se concentraram ontem em Brasília. “Amanhã o grupo de articulação política que construímos esta semana deverá produzir um documento que pretendemos entregar na Secretaria Geral da Presidência”, explicou.

    O ex-Coordenador de Saúde Mental do MS, Roberto Tykanori, um dos profissionais mais reconhecidos quando se fala em tratamento de saúde mental fora de manicômios, exonerado em dezembro, conversou com os Jornalistas Livres na última sexta-feira (08). Segundo ele, “não há mais como voltar a trabalhar com o atual Ministro, mas a hora é de apoiar o movimento”.

    Tykanori replicou em sua página no Facebook a matéria da Folha de S.Paulo sobre a “gafe” do Ministro da Saúde ao falar com jornalistas das pesquisas para a vacina do zika vírus. “Nós vamos dar (a vacina) para as pessoas em período fértil. E vamos torcer para que as pessoas antes de entrar no período fértil peguem o zika, para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina”, declarou Marcelo Castro.

    A fala do ministro foi repercutida em diversos veículos, como O Globo e a Folha de São Paulo, como uma piada, mas na verdade demonstra um enorme desconhecimento sobre o tema. A exposição ao mosquito da dengue uma única vez pode trazer riscos enormes. Não estamos no momento de brincar com esse tema. No Brasil, bebês de 724 municípios podem ter sido acometidos de microcefalia por causa do vírus zika. São mais de 3.500 recém-nascidos que ainda não tiveram o diagnóstico confirmado por exames.

    Saiba mais sobre a questão em: https://jornalistaslivres.org/2015/12/diretor-de-manicomio-desumano-e-premiado-com-a-coordenacao-de-saude-mental-do-pais/