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  • Nem os  Ossos dos Desvalidos São Respeitados

    Nem os Ossos dos Desvalidos São Respeitados

    Fogueira de Ossos num ritual macabro dos que destoem os signos da indiferença mórbida do Capital, com seus lacaios escolhidos para fazer o espetáculo dos negócios escusos de um poder a serviço do construto cultural do Capital Financeiro apoiados num Sistema Judiciário perverso se manifestaram neste domingo dia 23 de junho deste ano. Este é o novo modo de privatizar dos tucanos liderados por seu mais jovem agente político que governa a Cidade de São Paulo. Já estamos há muitos anos vivenciando esse processo em que a mágica do poder desses grupos apoia-se na privatização a qualquer custo. Assim foi possível verificar mais uma etapa desse processo: os cemitérios públicos serão privatizados. Como eles estão num estado lamentável de abandono, o Prefeito Covas, ironia do nome, resolveu limpar a área para obter melhores preços para esses lugares que para ele nada significam, uma vez que esses mortos apenas ocupam poucas gavetas nos cemitérios ricos da cidade e muitas covas rasas nos cemitérios das periferias.

    O que nesse tema nos importa: em primeiro lugar, o poder público desde o início da história desta cidade foi responsabilizado pela tarefa de dar destino ético e digno aos restos mortais de seus moradores. Dever que congrega duas responsabilidades públicas: o respeito aos vivos em suas memórias e perdas afetivas e manter a cidade saneada, devido a centralização dos locais destinados aos mortos, onde seus parentes pudessem simbolicamente visita-los e tratar da morte como um ritual que demonstra a generosidade e os afetos dos vivos, e ao mesmo tempo preservar esses restos como provas da vida humana ao longo dos tempos históricos.

    Entretanto, no tempo presente, onde a banalização da vida e da morte é parte da ação dos “gestores públicos “, o lidar com essa esfera da vida passou a apontar o descaso e a omissão frente ao grande número de pobres que vivem na cidade, sem qualquer proteção, sejam homens, mulheres ou crianças. Assistimos há alguns anos mortes ocorridas por miséria, por fome, falta de abrigo, desespero pela solidão, ataques policiais, desocupações forçadas por tropas genocidas que despejam moradores das ruas da cidade com jatos d´água ou por tratores que derrubam imóveis ainda ocupados por sem tetos com suas crianças e idosos desassistidos e considerados lixo urbano.

    Além desses flagelados, também aparecem na cena macabra desses espetáculos de crueldade, corpos de pessoas perdidas, atropeladas ou assassinadas e desovadas em terrenos baldios da cidade, muitas delas identificadas e colocadas em necrotérios ou tanques hospitalares a espera de que seus parentes as encontrem, aliviando o desespero das perdas não resolvidas para realizarem o luto necessário ao descanso de todos os seus membros.

    Os ossos hoje ameaçados de desaparecimento escondem todas essas histórias e atestam como o mundo privado do capital exige dos governantes filiação incondicional aos seus interesses, não tolerando nem mesmo as covas rasas dos pobres que muitas vezes nem as possuem, e seus ossos acabam sendo emparedados em cubículos apertados nos muros fronteiriços dos cemitérios entre o lugar dos mortos e a cidade.

    Soube-se pela imprensa numa nota muito escondida em seus jornais, que as ossadas tinham fichas de identificação, mas que ao serem empilhadas fora das covas (rasas ou fundas?) como haviam sido feitas à caneta, os dados foram borrados e nada mais se poderia identificar nesses restos. Será mesmo? Há nas possibilidades científicas formas de se saber com clareza dados das ossadas e a Arqueologia é prova cabal desse conhecimento cujas ancestralidades já existem há séculos!

    Deste modo, quero concluir afirmando que a atitude do Prefeito e seus auxiliares não permitem outra compreensão senão a do descaso, indiferença e submissão aos ditames do mercado, que para comprar os cemitérios dos pobres e lucrarem com esse grande negócio o Município deve retirar todos os entulhos para que os compradores não arquem com o ônus desse descarte. Assim os compradores ao recebe-los poderão transformá-los em cemitérios para ricos construírem seus mausoléus, demonstrando que seus restos mortais devem seguir à posteridade, apagando a história de que essas riquezas foram obtidas pela violenta exploração dos trabalhadores ou da ausência de afeto, cuidado e proteção aos pobres descartados como se fossem lixos.

