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Tag: Políticas Públicas

  • Dança, acessibilidade e profissionalização para artistas com deficiência

    Dança, acessibilidade e profissionalização para artistas com deficiência

    Desde 2016,  o PROCENA, festival de cultura que nasceu em Goiás com a leis de incentivo Fundo de Arte e Cultura de Goiás,  tem promovido a discussão sobre acessibilidade e diversos outros assuntos que atravessam as realidades dos artistas, produtores e profissionais com vocação para assistência à pessoa com deficiência. Realizado de dois em dois anos, o evento que começou envolvendo a comunidade regional, em 2020 se expande para todo o Brasil, via redes sociais.

    A pandemia, que tem feito os brasileiros tentarem uma adaptação de suas vidas, na medida do que é possibilitado, frente a um governo federal negacionista que tem priorizado pouco ou quase nada salvar a vida dos cidadãos, também tem feito com que os produtores dos festivais culturais adaptem a realidade dos festivais, que costumavam ser espaços físicos não só de cultura, mas também acolhimento, troca e discussões transformadoras da nossa realidade.

    Mas como bem colocado pelo coordenador do evento sobre o novo formato do PROCENA, Thiago Santana, “a realização virtual impediu o contato físico, porém ampliou o alcance do evento, gerando discussões que vão além das fronteiras”. O desafio agora é democratizar o espaço das redes sociais, para que o acesso chegue a todos e todas

    De 7 a 10 de outubro, o Youtube, Facebook e Instagram serão os palcos de apresentações de danças de Goiás, grupos de outras regiões do Brasil e um de Portugal, já que este ano a dança como uma linguagem que inclui é o tema do PROCENA. Para aprofundar nas discussões, a cada dia será apresentado um webnário com um temas que envolvem política, arte e acessibilidade. Então, já assina o canal do YouTube, segue no Facebook e Instagram para garantir que não vai se esquecer desta programão super necessário.

    As discussões apontaram a dança como uma linguagem que inclui e oferece mais possibilidades de acessibilidade para artistas e também para espectadores com deficiência. “Esses debates nos fizeram decidir por começar esta nova proposta com a dança, suas contribuições para a produção cênica, seus processos formativos e composições estéticas da cena inclusiva e acessível”, justifica Thiago Santana, coordenador do evento.

    O coordenador também destaca a importância das leis de incentivo e mecanismos de fomento incluírem exigências e orientações para uma produção inclusiva e acessível às produções artísticas, como por exemplo, do Fundo de Arte e Cultura de Goiás. Ele lembra, contudo, que isso é fruto das metas do Plano Nacional de Cultura, aprovado em 2010 pela então presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, em diálogo com outros marcos legais como a Convenção da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira da Inclusão. Instrumentos que, por sua vez, são resultados de debates e discussões da área, como esses que serão realizados nesta edição do Procena.

    PROCENA 2020 – dança, acessibilidade e profissionalização para artistas com deficiência 

    Datas: 7 a 10 de outubro

    Transmissão: Instagram, Facebook e YouTube do Evento.

    Programação completa: http://procenago.com/procena_2020/

    7 de outubro: 

    9h – Oficina “Dance ability”, com Ana Alonso

    14h – Oficina “Corpo Zona Dissoluta”, com Alexandre Américo

    17h – Webinário “Papo #PraCegoVer”, com Patrícia Braille e Luciene Gomes

    19h – Espetáculo “Dez Mil Seres”, com a Cia Dançando com a Diferença (Portugal)


    8 de outubro: 

    8h – Websérie “Essa é a minha arte! Qual é a sua?”

    9h – Oficina  de Dança Inclusiva “Estranho hoje?!!, normal amanhã?!!!”, com Marline Dorneles

    14h – Oficina “Corpo Zona Dissoluta”, com Alexandre Américo

    17h – Webinário “Políticas culturais e a produção de artistas com deficiência”, com Sacha Witkowski, Claudia Reinoso, Ingrid David e Eduardo Victor

    19h – Espetáculo “Berorrokan – A origem do mundo Karajá”, com INAI/NAIBF – GO


    9 de outubro: 

    8h – Websérie “Essa é a minha arte! Qual é a sua?”

    9h – Oficina  de Dança Movi(mente), com Ana Balata e Laysa Gladistone

    14h – Oficina de Criação Cênica Acessível em ambiente virtual, com Thiago Santana

    17h – Webinário “Formação em dança e recursos de acessibilidade”, com Marlini Dorneles (UFG), Vanessa Santana (UFG) e Marcelo Marques

    19h – Espetáculo “Similitudo”, com Projeto Pés (DF)


    10 de outubro: 

    8h – Websérie “Essa é a minha arte! Qual é a sua?”

    9h – Oficina  de Dança Movi(mente), com Ana Balata e Laysa Gladistone

    14h – Oficina de Criação Cênica Acessível em ambiente virtual, com Thiago Santana

    17h – Webinário “Corpos diferenciados e a cena”, com Henrique Amoedo, Mônica Gaspar e Alexandre Américo.

    19h – Espetáculo  “die einen, die anderen – alguns outros”, com a Cia Gira Dança (RN)

  • Em Cuiabá, cruzes denunciam morte de enfermeir@s

    Em Cuiabá, cruzes denunciam morte de enfermeir@s

    A morte de cada profissional da enfermagem que atuava na linha de frente do combate ao coronavírus importa. Em menos de dois meses, o país já perdeu 98 profissionais, mais do que Espanha e Itália juntos. Não foi por acaso. Os governos neoliberais que promoveram sucessivos cortes de recursos, entre outras políticas voltadas à privatização da saúde pública são os grandes responsáveis por essas perdas. E essa é a denúncia de trabalhadores de Cuiabá organizados na Frente Popular em Defesa dos Serviços Públicos e de Solidariedade ao Enfrentamento da Covid-19 nessa terça-feira, 12/05, Dia Internacional da Enfermagem.

    Em abril, Mato Grosso também registrou a morte de um enfermeiro. Athaíde Celestino da Silva, de 63 anos, faleceu em decorrência da Covid-19 após 37 dias de internação. O 37 também marca os anos de dedicação do servidor à Saúde Pública. Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (http://observatoriodaenfermagem.cofen.gov.br/ ), outros 106 profissionais da Enfermagem estão infectados no estado; no Brasil, já são cerca de 13 mil (acompanhe aqui a atualização do Confen).

    Como não poderia deixar de ser, o ato dessa terça-feira – em defesa da vida, do Sistema Único de Saúde (SUS) e em homenagem aos profissionais da Enfermagem – foi realizado sem aglomeração. Desde as 8h, na Prainha, próximo ao Morro da Luz, região central de Cuiabá, os transeuntes podem ver uma cruz e uma vela para cada um dos profissionais que morreram nessa guerra. Nos arredores também há faixas com reivindicações e sons reproduzidos mecanicamente.

    A ideia é chamar a atenção da população para o número de mortos no Brasil como efeito do descaso dos governantes de todas as esferas – federal, estadual e municipal –, representada pela falta de investimentos e, consequentemente, equipamentos de proteção.

    Por mais que os representantes brasileiros se preocupem em demonstrar esforços para conter a pandemia agora, o mundo percebe a diferença entre os países que investem na saúde pública e os que não investem. Nos extremos, a Alemanha aparece como exemplo pelo baixo número de mortalidade, e seu histórico de investimento na saúde pública; na outra ponta, os Estados Unidos da América (EUA), cujo sistema de saúde é limitado pelos interesses do mercado, é o triste líder do ranking de mortalidade.

    Nessa terça-feira, foi possível acompanhar o ato realizado em Cuiabá por meio de uma live, transmitida pela página oficial da Adufmat-Ssind e SINASEFE no facebook. Alguns poucos organizadores estiveram presentes no ato distribuindo 500 máscaras, o que já está sendo feito pelas entidades que compõem a Frente desde o início de abril.

    Foto: Sandra Duarte, Sinasefe e AAMOBEP

    Em entrevista ao repórter Khayo Riberiro, do HNT/HiperNotícias, a professora aposentada da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato Grosso, Rosa Lúcia, apontou que o movimento cobra urgência em ações que assistam aos profissionais expostos ao coronavírus no exercício de suas atividades.

    “Hoje é o Dia Internacional da Enfermagem e essa movimentação que está acontecendo é uma manifestação silenciosa, de luto pelo número de profissionais de saúde e mais especificamente de enfermagem que já tombaram no Brasil por conta da infecção da Covid-19. Até ontem tínhamos o número de 98 profissionais de enfermagem que tinham morrido”, apontou a professora, que faz parte da comissão organizadora do movimento.

    Na reportagem, o jornalista cita ainda uma fala do

    presidente do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Manoel Neri, dizendo que o Brasil enfrenta hoje uma situação grave no que diz respeito à evolução da pandemia entre os profissionais da saúde.

    “A situação no Brasil é crítica. O Observatório da Enfermagem, criado pelo COFEN para monitorar a evolução da pandemia entre profissionais de Enfermagem, já registra mais de 13 mil casos e 100 óbitos associados à Covid-19. A maior parte desses profissionais integrava pelo menos um grupo de risco. É inadmissível que estivessem expostos na linha de frente, contrariando as diretrizes sanitárias indicadas pelo Ministério da Saúde”, apontou Neri.

    Foto: Sandra Duarte, Sinasefe e AAMOBEP

  • “TromPetista” e “Pilha” recebem carta de Lula em solidariedade a repressão

    “TromPetista” e “Pilha” recebem carta de Lula em solidariedade a repressão

    “Eles (Governo Bolsonaro) precisam aprender que Democracia não é um pacto de silêncio, mas sim uma sociedade em movimento em busca de liberdade. Que toquem os trompetistas do Brasil inteiro para acordá-los para a realidade.” Essas foram as palavras do ex-presidente Lula essa semana para os ativistas brasilienses Fabiano Leitão, o tromPetista, e Rodrigo Pilha, do canal Botando Pilha, numa carta em solidariedade às suas liberdades de expressão. 

    Na quarta-feira, 16, Fabiano Leitão e Rodrigo Pilha foram repreendidos pela Polícia Militar em frente ao prédio do Palácio do Itamaraty, em Brasília, antes e depois de uma ação de protesto que eles fizeram na chegada e na saída da visita do presidente direitista neoliberal fundamentalista da Argentina, Maurício Macri, ao presidente direitista neoliberal fundamentalista, Jair Bolsonaro.  

    Após a saída de Macri, Fabiano tocava trompete e Pilha transmitia ao vivo em seu canal e páginas nas redes sociais, quando o trompetista foi abordado por um policial e encaminhado a uma delegacia próxima por estar sem o porte dos documentos. Pilha foi questionado pela transmissão e, após apresentar documentos, liberado em seguida. Já o trompetista, mesmo dizendo seu nome completo e número do RG (Registro Geral) ao policial, só foi liberado após passar algumas horas detido na DP para averiguação. 

    “É um abuso de autoridade isso, para intimidar mesmo. Não é proibido, nem contra a lei, sair de casa sem documentos, muito menos tocar trompete em forma de protesto, nem transmitir ao vivo. Só na Ditadura Militar repreendiam e prendiam pessoas por esses motivos. Com a Constituição de 1988, isso caiu. E nós vamos lutar até o fim pela Democracia e liberdade do nosso país e contra esse golpe que prende não só nosso presidente Lula, como todos e todas as vítimas desse sistema, e que foram contempladas com políticas públicas para as minorias”, afirmou Fabiano. 

    Segundo a advogada ativista, Tânia Mandarino, não existe legislação que obrigue o cidadão brasileiro a portar os documentos identificatórios, portanto, ninguém pode ser detido “para averiguação” com fins de identificação, especialmente após ter passado os dados do RG. “Esse procedimento é ilegal e constitui crime de abuso de autoridade”. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LXI, diz que “preceitua dever ocorrer a prisão somente em decorrência de flagrante e por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária”. 

    Nessa mesma linha, a Lei 12.403/11, norma infraconstitucional, ao dar redação atual ao artigo 283 do Código de Processo Penal determina que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso de investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. “A chamada prisão para averiguação não foi recepcionada pela Constituição de 1988”, explica a advogada.  

    A segunda repressão da semana veio da própria Rede Globo, mais especificamente do repórter Marcos Losekann. Durante entrada dele ao vivo no Jornal Hoje de ontem, sexta-feira, 18, Fabiano Leitão tocou ao fundo um dos hinos dos petistas, “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula!”. Após finalizar a transmissão, Losekann foi atrás e repreendeu o trompetista. 

    Contudo, Fabiano recebeu a carta do ex-presidente Lula com muito carinho e felicidade logo após ele entrar ao vivo com Losekann, no link da Globo. “Essa carta foi o melhor presente da minha vida. Ainda bem que li logo depois da ação, se não eu poderia perder o foco. Imaginei ele escrevendo, fiquei emocionado. Tudo que fizemos por ele vamos continuar fazendo”, finaliza o trompetista. 

    Para Pilha, a carta é um gesto generoso de Lula. “Ficamos muito emocionados, porque significa um alento, um abraço e um aceno de quem reconhece a nossa luta. Mas nada tira a nossa indignação e tristeza com o fato dele estar pagando com a sua liberdade o preço de ter desafiado a elite perversa do nosso país. Não descansaremos enquanto ele não for libertado”. 

     

    Reprodução: carta do ex-presidente Lula aos ativistas Fabiano Leitão e Rodrigo Pilha na íntegra

     

     

  • Dória lança campanha publicitária que culpa o usuário, e não a miséria, pelo problema da Cracolândia

    Dória lança campanha publicitária que culpa o usuário, e não a miséria, pelo problema da Cracolândia

    Por Flávia Martinelli, dos Jornalistas Livres

    Após tratar a dependência química como caso de polícia e violar direitos humanos internacionais básicos no desmantelamento do programa De Braços Abertos – política pública construída no diálogo entre Estado, entidades e profissionais especializados em atenção integral à saúde e promoção de cidadania – o prefeito João Dória Júnior segue em seu arbitrário projeto imobiliário-higienista na Cracolândia, no valioso centro de São Paulo.

    Dessa vez, a estratégia foi descontextualizar a realidade dos usuários de crack em campanha publicitária; uma das especialidades do político que é dono de uma agência e editora de revistas voltadas para empresários e público de classe A. O prefeito Júnior destinou R$ 3 milhões e 900 mil dos cofres públicos para anúncios em pontos de ônibus, TV, cinemas e redes sociais nos quais coloca toda a culpa do problema do crack nas costas dos usuário. O programa Braços Abertos custava, em sua totalidade, R$ 9 milhões POR ANO.

    Astuto, o lançamento oficial da campanha, será nesta segunda-feira (26/06), Dia Mundial de Combate às Drogas. Mas o marketing já começou neste domingo (25) com o lançamento de um vídeo que Dória postou em seu facebook. “Quero compartilhar em primeira mão com vocês esse lindo comercial da prefeitura de SP para a campanha de sensibilização da sociedade para o problema do crack”, disse Júnior. De acordo com o prefeito, basta dizer “não” à droga para ser vacinado à “dependência química terrível, uma verdadeira doença crônica, difícil de tratar”. Posto dessa maneira, culpabilizando o usuário e isentando-se da responsabilidade do Estado em buscar saídas para a miséria e programas de recuperação, ficou fácil pra Prefeitura, né? Mas há muitas camadas de significado na propaganda do prefeito.

     

     

     

     

     

    No vídeo, logo somos informados que a dramatização é baseada em histórias reais. Então, abre-se uma porta. Musiquinha indie-rock dramática, em inglês, ao fundo. Sobe o som. Um jovem homem branco, então, percorre uma galeria onde estão expostas diversas fotos. Um bebê sorri numa das imagens, uma criança loirinha faz pose em outra, tem cena de formatura e até viagem para o exterior. Logo percebe-se que o rapaz que visita a exposição é o mesmo que está nas fotos. Casamento, nascimento de filho, ar de vencedor…

     

    Até que um espelho mostra que a imagem refletida não é mais a do rapaz sorridente das fotografias. O personagem agora está visivelmente envelhecido. Dentes amarelos, barba e roupas desgrenhadas como se estigmatiza descrever um morador da Cracolândia. O letreiro sobe em maiúsculas: “O CRACK DESTRÓI UMA VIDA INTEIRA. QUANDO VOCÊ VÊ, JÁ NÃO SE VÊ”. O homem chora. O logotipo da Prefeitura de São Paulo acompanha o texto “CRACK. A MELHOR SAÍDA É NUNCA ENTRAR”. Fim.

    De imediato, a propaganda faz a separação entre o antes e o depois do crack na vida do personagem. Quando era um feliz “cidadão de bem”, ele não usava a droga. Depois de usar, virou um morador da Cracolândia. Pressuposto errado. A campanha de terror de Dória, que mostra um caminho sem volta, é mais uma estratégia que só distrai o verdadeiro problema: a miséria.

    Crack é uma droga que tem o mesmíssimo princípio ativo da cocaína. E, como no uso dela, há inúmeros usuários que compram as pedras na sexta-feira para usar no fim de semana. Quem são esses consumidores? São cidadãos que vivem suas vidas sem parar nas ruas da Cracolândia em situação deplorável, sem família, sem emprego e sem dinheiro. A lógica de quem vai parar lá, por sinal, é inversa. É a miséria que faz alguém chegar à Cracolândia e não necessariamente o crack. E a exclusão social é o principal problema de quem só encontra nas ruas alguma inclusão.

    Na Cracolândia está gente sofrida no último grau da dor. São em sua maioria negros destruídos pela sociedade racista, são ex-presidiários abandonados pelas famílias e sem chance de emprego, são prostitutas aniquiladas física e mentalmente, são travestis dizimados pela violência simbólica e material do machismo, são gênios e loucos incompreendidos e raramente aceitos. “Para acabar com a Cracolândia”, sempre repete o médico Drauzio Varella,”é preciso acabar com a miséria”. E isso a propaganda de Dória não promete nem menciona.

    Outro ponto escondido é o papel do Estado. O filme não menciona nenhuma palavra, música, imagem ou mesmo um pincelar simbólico sobre o papel da Secretaria da Saúde diante da dependência química. Nada nem de longe faz referência às políticas públicas para lidar com o problema. Tampouco se aborda a multiplicidade de fatores que pode levar alguém à Cracolândia, como a falta de moradia, emprego e estrutura familiar ou a disponibilidade de uma droga barata que foi disseminada nas comunidades mais vulneráveis da cidade e até mesmo o fato de a maioria da população nas ruas ser alcoólatra.

    No comercial “lindo” do prefeito Dória tudo se resume a dizer “não” à oferta de crack. Bastaria isso para aquele jovem homem branco, pai de família, viajado e de infância feliz ter sua vida de classe média preservada. Pressuposto totalmente errado. O problema de quem chega à Cracolândia não é a droga. É a miséria.

    Espelhamento é estratégia antiga da publicidade. Quem se vê projetado nos anúncios logo se identifica. Os profissionais da propaganda feita pela agência Cazamba sabem disso, tanto que a empresa, que se define especialista em tecnologia de marketing, promete a marcas o engajamento de seus consumidores de uma forma “mais dinâmica e personalizada para alcançar e interagir com a audiência desejada, da maneira desejada.” Não foi necessário nem fazer metáfora para explicitar o público-alvo de Dória no vídeo batizado de “Espelhos”. Incutir o terror na população de classe média diante do crack é estratégia perfeita para fugir de problema muito maiores que são gerados pela exclusão social.

    A empresa que fez o vídeo afirma que “é o anunciante quem determina como veicular a peça e quais interações ela terá com o usuário.” Esse, no caso, não é o morador da Cracolândia que Dória trata com batalhão de polícia, demolição de moradia, internação compulsória e fim de acesso a emprego e perspectiva de vida que tinha no acolhimento do antigo programa Braços Abertos. A estratégia de marketing do prefeito é dizer que o usuário é cego, culpado por ter destruído sua vida inteira.

    Fica o subtexto de que o Estado, ao virar as costas para o problema de moradia na cidade, por exemplo, não tem nada a ver com a Cracolândia. O sistema carcerário brasileiro que devolve à sociedade presos sem acesso a emprego também não tem nada a ver isso. Os marginalizados todos são só um detalhe que os publicitários e o governo não lembraram. E, assim, só resta mesmo expulsar, até da rua, o dependente químico culpado por suas mazelas e interná-lo na marra numa clínica que recebe subsídio da prefeitura. E que fica bem longe do centro da cidade.