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  • Jornalista brasileira em isolamento na Itália alerta Brasil sobre coronavírus

    Jornalista brasileira em isolamento na Itália alerta Brasil sobre coronavírus

    por Raquel Moysés* para os Jornalistas Livres

    *Doutora em jornalismo, professora e servidora pública federal aposentada pela UFSC/IELA

    Jornalista brasileira vive em isolamento do coronavírus com o marido e o filho em Matera, no Sul da Itália. “Vivendo a quarentena de uma nação inteira”

    Aqui estamos praticamente em quarentena, trancados em casa.
    Só saímos para comprar o indispensável. Esta semana fui ao supermercado… a recomendação é de ir só uma pessoa por vez e de cada família.
    Que sensação estranha…
    No supermercado precisa fazer fila e pegar um número, que é para os clientes irem entrando aos poucos, respeitando a distância de segurança uns dos outros.
    Os que conseguiram ainda comprar, usam máscaras de proteção, outros cobrem o nariz e a boca com uma echarpe ou algo assim.
    Há quem faça máscaras “fai da te” (faça você mesmo).
    Alguns usam luvas de silicone.
    A sensação é de irrealidade…
    Como num filme de ficção, meus amigos !

    A minha ida para o Brasil, que seria agora em março está adiada, não sei até quando…
    Desde a última terça-feira o Stefano está em casa para vivermos juntos esta espécie de “quarentena” de uma nação inteira…
    Ele veio sem problemas de Bari até Matera, porque tem residência aqui é isso entra nas regras restritivas estabelecidas para a mobilidade em tempos de coronavírus na Itália.

    O “presidente del Consiglio,” quer dizer o primeiro ministro da Itália, Giuseppe Conte, na última quarta-feira, 11 de março, comunicou ao povo italiano que a maior parte daquilo que ainda estava aberto no país teria que fechar.
    Portanto, desde 12 de março, não abrem mais restaurantes, bares, cafés, pubs, centros comerciais, lojas, salões de beleza, centros de estética etc etc etc , e tudo aquilo que não é considerado de primeira necessidade.

    As novas regras são medidas de “guerra” contra o coronavírus.

    Agora estamos todos na zona vermelha. Mais de 60 milhões de italianos…

     

    Papa Francisco, no centro de Roma, evocando fim da epidemia

    A Itália inteira virou “zona rossa”, embora oficialmente a chamem de  “Zona protegida”, para funcionar melhor psicologicamente e não criar mais alarmismo do que já incitam as redes sociais e certa mídia.  Não tinha mesmo outro jeito.

    Esperar mais tempo para limitar os deslocamentos e reduzir os contatos físicos no país todo seria muito arriscado, pois esse vírus é muito contagioso, se expande com uma rapidez enorme. E os italianos não são tão disciplinados como os chineses, demoraram para entender que a coisa é muito séria, que não se trata de uma simples influenza.

    Os demais países europeus já perderam muito tempo, e apenas agora alguns começam a entender que servem atitudes drásticas, como fez a Itália, que de algum modo serviu de muro de contenção para o vírus responsável por esta grave pandemia, declarada como tal pela OMS, a Organização Mundial da Saúde.

    Se o governo italiano tivesse deixado tudo solto, sem adotar as medidas que foi tornando dia-a-dia mais rígidas, a situação de contágio na Europa hoje talvez fosse ainda mais grave.

    A própria primeira ministra alemã Angela Merkel afirmou em uma entrevista coletiva na semana passada que a Alemanha corre o risco de chegar a ter 60 a 70% da população contagiada pelo coronavírus.

    Mas mesmo na Alemanha medidas mais severas para interromper a circulação do vírus ainda não foram tomadas de modo unívoco.
    O sistema federativo parece dificultar bastante uma tomada de posição em nível nacional.

    A comunicação nos países da zona euro e principalmente nos Estados Unidos sobre o contágio na Itália foi bastante distorcida. Os italianos foram vistos no mundo, nos primeiros dias da epidemia que os atingia , como “gli untori”, aqueles que espalhavam o coronavírus pelo mundo, sendo quase tão tripudiados quanto foram os chineses. Só agora, após o reconhecimento por parte da própria OMS, do enorme esforço que a Itália está fazendo para conter o Covid-19, alguns países europeus começam a se dar conta da dificuldade que têm pela frente e até se espelham no modelo italiano de contenção do vírus..

    Até agora na Itália mais de dois mil profissionais da saúde foram infectados

    Os responsáveis pela saúde pública de todo o mundo deveriam se mirar no “caso italiano”, adotando preventivamente medidas para reduzir o contágio iminente.  Isso não aconteceu nem na Europa, que hoje é o foco principal da pandemia no mundo. A primeira medida que teriam que adotar, lamentavelmente, é o isolamento social. Quer dizer, impedir o nosso direito de mobilidade.

    Diante de um vírus altamente contagioso, para o qual nenhum ser humano tem imunidade, só resta reduzir os contatos ao mínimo, ficar em casa o maior tempo possível e sair apenas para para comprar produtos de primeira necessidade (como alimentos, remédios, produtos de limpeza e higiene pessoal).

    Com sintomas de coronavírus ou após ter tido contato próximo e desprotegido com uma pessoa contagiada, o primeiro cuidado a tomar é não ir ao posto de saúde nem na emergência dos hospitais, pois é alta a probabilidade de contagiar outras pessoas, além de médicos e enfermeiros, que estão na linha de frente cuidando dos pacientes.

    Até agora na Itália mais de dois mil profissionais da saúde foram infectados. Desses, cerca de 250 são médicos que estão em quarentena ou internados, inclusive alguns entubados. Dois deles morreram.

    (Veja vídeo que flagra um momento de solidariedade com música, entre vizinhos na Itália)

     

     

     

    Os primeiro passos da Itália para conter a disseminação do Coronavírus

     

    A Itália foi o primeiro país europeu a interromper os voos para a China no auge na emergência naquele país, e está pagando um altíssimo preço econômico, cultural e em todos os âmbitos da vida social pelas medidas restritivas que precisou tomar.
    Aqui o sistema sanitário público realiza uma grande quantidade de “tamponi” (testes para confirmar se as pessoas foram contagiadas).
    Além disso, são divulgados, todos os dias, durante entrevista coletiva, boletins oficiais da defesa civil, com todos os números do contágio, pessoas em quarentena, doentes nos hospitais, os curados e, infelizmente, os mortos, que pelos números de 16 de março, somam 2158. Boa parte desse triste número de vidas perdidas se refere a pacientes que morreram com coronavírus e não exclusivamente por coronavírus.

    Eram predominantemente pessoas velhinhas, que já estavam bastante fragilizadas e doentes, mas há idosos com boa saúde que foram atingidos, e também pessoas de diversas outras faixas etárias.

    Embora a chance de cura seja alta, o grande problema do coronavírus é que um percentual de 10% a 13% de pacientes necessita de terapia intensiva.
    É como se de repente um tsunami invadisse as UTIs, ao contrário dos casos de influenza, que ocupam os hospitais como uma onda gigantesca, distribuída ao longo dos meses de inverno.
    Muitos países não estão fazendo a coisa certa, segundo os especialistas italianos. Não tomam medidas urgentes de prevenção nem divulgam os dados reais do contágio.
    Inclusive os Estados Unidos, onde a pessoa tem que pagar em média 3 mil dólares para fazer o exame para saber se foi contagiada.
    Lá não existe saúde pública.
    Os estadunidenses que podem pagar enfrentam a selva dos planos de saúde privados, que frequentemente dão cobertura ínfima.
    Além disso ali muitos contratos de trabalho não preveem sequer licença de saúde remunerada. Então a pessoa vai trabalhar mesmo contagiada ou doente.
    E certamente os números do contágio por coronavírus são muito mais elevados do que os divulgados pelo “Tremp”, em ano eleitoral. Não é à toa que ele colocou o vice-presidente como responsável pela questão do coronavírus. Assim, se a coisa der errado, em última instância ele vai colocar a culpa no vice.
    No discurso que fez na semana passada, declarando emergência nacional, ele finalmente teve que assumir a existência da emergência coronavírus, que antes negava, mas o que chega de lá não é nada tranquilizante.
    A situação era grave há várias semanas, tanto que os governadores da Califórnia e o do estado de Nova York já haviam declarado estado de emergência.

