Menos de um mês depois da sede do SOS Racismo ter sido vandalizada em Lisboa, com a frase racistas e xenofóbicas “Guerra aos inimigos da minha terra”, a associação foi, mais uma vez, vítima de perseguição. No último sábado, 8 de agosto, um grupo neofascista de Portugal, nomeado “Resistência Nacional”, juntou seus membros em frente a sede do SOS Racismo para uma “parada Ku Klux Klan”, que exaltava os agentes da Política de Segurança Pública (PSP) e atacava a luta antirracista travada em Portugal pela SOS Racismo e outras associações, frentes, coletivos e partidos políticos.
Para tal, o grupo utilizou máscaras brancas e tochas, numa iconografia semelhante à dos supremacistas brancos Ku Klux Klan, organização que surgiu no século XIX, nos Estados Unidos, para perseguir, assassinar, incendiar e espancar pessoas negras e quem mais defendia os direitos civís para os afrodescendentes norte-americanos.
Segundo jornal Público, o grupo “Resistência Nacional”, que atacou a Associação SOS Racismo, tem nas suas fileiras ex-membros da suspensa Nova Ordem Social, organização neonazista criada por Mário Machado; o grupo supremacista Portugal Hammer Skins; o grupo de adeptos 1143, afeto ao Sporting; o Partido Nacional Renovador; e o partido de extrema-direita Chega, de André Ventura, que já organizou duas manifestações de cunho fascista em Portugal neste ano.
O dirigente do SOS Racismo, Mamadou Ba, afirmou que a página da associação recebe centenas de ameaças da extrema-direita. A associação está a juntar todas estas ocorrências para uma queixa no Ministério Público de Portugal, por ofensa à integridade física, ofensas morais, danos patrimoniais e incitamento ao ódio e violência.
“Nenhuma ação criminosa nem nenhuma manobra intimidatória nos desviará do combate sem tréguas contra o racismo”, afirmou Mamadu Ba.
Coletivos e associações da luta antirracista de Portugal expressaram sua solidariedade aos companheiros de luta da SOS Racismo e não se intimidaram frente às ameaças fascistas e supremacistas dos grupos de Portugal.
O Coletivo Esquerda Revolucionária postou em suas páginas na internet o ato tinha a dupla finalidade de intimidar os militantes antirracistas e em defesa do insignificantes agentes dos órgãos de repressão do Estado burguês.
“As manifestações anti-racistas e anti-fascistas deste ano mostram claramente não apenas que as camadas mais pobres e racialmente oprimidas do proletariado não vão mais tolerar que este tipo de violência continue impune – incluindo a violência racista de Estado, como o enorme potêncial revolucionário que têm — como se verificou em particular na manifestação de 6 de Junho onde marcharam mais de 20.000 trabalhadores e jovens negros. São os fascistas que vivem intimidados (…) nós, a classe trabalhadora, somos capazes de destruir o sistema capitalista, raíz de todas as opressões, e por conseguinte de os purgar da nova sociedade, da sociedade socialista. A Esquerda Revolucionária manifesta toda a sua solidariedade com os companheiros do SOS Racismo e compromete-se uma vez mais com a luta anti-racista e anti-fascista. Não passarão! Está na hora da organização e da luta!”
O Coletivo Consciência Negra também expressou sua firmeza diante da polarização que está sendo criada em Portugal e enviou uma mensagem aos fascistas:
“Aos fascistas, nomeadamente os ‘antigos elementos da Nova Ordem Social’: se sabem quem somos, onde moramos e o que fazemos, sabemos igualmente quem são, ondem moram e o que fazem e, sempre que se justificar, sem quaisquer hesitações, faremos uso da legítima defesa – artigo 32 do Código Penal. Nem um passo atrás! Não passarão!”
Assassinatos, espancamentos, palavras e omissões matam, e são a marca dos ataques racistas e xenofóbicos em Portugal. Diversas entidades estão denunciando e se reunindo para se opor a esses ataques. A morte de mais uma vítima, o jovem Bruno Candé, ator, negro e português está motivando diversas ações e um ato de repúdio está marcado para hoje (31.07.2020) Às 18h. Esse fato não isolado, é demonstrado neste artigo de Rita Cássia Silva, que também lembra outras vítimas recentes, como Luís Giovani Rodrigues, assassinado por espancamento no fim de 2019, Cláudia Simões e sua filha, que sofreram violência física e também as frases ditas à Deputada da Assembleia da República Portuguesa, Joacine Katar Moreira, Mulher negra.
Por Rita Cássia Silva (*), especial para o Jornalistas Livres
“Não existe nem nunca existirá respeito às diferenças em um mundo em que as pessoas morrem de fome ou são assassinadas pela cor de pele” (Sílvio Almeida, 2019, p.190).
No início do corrente ano de 2020, pudemos observar de camarote (rede social facebook) um Deputado da Assembleia da República Portuguesa, André Ventura, Homem branco, sugerir contra uma Deputada da Assembleia da República Portuguesa, Joacine Katar Moreira, Mulher negra, que “seja devolvida ao seu país de origem”. O contexto demarcava uma proposta da Deputada Joacine Katar Moreira (na época integrante do partido Livre) em que os patrimónios materiais africanos preservados nos museus portugueses deveriam de ser devolvidos aos seus países africanos de origem. Embora tenham decorrido manifestações de repúdios e encaminhamentos de procedimentos contra o tal posicionamento sexista e racista do Deputado André Ventura, por parte de partidos políticos da esquerda portuguesa, junto ao Presidente da Assembleia da República Portuguesa, Dr. Eduardo Ferro Rodrigues, o facto é que os partidos não avançaram para voto de condenação para não “amplificar” as declarações do referido Deputado.
Decorre que o “episódio infeliz da democracia” sem sanção disciplinar e, com um entendimento parlamentar de que foi dado um ponto final ao episódio, reverberou-se no passado Sábado, dia 25/07/2020, no ator português, Homem negro, Bruno Candé, assassinado a queima-roupa em plena luz do dia, pelas mãos de um Homem português, branco, no auge dos seus 76 anos de idade. “Preto, vai para a tua terra” trata-se de uma frase muito utilizada contra pessoas negras naturais portuguesas ou com percursos de migrações, contra pessoas racializadas, na sociedade portuguesa em diferentes contextos. Ficámos a saber através das fontes noticiosas portuguesas que esta frase foi justamente uma das frases que Bruno Candé ouvira da boca do Homem que lhe retirou a vida. Bem como, “Vou violar a tua mãe”, “Fui à tua mãe e àquelas pretas todas de merda”, “Tenho armas do ultramar em casa e vou-te matar”.
Bruno Candé foi assassinado no seguimento do espancamento perpetrado contra o jovem estudante negro, cabo-verdiano, Luís Giovani Rodrigues, no fim de 2019, em Bragança, ato que teve enquanto consequência a sua morte. No seguimento da violência física que deixou Cláudia Simões, Mulher negra, desfigurada e sua filha pequena, criança negra, traumatizada, no Conselho da Amadora, por parte de um agente da força de segurança pública. Também no seguimento do assassinato de George Floyd pelas mãos de um agente da força de segurança pública nos E.U.A., ato potencializador do Movimento Black Lives Matter cujas reverberações fez-se sentir em diferentes localidades do globo terrestre. Em entrevista ao Apenas Fumaça (projeto de média independente), publicada no Geledés – Instituto da Mulher Negra, em 2018, Mamadou Ba, Dirigente da SOS Racismo, comunicara que “Em 15 anos mais de 10 jovens negros morreram nas mãos da polícia”. Quanto as Mulheres negras/mães, Mulheres/mães racializadas (brasileiras), Mulheres/mães brancas em situações de pobreza, as práticas de racismo/xenofobia/discriminações múltiplas não são diferentes: é-lhes negado o direito à maternidade, em situações de vulnerabilidades sociais, a saber: se forem vítimas de violências domésticas, se estiverem no país ao abrigo do tratado de saúde entre Portugal e países africanos ex-colonizados, se estiverem desempregadas e forem pedir ajuda a determinadas instituições do Estado que têm em suas prerrogativas apoiar pessoas em situações de vulnerabilidades sociais. Se não aceitarem ligar as trompas de falópio! É-lhes atribuído a condição enquanto seres humanos indignos de criarem seus filhos e filhas: “a mãe está com problemas psicológicos”, “a mãe não tem competências parentais”, “a mãe é um monstro”, “não se sabe se a mãe, por ser brasileira, é de favela ou empresária”, “a mãe é drogada, anda com drogados e não tem higiene”, “a mãe é burra”, “a mãe é muçulmana, vai praticar fanado”, “a mãe abandonou o filho”, “a mãe é agressiva”, “a mãe mente”, “a mãe é garota de programa”, “a mãe é histérica”, “a mãe trabalha de mais”, “a mãe é alienadora”… Às crianças, por sua vez, por vezes ficam órfãs de mães vivas, sendo subjugadas a vários tipos de violências (perda do direito de conviverem dignamente com suas mães e famílias biológicas – criminalização da pobreza, discriminação étnico-racial, xenofobia, reprodução social do colonialismo, abusos sexuais, discriminação de género, convivências impostas em regimes de guardas compartilhadas entre progenitores agressores e/ou abusadores e, mães protetoras, re-vitimizadas institucionalmente). Tais situações contidas em relatórios entregues a AR, através de associações civis, denunciadas publicamente em jornais portugueses, denunciadas a organismos internacionais, ao que parecem não causam nenhum movimento de empenho transformacional por parte da classe política.
No mais recente relatório da ONU, Dainius Pūras, psiquiatra, relator especial, recomenda aos Estados Membros a incorporação do Direito a Saúde Mental em todos os contextos mundiais. Recomenda que os Estados devem adotar todas as medidas necessárias para garantir a proteção e o florescimento de um espaço cívico como indicador chave do cumprimento do direito à saúde. O que significa que deve haver participação cidadã das pessoas nos processos que dizem respeito às suas vidas. Não pode haver desenvolvimento de saúde coletiva em territórios onde há negação das vozes de grupos de pessoas historicamente oprimidas durante séculos (mulheres, crianças, pessoas negras, pessoas racializadas). Pūras afirma que o modelo biomédico corre o risco de legitimar práticas coercitivas que violam os direitos humanos e podem implantar ainda mais a discriminação contra grupos que já estão em situação marginalizada ao longo de suas vidas e através das gerações.
“Por ser uma sistematização que nega o outro, uma decisão furiosa de negar ao outro qualquer atributo de humanidade, o colonialismo compele o povo dominado a se interrogar constantemente: Quem sou eu na realidade?”.
O problema é precisamente este. Vivemos no ano 2020, legitimando posicionamentos e procedimentos coloniais em Portugal. Protege-se agressores, racistas, machistas, abusadores sexuais, raramente as vítimas.
A sugestão de “devolução à sua terra” por parte de um Homem branco, detentor de privilégios, dentro da Casa da Democracia – AR, proferida contra uma das três únicas Deputadas Mulheres negras, em Portugal, feriu atrozmente a nossa democracia. Sobretudo porque além de termos perdido um momento único de afirmação dos valores democráticos em Portugal, de dignificação da pessoa humana Mulher negra (torturada durante séculos), de dignificação das pessoas humanas em suas diferentes culturas que contribuem para o desenvolvimento socioeconómico e cultural do país e de inibição de práticas nefastas à humanidade, como o racismo e o sexismo, potencializou-se socialmente mais práticas de violências contra pessoas negras, racializadas, sejam elas naturais portuguesas ou possuam elas percursos de imigrações. Bruno Candé Marques, artista negro português, nascido em Portugal em 1980, foi brutalmente assassinado devido ao racismo estrutural que não tem sido ferozmente combatido em Portugal, desde a primeira infância às faculdades, empresas, instituições do Estado e AR. Não faltam relatos das vítimas! Não faltam pesquisas qualitativas e quantitativas! Não faltam relatórios de organizações internacionais que têm vindo na última década, recomendar mudanças estruturais a Portugal.
Que o assassinato de Bruno Candé em Portugal, bem como o assassinato de George Floyd nos E.U.A., todas as mortes de pessoas negras e indígenas no Brasil, resultantes do genocídio que está a decorrer, os assassinatos de 52 pessoas em Moçambique, em Abril deste ano, as retiradas de crianças negras, racializadas, indígenas, de suas famílias biológicas, em Portugal, no Brasil, nos E.U.A., em outros países europeus, entre tantas outras barbaridades, não sejam passíveis de não serem debatidas socialmente. Somos ou não, mulheres e homens do nosso tempo? Somos ou não capazes de responder socialmente com celeridade e firmeza que não podemos ser tornados cúmplices das mais variadas formas de violências? A Bruno Candé Marques, um irmão, paz eterna. Deixou esposa e três filhos pequenos. Deixou a sua Mãe com 78 anos de idade. Mais uma Mãe Mulher negra que perde um filho para a prática racista. Do fim do século XIV até os dias atuais, as Mulheres Negras choram as retiradas violentas dos seus filhos e filhas. Séculos de desumanização do povo negro. Aos familiares e amigos do irmão Bruno Candé Marques: força positiva, resiliência, saúde e determinação. Que nunca nos esqueçamos de que o presente social esclarecedor em que estamos vivenciando em Portugal, demarca o futuro das gerações de crianças que estão crescendo. O Racismo estrutural MATA. Queremos pessoas negras e racializadas a viver em PAZ. Saudar dívidas históricas significa criar os alicerces para que pessoas com responsabilidades políticas e toda a sociedade não reproduzam discriminações racistas, sexistas ou xenofóbicas contra as pessoas. Todas as pessoas têm direito a sua dignificação. Artigo 1o da Constituição da República Portuguesa. Que faça-se Luz!
ALMEIDA, Silvio (2019), Racismo Estrutural, São Paulo, Sueli Carneiro Pólen. FANON, Frantz (1968), Os Condenados da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
Por Jorge António, de Lisboa, especial para os Jornalistas Livres
A pandemia do racismo em Portugal faz mais uma vítima. Bruno Candé Marques, a vítima, que estava sentada em um banco e acompanhada por sua cadela, foi atingida por quatro tiros. O autor dos disparos, um homem de 80 anos, foi imobilizado por transeuntes até a chegada das autoridades, que o detiveram e apreenderam a arma de fogo que teria sido usada no crime.
Em um comunicado, a família do ator fala de um crime premeditado e racista, já que “o assassino já o havia ameaçado de morte três dias antes, proferindo vários insultos racistas” a ele e à família.
Em reportagens televisivas, testemunhas relatam o mesmo comportamento racista e as ameaças de morte feitas pelo assassino.
“Racismo! Esse homem que ele matou não chateava ninguém…”. – referiu uma testemunha. “O senhor ainda disse: Vai para a tua terra!” – Completou.
A organização SOS Racismo também pensa assim, e lançou um comunicado à imprensa em que diz:
“Sobre o assassinato racista:
Hoje, pelas 14h, Bruno Candé Marques, cidadão português negro, foi assassinado com 4 tiros à queima roupa. O seu assassino já o havia ameaçado de morte três dias antes e reiteradamente proferiu insultos racistas contra a vítima.
O caráter premeditado do assassinato não deixa margem para dúvidas de que se trata de um crime com motivações de ódio racial.
25 anos depois de Alcino Monteiro ter sido assassinado por ser negro, hoje foi a vez de mais um homem negro a morrer, em plena luz do dia, por motivos racistas.
O SOS Racismo presta homenagem ao Bruno Candé Marques e apresenta as suas condolências à família.O racismo já matou e continua a matar. Para que o assassinato do Bruno Candé Marques não seja mais um sem consequências, exigimos que justiça seja feita.” diz o SOS Racismo em nota divulgada no Facebook.
Bruno Candé era conhecido como um homem sorridente e brincalhão. Apaixonado pela arte, o ator fez várias participações em novelas e peças teatrais, e era um ativista pela luta antirrascista. Deixa três filhos, sendo dois meninos (5 e 6 anos) e uma menina (2 anos).
Semanas antes deste trágico episódio, a realização de um protesto promovido por André Ventura, um deputado da extrema-direita portuguesa que fez saudações nazistas num ato cuja a bandeira principal dizia que “Portugal não é racista”. Ventura é conhecido pelos seus ataques à comunidade cigana e a outros imigrantes, e em seus discursos costuma repetir sem nenhum constrangimento a frase “Volte para a tua terra!”, não coincidentemente, a mesma proferida pelo suposto assassino de Bruno Candé.
No mesmo dia do crime realizou-se um encontro neonazi, em Lisboa, reunindo grupos criminosos ultra-nacionalistas da extrema-direita, muitos deles integrantes e apoiadores do partido Chega (o mesmo de André Ventura).
2ª Mobilização Nacional Antifascista – Foto: Vasco Santos – Frente Unitária Antifascista
Ainda que a constituição portuguesa, em seu artigo 46º, criminalize atos racistas e fascistas, as autoridades, sob a passividade do próprio governo e dos partidos de direita portugueses parecem ignorar a constituição e fazer vistas-grossas para crimes raciais, e parecem não poupar esforços para negar as mais diversas formas de racismo praticadas no país.
“Em termos de motivação, ainda não percebemos muito bem o porquê. Poderá ter a ver com questões meramente passionais, dado que não existe qualquer ligação entre os próprios” – apressou-se a PSP (Polícia de Segurança Pública) a normalizar o assassinato de Bruno Candé, no sábado à tarde à Lusa (Agência de Notícias de Portugal).
por Isabela Moura e Luiza Abi Saab, Jornalistas Livres em Portugal
Os atos antirracistas #JusticeForFloyd tomaram conta de Portugal neste último sábado, 06 de junho de 2020. As principais cidades de Portugal foram ocupadas por milhares de manifestantes em atos antirracistas que pediam justiça para George Floyd. Os atos aconteceram principalmente nas cidades de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga.
Em LISBOA, a manifestação levou milhares de pessoas em marcha até à Praça do Comércio – importante espaço de reivindicação política da capital portuguesa. O encontro em Lisboa foi articulado entre diversas organizações, estavam previstos três atos em dias diferentes, mas as iniciativas foram unificadas em apenas um ato.
O contexto português e a questão da colonização foram abordagens presentes nos cartazes e nas vozes que se fizeram ouvir. José Falcão, da SOS Racismo, afirma que é necessário mudar o currículo escolar para que se possa saber de fato o que foi o passado português. “A história deste país é só a história do colonialismo, não é das vítimas do colonialismo, não é das pessoas que lá estavam a quem não pedimos autorização par ir. Onde ficamos durante 500 anos a escravizar as pessoas e essa história nunca é contada”, justifica o integrante de umas das associações que organizou a manifestação de sábado.
Mayara Reis, escritora de 25 anos e uma das vozes intervenientes menciona também a importância da educação nesse combate: “É preciso falar sobre isso nos manuais de história, falar sobre o Tratado de Tordesilhas, porque Portugal não é inocente”. “Não foi nossa escolha, foi escolhido por nós. O futuro que eu estou a ter agora vem disso”, refere a escritora sobre as decisões históricas que marcaram o passado colonial de países como a terra de onde veio – a Guiné-Bissau.
No PORTO o ato aconteceu na Avenida dos Aliados. Em referência ao norte americano George Floyd, assassinado pela polícia dos Estados Unidos, vários manifestantes trouxeram consigo os dizeres “I Can’t Breathe”, em português, “Não Consigo Respirar”. As reivindicações ecoavam pela avenida com o grito “Nem mais uma morte”, denunciando também os casos de racismo em Portugal.
Em COIMBRA a manifestação aconteceu na Praça da República, próxima à Universidade de Coimbra e foi organizada por estudantes da cidade. Centenas de pessoas se reuniram no local, seguindo as regras de segurança da Direção Geral de Saúde de Portugal (DGS).
O ato contou com depoimentos, gritos por reivindicações da luta antirracista e uma performance que representava Jesus negro interpretando trecho do texto “A Renúncia Impossível”, de Agostinho Neto.
Em BRAGA, a manifestação “Vidas Negras Importam” uniu cerca de 300 pessoas que prestaram sua solidariedade aos atos por George Floyd que acontecem há 10 dias nos Estados Unidos. Os presentes também denunciaram a violência policial contra negros, lembrando os casos de vítimas como Cláudia Simões e Alcindo Monteiro.
Por Luiza Abi Saab e Ligia Bugelli, de Portugal, especial para Jornalistas Livres
Desde que Portugal entrou em estado de emergência em 18 de Março de 2020, muitos brasileiros/as viram-se em conflito com o encerramento dos vôos para o Brasil. O Consulado brasileiro em Portugal deu início, ainda que de forma pouco eficaz, a um formulário para organizar os futuros voos de repatriação, disponibilizando ao longo de Março e Abril algumas oportunidades de retorno.
Porém, desde sábado (25/04), um grupo de cerca de 25 brasileiros/as não inscritos no formulário dirigiu-se ao aeroporto para clamar vagas nos vôos já agendados. Sendo estes residentes em Portugal e com sua subsistência ameaçada (sem trabalho e salário), pedem para que sejam incluídos na lista de repatriação.
A brasileira Fernanda Barros, residente em Lisboa, voluntariamente foi ao aeroporto no dia 28 e 29/04 para prestar auxílio ao grupo. Fernanda registrou alguns vídeos e fotos, além de colher depoimentos, sobre a situação no aeroporto de Lisboa, fazendo com que o caso tivesse repercussão midiática e denunciasse as condições precárias em que se encontram.
O grupo que se encontra no aeroporto tenta pressionar as autoridades brasileiras e portuguesas para ser incluído em algum dos vôos de repatriação. Essas pessoas se encontram sem morada, sem salário e sem comida, sendo que muitas estão em situação de vulnerabilidade, como idosos, mulheres com crianças de colo e pessoas com doenças crônicas.
No depoimento da brasileira Eliene Cristina de Andrade, colhido por Fernanda, ela conta que veio para Portugal como muitos outros brasileiros, a fim de trabalhar e construir uma vida no país. Porém, devido a crise do Covid-19 e a situação do estado de emergência, não consegue mais trabalho na cidade de Lisboa e portanto, não há mais como se sustentar.
No sábado passado (25/04), Eliene se juntou com mais algumas que se encontram na mesma situação e, sabendo da disponibilidade de vôos de repatriação, se reuniram no Aeroporto de Lisboa, para tentar um encaixe no vôo de domingo (26/04). Sem êxito, a situação se agravou, à medida que as temperaturas baixam e essas pessoas não são permitidas a entrarem sequer no saguão do aeroporto para usarem o banheiro e se proteger do frio, ficando assim do lado de fora, na calçada, passando frio, fome e necessidades de higiene.
Eliene nos conta que na noite de domingo, 26/04, agentes do Consulado foram até o aeroporto e o grupo preencheu uma lista onde disponibilizaram seus nomes, telefone e e-mail, o que os trouxe esperança para uma eventual inclusão da lista de repatriação. Porém a resposta do Consulado veio por email, em um texto que dizia que as 25 pessoas (aproximadamente) que preencheram a lista não estão na lista para serem incluídas no voo do dia 30/04 e precisam deixar o aeroporto e “tomarem um rumo”, segundo depoimento de Eliene. Entretanto, não há rumo para tomar, afinal, essas pessoas não possuem mais morada para voltar e muito menos uma forma de sustento para si e seus familiares.
No dia de ontem (29/04), policiais se dirigiram ao aeroporto com uma lista de 16 nomes que, supostamente, seria encaminhada para o auxílio da Assistência Social. Os policiais afirmaram que os nomes da lista não possuíam garantia de repatriação, porém, solicitaram que os representados na lista permanecessem no aeroporto e que os demais fossem embora.
No dia de hoje (30/04), 12 pessoas foram incluídas no ultimo vôo de repatriação das 14h, sem qualquer previsão de repatriação para os restantes (cerca de 15 pessoas). Ainda não se sabe dizer se todos os 12 faziam parte da lista de 16 nomes apresentada pelos policiais. Alguns contemplados lamentaram abandonar o restante do grupo, com a preocupação de que seus colegas não teriam a mesma chance que eles.
O que observamos é uma grande desinformação entre o Consulado, polícia e passageiros, causando ainda mais angústia e desespero entre os brasileiros que ali se encontram. O Consulado brasileiro em Portugal é o único responsável por autorizar e viabilizar os vôos de repatriação, sendo necessário que tomem providências diante dos casos expostos.
A indignação e o questionamento continua: Que lista é essa? Qual é o critério de seleção? Quando essas pessoas, esquecidas pelas autoridades brasileiras, conseguirão voltar para a seu país? Quanto tempo mais continuarão nessa situação de precariedade na calçada do aeroporto, esperando uma resposta?
Entrevista a Bruno Falci e Clara Domingos, de Lisboa, especial para o Jornalistas Livres
O professor Boaventura de Sousa Santos, doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale, professor e coordenador do CES – Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e um dos mais importantes pensadores ibero-americanos, concedeu esta entrevista, ao vivo, enquanto que, coincidentemente, em Brasília, o ministro da justiça Sérgio Moro fazia um pronunciamento sobre sua demissão ao governo de Jair Bolsonaro, em mais um capítulo da crise política brasileira.
O cenário abordado é do Brasil vivendo uma dupla crise – uma sanitária, provocada pelo Coronavírus e outra política. Neste cenário conturbado pela pandemia, o governo de Bolsonaro revela uma profunda instabilidade institucional, onde ocorrem hostilidades ao Congresso e Supremo Tribunal Federal. Enquanto isso, o combate à pandemia ocorre dentro de outra situação grave, tendo ocorrido, na semana passada, a saída do ministro da saúde que era aprovado pela OMS e, portanto, favorável isolamento social.
Na quarta-feira, dia 22, o ministro da economia, Paulo Guedes, responsável pela agenda neoliberal do governo não participou de uma reunião coordenada pelo ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto para anunciar o lançamento de um programa de recuperação econômica pós-covid-19, que prevê aumento dos gastos com investimentos públicos para os próximos anos. Agora, nesta sexta-feira, dia 24, o Brasil, com um governo que também parece ser tutelado pelos militares, em meio a diversos encaminhamentos de impeachment do presidente, o cenário é agravado com a queda do ministro Sérgio Moro.
Segundo Boaventura de Sousa Santos, “realmente é uma condição extraordinária estarmos as falar neste momento em que o Sérgio Moro está a fazer uma transição. Eu acho que o Brasil é o único país do mundo que, no meio da pandemia, tem uma grave crise política. Eu acompanho a situação em diversos países e nenhum deles apresenta esta situação, que eventualmente poder ser uma crise do regime político. A demissão de Sérgio Moro tem causas próximas e causas longínquas. As causas próximas que sido aventadas é que a PF estará no caminho de incriminar a família Bolsonaro, senão o presidente diretamente, mas também os seus filhos. Isso naturalmente já se sabia há muito tempo”.
Boaventura de Sousa Santos é incisivo:
“O Moro é o homem dos Estados Unidos, é o candidato dos Estados Unidos para 2022. Ele fez todo um trabalho. E a carreira política dele é exatamente esta – destruir a economia brasileira, destruir a esquerda, abrir o caminho para um político de transição, que abra o obviamente o caminho para ele mesmo, ele é o candidato deles. Isso significa que provavelmente a própria Embaixada dos Estados Unidos deve estar envolvida com tudo isso. Isso significa que o Moro, começou a ver, para sua carreira política, o Bolsonaro já não é um recurso, pode descartá-lo”.
Para o sociólogo, Bolsonaro seria um presidente descartável:
“O que me parece é que devido a crise produzida pelo comportamento dele na pandemia, ele está sendo descartado mais cedo, porque a agenda de Paulo Guedes que é neoliberal e dos Estados Unidos, também está neste momento em risco uma vez que o general Braga Netto, que todos consideram ser o presidente operacional, vem com uma política de emergência que efetivamente neutraliza a política de Paulo Guedes. Então, é natural que o próprio Guedes tem os dias contados.
Boaventura acrescenta:
“Moro está a sinalizar que já não lhe interessa participar deste governo, precisamente porque ele quer se sair bem. A popularidade dele está acima da de Bolsonaro. Moro tem estado num silêncio absolutamente criminoso, no meio de tantas coisas surgindo, como as declarações em frente à porta do quartel do exército a clamar por um golpe. Bolsonaro para ele hoje é mais um fardo do que um recurso. Não precisa dele para ser um bom candidato, um candidato forte para 2022”.
Veja entrevista completa no vídeo a seguir:
Se quiserem saber mais sobre as esquerdas no poder em Portugal e na Espanha, veja entrevista realizada este ano por Bruno Falci e Luiza Abi Saab com o professor Boaventura de Sousa Santos clicando aqui