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  • Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro, mesma face da mesma moeda

    Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro, mesma face da mesma moeda

    À procura de uma alternativa suave para manter a política homicida de Jair Bolsonaro, certa imprensa (sabemos qual), colunistas e o capital gordo passaram a incensar o presidente da Câmara como exemplo de bom senso e equilíbrio. Até quando esse pessoal vai pensar que o brasileiro é trouxa?

    Por Ricardo Melo*

    Rodrigo Maia esteve num programa de TV (o Roda Morta da TV Cultura) para expor seus planos. Descontando as platitudes de praxe, soltou coisas como estas, em transcrição não literal: “votei pelo impeachment de Dilma Rousseff, ela cometeu crimes de responsabilidade. Não vejo isso com Bolsonaro”. Foi em frente: “Precisamos centrar fogo na pandemia, discutir impeachment agora desviaria nosso foco.”

    Não se sabe que cínico faria melhor que isso. Supondo que seu raciocínio fizesse algum sentido. “Precisamos centrar no combate ao vírus.” Bem, qual o maior obstáculo ao combate à pandemia hoje no Brasil, prestes a bater a marca dos cem mil mortos? Sim, ele mesmo, o capitão que nem o Exército aceitou em suas fileiras e resolveu expeli-lo à francesa. 

    Bolsonaro desde o início sabotou e sabota qualquer esforço para deter o vírus. Minimizou a gravidade da doença; impediu qualquer esforço coordenado entre União, Estados e municípios; deu e dá exemplos diários de como burlar impunemente normas de isolamento social em seus périplos eleitorais; “receita” medicamentos sabidamente ineficazes e perigosos quando ingeridos indiscriminadamente para eliminar uma doença que desafia a própria comunidade científica. Isso sem falar de suas frases inescrupulosas diante das dezenas de milhares de mortos: “E daí? Algum dia todo mundo vai morrer”; “brasileiro mergulha no esgoto, sai e continua vivendo”; “não sou coveiro. Problema de mortos não é comigo”. 

    Das palavras à ação. O capitão genocida tratou de montar uma equipe de militares para garantir suas “ideias”. O ministério da Saúde está entregue a um interino paraquedista que mal sabe a diferença entre novalgina e corticóides. Apenas sabe prestar continência a um militar desequilibrado, parasita do dinheiro público junto com sua família e reincidente em crimes variados.  O primeiro ato do paraquedista, aliás, foi tentar manipular os números de vítimas da pandemia. Exagerou na dose da “cloroquina estatística”. Foi contido até o momento. Mas persevera em seus estragos.

    Pergunta: como “Botafogo” (Rodrigo Maia) quer manter o foco contra a pandemia aliando-se àquele que é o principal responsável pela expansão descontrolada do vírus pelo Brasil?  Parece que o problema não interessou muito à bancada do Roda Morta.

    Maia atualmente está sentado sobre dezenas de pedidos de impeachment do capitão alucinado. Todos muito bem fundamentados. Para ele, porém, nada tão grave quanto o fato de Dilma Rousseff ter remanejado (jamais desviado) dinheiro destinado a pagar juros escorchantes da banca para financiar o Bolsa Família e programa sociais. Salvar vidas da fome. Para “Botafogo” Rodrigo Maia, Bolsonaro ser o vetor da morte de dezenas de milhares de vidas, com eventos comprovados, escritos, televisados, impressos no Diário Oficial e distribuídos em lives do próprio Bolsonaro —para o “Botafogo” nada disso tem relevância.

    Espera-se que o povo brasileiro não caia em mais esta esparrela. Rodrigo Maia é bolsonarista de primeira hora, como ele próprio confessou no programa: “Votei nele pela agenda econômica de reformas”. Sabemos que reformas são essas; os verdadeiros democratas também.  É nisso, aliás que “Botafogo” Rodrigo Maia cavalga até hoje, como egresso do mercado financeiro. Chorou em público lágrimas de crocodilo quando o Congresso bastardo aprovou a reforma da previdência que praticamente liquidou as chances de uma aposentadoria digna. Chorou de alegria, não de tristeza. Como bom sacripanta, finge-se de morto diante das oferendas a militares.

    Se depender desta gente, não há outro caminho a não ser o do precipício social.