    A única coisa que funciona, como demonstra a China, é impedir o contágio com medidas de restrição dos contatos humanos, já que não há vacina nem medicamento certo para curar a pneumonia nos casos mais graves provocados pelo Covid-19.
    Aqui na Itália estão experimentado usar antivirais que serviram para tratar doentes durante as epidemias de AIDS e Ebola. Também estão usando, ao que parece já com algum sucesso para alguns pacientes em estado grave internados em Nápoles, um fármaco utilizado para tratar artrite-reumatóide (Tocilizumab).

    O serviço público de saúde está à beira do colapso no norte da Itália, pois é elevado o número de doentes com pneumonia intersticial grave que necessitam de UTI.

    E não há só doentes de Covid-19, obviamente. As demais doenças não “entraram em férias”. Aqui no sul o agravamento da epidemia pode ser ainda mais grave, se não se conseguir deter a progressão do contágio, pois o serviço de saúde entraria ainda mais rapidamente em colapso.

     

    O problema da saúde pública da Itália se revela com o Coronavírus

    Enfermeira italiana alerta para a única precaução possível: “Fique em casa!”

    Devido aos menores investimentos feitos na saúde pública na Itália meridional, o sistema aqui é muito mais frágil do que o do norte, que está resistindo a duras penas a essa prova.
    Esta é a consequência, principalmente nos últimos dez anos, da absurda política de austeridade ditada pelo capitalismo neoliberal, com cortes drásticos principalmente em saúde e educação.
    É em momentos graves como esse que se percebe, com imensa preocupação, quanto essa política é danosa e desumana.
    A discussão sobre isso, agora, tardiamente, está na ordem do dia na Itália.
    Neste momento muitas pessoas do povo, especialistas de todos os campos e diversos jornalistas coniventes despertam para a necessidade de salvar e fortalecer o virtuoso serviço público de saúde italiano, que ainda é um modelo admirável de sistema universal de atendimento, como o SUS brasileiro, tão vilipendiado pela fórmula do neoliberalismo.
    Aqui na Itália cada pessoa tem um médico de referência, chamado médico de base ou médico de família, o primeiro a quem consultar quando se sente mal.
    No caso da emergência coronavírus, todos são orientados a não ir ao consultório, mas telefonar ao próprio médico de base, no caso de ter tido contato próximo e desprotegido com algum contagiado ou já apresentar sintomas.
    O grande risco do coronavírus é que é possível ser contagiado por uma pessoa assintomática, que pode transmitir o vírus por diversos dias sem saber que é positiva.
    Mas quando a pessoa já apresenta algum sintoma, o médico de família a orienta, por telefone, sobre os cuidados a tomar, prescreve a quarentena e avisa a ASL (Azienda Sanitaria Locale), que passa a também monitorar a pessoa isolada em casa.
    É a ASL que encaminha o paciente para fazer, em ambiente protegido, o exame que identifica se ele é positivo ou não ao vírus.
    Essa é a forma de buscar evitar que o contagiado passe o vírus a médicos, enfermeiros e outros pacientes.
    A ordem é não ir de jeito nenhum para o consultório do médico de família nem às emergências dos hospitais, pois foi o que fez o paciente número 1, indo à emergência do Ospedale di Codogno, na Lombardia, iniciando assim, involuntariamente, a cadeia de transmissão que hoje totaliza quase 28 mil pessoas contagiadas pelo coronavírus na Itália, somando as que sararam, as que se encontram em quarentena em casa, estão internadas ou, lamentavelmente, morreram.

    Médicos infectologistas, virologistas e pesquisadores avaliam que o vírus já circulava na Itália bem antes da descoberta do primeiro foco de contágio e da eclosão da emergência em 21 de fevereiro.

    Assim, o coronavírus ficou circulando livremente e contagiou pessoas que eram assintomáticas ou apresentavam sintomas semelhantes aos da influenza.
    Alguns médicos de família hoje relatam que, já no início do inverno, estranharam alguns casos graves de pneumonia, mas não puderam naquele momento imaginar a epidemia que estava por vir, causada por um vírus até então desconhecido.
    O fato de a epidemia ter iniciado exatamente na emergência de um hospital (de Codogno) foi outro fator responsável pela gravidade da rede de contágio na Itália.

    Só a luz da razão e da solidariedade pode conter a pandemia. Matera, Itália

    Aqui em Matera (festejada capital europeia da cultura em 2019) o clima de grande efervescência artístico/cultural deu lugar ao silêncio e ao temor de que todos os investimentos feitos para atrair visitantes se tornem inúteis. Patrimônio da humanidade declarado pela Unesco, a capital cultural da Europa de 2019 descortinou a um número significativo de turistas e viajantes de tantos países o cenário de um mundo remoto e deslumbrante, com sua esplêndida cidade histórica feita de pedra, I Sassi.
    Agora aqui, como na Itália inteira tudo é incerteza, mas Matera e a Basilicata (terceira região menos populosa da Itália) ainda suspiram aliviadas por serem “lanterninhas” na transmissão do contágio. Nas duas províncias da região (Matera e Potenza), os casos ainda são limitados, mas todos os habitantes tremem só de pensar em uma emergência, pois há poucos leitos de UTI disponíveis nos hospitais.
    E não são só os velhinhos os mais contagiados nessa emergência italiana. Eles representam mais de 40% dos casos totais, mas 35% dos pacientes em terapia intensiva têm entre 50 anos e pouco mais de 60. Pessoas que em geral não têm o físico debilitado.

    Há também adolescentes e adultos jovens nas UTIs. Felizmente poucas crianças contagiadas, mas há inclusive bebês.

    Já se desmentiu a hipótese tranquilizadora que circulou inicialmente de que crianças e jovens seriam praticamente imunes ao coronavírus.
    Não é assim, declaram as autoridades sanitárias do país, alertando para a exigência de que crianças, adolescentes e adultos jovens fiquem também rigorosamente em casa.
    Lamentavelmente até agora a mortalidade é maior entre idosos, principalmente aqueles com outras doenças que já os fragilizam.
    É por isso que hoje é uma prioridade a proteção dos avós, que na Itália, em grande número, são “baby-sitters” dos netinhos.
    A recomendação nessa fase de emergência é que não fiquem com os avós. As crianças podem ser transmissoras ideais do coronavírus, pois , dada a sua energia e sede de brincar, tocam continuamente tudo.
    O governo inclusive estabeleceu uma ajuda financeira para pais e mães (que atuam nas atividades definidas como essenciais e precisam sair para trabalhar) contratarem quem os ajude a cuidar dos filhos.
    As escolas e creches estão fechadas e os avós precisam ser protegidos até de abraços e beijos.
    A guerra contra o coronavírus impõe também sacrifícios afetivos.
    Nós, como a maioria dos italianos, já estamos há vários dias isolados dentro de casa.
    Saímos só o estritamente necessário, para comprar alimentos ou coisas de primeira necessidade.
    Impossível não ficar preocupados com estes números de contágio que ainda não param de subir.

    Ninguém está livre de adoecer, pois o vírus não conhece fronteiras e nenhum de nós em todo esse vasto mundo tem imunidade contra ele.
    Além disso, não e possível prever quando estará disponível uma vacina ou
    medicamentos eficazes contra o Covid-19.

    A única esperança é de que as medidas de restrição da nossa liberdade de ir e vir possam ter o efeito esperado.
    Agora, com as novas medidas, as pessoas só devem sair de casa por motivos sérios, como o trabalho (naqueles setores públicos e privados que não podem parar), para dar assistência familiar a doentes, fazer compras de produtos indispensáveis como alimentos, produtos de limpeza, higiene e remédios.
    Por força dos dois decretos anteriores já estavam fechados todos os teatros, cinemas, museus, academias de ginástica, feiras de alimentos, etc, inclusive os famosos “mercati rionali” (feiras dos bairros), onde se vende de tudo um pouco.
    As missas estão suspensas há vários dias. As igrejas permanecem abertas, mas quem entra nelas para rezar precisa respeitar a distância de segurança de no mínimo um metro de um ser humano ao outro.
    Até os funerais devem acontecer em privado, com número mínimo de presenças, sempre respeitando a distância, sem abraços e beijos.
    Quando uma pessoa adoece e morre por causa do Covid-19, os familiares não podem ter nenhum contato com os próprios caros, nem no hospital nem depois, por ser uma doença infecciosa. E esse é um dos aspectos mais tristes, pois não podem sequer confortar ou se despedir dos que amam.
    Em algumas cidades, como Bergamo, que hoje é o epicentro da epidemia no norte, está sendo traumático para as famílias a fila de espera para sepultamento ou cremação. Em Bergamo, na semana passada, morreram cerca de 50 pessoas por dia, com o coronavírus que agravou outras doenças de que já padeciam, ou por causa exclusiva do coronavírus

    Viver tudo isso na mais absoluta solidão era imaginável até outro dia, principalmente em um país como a Itália, que vive com grande intensidade os rituais da vida e da morte.

    Todas as escolas, conservatórios e universidades estão fechados até 4 de abril.
    Por enquanto, pois é bastante provável que tenham que prorrogar o fechamento.
    Até mesmo na China as escolas ainda não reabriram.
    Sinal de que o risco de reincidência do contágio é um receio dos cientistas, médicos e do governo chinês.
    Com essas novas medidas rigorosas o governo italiano, assessorado por cientistas e respeitados nomes da saúde pública italiana e da OMS, espera reduzir nos próximos 15 dias a curva de crescimento do contágio.
    Certamente não se chegou ainda ao pico dessa curva, todos advertem.
    Nos próximos dias é previsto um aumento substancial do número de contagiados, pois as medidas restritivas ainda vão demorar um pouco para gerar os resultados esperados.
    Ninguém tem certeza do tempo que vai ser necessário, mas a hipótese é de que, ao se atingir o clímax, o contágio começaria lentamente a cair, como acontece agora na China, e aconteceu no passado com outras epidemias e pandemias.

    Esse vírus é muito pouco conhecido pelos cientistas. Não se sabe ainda com relativa precisão o seu “modus operandi.”
    E o pior é que é mutante, como todo vírus. A sensação absurda hoje é de vivermos todos como personagens de um filme de ficção científica…

    Impressionante pensar que não podemos sair de casa livremente, e que encontrar outro ser humano representa sempre um risco.
    Na situação mais grave vivida desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o grande inimigo está na respiração do outro.
    É visível como as pessoas que se encontram nas filas dos supermercados, munidas de máscaras (se conseguiram comprar ou confeccionar uma), se olham de soslaio, até com um pouco de vergonha do medo que sentem umas das outras. A ordem que se lê nos olhares é: mantenha distância. Todos querem se livrar das gotinhas de saliva que podem ser “habitadas” pelo temível vírus SARS COV-2, que causa a doença batizada pela comunidade científica com um nome imponente: Covid 19.

    Só nos resta esperar que esse pesadelo passe.
    Espero com todo o coração que o vírus não se expanda, como já anunciando, no nosso Brasil, na Nuestra América, e em outros países do mundo onde ainda não chegou.

    Temo muito pelo que pode acontecer no Brasil, se o coronavírus se tornar uma grande emergência nessa era de brutalidade do desgoverno, que fez cortes enormes no nosso SUS e desmantelou o excelente programa Mais Médicos.

    Agora, médicos cubanos (e venezuelanos), que forem descartados sem nenhum respeito apesar do excelente trabalho que faziam nos grotões do Brasil, socorrendo os últimos, já se aprestam a vir em socorro da Itália nessa dolorosa emergência.
    Me angustio só de pensar no já tão espoliado e sofrido continente africano. Ali o coronavírus provocaria uma tragédia inimaginável.
    Estou rezando a toda hora…
    Segura, coração!

     

    Dados da Itália hoje:

     

    Os números são divulgados todos os dias durante entrevista coletiva do comissário para a emergência do Serviço Nacional da Proteção Civil.

    DADOS DE 18 horas de 16 de Março

    27980 casos no total
    23.073 casos com teste positivos,

    destes 2151  (mortos), 2749  (curados)

    Dos 23.073 com teste positivo
    10197 estão em isolamento domiciliar

    11025 estão internados com sintomas
    1851 em terapia intensiva (UTI)

    http://www.salute.gov.it/portale/nuovocoronavirus/dettaglioContenutiNuovoCoronavirus.jsp?lingua=italiano&id=5351&area=nuovoCoronavirus&menu=vuoto

    Contei um pouco do que vi, ouvi e aprendi estes dias, a duras penas…
    Uma espécie de carta reportagem… coisa de jornalista.
    Muita gente estava mandando mensagens e me perguntado o que está acontecendo. Todo mundo assustado.
    Talvez o que escrevi possa ser útil e ajudar em alguma coisa.

    Fontes italianas sobre o coronavírus:

    https://www.google.it/amp/s/www.ilfattoquotidiano.it/2020/03/15/coronavirus-papa-francesco-va-in-due-chiese-simboliche-del-centro-di-roma-per-invocare-la-fine-della-pandemia-il-significato-simbolico-e-i-precedenti/5737669/amp/

    https://m.ilgiornale.it/news/☝cronache/coronavirus-linfermiera-crollata-fine-turno-state-casa-1838809.html

    https://m.huffingtonpost.it/entry/lappello-dellinfermiera-in-prima-linea-a-☝milano-state-a-casa-fatelo-per-noi-e-per-voi_it_5e66238ac5b68d61645748c4

    MAIS SOBRE O CORONAVIRUS EM:

    Bolsonaro criminoso contraria Ministério da Saúde e vai, sem máscara, a manifestação anti-Congresso

     

  • A gente tem lado – Um relato pessoal

    A gente tem lado – Um relato pessoal

    Amanheci a sexta-feira em dúvida ainda cercado de compromissos. Pairava sobre a cabeça uma nuvem de angústia, já faziam algumas noites que eu não dormia bem, me sentindo desterrado da realidade. É uma face oculta do golpe, que não toma apenas o poder político mas a própria percepção do possível e do absurdo. A hegemonia nefasta que Globo, Veja, Folha, Estadão e afins geram é tão opaca que nos faz parecer loucos aos olhos de amigos de infância, parentes, pessoas por quem muitas vezes não deixamos de ter afeto mas que hoje não se limitam a discordar de nossas opiniões, vão além: julgam que nossas opiniões são impossíveis. É uma negação total da política, que se movimenta na divergência, mas também uma negação da nossa capacidade de pensar e em suma, da nossa própria humanidade. É uma agressão e é muito doloroso de sentir.

    Eis que um amigo me chama pra ir pra São Bernardo. Depois outro. E outro. Mais um e eu cancelei tudo que tinha e fui. Nos encontramos um pouco perdidos no terminal Sacomã e uma mulher de uns 50 anos, negra, boné da CUT, estrela vermelha na camiseta, nos disse “Vocês vão pro sindicato né? É esse ônibus aqui mesmo.” Neste ônibus não cabia mais ninguém, mas nós entramos, a porta fechou logo atrás de mim e fiquei espremido contra ela. No aperto já se via mais vermelho, bandeiras, um boné com a bandeira de Cuba, um senhor com uma camiseta da campanha de 89. Era visível ali a solidez das bases que tem o PT no meio do povo, que a mídia não é capaz de destruir. Eu há alguns anos não me dizia petista, mas quanto mais essa corja podre ataca o PT mais eu fico petista; quanto mais a Globo fala mal de Lula, mais eu gosto de Lula – e mais eu detesto a Globo. O ônibus atravessava a Anchieta e as pessoas, ainda um pouco tímidas na conversa, iam jogando algumas opiniões e posicionamentos pra testar se ali já estávamos mesmo entre os nossos. Estávamos. E eu, como criança em viagem de família, perguntava a cada 5 minutos se já estava chegando.

    “Olê! Olê olê olá! Lulá! Lulá!”, descemos no ponto do pé da ladeira cantando. Na subida já encontramos mais amigos, uns que eu já conhecia, outros que eram meus amigos apenas porque estavam ali. Contei no céu 5 helicópteros. Entre as falas das lideranças políticas no trio elétrico e as canções de ordem, já circulavam boatos de que a Tropa de Choque estava chegando, mas ninguém arregou um dedo por causa disso. De repente uma vibração mais forte. Lula aparece na janela do sindicato e cumprimenta as milhares de pessoas que estavam ali. Choro pela primeira vez, por ele e pelo amor que dali emanava, pelos olhares de gratidão, solidariedade e disposição. Estávamos juntos e o nosso compromisso ali estava claro. A nuvem havia se dissipado, a angústia havia se transformado em força. Lula é meu amigo: mexeu com ele, mexeu comigo.

    O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC estava de portas abertas e nós, com os corações palpitando, entramos neste templo sagrado da esquerda brasileira, ou melhor, da humanidade. O prédio teve o abastecimento de água cortado desde a manhã sem nenhuma explicação pública, mesmo assim o sindicato providenciou água de carros-pipa, manteve os banheiros funcionando e acolheu a todos, sem ninguém que nos dissesse o que podia e o que não podia fazer, onde entrar e onde não entrar, total liberdade e responsabilidade. No terceiro andar, uma grande roda de samba, no quarto andar o bar servia cerveja, cachaça e porções de calabresa. Não era de graça, sinto a absurda obrigação de deixar isso claro, mas sim, tinha samba e tinha cerveja, tinha alegria. Porque lado a lado a gente se fortalece, cantando a gente se une e resiste à dor da violência que nos é imputada. É uma ofensa para os nossos adversários que nós estejamos alegres, pois então nós vamos cantar bem alto. Já há algum tempo venho percebendo alguns afetos do povo brasileiro que são simplesmente ingolpeáveis. A alegria da esquerda, nosso amor, nenhum golpe pode fazer diminuir.

    Soubemos então que Lula não falaria naquele dia, também que a polícia não viria. No dia seguinte, aniversário de dona Marisa, haveria uma missa aberta a todos. Lula estaria presente e só depois possivelmente se entregaria. Estava então decidido: passaríamos a noite lá. Nesse momento falei com minha mãe, sabia que ela ficaria apreensiva. Não tinha saído de casa preparado pra ficar, não me lembrava nem se tinha fechado as janelas direito, mas era simplesmente inconcebível para mim sair dali e passar a acompanhar os acontecimentos pela TV. A História estava acontecendo ali e nós éramos sujeitos ativos daquela construção, cada cabeça que se contava era importante. Eu não tinha um cobertor, mãe, mas tinha o acolhimento dos meus. O mais importante: eu estava feliz.

    Claro que não consegui dormir muito. Some-se aí mais uma noite com o sono prejudicado, mas o espírito estava pleno de energia. De manhã, dois sindicalistas me pediram pra fotografá-los diante de uma faixa com uma imagem de Lula que cobria os quatro andares do prédio. Me disseram que lembrava as faixas do primeiro de maio em Havana, pra onde eles foram numa excursão do sindicato, não pude imaginar a honra! Tiramos uma foto ali também, dá até pra ver nossos olhos cansados e incomodados. O sol matinal é inclemente com quem perde a noite, mas a essa hora já chegavam novos amigos e companheiros para a missa, trazendo uma nova vitalidade, e mesmo os que chegavam com expressões tristes logo se ambientavam no clima de acolhimento que se havia construído à noite.

    A missa começou no que havia se transformado no Vaticano da militância. Quando consegui dar a volta no trio elétrico, olhei pra cima, vi Lula abraçado com Dilma e chorei pela segunda vez. A partir daí as lágrimas não pararam mais. Entre homenagens à dona Marisa, canções, estas escolhidas pelo próprio Lula – Lulapalooza, um dos músicos brincou -, e orações como a carta de Paulo aos Coríntios e a de São Francisco de Assis – esta lida por Dilma, que saudade, Dilma! -, se lembrou sobretudo da importância do amor, do nosso dever um para com o outro naquele momento. Era evidente que estávamos ali processando um luto. Um luto necessário. Um momento para fazer as contas do que perdemos nos últimos anos, aceitar que nossos adversários políticos nos tomaram diversas trincheiras e isso culminaria no final daquele dia com a prisão do maior líder da nossa esquerda. Isso não dependia das tantas estratégias disponíveis, das tantas análises de conjuntura possíveis, nem de elaborações como esta aqui. Quem tem algum compromisso com a esquerda neste país, em presença ou em intenção, se deu as mãos naquela ladeira e rezou aquele pai nosso que encerrou a celebração.

    O que Lula falou em seguida já está sendo reproduzido e traduzido em todos os cantos da terra. O que nos atravessou, porém, não se pode reproduzir ou traduzir. Todos ali concordariam que Lula é o maior orador da história da humanidade. A sua generosidade ao apresentar todos os companheiros de luta que estavam no trio elétrico e ao apoiar as candidaturas de Manuela e Boulos, a força do seu compromisso com o povo brasileiro, esta já expressa nas suas realizações, a firmeza de sua ideologia democrática, de respeito às instituições – que justifica inclusive a sua opção por não resistir à prisão -, tudo isso foi conduzido pelo nossos corpos, que na multidão se tocavam, se apoiavam. Até os que, minutos antes, gritavam com toda a força que ele não deveria se entregar, no final entenderam e respeitaram a escolha de um homem que, convenhamos, tem mais sabedoria que nós pra decidir o que fazer naquele momento. E ele nos disse pra continuar, porque as suas idéias não podem ser presas e caminharão pelas nossas pernas, falarão pela nossa voz e baterão em nossos corações.

    “Um abraço, companheiros. E até a vitória.” Lula encerrou seu discurso como vem fazendo, dizendo que provará sua inocência e logo retornará à luta, com a expressão tranquila de quem dorme o sono dos justos. Desceu do trio elétrico e foi carregado até a entrada do sindicato, cercado pelas flores que o povo erguia, apertando as mãos das pessoas, sorrindo e chorando. As imagens disso também o mundo inteiro já viu. A comoção em que ficamos do lado de fora não tem nome. O som continuava tocando “Apesar de Você”, mas na verdade estávamos todos em silêncio. Não vi um que não chorasse, não vi um que negasse um abraço, nem um que não estivesse precisando desesperadamente de um abraço. Até agora eu choro enquanto lembro, enquanto escrevo, quando vejo uma foto, quando lembro de alguém que abracei naquela hora. Todas aquelas pessoas estão marcadas no meu coração pra sempre.

    Foi a coisa mais emocionante que eu já vivi.

    Lembro da prisão de Cunha, que não foi acompanhado nem pela esposa. Apesar da tristeza de perceber a neurose coletiva que tomou de assalto o Brasil, de termos que testemunhar absurdos completos golpeando o cotidiano enquanto se impõe a aparência de normalidade, apesar da perspectiva de tempos sombrios, ali estávamos milhares no mesmo abraço, onde tudo começou e preparados para recomeçar. Talvez a entrega de Lula sirva para nos tirar do estado de suspensão e negação em que nos encontrávamos desde o começo dos movimentos do golpe e nos leve a dar os passos além. “A gente tem lado”, ele disse em seu discurso, porque só quem é livre pode escolher de que lado está. Eu tenho lado e está claro: é com os trabalhadores que pegaram aquele ônibus comigo, com quem acenou junto quando Lula apareceu na janela, com quem tocou aquele surdo e brindou uma cerveja no terraço do sindicato, com quem dormiu naquele chão, com quem chorou junto a manhã inteira, com quem ficou sentado em frente ao portão pra não deixar Lula ir embora, com quem está disposto a seguir no compromisso de lutar. Uma certeza dessas é rara de se ter na vida.