    Acordem trabalhadores, esse Modelo é revelador de quem são os gestores, de como nos consideram e de como escondem seus processos de massacre e morte daqueles que se voltam a criticá-los por seus atos.

     

    Zilda Marcia Grícoli Iokoi  Mestre e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. É professora titular do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, na área de História do Brasil Independente, atuando principalmente na linha de pesquisa História das Relações e dos Movimentos Sociais, nos temas da educação, lutas camponesas, políticas públicas, imigração contemporânea, humanidades, direitos e outras legitimidades. Atualmente coordena o Diversitas ? Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos e o Programa de Pós-Graduação Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades.
  • A REVOLTA DOS GARIS: Trabalhadores da limpeza pública de Florianópolis dão exemplo de coragem e resistência

    A REVOLTA DOS GARIS: Trabalhadores da limpeza pública de Florianópolis dão exemplo de coragem e resistência

    Bem quando a reforma trabalhista destrói os direitos dos trabalhadores brasileiros, os operários que cuidam dos serviços de limpeza pública e coleta de lixo em Florianópolis estão dando uma lição de bravura e resistência. A imposição de um projeto de lei que, na prática privatiza a Companhia de Melhoramentos da Capital (Comcap), despertou a insurgência dos empregados em defesa desse patrimônio público contra o chamado “Pacote de Maldades” do prefeito Gean Loureiro (PMDB). Impedidos por três diferentes corporações policiais de entrar na sessão que lançaria ao azar o destino de 1.600 famílias, eles fizeram nesta semana um protesto inusitado:  bloquearam a entrada da Câmara de Vereadores com 300 quilos de lixo que deixaram de recolher há três dias, quando decidiram entrar em greve.

    Em dois  dias, o lixo já apodreceu, fazendo com que da Câmara de Vereadores exale o seu fedor pelo Centro de Florianópolis. No protesto simbólico, o lixo está virando chorume, assim como o caráter dos parlamentares que se vendem para lesar a população, mas os aguerridos agentes da limpeza pública não arredaram pé da frente da “Casa do Povo”, onde o prefeito fez seus conluios e traiu sua palavra de que a matéria seria discutida com a categoria antes de ser apresentada ao parlamento municipal. Em vez disso, Gean Loureiro encaminhou o projeto que transforma a Comcap em autarquia e garantiu que seu pedido de votação em regime de urgência fosse aprovado por 16 votos a sete.

    Vídeo/reportagem de Talita Burbulhan

    https://youtube.com/watch?v=ehmeXfBSXzI

    Após uma queda de braço com a polícia, o prefeito e os vereadores, os trabalhadores conseguiram suspender a sessão de ontem. Nesta quinta-feira, às 10 horas, o projeto com as emendas deveria ser lido em plenária e depois seguir para as comissões internas e retornar à votação somente na sexta-feira, conforme havia indicado o presidente da Câmara. No entanto, os vereadores entraram nesta quarta ao amanhecer pelos fundos, em 10 minutos passaram o projeto em todas as comissões e aprovaram a toque de caixa, gerando mais revolta e mais violência à base da truculência policial. Na sexta-feira, a categoria se reúne para decidir a continuidade do movimento ou o retorno ao trabalho.

    O vereador Lino Peres (PT) considera heroica a resistência dos garis. “A luta corajosa desses homens e mulheres é muito simbólica neste momento histórico de massacre ao trabalhador”. Eles não baixaram a guarda nem mesmo após serem expulsos à força de bala de borracha à queima roupa e chuva de bombas e de terem sido agredidos duramente por três ferozes corporações policiais na noite de quarta: a Guarda Civil Municipal; a Polícia Militar e o Pelotão de Choque. A maioria dos 70 operários que conseguiram entrar na Câmara ao ser aberta a porta da garagem na manhã de quarta permaneceu no prédio o dia inteiro e passou a noite no local para impedir que houvesse uma uma sessão extra atendendo alguma manobra do prefeito para votar o projeto.

    Ocupando o 21° andar da Câmara e o calçadão da rua Padre Miguelinho, à sua frente, os garis já colecionam muitos feridos em apenas dois dias: no primeiro, foram ao menos quatro trabalhadores, um deles hospitalizado após desmaiar com princípio de insuficiência cardíaca ao receber bombas de gás lacrimogêneo no rosto e dois tiros de borracha que quase deceparam o dedo mínimo de uma mão. No segundo dia, ao menos seis ficaram bastante feridos com tiros de bala de borracha à queima-roupa disparados a uma distância de menos de um metro e com armas de grosso calibre. Um deles ficou desacordado e foi levado para o hospital de Caridade sangrando muito. O ferimento na parte baixa do abdômen foi tão profundo que por algum tempo muitos acreditaram se tratar de uma perfuração por arma letal. A agressão ocorreu numa emboscada armada pela Guarda Civil e Tropa de Choque quando um grupo pequeno de servidores abordou o vereador Maycon Costa (PSDB), contumaz defensor das propostas do “Pacote de Maldades”, na saída do plenário.

    Trabalhadores e prefeito instalaram no Centro de Florianópolis uma verdadeira trincheira de guerra, barulhenta e fedorenta, na qual o gás lacrimogêneo se confunde com o gás da decomposição do lixo. A explosão diurna e noturna de bombas, tiros e palavras de ordem num local de grande circulação de pedestres e concentração de prédios, repercute em todos os edifícios residenciais, comerciais e repartições públicas das imediações. Gean, escondido atrás dos seus vereadores e dos policiais com suas armas, cavalos e cães treinados pela maldade humana, pouco ou nunca aparece. Os garis, de peito aberto, armados apenas com máscaras de proteção distribuídas pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal, esbanjam uma organização, uma solidariedade e uma coragem que está comovendo os florianopolitanos.

    Os operários da Comcap são homens e mulheres humildes, típicos “manezinhos” da Ilha, em sua maioria, alguns mais velhos como Edmilson Moraes, de 68 anos, que só tem o ensino fundamental, outros mais jovens como Cristian Santos, 34 anos, que faz faculdade a distância e fala como um doutor. Eles contam com a simpatia de grande parte da população, que aprova os serviços da Comcap, como a servidora pública Lilian Alagia, que se declarou “insultada com o fato de o prefeito usar um aparato de repressão desmedido e pago com o dinheiro dos contribuintes para agredir pais de família e pessoas que fazem com tanto esmero um serviço essencial para todos nós”. Cristian acredita que a autarquização é o cavalo de troia para terceirizar o serviço e restringir a coleta apenas às áreas de classes privilegiadas da cidade.

    Além de feridos, contudo, os trabalhadores colecionam gloriosas conquistas. Em tempos de seguidas derrotas para a classe trabalhadora, eles conseguiram driblar o aparato policial e ocupar a Câmara, evitando que a sessão acontecesse para votação do projeto. Com isso, obrigaram o prefeito a chamar os líderes para negociar duas emendas que dificultam a terceirização dos serviços pela autarquia mas, na opinião do presidente do sindicato, ainda não trazem garantia de que os 1.600 trabalhadores não serão dispensados. Entre os vereadores que votaram contra o regime de urgência, há divergências grandes. Alguns são favoráveis às emendas, outros fecham com os trabalhadores na recusa ao projeto como um todo. O vereador Lino Peres (PT), por exemplo, defendia ontem que a votação desta quinta fosse suspensa e a matéria voltasse para as comissões para ser analisada em suas implicações jurídicas com a participação das entidades dos servidores. Ele, os vereadores Afrânio Boppré e Marquito (PSol) foram aplaudidos pela categoria ao se retiraram da plenária depois que o presidente da Câmara, Guilherme Pereira (PSD), traiu sua palavra e colocou o projeto em votação.

    Entre chuvas de papel picado em apoio a sua causa, os garis também recebem reprimendas de moradores dos prédios em volta da Câmara que reclamam do barulho das cornetas, tamborins e apitos embalando os bordões: “Se o prefeito não retirar o pau vai pegar” ou “O lixo tá na rua, prefeito a culpa é tua”. Mas nenhum consumidor, sentado no conforto do seu apartamento na zona nobre da cidade, tem coragem de xingar de vagabundos esses que são responsáveis pelo serviço sujo dos chamados “cidadãos de bem”, como fazem com os servidores públicos e os militantes sociais em geral: o fedor da cidade com o lixo se acumulando nas ruas é a prova de que os guerreiros trabalham pra valer.