    *Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

    Leia mais Ricardo Melo em:

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  • MAIA, O HOMEM MAIS PODEROSO DA REPÚBLICA

    MAIA, O HOMEM MAIS PODEROSO DA REPÚBLICA

     

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Num país como o Brasil, atravessado por cultura política centralista, o fato de o chefe do Executivo ser a liderança política mais poderosa parece ser algo natural. Mas os tempos são estranhos e tudo está fora do lugar.

    Apesar de ter base social orgânica mobilizada, Bolsonaro demonstra dificuldade (e resistência) em operar com os mecanismos da democracia representativa, o que acaba por fragilizá-lo institucionalmente.

    A fragilidade de Bolsonaro é também sua força: o desprezo pelas instituições mediadoras da atividade política e a capacidade de excitar constantemente uma base social disposta a quase tudo para segui-lo. Uma coisa depende da outra.

    Diante da fragilidade institucional de Bolsonaro, outro personagem assumiu a posição que em condições normais seria do presidente da República.

    Estou falando de Rodrigo Maia. A força de Maia é sintomática do poder que o parlamento vem acumulando desde 2015, quando foi empossada a legislatura que conduziu, em 2016, o golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff. Estamos vendo na prática o funcionamento de uma República parlamentarista, onde o Legislativo tutela o Executivo.

    Aqui, neste ensaio, escrevo sobre Rodrigo Maia. Analiso seus movimentos políticos.

    A força do Parlamento não é novidade na história política brasileira. Tradicional reduto das oligarquias, o poder Legislativo costumava ser domado pelo Executivo, seja por práticas governamentais pouco republicanas ou pela força política do presidente da República, como aconteceu na “era FHC” e na “era Lula”.

    Práticas governamentais pouco republicanas e força política do presidente. Foi assim, na combinação entre as duas estratégias, que Lula e FHC conseguiram governar e concluir seus mandatos.

    Por motivos diferentes, foi outro o destino de Collor e Dilma.

    Hoje, falta força política para Bolsonaro, que vem definhando à luz do dia, levando junto a instituição presidência da República. Bolsonaro é fraco como presidente, mas é forte como agitador fascista. Essa mistura é perigosíssima.

    A exemplo do que aconteceu com Eduardo Cunha durante o governo de Dilma, Rodrigo Maia cresce no vácuo deixado pelo Palácio do Planalto, fazendo do Parlamento potência de governo, propositor de agendas políticas e não apenas casa reativa às ações do poder Executivo.

    Filho de Cesar Maia, cacique da política fluminense, Rodrigo Maia iniciou sua vida pública de forma apagada, na sombra do pai. Gordinho, cabelinho caído na testa, alguma dificuldade de dicção. O típico nerd carioca, criado a leite com pera, jogando bola de gude no tapete e dibicando pipa no ventilador.

    O tempo fez bem a Rodrigo Maia. Por um lado, ainda está gordinho, bem nutrido, com papada que mais parece segundo queixo. Pelo outro lado, está gordinho também. Óbvio! Não é possível ser gordo por um lado e magro pelo outro.

    Rodrigo Maia conseguiu se emancipar da sombra do pai. Arrisco dizer que é exemplo raro de filhotismo político onde o filho se tornou maior que o pai.

    Cesar jamais conseguiu sair do Rio de Janeiro. Rodrigo foi eleito, duas vezes, para a presidência do Congresso Nacional. Rodrigo Maia é o eleito entre os eleitos. Não é pouca coisa.

    A história da aprovação da Reforma da Previdência traduz a força política de Rodrigo Maia. Pauta difícil, impopular, aprovada em larga margem de votos em primeiro turno no plenário da Câmara dos Deputados em 10 de julho de 2019. O projeto aprovado não é o o texto originalmente redigido pela equipe econômica chefiada por Paulo Guedes.

    Da tramitação nas comissões até aprovação, o Parlamento construiu sua própria reforma, alterando estruturalmente o projeto de Guedes. A oposição liderada pelo Partido dos Trabalhadores trabalhou e, dentro do possível, conseguiu atenuar os efeitos mais perversos da reforma. Maia foi pragmático e habilidoso na negociação.

    O texto final está longe de ser bom para o povo brasileiro, mas poderia ser pior. Sempre pode ser pior.

    O fim do Benefício de Prestação Continuada, o BPC, e a imposição da capitalização, temas caros ao governo, foram excluídos do texto aprovado, gerando insatisfação em Guedes, que por mais de uma vez acusou o Congresso de “desidratar a reforma”. Maia respondeu, defendendo o protagonismo do Legislativo.

    Os conflitos entre Maia e representantes do governo são episódios constantes na crônica política. É que Maia tem agenda própria, algo próximo a um liberalismo puro sangue que pretende se manter distante da ideologia fascista que parece ter se tornado hegemônica dentro do governo.

    Rodrigo Maia se opôs ao decreto de armas de Bolsonaro, criticou a perseguição ideológica às universidades públicas e apoiou publicamente a criminalização da homofobia, sob os protestos das bancadas da bíblia e da bala.

    Acredito que Maia está funcionando como uma espécie de pêndulo, sendo, ao mesmo tempo, algoz e protetor daqueles que estão na alça de mira do fascismo bolsonarista.

    Algoz porque é o viabilizador da agenda econômica neoliberal, que está desmontando os direitos sociais dos trabalhadores brasileiros, lançando milhões ao completo desamparo. É protetor porque ao se opor às insanidades defendidas pelo núcleo fascista do governo, vem colaborando para a defesa dos direitos civis e políticos das minorias. Essa contradição está pautando a relação dos setores progressistas com Rodrigo Maia.

    É verdade que Maia é adversário perigoso dos que lutam por um país mais justo, menos desigual. É também verdade que é aliado valiosíssimo para quem acredita ser possível controlar por dentro das instituições o projeto de fascistização do Estado representado pelo bolsonarismo.

    Sim, em certo sentido, Rodrigo Maia é aliado do campo progressista, das esquerdas brasileiras. É que diante do avanço da marcha fascista, as fronteiras que definem aliados e adversários tendem a se mover.

    Quando o inimigo é o fascismo, não carece de muito para ser aliado, para parecer razoável.

     

  • Eles venceram, mas o sinal não está fechado pra nós

    Eles venceram, mas o sinal não está fechado pra nós

    Alexandre Santos de Moraes, professor do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense

    A Reforma da Previdência foi aprovada na Câmara dos Deputados. Em 10 de julho de 2019, 379 deputados votaram “sim” para o texto-base que altera as regras de aposentadoria. A esquerda, praticamente em uníssono, votou “não”, mas foram apenas 131 votos.

    Foi uma vitória de Rodrigo Maia (DEM), que assumiu as rédeas do jogo e definiu um “Parlamentarismo de ocasião” quando percebeu que Bolsonaro é incapaz de negociar qualquer coisa. No entanto, não vamos tirar essa vitória do colo do presidente: ele jogou com as cartas que tinha e que não tinha, liberando verbas indecentes para comprar a convicção daqueles que se recusavam a empunhar seus nomes nessa medida impopular. Maia e Bolsonaro venceram, e não vamos privá-los desse gostinho de vitória. Negar esse fato é jogar fora a verdade cruel que eles lutam para esconder: quando a direita vence, o povo perde.

    Mas não basta lembrar a vitória, é preciso recordar seu custo. Não me refiro apenas aos milhões de reais liberados estrategicamente para financiar essa jogatina. É preciso colocar na conta o volume indecente de verba publicitária que o governo reservou para convencer as pessoas de que o veneno funcionava como remédio. Também não há como esquecer os custos do discurso apocalíptico de que o “país iria quebrar” caso a PEC não fosse aprovada.

    O governo e os deputados governistas também cobraram um preço alto da democracia: fecharam as portas do Parlamento para se livrar das pressões populares, brincaram de fazer “bolão” e foram comemorar algo que prejudica seriamente a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras, sem falar que não houve consulta popular e a discussão sempre foi terrivelmente frágil, pois no afã de garantir a vitória ocultaram dados, números e informações. Venceram de modo vil, pode-se dizer, mas venceram. Política tem dessas coisas, e não adianta lamentar a imoralidade do processo.

    Eles venceram, mas o sinal não está fechado pra nós. Para que não se perca a memória, essa reforma é um sonho de longa data acalentado pelos donos do dinheiro. É preciso lembrar que o Estado tem uma dívida que consome mais da metade de tudo que se arrecada, e o desespero dos ricos é perder um pouquinho de tudo aquilo que os pobres sequer sonham desfrutar. Trata-se de uma reivindicação antiga dos milionários e bilionários, brasileiros e estrangeiros, empresários e especuladores financeiros que se escondem atrás do chamado “mercado”, uma metonímia maldita que despersonaliza a pequena parcela de abastados que se esconde nos cofres e se esforça para parecer uma entidade sobrenatural.

