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Tag: povos indígenas

  • A ancestralidade. Tupi, Tupi or not Tupi

    A ancestralidade. Tupi, Tupi or not Tupi

    Os caminhos que nos levam ao TePI, Teatro e os Povos Indígenas, a arte indígena contemporânea, o lugar do movimento, o grande campo do mundo dos povos indígenas, cruzamentos que nos encontram, lugares do corpo, partem da arte em ascensão.

    Não existe conhecimento que não atravesse os corpos, o corpo do mundo como os saberes da possibilidade de vida, os cruzamentos com o mundo indígena, marcado por violências, injustiças e supressões. 

    Grande debate se instaura em tempo de pandemia, um fio de seda se impõe na rede, do fim ao começo, a vanguarda de nossos gestos.

    a ancestralidade e o teatro de Zé Celso Martinez
    José Celso Martinez Corrêa e nossa ancestralidade

    Aquece, em nova trama, a estética dos povos originários. Alento em tempo de negacionismo, a terra é pindorama, palmeira, sabiá. Não passará aquele que nega.

    Repara o pensador Ailton Krenak : é claro que a história do teatro, a partir da intervenção do Zé Celso (ele contraria toda a rendição à essa linguagem da arte, à essa coisa do mercado) é o que mais se ressalta nessa obra, é de inspirar um tipo de narrativa, um tipo de expressão do corpo, de presença, onde o repúdio à todas essas formas de dominação, o colonialismo, toda essa coisa machista, o racismo. Todas essas marcas são repudiadas por aquilo que o teatro do Zé Celso promove, e a sua evocação de uma cultura milenar, de uma ancestralidade. Ele está mais na sua apropriação criativa de todo o discurso do teatro grego, da antiguidade.

    Teatro Oficina
    Teatro Oficina, São Paulo, 06/07/2016

    É a maneira que ele se põe, quase que como um ritual a evocar aqueles corpos que não existem mais, que não estão mais aqui, presentes entre nós. Eles estão em outro mundo. Eu acho que Zé Celso Martinez Corrêa, têm a grande importância de desestabilizar o território para que novas artes possam se instalar.

    Quer dizer, Zé Celso não tem vergonha.

    Alto Xingu
    Posto Leonardo Villas Bôas, Alto Xingu

    A maneira de a gente superar a ignorância e o obscurantismo é com luz. Então vamos iluminar os ambientes com conversas sem preconceitos, as conversas engasgadas e que a gente possa cantar para suspender o céu.

    por Ailton Krenak, em:

    imagens por helio carlos mello©

  • Cacique Raoni das onças e o prêmio da paz

    Cacique Raoni das onças e o prêmio da paz

    Novamente indicam  o velho indígena para o Prêmio Nobel da Paz, um homem que leva a dor de gente antiga, terra anterior às nações modernas. O bem da terra e de mato, de água limpa que brota e corriam sozinhas, virava chuva, virava mar. Uma terra semelhante ao direito de todos.

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/809864769780339

    Nem tanta paz temos em dias assim, século 21 tão tenso, audaz, mas sei vir do século passado esse chamado de paz. Esse lugar distante chamado Brasil, é você, sou eu, infindável estréia.

    Ropni Metuktire, a onça fêmea, grande cacique da guerra que diz paz, hoje carrega a borduna e o celular em suas mãos, bem sabe que a grande aliança é a razão entre os homens de bem.

    Na palma da mão, sabemos todos nós do mapa de nosso inferno, o domínio da terra de outros, a invasão do chão alheio. Se tudo é história, o fato é que das praias penetramos para o mato, montanhas e campos de ouro, esmeraldas e brilhantes, feridas da paixão onde sepultaram o tempo que passa, no futuro queremos sempre um país. 

    Palavras calam, selamos pífios comandantes, terra devastada.

    Dizimamos porque aprendemos assim, e reprogramar, mudar atitudes, nem sempre é tão simples como um berro, vozes sem ordem ou harmonia.

    De repente, o que vejo entre tal pandemia, é que vibra forte o tom, perfaz séculos, e nossa paz dar-se-á um dia. Como disse Darcy Ribeiro no enterro de Glauber Rocha, uma dor de todos os brasileiros num país do futuro, é um lamento, cocar de luz, rumo azul.

    imagens por helio carlos mello

  • Líder indígena que participa de projeto na UFMT é entrevistado na TV

    Líder indígena que participa de projeto na UFMT é entrevistado na TV

    O cineasta Takumã Kuikuro participou no último dia 11 do programa de veiculação nacional Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo. Ele denunciou as queimadas que estão consumindo uma grande parte do Parque Indígena do Xingú, a falta de apoio às comunidades e o número reduzido de brigadistas indígenas para combater as chamas. Além de destacar os atos insuficientes por parte dos órgãos oficiais federais, Takumã ressaltou a importância do envolvimento de toda a população brasileira em ações de apoio aos povos que estão ameaçados pela pandemia de Covid-19 e também pelo grande número de queimadas em territórios indígenas e áreas de preservação permanente.

    Takumã Kuikuro também é um dos colaboradores do Projeto ÁudioZap Povos da Terra, com informações sobre prevenção e cuidado com a Covid-19. O projeto de extensão da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT é um trabalho coletivo e voluntário desenvolvido em conjunto entre  lideranças indígenas, professores e alunos dos cursos de comunicação. Toda semana, novos programas curtos (entre seis e nove minutos) trazem temas diferentes, como a importância do uso da máscara e do isolamento social, mesclando o português e o idioma de cada nação indígena. Os programas são distribuídos como arquivos de áudio nas aldeias e nas cidades por meio do WhatsApp pelos próprios líderes indígenas que contribuem com as narrações ou comentários sobre os assuntos tratados.

    Takumã Kuikuro, por exemplo, participou do primeiro episódio do projeto relatando a experiência do Povo Kuikuro, na Aldeia Ipatse, na prevenção e combate à Covid-19, em que os próprios membros da comunidade se anteciparam e tomaram a frente no trabalho de prevenção, campanhas de arrecadação de materiais e alimentos e na conscientização da comunidade sobre como evitar o contágio e a transmissão do novo coronavírus. A ineficiência das ações e a falta de interesse do governo federal também foram destacadas como fatores relevantes que dificultaram ainda mais o trabalho de enfrentamento da pandemia.

    O Projeto ÁudioZap Povos da Terra, que atende a comunidades de sete etnias de povos indígenas localizadas em Mato Grosso, já está na sua sétima edição. Além da distribuição de celular para celular pelos próprios indígenas, os materiais de cada episódio e em cada língua também são disponibilizados por meio de um site e de perfis nas redes sociais, usando a internet como ferramenta para facilitar a distribuição dos áudios também para as rádios comunitárias de Mato Grosso.

    Para a professora Andréa Ferraz, que é coordenadora do projeto de extensão, a participação dos líderes indígenas na narração, comentários e distribuição dos programas do ÁudioZap Povos da Terra é fundamental para seu sucesso.

    “A própria ideia original do projeto é de Isabel Teresa Cristina Taukane, a primeira indígena com doutorado em Comunicação e Cultura pela UFMT”, diz a professora. “Sem a sua participação e protagonismo, assim como a de todos os demais indígenas que fazem as narrações em seus idiomas, colaboram com comentários, a exemplo de Takumã Kuikuro, e repassam os áudios aos parentes, jamais conseguiríamos formatar a informação especificamente para os públicos pretendidos e muito menos alcançar pessoas que podem estar isoladas em aldeias distantes”.

    Para baixar os áudios e ter mais informações sobre o Projeto de Extensão ÁudioZap Povos da Terra, acesse:

    https://wordpress.com/home/audiozappovosdaterra.wordpress.com

    https://www.facebook.com/Audiozap-Povos-da-Terra-105723937927278

    https://www.instagram.com/audiozappovosdaterra/

    https://www.spotify.com/br/account/overview/?utm_source=spotify&utm_medium=menu&utm_campaign=your_account

  • Polícia mata quatro Chiquitanos na fronteira com a Bolívia

    Polícia mata quatro Chiquitanos na fronteira com a Bolívia

    A violência policial explodiu em todos os estados a partir do início do governo Bolsonaro. Na divisa entre Mato Grosso e a Bolívia, que recentemente passou por um golpe de estado anti-indígena, isso não é diferente e tem atingido principalmente os indígenas da etnia Chiquitano, que vivem num território com partes nos dois países. Depois de três indígenas mortos em circunstâncias ainda nebulosas no início do mês passado, no dia 11 de agosto outros quatro foram mortos por policiais do Gefron, o grupo especial de proteção da fronteira baseado em Cáceres, Brasil.

    Segundo as informações colhidas até agora, os indígenas Arcindo Sumbre García, Paulo Pedraza Chore, Yonas Pedraza Tosube e Ezequiel Pedraza Tosube Lopez estavam retornando de uma caçada perto da cidade boliviana de San Martias, levando inclusive as carnes já secas de porcos do mato nas mochilas, quando foram cercados por policiais e se assustaram. Os indígenas teriam sido baleados e levados ainda vivos para o hospital em Cáceres, onde gritaram que eram inocentes para os médicos e enfermeiros, mas não resistiram aos ferimentos. Os relatos em vídeo e áudio aos quais essa reportagem teve acesso são terríveis. O canal Pantanal Comunicación tem uma matéria em espanhol sobre o acontecido no Facebook (https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=3566329250078615&id=100001047241695&sfnsn=wiwspwa&extid=0RwknczLGNjPIjDF&d=w&vh=i)

    Até o momento não há notícia de qualquer apreensão de entorpecentes pelo Gefron, o suposto motivo do conflito, e pelo menos dois indígenas têm claras indicações de tortura como orelha cortada e dentes quebrados. Assim, entidades ligadas aos Direitos Humanos e aos Povos Indígenas estão se organizando no Brasil para dar assistência às famílias afetadas pela tragédia. Elas buscam, além de justiça, uma reparação do Estado brasileiro que retirou da comunidade quatro adultos que eram fundamentais no sustento das famílias e de toda a aldeia localizada no município boliviano de San José de la Frontera.

    Na manhã desta quarta-feira 2 de setembro, o padre Aloir Pacini, membro do CIMI Conselho Indigenista Missionário e antropólogo da Universidade Federal de Mato Grosso, irá com um grupo de quatro pessoas da UFMT, Fepoimt, Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade e Ouvidoria das Polícias, se encontrar em Cáceres com Dom Máximo Bienès, Dom Jaci e o casal Chiquitano Melania e João Camilo, primos dos que foram brutalmente assassinados na fronteira do Brasil. Juntos, eles visitarão outros parentes dos falecidos, todos deixaram esposa e filhos, para levar apoio espiritual e jurídico. O bispo de San Ignácio com os padres da Bolívia já se mobilizaram para celebrar uma missa na aldeia.

    “Queremos prestar solidariedade aos familiares e à comunidade, por isso vamos com 20 cestas básicas e com desejo de mostrar que a sociedade brasileira não está de acordo com essa forma truculenta como a polícia brasileira, não toda, mas nesse caso, atuou na fronteira”, explica padre Pacini. “As notícias são divulgadas aos poucos, mas as pessoas de lá pedem justiça e ressarcimento pelas perdas irrecuperáveis.”

    Apesar da quarentena, os Jornalistas Livres estão acompanhando essa história e traremos mais informações e relatos assim que o grupo retornar a Cuiabá. Nesse momento em que o estado de Mato Grosso é um dos piores na infecção por coronavírus entre indígenas (veja matéria aqui: http://grislab.com.br/pandemia-acelera-processo-de-genocidio-dos-povos-originarios/), quanto menos brancos tiverem contato direto com esses povos, melhor.

  • Informação sobre Covid-19 chega às aldeias nas línguas indígenas

    Informação sobre Covid-19 chega às aldeias nas línguas indígenas

    Tanto a atenção do governo brasileiro aos indígenas quanto o combate à pandemia do novo coronavírus, são alvo de representações no Tribunal Internacional de Haia por crime de genocídio. Assim, os povos originários estão sendo duplamente atingidos.

    Por isso, e a partir de uma ideia da doutora Isabel Teresa Cristina Taukane, primeira indígena formada pelo ECCO-UFMT,  professores do Departamento de Comunicação da universidade montaram um projeto de extensão desenvolvido em conjunto por voluntários, indígenas e alunos da UFMT para promover a divulgação de informações importantes sobre o novo coronavírus aos povos indígenas de, pelo menos, sete etnias em Mato Grosso.

    Já que a base da cultura dos povos indígenas é a comunicação oral e qualquer material impresso poderia ser vetor do vírus nas aldeias, a ideia foi criar pequenos arquivos de áudio, com quatro a seis minutos nas línguas faladas pelas etnias, para serem distribuídos em mensagens e grupos de WhatsApp.

    Batizado de ÁudioZap Povos da Terra, o projeto visa fortalecer a rede de informações preventivas para o enfrentamento da COVID-19 por meio da produção e distribuição de conteúdo informativo direcionado para comunidades das etnias indígenas Bororo, Chiquitano, Kurâ-Bakairi, Paresí, Tapirapé, Umutina e Xavante, localizadas no estado de Mato Grosso.

    Em cada “programa”, especialistas e profissionais de saúde dão orientações e a respeito das formas de transmissão e contágio do novo coronavírus e as complicações decorrentes da COVID-19 e as formas de tratamento e combate. Além dessas informações, há a fala de representantes dessas comunidades em português e também nas línguas das respectivas etnias, contando as experiências das comunidades com a pandemia e suas estratégias de combate e prevenção.

    Até o momento, foram produzidos dois episódios-piloto e dois finais. Cada um têm versões inteiramente em português (compreendido também pelos Umutina), e também mesclando a língua nacional às dos Xavante, Bororo, Chiquitano e Kurâ-Bakairi.

    As locuções em português são realizadas pelos integrantes do projeto de extensão e as falas nas línguas indígenas são capitadas por celular junto a líderes de seus povos. São eles e elas que traduzem as informações científicas sobre a doença e sua prevenção de maneira a ser melhor compreendida pelos indígenas de sua nação. O material finalizado volta às lideranças e já está correndo as aldeias, de celular em celular, ampliando dia a dia a rede que recebe e transmite os conteúdos.

    Os próximos passos do projeto, que vai até dezembro, são a criação de um site para disponibilizar os materiais também na internet e a distribuição dos áudios para as rádios comunitárias de Mato Grosso.

    Mais informações:

    Professor Vinicius Souza (vgpsouza@uol.com.br

    Felipe Seraine (felipeseraine@hotmail.com)

    Camila Rondon (camylarondonn@hotmail.com)

  • Nota do Cimi: o desmonte da saúde indígena é uma pandemia à parte

    Nota do Cimi: o desmonte da saúde indígena é uma pandemia à parte

    Foto: Edgar Kanaykõ Xakriabá

    Via Conselho Indigenista Missionário – Cimi

    O subsistema de atenção à saúde indígena foi criado no ano de 1999 pela Lei 9.836, conhecida como a Lei Arouca. Desde então, o governo federal ficou obrigado a estruturar um modelo de atenção à saúde diferenciado, vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), tendo por base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), onde deveriam se desenvolver os planos de atuação e a execução de todas as ações, sempre com a participação dos povos e comunidades.

    Atualmente a responsabilidade pela gestão em saúde é da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), criada pela Lei 12.314/2010. Para prestar assistência no âmbito dos distritos, a Sesai adotou o modelo de terceirização, a partir do qual se estabelecem convênios financeiros com organizações da sociedade civil que, depois de equipadas, realizam a prestação de serviços junto aos indígenas.

    Esta, de forma resumida, é a estrutura e o funcionamento do atual modelo de assistência com o qual deveriam ser enfrentados os problemas de saúde dos povos indígenas. Problemas, estes, que atualmente foram agravados pela pandemia da covid-19, o novo coronavírus.

    Os serviços em saúde podem ser realizados, de forma complementar, com os estados e municípios, mas os entes públicos precisam, necessariamente, respeitar as culturas indígenas, o modo de ser de cada povo, suas práticas tradicionais e medicinais e suas compreensões acerca da saúde e doença. Este subsistema deve abranger uma assistência em saúde global – de baixa, média e alta complexidade – segurança nutricional, habitacional, educação sanitária, saneamento básico, proteção ao meio ambiente, demarcação de terras, integração institucional.

    É importante ressaltar que os povos buscaram, ao longo das últimas décadas, atuar de forma efetiva na política de saúde. E, apesar dos desvios políticos, dos subterfúgios no gerenciamento de recursos financeiros, no sentido de restringir o pleno funcionamento do subsistema – que deveria ter autonomia administrativa e de gestão distrital – os povos conseguiram manter certo controle social e exigir participação em todas as etapas da política.

    Apesar das iniciativas indígenas para qualificar suas participações no planejamento e elaboração dos planos distritais, a atenção em saúde sempre foi frágil, especialmente quanto aos serviços de prevenção e de saneamento básico. Os governos, desde a promulgação da Lei Arouca, foram negligentes quanto à adoção de medidas sanitárias e de atividades permanentes nas terras indígenas. As ações, em geral, acabaram sendo paliativas e/ou emergenciais.

    A pandemia na política de saúde tem sido devastadora. Se impôs, nas relações, o fundamentalismo religioso e o extremismo político. Abandonaram-se as práticas do respeito aos indígenas e da presença das equipes de saúde em área, transformando-as em equipes volantes e emergenciais

    Mas, se o histórico da política de saúde indígena demonstra ter havido desvios, a partir da eleição do governo de Jair Bolsonaro o caos se instalou tal qual um vírus devastador. Os povos indígenas passaram a enfrentar duas pandemias: a política e a da covid-19. A primeira medida de Bolsonaro, mesmo antes de tomar posse, foi no sentido de romper com o programa Mais Médicos, o único que assegurava presença de profissionais em saúde de forma mais consistente nas áreas indígenas.

