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Tag: Saúde

  • Competência cultural e a atuação profissional no contexto da atenção à saúde dos povos indígenas

    Competência cultural e a atuação profissional no contexto da atenção à saúde dos povos indígenas

    um olhar sobre o Parque Indígena do Xingu

    por Evelin Placido dos Santos, Anna Luiza de Fátima Pinho Lins Gryschek, Clayton de Carvalho Coelho

    O Brasil é marcado por uma grande diversidade cultural, presente inicialmente pelos povos originários ou indígenas, e a partir da colonização, pela contribuição dos europeus e dos povos africanos. Imigrações posteriores, advindas do mundo todo contribuem, ainda, para esta diversidade. Temos, dispersos em todo território nacional, em torno de 817.963 indígenas, distribuídos em cerca de 230 povos, falantes de 180 línguas (IBGE, 2010). 

    A interculturalidade é um fenômeno atual no campo de atuação dos profissionais de saúde, que desempenham atividades com uma grande diversidade de pessoas, no que diz respeito ao gênero, à raça, à etnia ou religião. Em princípio, estes profissionais não deveriam reconhecer as necessidades das pessoas apenas pelas doenças que estas apresentam, mas de acordo com suas experiências narradas isoladamente ou de forma contextualizada. 

    Os profissionais devem estar culturalmente sensíveis para realizar um cuidado em saúde fundamentado em singularidades de ações, motivados para atuarem neste contexto e preparados para realizarem adequações ou adaptações de condutas condizentes às situações de saúde/doença das pessoas ou comunidades.

    Os povos indígenas em nosso país, através da Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena (PNASPI), têm garantido o direito a uma atenção diferenciada, com respeito às suas especificidades étnicas e culturais e às suas diferentes situações de risco e vulnerabilidade. Porém, a aproximação entre a teoria e a prática da atenção à saúde destes povos está sendo construída de forma ainda incipiente. 

    A população indígena representa cerca de 0,4% da população nacional, sendo o menor estrato racial da população brasileira, porém, apresentando indicadores de saúde 2 a 3 vezes piores, quando comparados com aqueles da sociedade envolvente, com altas taxas de doenças endêmicas, carenciais e crônicas. 

    Constituem-se historicamente numa população marginalizada, de subordinação política, exploração econômica, discriminação social e inadequação do atendimento em saúde, decorrente da falta de coerência das políticas públicas de saúde e educação indígenas. Essas políticas deveriam ser baseadas nos direitos e necessidades dessas populações, reconhecidos na Constituição Brasileira de 1988. Entretanto, ainda se observa estagnação no processo de construção de um modelo assistencial de fato diferenciado e que certamente resultaria numa política com eficácia e participativa.

     Seguramente a atenção à saúde em populações indígenas, incluindo as ações de imunização, tem peculiaridades. Estamos diante de um cenário de grande diversidade cultural, diferentes visões de mundo, e distintas formas de compreender o processo saúde-doença. Nesse contexto, o profissional de saúde, deve estar preparado para atuar de maneira sensível às diferenças culturais para, assim, garantir a qualidade do trabalho, buscando, de fato o caminho da já mencionada, atenção diferenciada.

     O cuidado culturalmente competente surgiu como o mantra da prática contemporânea de enfermagem após a Segunda Guerra, imbuído com fórmulas e instruções para os prestadores de saúde, sobre como tornar-se culturalmente sensível e enaltecer a diversidade, preparando os enfermeiros para um mundo de prática em que a diversidade é a mandamento norteador do cuidado. A competência cultural é essencial para oferecer o “diferencial” da escuta e compreensão do indígena e do seu universo. O desenvolvimento desta competência resulta da disposição dos profissionais de saúde em despirem-se de seus valores para entender a cultura indígena, relativizar seu conhecimento biomédico, desconstruir práticas etnocêntricas e demonstrar respeito à cultura indígena e interesse pela história do povo que irá atender.

    O conceito de competência cultural na enfermagem surge na Teoria da Enfermagem Transcultural, cuja missão é sensibilizar os enfermeiros sobre a diversidade cultural e promover cuidados culturalmente competentes, em que Pagliuca e Maia (2012) em uma revisão da Teoria da Enfermagem Transcultural, apontaram Leininger, Campinha-Bacote, Giger e Davidhizar, Orque Purnel e Paulanka, Spector, Andrews & Boyle como as principais referências teóricas que contribuem para o avanço da enfermagem transcultural. O termo competência cultural é novo na literatura de enfermagem e o mesmo precisa ser apresentado e disseminado.

    A compreensão ampla dos aspectos morais e culturais envolvidos em cada caso é essencial para a incorporação do conceito de competência cultural aos cuidados de enfermagem. Diante de uma identidade multicultural, que deve ser respeitada, o enfermeiro deve despir-se dos seus próprios preconceitos, criados a partir de sua identidade cultural, minimizando a sobreposição de uma cultura à outra.

    Os atributos comumente identificados de maneira mais significativa no surgimento do conceito de competência cultural, referem-se a um grupo de características que incluem conhecimento cultural, habilidade cultural, comunicação cultural e consciência cultural. Ainda, na literatura, é identificado como característica própria do conceito, um caráter pessoal. Dentre estas características individuais, destacam-se: a empatia, o respeito, a confiança, o vínculo, a flexibilidade, a franqueza, a humildade e a compaixão.

    O conhecimento cultural é marcado pela compreensão das características intraculturais e interculturais. Neste sentido, exige o conhecimento de regras ou padrões culturais específicos dentro de diferentes culturas e que interferem nas formas de viver de cada indivíduo. O conhecimento das singularidades de cada cultura, possibilita a compreensão das crenças, relações de gênero, papéis sociais, estrutura econômica, etnicidade, acessibilidade à educação, tradições, estrutura familiar, concepção do processo de saúde/doença e estilos de vida.

    As diferenças individuais são conhecidas no interior de uma mesma cultura que podem ser tão diversas quanto a de pessoas pertencentes às culturas diferentes. Cada indivíduo traz consigo diferentes tradições e práticas dentro de sua cultura. Quando se avaliam os modelos de enfermagem existentes, há poucas referências ao diálogo como um método de aprendizado sobre a cultura do outro. Inserir-se no diálogo depende de uma relação direta com o outro, em um processo de descoberta e aprendizado que pode ser mútuo e equilibrado. No entanto, o foco dos modelos de enfermagem aparentemente está em aprender “sobre” outra cultura em contraposição à aprender “com” outra cultura, aplicando o conhecimento encontrado, ao contrário da troca possibilitada pela conversação e pelo diálogo que permitiriam que se chegasse a um novo entendimento com base no conteúdo deste diálogo. 

    A comunicação cultural eficaz através de terminologia, de linguagem adequada a cada contexto e de ênfase no idioma, são habilidades culturais que devem ser melhoradas para a transmissão das informações de forma precisa, na discussão dos assuntos culturais de forma aberta, sugerindo respostas baseadas na cultura e avaliando etnicamente o significado que a cultura tem para as pessoas.

     Para desenvolver habilidade cultural é indispensável a aprendizagem de competências linguísticas, que incluem reconhecer a necessidade de tradutores e de métodos para romper as barreiras da comunicação. Destaca-se a variação dos padrões de comunicação entre culturas, sendo premente não negligenciar a comunicação não verbal, pois silêncio, olhar, toque têm significado cultural, e são fundamentais à clínica.

     A consciência cultural incorpora-se nas características individuais. Esse atributo é determinado pela orientação cultural de cada pessoa e pela capacidade em desenvolver a autenticidade, em um exercício de reconhecimento da própria identidade cultural (autoconsciência) e pela disponibilidade para entender as outras culturas. A consciência cultural é importante para o reconhecimento de preconceitos, dos estereótipos e as suposições sobre os padrões culturais manifestados em diferentes culturas, em uma atitude respeitosa dos diversos pontos de vista, contribuindo para diminuir as dissonâncias culturais e a imposição de uma cultura sobre outra. 

    O Parque Indígena do Xingu (PIX) compreende uma área de aproximadamente 2.800.000 ha, na região das cabeceiras do Rio Xingu, em uma região de transição entre o cerrado e a floresta amazônica, dentro do qual vivem atualmente 16 etnias, dos troncos linguísticos Karib (Ikpeng, Kuikuro, Kalapalo, Nahukua e Matipu), Aruak (Mehinako, Yawalapiti, Waurá), Tupi (Aweti, Juruna, Kaiabi e Kamaiurá), Macro-Jê (Kisêdjê), além de um povo de língua isolada (Trumai), compondo uma população total de aproximadamente 7330 indivíduos em 2020. Diante deste complexo contexto intercultural, buscamos evidenciar a importância do desenvolvimento da competência cultural pelos profissionais de saúde para atuarem com os povos indígenas.

    http://editora.redeunida.org.br/project/saude-indigena-praticas-e-saberes-por-um-dialogo-intercultural/

    imagens e edição por Helio Carlos Mello

  • DEUTERONÔMIO: “Constituição de 1988” para o povo?

    DEUTERONÔMIO: “Constituição de 1988” para o povo?

    No Brasil, a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 pode ser vista como uma espécie de Livro do Deuteronômio na vida do povo brasileiro. Após muita luta social, resgatando a memória das lutas de resistência popular, o povo organizado, na luta, conquistou a inserção de vários princípios e regras na Carta Magna para garantir respeito à dignidade de todas as pessoas, tais como: ‘função social da propriedade’, ‘desapropriação de latifúndios que não cumprem sua função social’; forte ênfase nos direitos sociais, entre os quais estão: ‘o direito à educação, à saúde, à terra, à moradia, ao meio ambiente saudável e equilibrado’; princípios libertadores, ou seja: ‘respeito à dignidade da pessoa humana’, ‘direitos humanos’, ‘liberdade de expressão’, ‘espírito republicano’, ‘direito de manifestação’, ‘liberdade religiosa’; prescrição para se demarcar as terras dos Povos e Comunidades Tradicionais, tais como: ‘indígenas,’ ‘quilombolas’ etc.

    Por Gilvander Moreira[1]

    Tudo isso está assegurado na Constituição Federal, mas a classe dominante, cotidianamente, mais do que impedir a efetivação desses direitos sociais, os destroem. A história demonstra que só com luta social permanente se conquistam direitos e se impedem retrocessos de direitos conquistados com suor e sangue pela classe trabalhadora. Se o povo se acomoda, vai sendo violentado aos poucos, até ser sacrificado.

    O livro do Deuteronômio contém narrativas de um povo comprometido pela ALIANÇA (BeRiT, em hebraico,) com Yahweh, Deus solidário e libertador, que “libertou do Egito o povo escravizado”. O fio condutor do Deuteronômio é um povo que busca, eticamente, colocar em prática o projeto de Aliança firmado entre eles, POVO escravizado por mais de 500 anos sob o imperialismo dos faraós no Egito, e o Deus YAHWEH, acima de tudo, libertador. Para isso, marcham no deserto por cerca de “40 anos”, a fim de conquistar uma “terra onde corre leite e mel” (Dt 26,9), e, no final, ao sopé do Monte Sinai, celebram a projetada Aliança.

    Por isso, o livro de Deuteronômio rechaça, com veemência, as práticas que se ancoram em imagens distorcidas de Deus: idolatria. Os redatores e as redatoras do livro de Deuteronômio são tão radicais contra a idolatria e percebem tão bem que os falsos profetas e os falsos pastores são propagandistas da idolatria, que alertam: “Não dê ouvidos a profeta que apresenta sinal ou prodígio. Mesmo que apresente prova, não dê ouvidos!” (Dt 13,2-4). Mais! Falso profeta não pode ser respeitado e nem tolerado: “O falso profeta deverá ser morto.” (Dt 13,6). É claro que não podemos entender esse versículo como uma autorização para pena de morte para os falsos profetas e falsos pastores, mas como um alerta para os estragos humanos e sociais que os mesmos causam no tecido social. O correto e ético é ‘puxar o tapete’ que sustenta esses falsos profetas e pastores, retirando deles todas as armas de morte que usam, com sutilezas, para enganar o povo, ao invés de cuidar desse povo injustiçado.

    O texto de Dt 15,12-18, que apresenta um ensino sobre a libertação dos escravos hebreus, retoma e desenvolve a lei que está em Ex 21,2-6; fazendo isso, porém, em linguagem que liberta e evangeliza, e não em linguagem legislativa.

    Quando um de seus irmãos, hebreu ou hebreia, for vendido a você como escravo, ele servirá a você durante seis anos. No sétimo ano, você o deixará ir, em liberdade. Contudo, quando você deixar que ele vá em liberdade, não o despeça de mãos vazias: carregue os ombros dele com o produto do rebanho de você, da sua colheita e de cereais e de uva. Dê-lhe de acordo com a bênção que Javé seu Deus tiver concedido a você. Lembre-se que você foi escravo no Egito, e que Javé, seu Deus, resgatou você” (Dt 15,12-15).

    O texto evoca um contexto do povo da Bíblia sobrevivendo em tempos de escravidão, sob relações sociais escravocratas, nas quais quem detinha poder econômico e político comprava pessoas como se fossem mercadoria e as escravizava. Vários povos dos tempos bíblicos foram escravizados durante uns 500 anos pelo imperialismo dos faraós no Egito, mas se libertaram por volta de 1200 antes da Era Comum. Após alguns séculos, foram escravizados novamente pelo Império Assírio, depois pelo Império Babilônico e, posteriormente, pelo Império Persa, Grego, Romano e, na sucessão da história, pelos impérios: português, espanhol, inglês, estadunidense, império das transnacionais etc., como assistimos hoje.

    Pela narrativa de Dt 15,12-15, os escravos são reconhecidos pelo autor de Deuteronômio como ‘irmãos’ e, surpreendentemente, inclui a perspectiva de gênero (‘hebreu’ ou ‘hebreia’). É inspirador ver no Deuteronômio o reconhecimento da igualdade de dignidade entre homem e mulher. Mesmo que o contexto seja de escravidão, o texto ensina que a escravidão não será “ad aeternum”: será apenas por ‘seis anos’. Ninguém nasce destinado a sobreviver, pela vida inteira, como escravo. Nascemos para a liberdade, mas não para uma liberdade abstrata. Liberdade, sim, mas com condições materiais objetivas capaz de efetivá-la.     

    A orientação para descansar no 7º ano, Ano Sabático, é oriunda da mística segundo a qual o Deus criador, após criar todas as criaturas nas ondas da evolução, descansou no 7º dia. Por isso, intui-se que Deus quer que descansemos no 7º dia. Daí decorre a orientação para deixar a mãe terra descansar no 7º ano, em uma perspectiva de agricultura ecológica. E após 49 anos (7 anos x 7 anos), no Ano do Jubileu, deve se fazer uma reorganização geral da sociedade: as terras compradas ou invadidas deverão ser devolvidas aos seus ancestrais, todas as dívidas devem ser perdoadas, as pessoas escravizadas devem ser libertadas e a sociedade deve ser revolucionada, para que todos e todas tenham condições materiais e objetivas de ‘ter vida e liberdade em abundância’.

    Cultivando essa mística, o livro de Deuteronômio alerta: “Não escravize ninguém para além de seis anos” (Dt 15,12a.18). “Liberte quem você escravizou, no sétimo ano.” (Dt 15,12b.18). Isso é anunciado de forma enfática, pois se diz em Dt 15,12 e se repete em Dt 15,18 na conclusão da unidade textual. No entanto, muito eloquente é o fato de que o livro de Deuteronômio não prescreve apenas libertação formal, que concede liberdade abstrata, mas que muitas vezes, até aumenta as amarras escravizadoras, como aconteceu no Brasil. Em 1850, 38 anos antes da Abolição formal da escravidão de milhões de negros escravizados, escravizou-se a terra, com a Lei 601, Lei de Terras, ao legislar, afirmando que a única possibilidade de acesso à terra seria por meio de compra. Criou-se, assim, o cativeiro da terra antes de acabar com o cativeiro dos negros escravizados. Procedendo assim, juridicamente se pavimentou a estrada para se criar outro tipo de escravidão sob a égide de liberdade abstrata e formal.

    Com a abolição formal da escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888, os negros escravizados saíram de mãos vazias, sem jamais ter condições de ter acesso à terra, pois não tinham dinheiro para comprar nem mesmo um sítio. Consequentemente, de escravizados juridicamente se tornaram sem-terra, iniciando o que muitos chamam de escravidão moderna ou contemporânea, na prática, em muitos casos, até mais cruel. Como? Nos moldes de intensificação do trabalho por metas de produção, ganho por produção, trabalho intermitente, terceirizado, uberizado ou… sabe-se lá o que mais…

    Portanto, relacionando o Livro do Deuteronômio com a Constituição de 1988, reconhecemos a caminhada e a luta do povo como um constante êxodo, em busca de libertação, guiado por um Deus que, sendo Pai-Mãe, atrai, educa, é Deus-Amor, Deus-Libertador!

    Belo Horizonte, MG, 8/9/2020

     Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

    1 – Frei Carlos Mesters fala sobre o Livro do Deuteronômio em entrevista a frei Gilvander – 15/01/2020

    2 – Cartilha do mês da Bíblia de 2020 do CEBI/MG: livro do Deuteronômio. Por Julieta Amaral – 18/6/2020

    3 – Livro do Deuteronômio, Levitas Resgatando ideais do Êxodo em plena Monarquia – CEBI/MG – Parte I

    4 – Livro do Deuteronômio, a pregação dos Levitas. Por Frei Gilvander, Julieta e Irmã Marysa – Parte II

    5 – Livro do Deuteronômio – chaves de leitura – Mês da Bíblia de 2020 – por Rafael, do CEBI. Vídeo 1

    5 – Deuteronômio/Mês da Bíblia 2020/Chaves de Leitura por Rafael Rodrigues, do CEBI/Vídeo 2 – 02/2/2020

    6 – Livro do Deuteronômio – Mês da Bíblia/2020: Pistas para uma leitura sensata e libertadora, por Rafael Rodrigues – Entrevista completa

    7 – Live – CEBI-MG lança Mês da Bíblia de 2020 sobre o livro de DEUTERONÔMIO, UM GRITO POR JUSTIÇA – 31/8/2020

    8 – Live – Deuteronômio, um grito por justiça: resgate de ideais do Êxodo em tempos de monarquia


    [1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

  • A vulnerabilidade da população negra escancarada pela Covid-19

    A vulnerabilidade da população negra escancarada pela Covid-19

    Entidades apontam ainda que entre a população negra, quilombolas, mulheres, pessoas presas e moradores de favelas são os mais afetados

    Por Alane Reis e Naiara Leite

    No último sábado (8) o Brasil alcançou a marca de 100 mil mortes em decorrência do coronavírus. De acordo com a 11ª Nota Técnica divulgada pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) da PUC-RJ, entre o número de óbitos, negros são 55% dos vitimados, contra 38% dos brancos. A mesma pesquisa aponta que as pessoas que não concluíram o ensino básico apresentam taxas três vezes maiores de letalidade (71%) ao adquirirem a doença do que pacientes com nível superior (22,5%).

    A pandemia tem escancarado as violências do racismo na vida da população negra, das periferias e favelas, dos quilombos e comunidades rurais de todo país. Condições de moradia, saneamento básico, uso de transporte público, ocupações em postos de serviços essenciais fazem com que negros se exponham mais ao risco de adquirirem a doença. Mas além disso, as vulnerabilidades sociais têm agravado a situação da população negra no contexto atual: aumento do índice de pessoas convivendo com a fome e o não acesso a renda básica para suprir as necessidades fundamentais; o desemprego ou o dia a dia dos trabalhos informais; o não acesso a manutenção da educação em método home office; o crescimento das violências do Estado e doméstica; entre outros fatores, expõem as pessoas negras a diversas ameaças à vida e ao bem estar. 

    Como forma de enfrentar esta realidade a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos apresentou no dia 13 de julho um requerimento, para realização de audiência pública junto a Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 (CEXCORVI) com o objetivo de discutir e incidir nos impactos do coronavírus nas populações negras e quilombolas. 

    A Frente Parlamentar é presidida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL – RJ) e é formada por representantes da Câmara, do Senado e da sociedade civil. De acordo com Paola Gersztein, assessora do Instituto de Estudos Sócio-econômicos (INESC) na coordenação do GT de Direitos Humanos da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), o objetivo da audiência é a escuta de especialistas que representam a população negra acerca dos impactos da pandemia e a urgente visibilização que o tema merece, para que assim sejam tomadas medidas necessárias para a proteção e a garantia de direitos. “Nosso objetivo é denunciar, visibilizar e exigir providências do Estado que sempre tratou essas vidas como supérfluas, em um genocídio que se perpetua desde que a primeira pessoa negra foi violentamente arrancada de seu território e escravizada nessas terras”, afirma.

    Paola Gersztein destaca que além da formalização do requerimento, as organizações da sociedade civil que compõem a Frente tem buscado apoio junto aos gabinetes dos deputados que fazem parte da CEXCORVI para que a realização da reunião técnica não tarde ainda mais. “Nesse processo, algo já ficou claro: a demora na concretização deste pedido é uma inequívoca expressão de racismo institucional”, enfatizou.

    Vulnerabilidade pelo Covid-19
    Ação comunitária feita por moradores do Complexo do Alemão (RJ)

    O “Novo Normal” do Congresso

    Desde o início da pandemia os trabalhos do Congresso Nacional têm sido realizados de maneira virtual. A sociedade civil, por meio da Frente Parlamentar, lançou um manifesto pressionando a garantia de sua participação no processo legislativo e a transparência das decisões tomadas pelo parlamento. Nenhuma medida proposta no manifesto foi acatada pelo presidente da câmara Rodrigo Maia (DEM – RJ). E neste cenário, parlamentares demoram para votar pautas essenciais como PLs de proteção às mulheres, indígenas e quilombolas; e ainda tentam pautar retrocessos de direitos, como foi o caso do “PL da grilagem”.

    A Emenda Constitucional (EC 95), chamada da EC do Teto de Gastos, aprovada em 2016 pelo Congresso, resultou na perda de 20 bilhões de reais entre 2018 e 2020 para a saúde pública no Brasil. Os cortes limitaram a capacidade de uma resposta rápida e eficiente à pandemia da Covid-19, prejudicando principalmente as populações mais vulneráveis – ou seja, negras –, que dependem exclusivamente do SUS.

    Ainda assim, o Congresso Nacional autorizou desde 20 de março, R$ 500 bilhões de reais para enfrentamento a Covid-19 no Brasil, não só para a saúde, mas diversas ações. Deste montante, apenas 54% já foram executados, o que é insuficiente considerando que é recurso específico para o enfrentamento da crise sanitária, já contamos com quatro meses do decreto de calamidade.

    Carmela Zigoni, representante do Fórum Permanente pela Igualdade Racial (FOPIR) na Frente Parlamentar, destaca que ao analisarmos as ações específicas do governo em enfrentamento à pandemia, a melhor execução é a do Auxílio Emergencial, pois trata-se de transferência direta da Caixa Econômica Federal para as contas dos beneficiários. “Do recurso geral destinado ao enfrentamento à pandemia, R$ 254,2 bilhões são reservados ao pagamento do auxílio, e 65,7% deste recurso já foram executados. No entanto, outras ações estão com execução aquém do necessário para a sociedade, como auxílio financeiro aos estados e municípios, com 50,4%; e o benefício emergencial para manutenção do emprego e renda, com execução de apenas 37,4%.  A ação específica de enfrentamento da Covid executou somente 47% do recurso disponível, após 4 meses de crise sanitária”, informa Zigoni, que também é assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e atua no monitoramento do orçamento público.

    Os impactos da baixa execução orçamentária é um dos fatores responsáveis para que alcançássemos a triste marca de 100 mil mortos em quatro meses de pandemia. Ainda segundo Zigoni, “se a política fosse feita de maneira responsável, certamente o número de vitimas letais da covid-19 seria menor, principalmente entre negros e quilombolas, cujos territórios não acessam as políticas públicas necessárias”.

    Ressalta-se que a política de promoção da igualdade racial e enfrentamento ao racismo foi completamente desmontada após a publicação da EC 95. O Programa 2034: Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo sofreu uma queda de 80% de seus gastos entre 2014 e 2019, passando de R$ 80,4 milhões para R$ 15,3 milhões no período; quando comparamos 2019 e 2018, a queda foi de 45,7%. A despeito de todas as legislações, conferências nacionais e estruturação da política de igualdade racial desde 1988, o PPA 2020-2023 do Governo Bolsonaro extinguiu o Programa de Promoção da Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo, bem como qualquer menção às palavras racismo e quilombolas.

    Situação da população negra dos Quilombos

    Organizações da sociedade civil desde o início da pandemia denunciam que os povos tradicionais, incluindo as comunidades quilombolas, seriam os mais afetados com o contexto, justamente pelo não acesso a direitos fundamentais anteriores. De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), até o dia 11 de agosto, foram 4.102 casos e 151 óbitos nas comunidades quilombolas. Um destaque revelador da negligência do governo com esta população, é que estes números estão sendo coletados pela própria CONAQ.

    “Desde o primeiro óbito, no estado de Goiás, a CONAQ começou o monitoramento diretamente com as lideranças porque o acesso aos dados pelas secretarias de saúde e Ministério é muito complicado. A gente sabe que o número é muito maior do que isso, mas da nossa forma é como estamos conseguindo dialogar com a sociedade sobre a Covid nos quilombos”, afirma Selma Dealdina, quilombola que integra a secretaria da CONAQ. 

    Dealdina destaca que até o acesso a informação sobre a situação real do contágio e prevenção ao covid é um desafio enfrentado pelos quilombolas. Realidade vivenciada em muitas comunidades sem o mínimo de acesso a internet e a radiodifusão. “A gente teve várias situações de praticamente linchamento dentro dos quilombos porque muitas pessoas não entenderam que pacientes quilombolas que contraíram o covid estavam curados. O que demonstra o alto nível de violação do direito à informação nos quilombos”. A liderança quilombola denuncia que antes da pandemia a saúde sempre foi um problema sério nos quilombos. “As comunidades não têm acesso a posto de saúde, a médico da família, então, nessa época, também não temos nada garantido”. 

    Vulnerabilidade pelo Covid-19
    Quilombo de Alcântara, no Maranhão

    As Mulheres negras

    É um grupo destacado no texto do requerimento apresentado pela Frente Parlamentar como vulnerável neste contexto. Um exemplo disso diz respeito a situação das trabalhadoras domésticas no período da pandemia. Como herança e manutenção da cultura escravocrata (racista e sexista), a maioria dos trabalhadores domésticos no Brasil (62,5%) são mulheres negras, de acordo com dados publicados pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).

    A Deputada Federal Áurea Carolina (PSOL – MG), autora do Projeto de Lei (PL 2477/2020), que propõe a garantia da integridade do salário para trabalhadoras domésticas e a manutenção de todos os direitos trabalhistas durante o estado de calamidade pública, comenta a importância de construir uma política que defenda essas trabalhadoras.

    “As terríveis mortes de Cleonice, infectada com covid-19 pela patroa que voltou da Itália, e Miguel Otávio, que há dois meses caiu do prédio onde sua mãe trabalhava, foram causadas por negligência e desumanização, decorrências diretas do racismo estrutural. Esses casos reforçam a urgência pela aprovação do projeto de lei 2477/20, para proteger as trabalhadoras domésticas durante a pandemia e garantir a elas o direito ao isolamento”, comenta a deputada.

    Outro projeto de lei sobre o trabalho doméstico no período da pandemia que merece destaque é o PL 3977/2020, de autoria dos deputados federais Benedita da Silva (PT – RJ) e Helder Salomão (PT – ES). O projeto propõe que os empregadores domésticos que liberaram as trabalhadoras para o isolamento social mantendo a remuneração tenham desconto de abatimento equivalente no pagamento do Imposto de Renda.

    O trabalho doméstico já foi pauta em destaque na agenda pública brasileira no contexto da pandemia algumas vezes. A morte de Cleonice, a primeira vítima letal da Covid-19 no Brasil, foi uma delas. Outra situação emblemática foi quando o governador do estado do Pará, Helder Barbalho (MDB), decretou que entre as medidas de prevenção e contenção da pandemia no estado, o trabalho doméstico deveria ser considerado como atividade essencial.

    Enquanto isso, após cinco anos de cortes de recursos na política de mulheres, em 2020 o Ministério de Direitos Humanos (MDH) teve 425 milhões em recursos autorizados, porém, menos de 3% tinha sido gasto até maio deste ano. Carmela Zigoni destaca que “as mulheres negras periféricas e quilombolas são as mais vulneráveis no contexto da Covid-19, e é urgente que a ministra Damares Alves realize políticas com estes recursos para aliviar a violência e insegurança destas mulheres”.

    Vulnerabilidade pelo Covid-19
    Mulher Quilombola

    População negra encarcerada

    As prisões brasileiras registraram no início de junho um aumento de 800% nos casos de infecção pelo novo coronavírus em relação a maio, segundo balanço divulgado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A situação da população carcerária no Brasil é outro contexto explícito do funcionamento do racismo institucional. O país possui a terceira maior população carcerária do mundo, com quase 800 mil pessoas presas, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Deste total, 65% são negros. A superlotação e as condições de baixa higienização nos presídios preocupam especialistas, ativistas e familiares de presos desde o início da pandemia.

    Leonardo Santana, assessor de advocacy da Rede de Justiça Criminal, comenta que a pandemia do coronavírus ao atingir o sistema prisional, expos pessoas presas e trabalhadores à morte. “A superlotação torna impossível o distanciamento exigido para conter a propagação do vírus. Além disso, a ausência de equipes de saúde, água e itens de higiene contribui para que os números sobre a doença nas unidades prisionais sejam proporcionalmente superiores ao da população em liberdade. A visita de familiares foi suspensa em todo o Brasil e com ela a assistência material que supre em parte a omissão estatal, agravando o quadro de desespero intra e extramuros”, comenta Santana.

    De acordo com as informações do Depen até o dia 3 de julho apenas 2,18% dos mais de 748 mil presos no país foram testados. O Conselho Nacional de Justiça, através da Recomendação 62, listou orientações ao Judiciário para evitar contaminações em massa da Covid-19 no sistema prisional e socioeducativo. A Recomendação vem sendo ignorada pelo sistema de Justiça. No Legislativo, os projetos de lei 978/2020 e 2468/2020 construídos em conjunto pela sociedade civil e parlamentares pretendem dar uma resposta para o problema. 

    Diante deste contexto as organizações da sociedade civil que compõem a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e pelos Direitos Humanos tem pressionado o Congresso Nacional para cobrar dos poderes executivos a realização de ações que protejam a população negra no Brasil. A sociedade civil segue pressionando o Congresso para agendamento da audiência, onde os parlamentares poderão ouvir especialistas nos temas da saúde e do orçamento, além de organismos internacionais e movimentos negros. Os poderes executivos seguem dando sinais do afrouxamento das medidas de isolamento, mas os números de contágio e morte continuam crescendo a cada dia. “O vírus é invisível, mas as ações do governo de descaso com nossas vidas são bastante visíveis. Somos nós que estamos morrendo e o cenário é desolador”, reafirmou Selma Dealdina, liderança quilombola da CONAQ. 


    (1) https://reformapolitica.org.br/2020/03/25/organizacoes-da-sociedade-civil-pedem-transparencia-e-garantia-de-participacao-nos-trabalhos-do-congresso-durante-pandemia-de-coronavirus/

  • Brasileirão da Morte começou nesse fim de semana

    Brasileirão da Morte começou nesse fim de semana

    Brasileirão. Sei que vou levar porrada por aqui também. Vou ter que ler sobre a “tal cachaça do torcedor”, utilizada fora de contexto. Paulinho Nogueira, o músico, tratava de injustiças sociais, não de epidemia.

    Mas é dever do jornalista, ao menos de acordo com o protocolo ético da profissão, avisar a sociedade, mesmo quando tentam ofendê-lo e ridicularizá-lo.

    Brasileirão da Morte
    Foto: Hush Naidoo / Unsplash

    Brasileirão Série A. Goiás (GO) x São Paulo (SP): 10 infectados

    A partida do Brasileirão entre Goiás e São Paulo, esteve por um fio de ocorrer. O SPFC chegou a entrar em campo. O mandante somente conseguiu suspender o jogo duas horas antes de seu início.

    Eram 10 os infectados pelo novo coronavírus no time esmeraldino.

    Como cerca de 250 pessoas são mobilizadas direta ou indiretamente para um jogo desses, todos poderiam ter sido infectados caso o jogo tivesse ocorrido.

    Se pensarmos nas famílias desses profissionais, 1.000 pessoas teriam corrido o risco de contrair a doença.

    Brasileirão Série C. Treze (PB) x Imperatriz (MA): 12 infectados

    Mas não é o único caso. O time do Imperatriz, do Maranhão, da série C do Brasileirão, viajou até a Paraíba com nada menos que 12 infectados. Foi de busão.

    E só descobriu que carregava esse enorme grupo de portadores do vírus quatro horas antes da partida. Ou seja, podem ter espalhado a epidemia pelo caminho. Não fosse a informação urgente, a partida teria sido realizada.

    Brasileirão da Morte
    Foto: Willian Vasconcelos / Unsplash

    Brasileirão Série C. Brusque (SC) x Ypiranga (RS): 5 infectados

    O Ypiranga, do Rio Grande do Sul, foi a Santa Catarina, em outro jogo pela Série C do Brasileirão, com cinco atletas contaminados. A partida ocorreu sem eles, mas com os outros que tiveram contato direto com os infectados. Um absurdo total.

    Brasileirão Série C. Manaus (AM) x Vila Nova (GO): 1 infectado

    O Vila Nova já tinha viajado a Manaus quando descobriu que também tinha um contaminado no grupo. O jogo contra o Manaus, pela Série C, ocorreu normalmente, colocando em risco centenas de pessoas.

    Campeonato alagoano. CSA (AL) x CRB (AL): 8 infectados

    Brasileirão Série B. CSA (AL) x Guarani (SP): ? infectados

    O CSA e o CRB disputaram o título alagoano na quarta-feira. O resultado, no entanto, somente saiu dois dias depois. Nada menos que oito jogadores do CSA estavam infectados.

    Os jogadores não-positivos, mas que estiveram em contato próximo com eles, enfrentaram o Guarani pela Série B do Brasileirão, no fim de semana.

    Brasileirão da Morte
    Foto: Pedro Menezes / Unsplash

    Roleta russa em campo

    Contra fatos, não há argumentos. O entusiasmo e o endosso a esse futebol em tempos de pandemia revela irresponsabilidade de autoridades e leviandade dos aficcionados.

    Não apenas naturaliza a tragédia, encampando a tese da gripezinha, como efetivamente coloca em risco a saúde dos profissionais e da saúde.

    O futebol deveria ser rito civilizatório e não roleta russa da barbárie.

    Brasileirão da Morte
    Foto: Gustavo Ferreira / Unsplash

    Site da CBF: https://www.cbf.com.br/

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    Texto: Walter Falceta/Democracia Corinthiana

  • Boca de Rango. Um grito sobre as nossas urgências

    Boca de Rango. Um grito sobre as nossas urgências

    Boca de Rango é um mini-documentário que mostra a realidade de quem está vivendo essa pandemia na linha da necessidade e do medo. Um documento audiovisual do tempo de agora. Um grito sobre as nossas urgências.

    O Teatro de Contêiner Mungunzá tornou-se, neste momento, um importante ponto de assistência social e defesa dos diretos humanos do centro de São Paulo, no bairro de Santa Ifigênia.

    Boa de Rango. 600 pessoas são atendidas diariamente com entregas de refeições, kits de higiene, cobertores, águas, roupas, cestas básicas e máscaras, movimentando também uma rede de, aproximadamente, 40 trabalhadores(as) ativistas no território.

    Boca de Rango
    Boca de Rango
    Boca de Rango

    Cuidar, denunciar e sonhar.

    Realização: https://www.instagram.com/ciamungunza / @teatrodeconteiner / #mungunzadigital

    Produção: https://www.instagram.com/mangueio_

    Rede de afeto

    https://www.instagram.com/coletivo_temsentimento
    https://www.instagram.com/pagodenalata
    https://www.instagram.com/paulestinos
    https://www.instagram.com/ccedelei
    https://www.instagram.com/cracoresiste
    https://www.instagram.com/_casadopovo
    https://www.instagram.com/cpt_ofc
    https://www.instagram.com/smculturasp
    https://www.instagram.com/smdhc_sp
    https://www.instagram.com/eduardosuplicy
    https://www.instagram.com/soninhafrancine_oficiale

  • Vila da Barca. Comunidade em Belém do Pará sofre com a pandemia

    Vila da Barca. Comunidade em Belém do Pará sofre com a pandemia

    A Vila da Barca, situada quase no centro de Belém do Pará, chora seus mortos e organiza sua resistência.

     

    Texto e fotos: João Paulo Guimarães para os Jornalistas Livres

    A Vila da Barca é conhecida pelas casas construídas sobre palafitas, estivas de madeira com pontes e estacas no terreno alagado que seguram essas estruturas improvisadas e os corredores por onde a população trafega. Dentro da Vila, existem áreas com casas de alvenaria também. Sem saneamento básico, a ausência e a parca distribuição de água encanada pela concessionária COSAMPA, a inexistência de esgotamento sanitário, a Vila resiste à pandemia através de recursos externos e doações, além de um trabalho de consciência e educação feito pela própria Associação dos Moradores da Vila da Barca, sem apoio nenhum do município ou do estado.

    A última proposta positiva aprovada pelo Município para a comunidade, foi a construção de casas populares de alvenaria para que a população, morando nas palafitas, pudesse se mudar para um espaço mais seguro e menos propenso a incêndios como o que aconteceu em 2018 e destruiu 26 moradias. O projeto que teve sua aprovação no final da segunda administração do então Prefeito na época, Edmilson Rodrigues (na época PT e hoje PSol), está parado e já passou por duas administrações municipais sem conclusão. Hoje é objeto de ação  movida pela Defensoria Pública e MPF contra o município de Belém, a Caixa Econômica e a União. Os escombros, hoje, servem para a morada de pessoas em situação de rua e usuários de drogas.

     

    Isolamento social e saúde pública pra quem?

    Grande parte da população, 7.000 moradores, era consciente da necessidade do isolamento social, assim como da utilização obrigatória de máscaras, mas a dificuldade em manter a quarentena, vem da circulação necessária nesses espaços tão pequenos e limitados das palafitas, assim como a delicadeza das estruturas e a proximidade física das paredes de madeira das casas. Tudo isso já seria um grande desafio, se não somarmos o afrouxamento completo do isolamento social por parte do Município e Estado, que ao abrirem shoppings, academias e bares, trouxeram para dentro da Vila a ideia de que o pior já passou.

     

    Vários locais na comunidade, casas dos moradores transformadas em mercadinhos e cantinas, oferecem produtos e serviços essenciais básicos como higiene, alimentação e as medidas de distanciamento são improvisadas. Cordões de isolamento são colocados em frente a esses comércios, para que o comprador não se exponha ao possível contato e nem exponha o dono do prestador do serviço.

    A Unidade Básica de Saúde funciona de forma superficial no horário de 8h às 17h, na entrada da comunidade, mas não há atendimento para Covid-19, assim como não há trabalho de conscientização ou educação quanto ao vírus ou sobre a necessidade de isolamento social. A Unidade distribui senhas durante a semana para atendimentos no prazo de uma semana ou mais, mas apenas para ginecologista, PCCU, pré-natal, vacinação e clínica médica.

     

     

    Vila da Barca
    Inêz Medeiros, presidente da Associação dos Moradores

     

    Inêz Medeiros, presidente da Associação dos Moradores da Vila da Barca, além de ser acadêmica de Pedagogia, conta:

    “Assim como outras unidades de saúde da prefeitura, lá também não havia material de EPI durante o período que fui buscar doação para os voluntários que ajudariam na distribuição das cestas básicas que foram doadas. Quanto à distribuição de senhas, ela afirma ainda que “muitos moradores chegam às 4 da manhã para aguardar na fila e garantir a senha e o futuro atendimento.”

     

     

     

     

     

     

    Sobre os cuidados para a proteção do moradores, ela diz:

    “Estamos mais cuidadosos após alguns casos na comunidade e infelizmente algumas perdas dolorosas. Seguimos resistindo, e tentando ter vozes que ecoam para um único propósito: manter o isolamento social.”

     

    A perda mais dolorosa da comunidade foi o caso da família de Andenilce Souza dos Santos Avelar, que precisou lidar com o falecimento de sua mãe e irmão na mesma semana. Ela conta como perdeu a mãe de 68 anos, Dulce Batista, e o irmão, Carlos Emerson Souza dos Santos, de 47 anos. A mãe era uma mulher saudável e o irmão tinha câncer, mas fazia tratamento e vinha apresentando melhoras. Os dois não precisavam morrer agora, mas morreram. Primeiro ela e depois ele. Andelnice conta, que antes de morrer, Dona Dulce caiu no chão da UPA do Bairro da Sacramenta. Sem forças, foi socorrida pela filha e por uma enfermeira. Dona Dulce era muito religiosa e querida por toda a comunidade. Ela se deitou no colo da filha e ambas rezaram uma Ave Maria. A oração acabou e ela se foi. Mais um número sem cor e sem classe social. Apenas o rótulo de Grupo de Risco.

     

    Vila da Barca
    Andenilce Souza dos Santos Avelar com as fotos da mãe e do irmão

     

    Recentemente, Inês Medeiros criou um cadastro de algumas famílias na Associação, para ajudar aos mais vulneráveis, mapear o desemprego e fazer um levantamento do número de moradores possivelmente infectados, levando em consideração os principais sintomas do Covid-19, entre sintomas leves e moderados.

    Das 1.100 famílias cadastradas, 800 apresentaram possível contágio. É importante ressaltar que cada familia, em média, é composta por 5 a 7 integrantes morando na mesma casa, porém, não há como comprovar esse número já que não há testes suficientes na Capital. A Prefeitura de Belém se mantém ausente. O único momento em que alguma política pública destinada a sociedade chegou até a Vila, foi para desinfecção da Praça Pública.

    Para ajudar as famílias da Vila da Barca ou para mais informações, entre em contato:
    Email: inzmedeiros@gmail.com
    Whatsapp: +5591988094441 (Inêz Medeiros)
    Facebook: https://www.facebook.com/ViladaBarcaOficial/
    Instagram: https://www.instagram.com/viladabarca/