    A Reforma da Previdência não é apenas um forte incentivo ao pagamento das dívidas, mas a abertura de uma janela de oportunidades para ampliar ainda mais as possibilidades desse lucrativo endividamento. Rodrigo Maia e Jair Bolsonaro foram títeres de ocasião, manobrados com as cordas na contramão das necessidades e exigências populares. Isso não os exime de culpa, é verdade, mas é preciso compartilhar os méritos da vitória: quando vencem os ricos, perdem os pobres. Quando vence a direita, perde o povo.

    O problema é que os fatos da política não são como os da natureza, e se a derrota pode ser amarga, as vitórias também não são lá muito cândidas. Ainda não foi possível, para a maioria de nós, assimilar os custos dessa vitória. Aqueles que trabalham muito e ganham pouco, especialmente os que votaram no presidente que ora os obriga a uma vida de labuta ininterrupta, precisarão fazer as contas em algum momento. Se ainda não estão cansados, um dia ficarão exauridos e perceberão o direito que lhes foi negado. Essa compreensão, certamente, não cairá do céu e os defensores do fim da aposentadoria continuarão alegando que foi “o melhor para o país”.

    Nossa função será lembrar que o país não pode ter dono, e que se for ruim para o povo, não pode ser bom para Brasil. As condições da vida material gritam, e é nesse momento que se abre a chance de gozar com a vitória alheia. Não se trata de revanchismo ou otimismo baratos, mas, sim, do reconhecimento de que a realidade se impõe de modo visceral, razão pela qual é importante não deixar esse assunto se esvair na rotina de escândalos medíocres que adorna os noticiários. Em política, todas as vitórias são passageiras. Mesmo eles, que governaram o país por tanto tempo, se viram derrotados por um projeto popular que deixou na lembrança um sabor doce que será difícil apagar. Conseguiram que o sinal verde se abrisse, mas a gente sabe que logo em seguida vem o sinal vermelho.

    Nesse momento, não podemos confundir indignação com desânimo. Na verdade, é a indignação que move nosso ânimo, e a vitória deles deve nos atiçar ainda mais. Seguiremos conversando com as pessoas, discutindo a maldade que foi imposta, revendo a romantização estratégica do trabalho e demonstrando o custo da despolitização da política. Sempre é tempo de combater o bom combate, nas ruas, na internet e em todas as trincheiras possíveis. O sinal, insisto, não está fechado para nós. Eles venceram, e poucas vitórias mostraram de forma tão transparente as diferenças fundamentais que nos opõem.

    A conta já está chegando, e pelo mapa da votação sabemos que partidos votaram contra ou a favor dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras. O sinal não está fechado e a luta nunca termina, até porque, como diz a canção de Belchior, “Viver é melhor que sonhar”. Política dá trabalho, mas dessa aposentadoria não fazemos a menor questão.

  • A dor e o prazer da velha direita brasileira

    A dor e o prazer da velha direita brasileira

     

     

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Bagge

     

    Não basta dizer que o governo de Jair Bolsonaro é de direita. Pra entender a dinâmica interna do governo é necessário um esforço maior de adjetivação. É necessário dividir a direita brasileira em dois grupos: a velha direita e a nova direita. O sucesso eleitoral de Bolsonaro significou a vitória da nova direita. A velha direita até foi chamada para compor o governo, mas ainda não conseguiu vencer as disputas internas e se tornar hegemônica.

    Mas quem são os jovens? Quem são os velhos?

    Os mais velhos primeiro.

    Nenhum partido político representa mais a tal “velha direita” que o DEM. Começando pelos partidos regionais lá na República Velha, passando pela UDN nos anos 1940 e 50 e pela ARENA durante a ditadura militar, chegando até ao PFL na IV República, o DEM tem no seu DNA a genealogia das velhas oligarquias brasileiras, a elite da terra, escravocrata.

    Não foi o DEM quem venceu as eleições de 2018. Muito pelo contrário. Basta lembrar que o partido estava na grande coligação que apoiou a candidatura de Geraldo Alckmin, reeditando a aliança que foi fundamental para os governos tucanos na década de 1990.

    Porém, mesmo perdendo as eleições, o DEM subiu a rampa junto com Jair Bolsonaro. Com alguma desconfiança, a velha direita acabou embarcando na canoa do Capitão. Afinal, se o DEM confiasse em Bolsonaro a aliança teria nascido já no primeiro turno das eleições. Não tenho dúvidas de que Bolsonaro toparia. Na época ele estava sozinho, bateu em várias portas com o pires na mão. O DEM não quis apostar.

    Não apostou por um motivo muito simples: Bolsonaro não representava a velha direita, a direita histórica, tradicional. Bolsonaro representava outra coisa, algo que a maioria de nós ainda está tentando entender.

    Nesses quase dois meses de governo, o caos e a incompetência se instalaram no Palácio do Planalto. As poucas vitórias que teve o governo deve, justamente, ao DEM. Rodrigo Maia sobrou nas eleições para a presidência da Câmara dos Deputados. Onyx Lorenzoni e Davi Alcolumbre deram um nó tático em Renan Calheiros e abocanharam a presidência do Senado.

    O DEM controla as duas casas do Congresso Nacional. Não é pouca coisa. Não é mesmo.Se o presidente é fraco e inoperante, o DEM é eficiente e conhece muito bem a máquina. O DEM é a parte mais forte do governo.

    Muito diferente é a “nova direita”.

    Formada, principalmente, por parlamentares do PSL (incluindo aqui os filhos do presidente da República), a nova direita é o resultado direto da narrativa do colapso que se difundiu no Brasil depois de junho de 2013. Segundo essa narrativa, a esquerda é a grande responsável pelo apocalipse e deve ser exterminada, varrida do mapa político brasileiro. A histeria antipetista foi alimentada pela pauta da moralização dos costumes. Tudo isso foi ressonado exponencialmente nas mídias digitais.

    Na campanha, a estratégia da nova direita se mostrou imbatível. Bolsonaro venceu sem participar de debates, sem discutir seu plano de governo. Diante da ampla rejeição popular às reformas neoliberais, Bolsonaro venceu as eleições mesmo estando na companhia de um economista ultraliberal. A nova direita conduziu bem o espetáculo e lacrou o debate político.

    A nova direita é digital e tem no Instagram, no Facebook, no Twitter e no Whatsapp o seu habitat natural. A velha direita é analógica, é habilidosa na conversa ao pé de orelha nos corredores do Congresso Nacional. A nova direita é boa de campanha. A velha direita é boa de política.

    No governo, a nova direita só fez lambança. O barraco entre Gustavo Bebianno e Carlos Bolsonaro foi apenas um episódio entre outros tantos. Teve ainda o quebra-pau envolvendo Joice Hasselmann e Eduardo Bolsonaro e a troca de xingamentos entre Olavo de Carvalho e a bancada do PSL que foi visitar a China, só pra citar alguns exemplos.

    É certo que o caso Bebianno tem impacto político muito grande. O sujeito era um dos principais articuladores do governo, que essa semana deu início à batalha pela reforma da previdência. Onyx tentou até o fim evitar a demissão. Rodrigo Maia lamentou o ocorrido. Os aliados estão cada vez mais desconfiados. Bebianno estava ao lado de Bolsonaro lá no início, quando ninguém acreditava que um deputado inexpressivo e caricato pudesse se tornar presidente da décima maior economia do mundo.

    Se Bolsonaro deixou seu filho mais novo humilhar publicamente seu escudeiro mais leal, o que não pode acontecer com um aliado de última hora, como é o DEM?

    A nova direita investe muita energia em pautas absolutamente irrelevantes, que não agregam nenhum capital político para o governo, que só trazem desgaste. Ernesto Araújo age como um elefante em loja de cristal, desconsiderando completamente as liturgias tão valorizadas no campo da diplomacia. Roberto Velez Rodrigues diz que os brasileiros são canibais. Damares acusa os holandeses de abusarem sexualmente de crianças.

    Contratos são rompidos, produtos brasileiros são boicotados no exterior.

    Alguns acham que tudo isso é cortina de fumaça, como se o governo, estrategicamente, acionasse seus loucos de estimação para distrair a opinião pública. Não acredito em tamanha capacidade de articulação. Essa gente é aloprada mesmo.

    Enquanto isso, os militares vão ocupando cargos estratégicos, ganhando mais espaço, se beneficiando do desgaste da nova direita. O DEM vai se articulando nos corredores do Congresso, vai dando o ritmo da vida parlamentar do governo. Daí pode nascer uma nova situação de poder.

    O jornal “Estadão”, que até aqui era simpático a Jair Bolsonaro, publicou na terça-feira, 19, um editorial furioso que define o presidente como um “homem despreparado, incapaz e sem coragem”. O cerco está se fechando. Se Bolsonaro não controlar a afobação da nova direita dificilmente terminará o mandato. Basta saber se ele terá força pra tanto, se terá capacidade de liderar. Até aqui não teve.

    No inferno, Antônio Carlos Magalhães, Carlos Lacerda e outros caciques da velha direita brasileira devem estar com comichões. Ao mesmo tempo desesperados com as trapalhadas dos mais jovens e gozando com janela de oportunidade que está aberta.

    Afinal, não é de hoje que a velha direita é especialista em chegar ao poder sem ter sido eleita.

     

  • O elo mais fraco da corrente

    O elo mais fraco da corrente

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Carvall 

     

    O ano político começou com uma vitória contundente do governo, que demonstrou sua força ao interferir diretamente nas eleições das duas casas do Congresso Nacional. O curioso é que a vitória veio depois de um mês muito difícil para Jair Bolsonaro, o mais difícil desde que ele assumiu algum protagonismo na vida pública.

    Jair Bolsonaro saiu de janeiro menor do que entrou. Não dá pra dizer que ele perdeu sua base social ou que sua popularidade tenha tombado. Não há dados suficientes pra saber. Mas ele teve problemas, se deparou com o mundo real, com a cadeira presidencial. Não conseguiu responder à altura. Não conseguiu deixar de ser candidato e se tornar presidente.

    Envolvimento direto do filho mais velho com o crime organizado e com esquema de lavagem de dinheiro. Alvo de denúncias diárias na Rede Globo. Flechas atiradas por setores do Ministério Público. O vice-presidente conspirando à luz do dia, dizendo para todos, sem nenhum pudor, “sou melhor que ele, sou mais equilibrado e mais preparado”. O vexame internacional em Davos. O PSL rachado, com os parlamentares se estapeando entre si. Olavo de Carvalho na internet xingando os aliados.

    Definitivamente, janeiro não foi o paraíso astral de Jair Bolsonaro.

    Mesmo com todos esses problemas, o governo venceu sua primeira grande batalha institucional, elegendo seus nomes prediletos para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. Rodrigo Maria e Davi Alcolumbre, ambos afinados com a agenda reformista do governo, ambos comprometidos com um velho projeto de desmonte do Estado brasileiro.

    Ao que parece, a fragilidade de Bolsonaro não contaminou o governo. O presidente é fraco, mas o governo é forte. É que vivemos uma situação atípica na qual o governo não se confunde com o presidente. O governo está acima do presidente.

    Há pouco tempo, em artigo contundente publicado na imprensa, o filósofo Marco Nobre disse que Bolsonaro foi o “candidato do colapso”. Ainda não li definição melhor.

    Desde 2013, a sociedade brasileira respira o colapso. O resultado daquilo que aprendemos a chamar de “jornadas de junho” foi a narrativa da ineficiência da democracia na promoção de bem-estar social. Essa narrativa foi reforçada e alimentada à esquerda e à direita.

    A posição de governo não permitiu que a esquerda se apossasse da narrativa do colapso. Ser vidraça é sempre mais difícil do que ser pedra.

    Bolsonaro, que desde a década de 1990 defendia a ditadura militar, herdou sozinho a narrativa do colapso. Ele se tornou o único símbolo de uma utopia autoritária que, idealizando o passado, prometeu segurança e conforto.

    Bolsonaro não precisou fazer quase nada para ser eleito. Não participou de debate, não discutiu plano de governo. Simplesmente montou no jumento que passava selado.

    Mas essa é apenas a superfície da história.

    Nas profundezas, aconteceu a articulação entre um velho projeto de desmonte do Estado brasileiro e a popularidade de Jair Bolsonaro. Essa articulação não estava dada desde o início. Poucos acreditaram na vitória de Bolsonaro. Basta lembrar que ele não conseguiu um vice na classe política. Tentou muito. Ninguém quis apostar.

    O que estou querendo dizer é que as eleições das duas casas legislativas não sinalizam a força de Jair Bolsonaro. Mostram mesmo é o poder do velho projeto, hoje representado pelo DEM, que tem no seu DNA a vocação para o desmonte do Estado brasileiro.

    O DEM, e não Jair Bolsonaro, foi o grande vencedor nas eleições para a presidência da Câmara dos Deputados e do Senado.

    Começando lá atrás, ainda na Primeira República, com o PRP, passando pela UDN e pelo PFL, a genealogia do DEM aponta para um projeto que tem vida longa na história do Brasil: desmontar o Estado e colocar o desenvolvimento nacional sob a tutela do capital privado. Antes, o capital privado morava na Casa Grande e era representado pelos oligarcas. Hoje, o capital privado mora nas grandes corporações e é representado pela especulação financeira.

    Não tem nenhuma novidade aqui. Essa política é velha.

    Quando, em 1º de fevereiro, os eleitos se reuniram para eleger seus presidentes, Bolsonaro convalescia no hospital, tendo pesadelos com seu vice, que exercia com muita animação a presidência interina.

    Enquanto isso, Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil e deputado pelo DEM, se articulava com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, seus colegas de legenda. Bolsonaro não teve nenhuma direção aqui, não exerceu nenhuma liderança.

    Agora, na presidência das duas casas legislativas e no controle do Ministério responsável pela articulação política do governo, o DEM está mais forte que nunca.

    A força do DEM independe da saúde física e política de Jair Bolsonaro.

    É impossível saber se Bolsonaro completará o mandado. Se ficar quietinho, fazendo o papel de animador de plateia, ficará onde está. Se insistir na paranoia macartista e na política externa kamikaze, será substituído. Nesse cenário, Bolsonaro cai e o governo continua de pé, talvez até mais forte.

    Bolsonaro é o elo mais fraco da corrente.

     

  • Com Rodrigo Maia eleito na Câmara, Governo prepara o ataque aos direitos

    Com Rodrigo Maia eleito na Câmara, Governo prepara o ataque aos direitos

    A disputa pela presidência da Câmara dos Deputados envolveu seis candidatos. Rodrigo Maia teve 58% dos votos e se elegeu presidente no primeiro turno. O candidato do Centrão, que foi relator do golpe, teve 21% e o candidato do PDT, apoiado pelo PT, teve 12% dos votos. Luiza Erundina teve 10 votos. Bolsonaro teve menos votos (4) do que os votos em branco (5).

    Candidato

    Bloco

    Votos

    Percentual

    Rodrigo Maia (DEM-RJ)

    PMDB, PSDB, PP, PR, PSD, PSB, DEM, PRB, PTN, PPS, PHS, PV e PTdoB

    293

    58,13%

    Jovair Arantes (PTB-GO)

    PTB, SD, Pros e PSL

    105

    20,83%

    André Figueiredo

    PT, PDT, PCdoB,

    59

    11,71%

    Luíza Erundina (Psol-SP)

    PSOL

    10

    1,98%

    Júlio Delgado (PSB-MG), ;

    PSB

    28

    5,56%

    Jair Bolsonaro (PSC-RJ)

    PSC

    4

    0,79%

    Brancos

    5

    0,99%

    Total

    504

    100,00%

    A eleição foi recheada de deserções, a começar pelo bloco de Rodrigo Maia, que deveria alcançar 359 votos dos 13 partidos que o compunham, mas teve 293 votos, 66 a menos. Provavelmente, boa parte foi para Jovair Arantes, que teve mais de 60 votos de fora de seu bloco. O candidato do PDT, com apoio do PT, teve 19 votos a menos, lembrando que o PC do B orientou o voto em Rodrigo Maia, e Erundina 4 votos a mais que sua bancada.

    O grande fiasco da eleição ficou na conta de Jair Bolsonaro, que teve menos votos que os brancos, e sequer conseguiu garantir os 10 votos da bancada do PSC. Bolsonaro tentou uma jogada de marketing para fortalecer sua campanha para presidente, mas com sua pífia votação o tiro saiu pela culatra.

    Temer consegui manter sua base, e eleger os presidentes do Senado e da Câmara, o que facilita a aprovação dos ataques aos trabalhadores e estudantes, como a reforma do ensino médio no Senado e as reformas da previdência e trabalhista.

    A agência Câmara informa que o presidente eleito já indicou os relatores das comissões especiais para reforma da previdência (Sérgio Zveiter – PMDB-RJ) e trabalhista (Arthur Oliveira Maia PPS-BA), confirmando a pressa para aprovação destas reformas. Há, no entanto, resistência de deputados da base que já se movimentam para diminuir o alcance do texto.

    Temos, agora, que acompanhar os vários “bodes” plantados no projeto de reforma da previdência.