    A sua segunda medida ocorreu logo nas primeiras semanas de governo, quando colocou sob suspeição a administração dos recursos financeiros em saúde. Essas suspeitas justificaram a suspensão de verbas para prestação de serviços durante vários meses, deixando as comunidades sem nenhum tipo de assistência.

    A terceira medida adotada foi a disseminação de informações de que a política seria municipalizada ou privatizada. Enquanto isso, inviabilizou-se o controle social e a participação indígena nas discussões de políticas públicas e rompeu-se com o diálogo, impossibilitando – inclusive – a realização da VI Conferência Nacional de Saúde Indígena, iniciada no ano de 2018, através das etapas locais e distritais.

    A pandemia na política de saúde tem sido devastadora. Se impôs, nas relações, o fundamentalismo religioso e o extremismo político, desrespeitando as culturas indígenas e seus saberes. E, mais grave, abandonaram-se as práticas do respeito aos indígenas e da presença das equipes de saúde em área, transformando-as em equipes volantes e emergenciais.

    O coronavírus chega ao Brasil e logo contamina as aldeias. Lá o vírus encontrou um ambiente propício para se alastrar e fazer vítimas. O governo, assim como fez com os pobres em todo o país, lançou os indígenas à própria sorte. Sem planejamento e com poucos profissionais preparados para enfrentar a pandemia, a contaminação chegou nas aldeias, vitimando os sábios, os anciãos, deixando sequelas que serão sentidas por muitos anos.

    Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), 717 indígenas já perderam suas vidas, 27.034 foram contaminados e 155 povos impactados. Sem um plano de intervenção, as equipes de saúde, a maioria com valorosos profissionais, dedica-se a fazer o que é possível: orientar as comunidades para o necessário isolamento social e acompanhar, de forma itinerante, as aldeias para tentar identificar os casos de contágio e os doentes.

    O Cimi, a partir dos dados que obteve das comunidades indígenas, denuncia a evidente omissão do governo, através do Ministério da Saúde e da Sesai, diante da pandemia. Há evidências quanto à precariedade na prestação de assistência continuada nas comunidades, negando-se inclusive a realização de testes para saber sobre a quantidade de infectados, omitindo ou sonegando os dados sobre os mortos, doentes, infectados e o número de comunidades atingidas.

    Denuncia também a fragilização das equipes de saúde, submetendo os profissionais a uma atuação paliativa, já que suas condições de trabalho são precárias, pela falta de infraestrutura, de equipamentos e profissionais. Denuncia a absoluta ausência de saneamento básico nas aldeias e a falta, em geral, de água potável, o que configura uma violência extrema, porque não pode haver prevenção em saúde sem água. Também denuncia a frágil condição nutricional das comunidades, não havendo comida suficiente e adequada. Denuncia a falta de acesso dos povos e comunidades ao sistema de saúde e, nesse sentido, todos ficam em situação de absoluta vulnerabilidade.

    Denuncia, ainda, que os indígenas estão alijados de qualquer tipo de participação e planejamento das ações em saúde e do controle social. Não à toa, a unanimidade dos ministros da Suprema Corte do país condenou o governo Jair Bolsonaro a tomar medidas mínimas de proteção em favor das comunidades indígenas e quilombolas. Não à toa, foram derrubados vetos ao projeto de lei que visa proteger essas comunidades, como o artigo que previa a disponibilidade de água potável.

    Os povos, portanto, convivem com duas pandemias ao mesmo tempo: a da política nefasta de Bolsonaro e a da covid-19. As comunidades superarão o coronavírus, porém ficarão as sequelas, a dor da perda daqueles que morreram. A pandemia da política, entretanto, é ainda mais devastadora.

    O governo ataca os povos por todos os flancos: pelo direito, tentando desconstituí-lo; pelas políticas públicas, visando à integração genocida; e pela exploração e devastação das terras, por meio da desterritorialização dos povos.

    As sequelas e a destruição, provocadas pelo atual governo, são quase irreversíveis. Há necessidade de uma intensa mobilização nacional – inclusive no âmbito dos poderes da República – e internacional, para que a atual política genocida, empreendida pelo governo, seja estancada. Caso contrário, assistiremos ao desaparecimento de terras e de povos, especialmente dos povos isolados ou livres.

    Brasília, DF, 24 de agosto de 2020

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi