Por João Paulo Guimarães (texto e imagem) Jornalistas Livres
O repórter João Paulo Guimarães tem percorrido, desde agosto o Pantanal, nas regiões que mais estão sofrendo com o impacto dos incêndios. Mais uma vez, ele nós oferece uma percepção sensível deste estrago, que nos permite testemunhar as dimensões irreversíveis dessa perda. Não apenas nas imagens tão impactantes, mas na análise precisa deste desastre.
Um Ecótono é o resultado do contato de uma região entre biomas fronteiriços. São áreas de transição ambiental. Por exemplo, o Pantanal. Essa área, chamada erroneamente de bioma, por ser o resultado dos biomas Amazônia e Cerrado, está fadada à destruição. É um fato. O ponto de retorno, o qual poderia ser feito alguma coisa, está há quilômetros. O Pantanal está perdido. A Floresta, a biodiversidade, animais, vida aquática e solo. Tudo.
Incêndios no Pantanal, fotos de João Paulo Guimarães
A contaminação da ictiofauna pelas cinzas e pelo excesso de matéria orgânica já é uma realidade. Os peixes vão sucumbir graças à folhas e folhas e troncos queimados que caem nos rios, o que acarreta a redução do nível de oxigênio na água, causando a mortalidade da população de peixes e algas. A ciência, possivelmente, nunca vai saber os impactos e resultados dessa calamidade.
Cinquenta anos, dizem os cientistas ignorados pelo Governo Federal. Em cinquenta anos o Pantanal volta ao seu estado exuberante e saudável. Uma regeneração lenta e impossível graças ao Agro que ama o fogo. Em uma Usina de Cana de Açúcar da COOPERB em Mirasol próxima à Cáceres, um trator, máquina de corte, pega fogo. O canavial vem ao chão e se dirige para o bananal ao lado. O bananal e consumido e ao longe, atrás do muro de fumaça, é possível ouvir os gritos desesperados do assentamento Sem Terra Margarida Alvez. Não conseguimos contato com a liderança do assentamento.
Cinquenta anos pra curar, diz a Professora Cátia Nunes da Cunha. Pós Doutora do Instituto Max-Plank. Grandes coisa ser professor ou Doutor no País do auxílio emergencial de mil dólares onde a Lava Jato foi extinta porque não há corrupção no governo cuja esposa do Presidente recebe 7,5 milhões de reais de verba destinada para o combate à gripezinha que não existe chamada Covid-19 que já matou 5 milhões de brasileiros.
Por falar nisso Presidente, porque sua esposa recebeu oitenta e nove mil reais do Queiroz?
14% do Pantanal já foi. Mas pra ajudar o governo cortou 58% da verba do ICMBio e agora vai fundir o Ministério do Meio Ambiente com o Ministério da Agricultura.
A Amazônia está sendo devastada. Pegando fogo e sangrando com o correntão que vai derrubando tudo à sua frente. Não chove no País. Não há Sol. Está escondido atrás da fumaça que cobre os céus do Brasil em Rondônia, Acre, Minas Gerais, Amazonas, Pantanal, Amazônia e muitos outros locais que são área de crescimento do Agro Pop. Já perceberam que só queima em área próxima de fazenda, de Garimpo, de reserva indígena e reserva ambiental? Eu percebi.
Por: Gislayne Figueiredo e Rosa Lúcia Rocha – Consulta Popular – MT
Desde a chegada dos primeiros homens brancos no Brasil, o povo indígena vem sofrendo com a violência, o genocídio, os ataques à suas formas de vida e de cultura, tudo isso para se apropriar de suas terras e disponibilizá-las para aqueles que a utilizam segundo a lógica do lucro.
A mesma lógica utilizada – de apropriação da terra mediante o genocídio e etnocídio de povos inteiros – continua sendo utilizada como forma de expansão das fronteiras agrícolas e sob o discurso do desenvolvimento nacional: citamos algumas dessas violências cometidas em período não tão distante, entre as décadas de 1940 a 1960, que foram ricamente documentadas em 1967 pelo próprio Estado brasileiro por meio do chamado “Relatório Figueiredo”, um documento de mais de 7 mil páginas que está disponível na página do Ministério Público Federal e que merece ser conhecido por todos os brasileiros. No documento produzido pelo então procurador Jader de Figueiredo estão descritas inúmeras atrocidades praticadas por latifundiários brasileiros e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio contra índios brasileiros naquele período, como assassinatos individuais e coletivos, torturas, prostituição de índias, trabalho escravo, usurpação do trabalho, apropriação e desvio de recursos oriundos do patrimônio indígena, venda de artesanato indígena, venda de produtos de atividades extrativas e de colheita, arrendamento de terras, venda de gado, venda de madeiras, exploração de minérios, doação criminosa de terras, omissões dolosas, dentre outras.
Essas violências continuam até hoje e centenas de povos indígenas que procuram viver em harmonia com a mãe-terra, respeitando-a e preservando-a, têm seus territórios constantemente invadidos por garimpeiros, madeireiros, fazendeiros e pelo agronegócio que, de forma predatória, queimam e arrasam as florestas, as águas e os animais.
Os povos indígenas foram sendo cada vez mais expropriados e confinados em pequenos espaços de terra, os chamados Territórios Indígenas que, em geral, são cercados de fazendas por todos os lados e, muitas vezes, não possuem terras suficientes para garantir a sobrevivência com dignidade desses povos.
A história mostra que uma das estratégias mais utilizadas para matar os indígenas com o fim de tomar as suas terras é a contaminação de grupos com doenças vindas dos brancos, como a varíola, tuberculose e a epidemia de gripe e sarampo que dizimou diversas etnias no século XX.
O Estado brasileiro de hoje, sob o comando de Bolsonaro, impõe um governo de direita (tendendo para a extrema direita) que é declaradamente a serviço dos maiores inimigos dos povos indígenas, ou seja, grandes produtores do agronegócio, latifundiários, madeireiros e mineradoras. Assume uma postura ativa de incentivo e apoio àqueles que invadem e cometem violências contra os indígenas, não apenas se omitindo quanto ao seu papel de fiscalizador, mas propondo ações que violam cotidianamente os direitos constitucionais dessa população, reforçando práticas e discursos genocidas.
De modo muito conveniente aos interesses desses grupos que dão sustentação ao governo Bolsonaro, o vírus Covid-19 chegou rapidamente aos povos indígenas, tal como pavio de pólvora, com evidentes indícios de negligência para com essa população, sabidamente mais vulnerável a doenças infecciosas.
Diante da pandemia que avança sobre seus territórios, muitos povos indígenas têm se organizado para sobreviver e resistir como podem para impedir a infecção pelo coronavírus, criando barreiras sanitárias nas aldeias, evitando ir às cidades e contando com a solidariedade dos amigos da causa indígena para acessarem produtos de higiene e ferramentas para a pesca, haja visto que o Estado não tem garantido as condições mínimas para a sobrevivência, para evitar o contágio e cuidar daqueles indígenas que foram contaminados.
No estado de Mato Grosso, de acordo com a contabilização feita pela Associação de Povos Indígenas do Brasil, em 11/09 já eram mais de 1600 indígenas contaminados e 73 mortos.
Um apelo por solidariedade aos povos do Xingu
Do Baixo Xingu, pelo whatsapp, chega um apelo por solidariedade pela voz de um jovem indígena, dirigido aos movimentos sociais do campo popular de Mato Grosso:
“Companheiro, estou sem acesso a internet, a gente está isolado. Devido a pandemia, nós mudamos do polo central onde estávamos residindo até o ocorrido, nós perdemos uma família devido às complicações da Covid 19. Na nossa cultura, quando acontece alguma coisa, a gente busca outros lugares para estar com a família. E aí, a nossa família está construindo uma comunidade lá, um lugar pra gente, então não estamos tendo acesso à internet, por enquanto. Mas buscando apoio para em breve ter uma instalação lá pra gente, porque a gente precisa para dar continuidade ao nosso trabalho. Estamos agora bem próximos de um outro povo indígena, eu agora estou tendo bastante contato com eles e pretendo colocar eles em contato com vocês, acho importante a gente socializar, para que o povo branco possa entender como estamos organizados. Então, a gente tem bastante demanda aqui no nosso povo, aqui do Xingu e acredito que tem outros povos indígenas que também têm demandas devido a pandemia… Porque mudou totalmente nossos hábitos. Tem chegado apoio, não muito, algumas coisinhas. O que o pessoal mais oferece é cesta básica, só que a gente precisa mais do que a cesta básica, como ferramentas, sabão, isqueiro, sabonete, produtos de higiene, faca, facão, lima, essas coisas. Já faz aproximadamente seis meses que a gente está parado aqui… A gente não consegue ter acesso fora da TIX (Terra Indígena Xingu). Daí eu gostaria de ver se vocês conseguem mobilizar aí alguns parceiros, pegar carona, para que possam nos ajudar, mobilizar, articular para adquirir essas coisas e mandar pra gente também. A gente ficaria muito feliz com isso, as comunidades, que realmente estão precisando. Eu não procurei você antes porque eu também sei que vocês tem a demanda de vocês aí… Mas é que eu vejo aqui, as comunidades super precisam dessas coisas. E não é só cestas básicas. A gente tem alimento da gente aqui também, que a gente consome. Não quer dizer que a gente não precisa também das cestas. Mas não tanto quanto os materiais que as comunidades estão precisando para trabalhar e para dar continuidade no trabalho de roçada. Daí já passa um tempo, aí posteriormente ver o tempo da queimada pras roças, e depois vem o período do plantio das roças… Então a gente vai precisar de bastante material. Eu aguardo posicionamento seu, uma resposta sua para ver o que que você me fala, tá bom? Um abraço até mais.”
Diante da resposta positiva, o reforço:
“Obrigadão aí pela força companheiro, pela parceria também e pela compreensão também. A gente está há seis meses sem sair. Como você sabe o Xingu é muito extenso, são 16 povos. Tem chegado apoio, mas não atende todo mundo, não consegue atender todo mundo, então por isso eu estou falando com vocês. Eu conversei aqui com uns povos parentes, que tem mais ou menos duas ou três aldeias, e tem o meu povo também, né? Então como a gente está em várias aldeias, então o que que foi a metodologia que eu montei lá. Eu achei que daria para gente dividir os trabalhos com outros parceiros. Então, aqui, a gente conversando, o pessoal aqui e o cacique lá de outra aldeia que fica na região onde a gente mora, a gente decidiu buscar algum tipo de apoio para 10 aldeias que são Parureda, Caiçara, Tuba-tuba, Maidicá, Camaçari, Aiporé, Paranaíta, Castanhal, Três Patos e Ciato. Dessas aldeias, a gente já fez um pequeno levantamento também, a maior população aqui é o povo Yudjá, dá um total de 150 famílias nas 10 aldeias. Então as ferramentas para trabalho, produto de higiene que não falei, o sabão, sabonete, bombril de lavar panela também, creme dental, escova de dentes, essas coisas também são bem vindo. Botinas, chinelos havaianas. Que a gente precisa além das cestas, né? Assim, que nem eu falei, a gente tem a comida nossa que é farinha, bijú, caça… A gente precisa também de óleo de comida, sal, açúcar também que a gente consome hoje, né? Não muito, mas a gente consome para adoçar algumas coisas. Então, por isso a cesta também é fundamental pra gente, é importante também, porque tem algumas coisas também que a gente usa também no nosso dia a dia. Então é isso!”
Essa é a história que motivou os movimentos sociais do campo popular de Mato Grosso – MST, Consulta Popular e Levante Popular da Juventude, em parceria com a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (ADUFMAT) lançarem uma campanha conclamando toda a sociedade para doar ferramentas para trabalho na roça, pesca e materiais de higiene e limpeza para atender as necessidade de 10 aldeias da região do baixo Xingu.
Nesse momento, onde a existência concreta desses povos está mais uma vez ameaçada, é importante nos atentarmos para a importância de fortalecermos a luta pela defesa de suas formas de vida, pela preservação de suas múltiplas e diversas culturas e de seus territórios. Não obstante, para além de apoiarmos a luta, é preciso que nossa relação com os povos originários seja de aprendizagem, que a gente possa aprender com a riqueza de suas culturas e com sua relação de respeito para com a natureza e com outros seres humanos.
As organizações conclamam toda a sociedade a se juntar a essa causa e contribuir com a preservação das comunidades indígenas do baixo Xingu, em Mato Grosso, doando produtos de limpeza, material de trabalho na roça e para pesca (vide lista abaixo).
As doações podem ser entregues na sede da ADUFMAT, em Cuiabá, ou por meio de depósito na conta abaixo. Mais informações no face da AAMOBEP – https://www.facebook.com/aamobep/ – pelo email aamobep@gmail.com ou pelo telefone (65)981094569.
Nome: AAMOBEP (Ass. Amigas/os do Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário Prestes)
Protocolo. Ao chegar nas proximidades da Aldeia Cajueiro, passamos por dois caminhões do exército indo embora por volta das 15h e levantando poeira na estrada sem asfalto. De dentro do carro, vimos a muralha de fumaça típica de qualquer queimada no país. O cheiro de mata queimada é forte. A última vez que senti esse cheiro pesado, foi no Pantanal, no começo do mês.
As queimadas avançam no Pará
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Descendo do carro, já com câmera na mão, olho para o lado e vejo um grupo de indígenas no barracão da entrada, sentados, olhando para o fogo. Alguns bebem água. Suados. Cansados. Pergunto para um dos Tembé, o porquê de o exército ter ido embora, se ainda há fogo pra combater. Ele me diz que falaram que às 14h precisam voltar para a base. É o protocolo.
Ao chegar me apresento para o chefe de operações do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará, subcomandante Plínio. Um homem simpático e abatido. Suando e com o olhar fixo na fumaça, ele me diz que o fogo está descontrolado e avisa que “o corpo de bombeiros vai deixar a área às 18h. É Protocolo.”
Morador da Aldeia Cajueiro dos Tembé Tenetehara
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Os brigadistas sob o comando do sub Plínio, como eles o chamam, não aparentam só cansaso. Estão desorientados, sem saber o que fazer com a falta de equipamentos e com o calor, que os deixa desnorteados a cada vez que precisam entrar na mata. Tentam se proteger da tiririca – gramínea que corta o rosto e braços – e das tachis, formigas vermelhas e venenosas que entram na roupa e dão choques ao ferroar o corpo. Parece drama de quem vive na cidade, até você ser ferroado por dez formigas de fogo de uma só vez.
Uma bomba motorizada para puxar água é colocada em uma caixa d’água antiga, em cima de um caminhão; só assim é possível utilizar a mangueira para apagar um foco grande de fogo mata adentro. Tudo improvisado. Os bombeiros, suados e gritando palavras de ordem uns para os outros, não parecem saber o que estão fazendo. Não se entendem. Discutem sobre o comprimento certo da mangueira. Esquecem de por os EPIs e pedem para não serem fotografados sem o equipamento. É protocolo.
Os bombeiros sofrem com a falta de equipamentos. Protocolo
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Do outro lado, os Tembé entram na mata mais rapidamente, para acalmar as chamas que vão se formando. São muitos focos de fogo. O chão, em muitos lugares, está em brasa. As copas das árvores estão pegando fogo e é preciso derrubar algumas. É necessário atenção máxima para os pedaços grandes de brasa que caem. Uma sucupira de mais de 100 anos vai ao chão pela motoserra. Tudo nessa situação é perigoso. Alguém pode ser esmagado por esses colossos que queimam por dentro. Os indígenas entram na mata no momento em que a árvore desaba, para apagar as brasas antes que, mais uma vez, o fogo pule para outros pontos; usam mochilas amarelas de água, emprestadas pelo Corpo de Bombeiros do Estado do Pará. A fumaça sobe no meio do mato, mas ainda é preciso esfriar mais a árvore tombada. São 18h e os bombeiros precisam sair. É Protocolo.
As árvores que tem suas copas incendiadas tem que ser derrubadas. Protocolo
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Lançados à própria sorte, sem equipamento adequado, sem mangueira, sem treinamento e sem EPIs, os Tembé decidem abandonar a briga. Não há mais o que fazer. A noite esconde outros perigos além do fogo. O fogo pode ser visto a olho nu na escuridão. Serpentes como a cascavel e a jajaraca ficam escondidas e atacam, caso sejam pisoteadas. São invisíveis! Consumidos pelo fogo, galhos ficam expostos como espetos afiados, na mata e no chão. Uma espetada nas pernas, pés ou na barriga pode ser fatal, no meio da mata e à cinco horas de distância da cidade mais próxima, Paragominas.
Aldeia Cajueiro dos Tembé Tenetehara
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Alguns dos Tembé voltam pra Aldeia Cajueiro, mas outros precisam ficar e lidar com a falta de energia e luz. Fios dos postes foram derretidos pelo fogo. O cacique Reginaldo Tembé e outros Tembé Guardiões da Floresta, tentam fazer a emenda de um fio de alta tensão que foi rompido durante a queimada que já dura mais de três semanas.
O fogo misterioso, que começou de forma estranhamente milagrosa, próximo a uma fazenda, não vai descansar à noite. O fogo não sabe o que é descanso. Vai consumir mais ainda a mata, ao compasso do vento, assim como vai consumir os animais, como o bicho-preguiça, a jibóia e o jabuti. O fogo não sabe o que é protocolo.
Os guardiõe Tembé Tenetehara da Aldeia Cajueiro tentam salvar o território
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Amanhã de manhã, na Aldeia Cajueiro, os Tembé Tenetehara, cansados e com fome, irão acordar para batalhar mais uma vez, sem apoio dos bombeiros e do exército. Serão despertados pela fumaça que cobre a aldeia. Terão tosse mais uma vez. É o protocolo.
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Vejam outras matérias sobre as queimadas na Amazônia e no Pantanal.
Por Daniel Camargos e André Campos | Foto: João Paulo Guimarães | 22/09/20 | para a Repórter Brasil
Parte do fogo que devasta o Pantanal mato-grossense teve origem em fazendas de pecuaristas que vendem gado para o grupo Amaggi, do ex-ministro e ex-senador Blairo Maggi, e para o grupo Bom Futuro, de Eraí Maggi, considerado o maior produtor de soja do mundo. Esses dois grupos empresariais, por sua vez, são fornecedores das gigantes multinacionais JBS, Marfrig e Minerva.
O levantamento da Repórter Brasil se baseou emestudo da ONG Instituto Centro de Vida, que identificou que as queimadas no Mato Grosso começaram em cinco propriedades, a partir da análise cruzada dos focos de calor do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), imagens dos satélites Sentinel-2 e Planet e mapeamento das áreas atingidas por incêndios da NASA. O estudo do ICV analisou os focos de incêndio no Mato Grosso entre 1º de julho e 17 de agosto, mas ressalta que a primeira queimada na região começou em 11 de julho. Com base na geolocalização dessas fazendas, a Repórter Brasil usou dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e da Secretaria de Estado da Fazenda para identificar os proprietários, bem como documentos para averiguar os compradores de dois desses fazendeiros.
No Pantanal mato-grossense, incêndio começou em cinco fazendas, duas delas dedicadas à criação de gado (Foto: Christiano Antonucci/Secom-MT)
O fogo que teve início nessas cinco propriedades rurais voltadas para pecuária, todas localizadas em Poconé (100 km da capital Cuiabá), foi responsável por destruir 116.783 hectares, área equivalente à cidade do Rio de Janeiro. Esse volume de destruição correspondeu a 36% da área total atingida por incêndios no Pantanal mato-grossense no período analisado (entre julho e a primeira metade de agosto).
O incêndio que atinge o Pantanal é alvo de investigação da Polícia Federal, que apura a responsabilidade de fazendas na área rural de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Já o estudo do ICV se concentrou no Mato Grosso, no entorno da cidade de Poconé.
Entre essas cinco propriedades rurais mato-grossenses, está a fazenda Comitiva, de Raimundo Cardoso Costa, onde o fogo começou em 20 de julho e foram registrados pelo menos 171 focos de incêndio. A área total destruída pelo fogo iniciado nesta fazenda foi de 25.188 hectares.
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Fazenda do Mato Grosso, Raimundo Cardoso Costa é proprietário de outra fazenda, vizinha à Comitiva, chamada Recanto das Onças. A Repórter Brasil identificou que a fazenda Recanto das Onças comercializou gado com o grupo Bom Futuro, mais conhecido pela produção de soja, mas que tem um rebanho de 130 mil cabeças de gado nelore. O grupo Bom Futuro está entre os fornecedores de gado dos maiores frigoríficos do Brasil: JBS, Marfrig e Minerva, conforme atestam documentos a que a reportagem teve acesso.
Outra fazenda localizada em Poconé e que está entre as cinco analisadas pela Repórter Brasil é a Espírito Santo, de José Sebastião Gomes da Silva, onde o fogo começou em 4 de agosto. Segundo o Inpe, foram pelo menos 73 focos de incêndio que destruíram 14.292 hectares, segundo análise da NASA.
Os incêndios que começaram em fazendas do Mato Grosso já destruíram uma área equivalente à cidade do Rio de Janeiro (Foto: Mayke Toscano/Secom-MT)
Gomes da Silva também é dono de outra fazenda, a Formosa. Essa propriedade vende gado para a fazenda Rio Bonito, de Elza Junqueira de Carvalho Dias, que, por sua vez, comercializa gado com a JBS e Marfrig. A Fazenda Formosa também é fornecedora da Amaggi Pecuária. A empresa faz parte do grupo Amaggi, da família do político Blairo Maggi, que tem 10 fazendas no Mato Grosso e atua em diversos setores além de soja e pecuária, como energia e logística. A Amaggi Pecuária, por sua vez, está entre as fornecedoras da JBS, Marfrig e Minerva.
“Queremos descobrir quem foram os autores [das queimadas no Pantanal]”, disse, à Repórter Brasil o delegado Daniel Rocha, em referência ao fato de que os incêndios que destroem o bioma teriam sido provocados pela ação humana — e não por conta do período seco. As propriedades investigadas pela Polícia Federal na operação Matáá ficam próximas ao Parque Nacional do Pantanal, na divisa dos dois estados, e, segundo o delegado, são grandes fazendas de pecuaristas.
O fogo é a forma mais barata de ampliar uma pastagem, conforme explica o diretor-executivo da Amigos da Terra Amazônia Brasileira, Mauro Armelin. Para o executivo, os frigoríficos deveriam analisar também os seus fornecedores indiretos, como forma de coibir o desmatamento e também as queimadas provocadas pela ação humana. “Se os frigoríficos não fizeram a análise completa e monitorarem os [fornecedores] indiretos, eles nunca poderão dizer que suas cadeias de produção são livres de desmatamento”, explica.
Mais de uma centena de frigoríficos assinaram com o Ministério Público Federal (MPF) um acordo, que ficou conhecido como “TAC da Carne”, em 2009, para não comprar gado de áreas desmatadas ou autuadas por trabalho escravo na região amazônica. Mais de 10 anos depois, os frigoríficos conseguem driblar o acordo com uma série de artimanhas, muitas vezes envolvendo fornecedores indiretos com problemas socioambientais, como mostrou a Repórter Brasil em reportagem publicada em junho.
‘Fogo começou com explosão de automóvel’, diz pecuarista
Raimundo Cardoso Costa disse à Repórter Brasil que o fogo em sua propriedade começou após a explosão de um veículo. “Os bombeiros apagaram, mas o fogo ficou nas raízes das plantas e depois espalhou”, diz. O fogo, segundo ele, destruiu 40% dos 15 mil hectares da sua propriedade, além de ter se alastrado para outras fazendas.
O fogo é a forma mais barata de ampliar uma pastagem, segundo Mauro Armelin, da Amigos da Terra. (Foto: Christiano Antonucci/Secom-MT)
O fazendeiro reclama da legislação ambiental e diz que o ideal seria liberar o fogo no período que não fosse seco. “Tem que deixar o pantaneiro limpar o que tem que limpar”, afirma. Raimundo diz também que jamais colocaria fogo na própria fazenda, pois sem a mata nativa, que funciona como uma cerca natural, ele teria de gastar R$ 10 mil para construir um quilômetro de cerca — sua fazenda, segundo ele, precisaria de 50 quilômetros.
Morador de São Paulo, ele tem fazendas no Pantanal há 10 anos e um rebanho de 1,2 mil cabeças de nelore. É um típico fornecedor indireto, pois vende gado, principalmente, para outros fazendeiros que engordam a criação antes de comercializarem para o abate nos frigoríficos. Ele afirma ter vendido a fazenda Recanto das Onças, apesar de seu nome ainda constar como proprietário em documento da Secretaria de Estado da Fazenda. O pecuarista, no entanto, confirmou que negociou, em diversas ocasiões, com o grupo Bom Futuro (fornecedor de JBS, Marfrig e Minerva).
Raimundo reclama da responsabilidade dos incêndios recair sobre os fazendeiros. “Estão detonando a gente. O pantaneiro sempre foi o cuidador do Pantanal”, afirma. Ele também é um defensor do presidente Jair Bolsonaro. “Tudo que acontece no Brasil é culpa do Bolsonaro. A mídia acha que quanto pior, melhor. Temos que ajudar o presidente a melhorar o Brasil.”
A reportagem entrou em contato com a advogada do outro fazendeiro, José Sebastião Gomes da Silva, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto.
A Amaggi, que compra gado de José Sebastião Gomes, informou à Repórter Brasil que vai suspender as compras de gado com este fornecedor enquanto aguarda a apuração sobre a responsabilidade da origem dos focos de incêndios em outras propriedades de Gomes.
Jaguatirica morta por conta dos incêndios na região de Poconé-MT (Foto: João Paulo Guimarães/Repórter Brasil)
A Minerva Foods destacou que “os produtores agropecuários são também prejudicados por incêndios de grandes proporções, que podem atingir suas propriedades”. Disse que os fornecedores diretos dela (Amaggi e Bom Futuro) não apresentam irregularidades, mas não comentou sobre os fornecedores indiretos (Raimundo e José Sebastião).
Dona das marcas Montana e Bassi, a Marfrig afirmou que usa uma plataforma de monitoramento via satélite para monitorar os fornecedores com focos de incêndio e que há um alerta para que a compra de gado seja suspensa até que a situação seja esclarecida, mas que não há controle total sobre os fornecedores indiretos. A empresa reconhece a questão como “crítica” e lançou, em julho, um programa para tentar resolvê-la.
A JBS, proprietária das marcas Friboi, Seara, Swift e Doriana, afirmou que só consegue monitorar os fornecedores que vendem diretamente para o frigorífico, pois não tem acesso às Guias de Trânsito Animal (GTAs) dos elos anteriores da cadeia. Sem a informação sobre as GTAs, a empresa entende que seria “precipitada qualquer conclusão da JBS sobre a origem do gado adquirido desses fornecedores” (Leia todos posicionamentos na íntegra).
O grupo Bom Futuro não retornou o pedido de posicionamento da Repórter Brasil.
Destruição avassaladora
As queimadas no Pantanal neste ano são as maiores desde que o INPE começou a registar os números, em 1998. São quase 16 mil focos de incêndio (até a última quarta-feira), 56% maior que 2005, o pior ano da série histórica. O fogo destruiu 15% da região, com 2,3 milhões de hectares da maior área úmida do mundo.
Há dez dias, bombeiros e brigadistas apenas observavam o fogo na região de Poconé, alastrado por áreas grandes demais para ser controlado (Foto: João Paulo Guimarães/Repórter Brasil)
A fauna nativa do Pantanal é a que mais sofre. São 1,2 mil espécies diferentes de animais, sendo que 36 são ameaçadas de extinção. Entre as vítimas estão cobras, jacarés, macacos e onças. Os incêndios já dizimaram um refúgio de araras azuis e avança sobre uma área de proteção de onças-pintadas.
“Quando cheguei em Poconé, perto da meia noite, a cidade estava envolta na penumbra. A fumaça era tão pesada que acreditei ser a névoa da madrugada. Não era. Era o efeito causado pelos mais de 2 milhões de hectares que estavam em chamas no Pantanal”, relatou o fotógrafo João Paulo Guimarães à Repórter Brasil.
Fogo. O plano é claro. O Governo Federal quer o fim da maior parte dos biomas brasileiros. 58% é a porcentagem cortada para contratação de brigadistas, profissionais qualificados e treinados que trabalham com prevenção e controle de incêndios florestais. Parece um absurdo em um ano em que as queimadas bateram um recorde com mais de 12.000 focos de incêndio e a perda de mais de 2.500.000 hectares, mas não é. O corte genocida e brutal do governo das fake news, infelizmente, é de verdade.
Jaguatirica morta à beira da estrada tentando fugir do fogo
Nesta semana, circulou um vídeo mostrando um grupo de brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) pondo fogo em matéria orgânica de forma controlada na região de Cáceres no Mato Grosso. Não demorou muito para que o vídeo circulasse em grupos de whatsapp e em redes sociais acusando os brigadistas de estarem pondo fogo no Pantanal ao invés de atuarem para a extinção das queimadas. Mais um ataque que põe em dúvida por meio das fake news a atuação de um órgão que está em constante ataque do Ministério do Meio Ambiente sob a mão ditatorial e equivocada do ministro Ricardo Salles.
Técnica do Pinga-Fogo
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Contrafogo. Quando o fogo apaga fogo
Essa técnica para combater incêndios de grandes proporções em campo aberto chama-se contrafogo. Utilizada como prevenção de alastramento contínuo, criando uma linha de chamas que vai de encontro ao incêndio ou que abre um aceiro para criar uma linha sem material natural inflamável e que faz o fogo se extinguir.
Em entrevista ao jornal Campo Grande News, o analista ambiental Alexandre Pereira, do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Ibama, explica que é utilizado um equipamento chamado “pinga-fogo” e é manuseado apenas por profissionais que tem conhecimento técnico e treinamento em combate aos incêndios, pelo Ibama, ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e Corpo de Bombeiros.
Há cerca de um mês, a chefe de assessoria de comunicação (Ascom) do ICMBio foi exonerada, dando lugar a outro militar – predileção de um governo adepto e saudoso de uma Ditadura ainda recente em nosso país.
Arara-azul, espécie exclusiva do bioma pantaneiro
Arara-azul, espécie exclusiva do bioma pantaneiro
Agronegócio x brigadistas
É importante entender o esforço desse governo em desmerecer o IBAMA e o ICMBio como forma de desarticular a batalha que vem sendo travada no Pantanal, no cerrado e na Amazônia. O agronegócio é peça-chave para o enriquecimento ilícito de fazendeiros e políticos que lucram com o fim desses biomas dando lugar ao pasto para cria e recria de gado.
Entre a fumaça e a poeira da estrada, o pantaneiro foge do fogo que consome a mata em uma área de fazenda
Dessa forma, a grande jogada é diminuir a fiscalização assim como a informação para o público menos esclarecido e suscetível a mentiras divulgadas, como o vídeo fora do contexto, dos brigadistas, que viralizou de forma irresponsável.
Recente também é a morte do brigadista Welington Fernando Peres Silva de apenas 41 anos que teve 80% de seu corpo queimado em uma ação em Goiás. Wellington morreu queimado por um fogo que, de acordo com o Governo Federal, não existe. Em um vídeo exibido pelo governo em um evento, Salles afirma que a Amazônia não está pegando fogo. Em uma das imagens aparece um mico-leão-dourado, espécie característica e exclusiva da Mata Atlântica. Mais mentiras. Mais fake news.
Campos devastados pelo fogo
O Agro não é Pop
O AGRO não é pop, como narra a propaganda bizarra na emissora campeã de audiência no programa conhecido como o show da vida. O AGRO é implacável. O AGRO ama o fogo.
O cineasta Takumã Kuikuro participou no último dia 11 do programa de veiculação nacional Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo. Ele denunciou as queimadas que estão consumindo uma grande parte do Parque Indígena do Xingú, a falta de apoio às comunidades e o número reduzido de brigadistas indígenas para combater as chamas. Além de destacar os atos insuficientes por parte dos órgãos oficiais federais, Takumã ressaltou a importância do envolvimento de toda a população brasileira em ações de apoio aos povos que estão ameaçados pela pandemia de Covid-19 e também pelo grande número de queimadas em territórios indígenas e áreas de preservação permanente.
Takumã Kuikuro também é um dos colaboradores do Projeto ÁudioZap Povos da Terra, com informações sobre prevenção e cuidado com a Covid-19. O projeto de extensão da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT é um trabalho coletivo e voluntário desenvolvido em conjunto entre lideranças indígenas, professores e alunos dos cursos de comunicação. Toda semana, novos programas curtos (entre seis e nove minutos) trazem temas diferentes, como a importância do uso da máscara e do isolamento social, mesclando o português e o idioma de cada nação indígena. Os programas são distribuídos como arquivos de áudio nas aldeias e nas cidades por meio do WhatsApp pelos próprios líderes indígenas que contribuem com as narrações ou comentários sobre os assuntos tratados.
Takumã Kuikuro, por exemplo, participou do primeiro episódio do projeto relatando a experiência do Povo Kuikuro, na Aldeia Ipatse, na prevenção e combate à Covid-19, em que os próprios membros da comunidade se anteciparam e tomaram a frente no trabalho de prevenção, campanhas de arrecadação de materiais e alimentos e na conscientização da comunidade sobre como evitar o contágio e a transmissão do novo coronavírus. A ineficiência das ações e a falta de interesse do governo federal também foram destacadas como fatores relevantes que dificultaram ainda mais o trabalho de enfrentamento da pandemia.
O Projeto ÁudioZap Povos da Terra, que atende a comunidades de sete etnias de povos indígenas localizadas em Mato Grosso, já está na sua sétima edição. Além da distribuição de celular para celular pelos próprios indígenas, os materiais de cada episódio e em cada língua também são disponibilizados por meio de um site e de perfis nas redes sociais, usando a internet como ferramenta para facilitar a distribuição dos áudios também para as rádios comunitárias de Mato Grosso.
Para a professora Andréa Ferraz, que é coordenadora do projeto de extensão, a participação dos líderes indígenas na narração, comentários e distribuição dos programas do ÁudioZap Povos da Terra é fundamental para seu sucesso.
“A própria ideia original do projeto é de Isabel Teresa Cristina Taukane, a primeira indígena com doutorado em Comunicação e Cultura pela UFMT”, diz a professora. “Sem a sua participação e protagonismo, assim como a de todos os demais indígenas que fazem as narrações em seus idiomas, colaboram com comentários, a exemplo de Takumã Kuikuro, e repassam os áudios aos parentes, jamais conseguiríamos formatar a informação especificamente para os públicos pretendidos e muito menos alcançar pessoas que podem estar isoladas em aldeias distantes”.
Para baixar os áudios e ter mais informações sobre o Projeto de Extensão ÁudioZap Povos da Terra, acesse: