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  • Vereador invade programa e diz que é dono de rádio comunitária

    Vereador invade programa e diz que é dono de rádio comunitária

    A população de Catalão, em Goiás, e os colaboradores da Rádio Top FM, uma emissora comunitária da cidade, foram agredidos essa semana com a invasão do estúdio pelo vereador Rodrigo Carvelo (PODEMOS) alegando ter 50% do “negócio”. Acontece que rádios comunitárias só podem, segundo a lei que as rege, a 9.612/98, ser administradas por entidades sem fins lucrativos. A mesma lei estabelece que “a entidade detentora de autorização para execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais”. No dia seguinte à invasão, que foi precedida por um ataque cibernético aos computadores da estação, a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias emitiu uma nota de repúdio. Leia abaixo na íntegra:

    NOTA DE REPÚDIO
       A Associação Brasileira de Rádios Comunitárias vem a público externar profundo repúdio à ação abusiva, desrespeitosa e repressora do vereador Rodrigo Carvelo (PODEMOS) do município de Catalão, Goiás, quando impediu realização do programa A Hora da Verdade, apresentado pelo Professor Mamede Leão, na Rádio Comunitária TOP FM.
       Na manhã do dia 14 de julho de 2020, quando a 25° edição do programa se preparava para entrevistar outro parlamentar e também um ex-prefeito do município, o computador da emissora responsável pela transmissão do programa, foi invadido e redimensionado com senhas, impossibilitando acesso pelo operador. Após resolução deste fato por colaboradores da rádio e ao iniciarem entrevista, o estúdio da emissora foi invadido pelo vereador, também conhecido por Rodrigão da Força Sindical, acompanhado de dois homens e se dizendo proprietário da emissora. Parte da ocorrência foi gravada e transmitida ao vivo pela rádio e pelo próprio Facebook, até o momento em que um dos acompanhantes recebeu a ordem do vereador para desligar a câmera utilizada para a transmissão de vídeo. Em todo o momento, o parlamentar deixou claro que a intenção era a de impedir a participação do ex-prefeito Jardel Sebba.
       A ABRAÇO BRASIL se solidariza ao comunicador e apresentador do programa Professor Mamede, bem como aos presentes neste episódio lamentável que ilustra quão grande e difícil é a luta daqueles e daquelas que buscam uma comunicação livre, democrática e plural.
       Nesta oportunidade, também esclarece aos que ainda não entenderam a função social de uma rádio comunitária, que, conforme a lei que as regulamenta 9.612/98, em seu artigo 7º, estas emissoras devem ser mantidas e gerenciadas, necessariamente, por fundações e associações locais sem fins lucrativos e NÃO POSSUEM DONOS, muito menos políticos donos.
       O artigo 11 da referida lei explicita ainda que “a entidade detentora de autorização para execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais”.
       Portanto, a situação colocada pelo vereador Rodrigo Carvelo de que detêm 50% da rádio e outros 50% pertencem à outra pessoa, deve ser veementemente repudiada, denunciada e investigada pelos órgãos competentes e, caso se confirme, o MPF, através das entidades que compõem o Conselho Comunitário deve se organizar para assumir o controle da mantenedora da emissora e tomar as devidas providências a fim de não comprometer a conquista da outorga e, consequentemente, ocorrer a perda deste fundamental canal de comunicação comunitário para aquela comunidade.
       Esperamos que a justiça prevaleça neste e em todos os casos de atentado à livre expressão e ao direito à comunicação. Exigimos! Censura nunca mais!
         Geremias do Santos
  • #LiberteoFuturo: 5 propostas para adiar o fim do mundo

    #LiberteoFuturo: 5 propostas para adiar o fim do mundo

    #LiberteoFuturo.

    Artistas, intelectuais, ativistas e cidadãos do mundo todo, participam desse Movimento.

    • 153 bilionários do mundo concentram mais riqueza do que 60% da população global
    • A emergência climática condena populações humanas e não humanas em um ritmo sem precedentes
    • Movimento #LiberteoFuturo convoca 5 propostas para adiar o fim do mundo

     

    São Paulo, 1° de julho de 2020 – Muitos têm repetido que o mundo não será o mesmo após a pandemia provocada pelo novo coronavírus. O mundo já não é o mesmo, mas o que vem pela frente pode ser ainda pior. Quais as possibilidades de futuro pelas quais queremos lutar daqui em diante? O que é necessário para que ainda seja possível imaginar um futuro onde queremos e podemos viver?

    #LiberteoFuturo
    Altamira – Sobrevoo sobre áreas desmatadas e/ou atingidas pelo fogo na região do médio Xingu. Foto: Marcelo Salasar/ISA

    Assim nasce o movimento #LiberteoFuturo, com o objetivo de inspirar a reflexão crítica e dinâmica sobre a vida pós-pandemia. Lançado oficialmente a partir deste domingo (5), o coletivo não é liderado por uma pessoa ou organização, mas parte do conceito “Eu+1+, a equação da rebelião”, de autoria do poeta Élio Alves da Silva, do Médio Xingu, Altamira, Amazônia. A ideia central é invocar a responsabilidade coletiva ao reunir todos aqueles que querem fazer parte da criação e realização de mudanças na sociedade atual.

    Para abrir a discussão, no domingo (5), das 18h às 20h, será realizada uma manifestação online através do www.manifao.org. A plataforma possibilita a simulação de uma manifestação de rua online, com conversas ao vivo, abertas a diferentes falas, compartilhamento de fotos e cartazes, performances e exibição de projeções por vídeo.

     

    Wagner Moura, Alice Braga, Eliane Brum, Zé Celso Martinez, Joênia Wapichana, Zélia Duncan, Fabiana Cozza, Antonio Nobre, Sérgio Vaz, Carmen Silva, Eliane Caffé, Jacira Roque de Oliveira (mãe de Emicida e Fiote), Tasso Azevedo, João Cezar de Castro Rocha, Déborah Danowski, André Trigueiro, Júlio Lancelotti e Tati dos Santos, são alguns dos nomes de intelectuais, artistas, ativistas e estudiosos que se mobilizaram para apoiar o movimento.

     

    #LiberteoFuturo
    Foto: Sato do Brasil

     

    O objetivo é incentivar a participação e engajamento nas redes de quem quer construir um futuro que não seja passado, e impedir a volta da anormalidade que condena a nossa e as outras espécies. Não queremos um novo anormal. A plataforma será também um grande mostruário da imaginação do futuro neste momento histórico tão particular, que poderá servir tanto como inspiração para ações como para pesquisas em diferentes áreas.

     

    A desigualdade global (e brasileira) atinge níveis recordes: os 2.153 bilionários do mundo concentram mais riqueza do que cerca de 60% da população mundial. A emergência climática provocada por ação humana exige mudança, ou teremos apenas um futuro hostil para as futuras gerações. A maior crise sanitária em um século impôs o isolamento físico, mas não o isolamento social. As ideias não têm restrições, nem fronteiras.

     

    #LiberteoFuturo
    Povo brasileiro.Foto: Lilo Clareto

     

     

    Como funciona?

     

    O movimento se concentra em cinco propostas principais, que disparam perguntas e convidam a imaginar possíveis respostas:

     

    1. Antídotos contra o fim do mundo: imagine como quer viver
    2. Democracia: proponha políticas públicas, assim como mudanças nas leis e nas normas para reduzir as desigualdades de raça, gênero e classe
    3. Consumo: indique alternativas para eliminar as práticas de consumo que escravizam a nossa e as outras espécies
    4. Emergência climática: sugira ações para impedir a destruição da natureza, garantindo a continuidade de todas as formas de vida no planeta
    5. Insurreição: defina a melhor ação de desobediência civil para criar o futuro onde você quer viver!

     

    As propostas devem ser enviadas em vídeos de um minuto cada. Os vídeos devem ser postados em suas redes sociais com a #LiberteoFuturo ou enviados pelo whatsapp +55 11 97557-9830 após o lançamento, no dia 5 de julho.

     

    Em cada um deles, o participante deve dizer seu nome, e a cidade e país onde vive. Estes vídeos serão reunidos na plataforma digital www.liberteofuturo.net. Não há uma data limite para envio dos vídeos, mas após esta primeira fase, a proposta é colocar a mão na massa e formar uma rede de pessoas comprometidas a debater e executar ações, locais e globais, para libertar o futuro.

    #LiberteoFuturo
    Liderança indígena. Foto: Lilo Clareto

     

    Laboratórios Sociais: Liberte o Futuro

    Os “Laboratórios Sociais: Liberte o Futuro” serão jornadas colaborativas de encontros online para facilitar a criação dos futuros sonhados nos vídeos. A partir das provocações iniciadas pelos vídeos, os laboratórios oferecerão espaços de troca e co-criação para aprofundar, planejar ações e criar estratégias para o futuro, executadas no presente.

     

    Serão 10 oficinas com conteúdos de temáticas contemporâneas e transversais, pensadas para contemplar todos os grupos formados. As oficinas serão documentadas em vídeo, gerando conteúdos, que podem inspirar e auxiliar outras pessoas a se mover para libertar o futuro e, assim, mudar o presente.

     

    #LiberteoFuturo
    Templo indígena de Jaguapirú. Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil. Foto: Pablo Albarenga

     

     

    Redes sociais

    Instagram: https://www.instagram.com/liberteofuturo/?hl=pt-br

    Facebook: https://www.facebook.com/liberteofuturo/

    Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCHDA4Nfvu9emyq1juLiUoEw/featured

     

    #LiberteoFuturo
    Simão, Dona Leandra e Nardo sentados em frente à sua casa, em Tey’i Jusu, Caarapó, Mato Grosso do Sul, Brasil. Foto: Pablo Albarenga

    Vídeos #LiberteoFuturo para divulgação

     

    Marcial Macome – 1º – Antídoto:

    https://www.youtube.com/watch?v=dvd_qulgUxs&list=PLL_67OKCHFKqGEa0-_PaqeHhaeqkJvyFf&index=27

     

    Blair – 1º – Antídoto:

    https://www.youtube.com/watch?v=8fxiUWa8p08

    Angélica Fettarez – 1º -Antídoto:

    https://www.youtube.com/watch?v=f2fyXlzHhXk&list=PLL_67OKCHFKqGEa0-_PaqeHhaeqkJvyFf&index=8&t=0s

     

    Dona Jacira Roque de Oliveira – 1º – Antídoto:  https://www.youtube.com/watch?v=vmjH29o0iqY&list=PLL_67OKCHFKqGEa0-_PaqeHhaeqkJvyFf&index=10

     

    Raquel Rosenberg – 1º – Antídoto:

    https://www.youtube.com/watch?v=BOG7_HsyVZU&feature=youtu.be

     

    Tati quilombola – 2º – Democracia:

    https://www.youtube.com/watch?v=_SXo0UvW5lQ&list=PLL_67OKCHFKoGjE-q-uvqeSfraaBryIqQ&index=13&t=0s

     

    Zelia Duncan – 2º – Democracia:

    https://www.youtube.com/watch?v=13fLcC6MjqA&list=PLL_67OKCHFKoGjE-q-uvqeSfraaBryIqQ&index=21&t=9s

     

    Pai Rychelmi – 2º – Democracia:

    https://www.youtube.com/watch?v=LYrNTQwnaHM&list=PLL_67OKCHFKoGjE-q-uvqeSfraaBryIqQ&index=7&t=0s

     

    Anita Juruna – 2º – Democracia:

    https://www.youtube.com/watch?v=NWJiwzpB1yA&list=PLL_67OKCHFKoGjE-q-uvqeSfraaBryIqQ&index=26

     

    Beá Meira – 3º – Consumo:

    https://www.youtube.com/watch?v=hLy4dzN4xGY&list=PLL_67OKCHFKoGjE-q-uvqeSfraaBryIqQ&index=8

     

    Mohamed Rabiu – 3º – Consumo:

    https://www.youtube.com/watch?v=5B7a1cm9FNE&list=PLL_67OKCHFKqA3TTA2kAXuFkABqtNcq6u&index=11&t=0s

     

    Nils – 3º – Consumo:

    https://www.youtube.com/watch?v=dPh4peZgDlU&list=PLL_67OKCHFKqA3TTA2kAXuFkABqtNcq6u&index=19

     

    Cesar Pegoraro – 3º – Consumo:

    https://www.youtube.com/watch?v=RBGtNd8kCl0&list=PLL_67OKCHFKqA3TTA2kAXuFkABqtNcq6u&index=20

     

    Hamaguari Pataxó – 3º – Consumo:

    https://www.youtube.com/watch?v=mLBszL5W9T0&list=PLL_67OKCHFKqA3TTA2kAXuFkABqtNcq6u&index=21

     

    Stuart Basden – 3º – Consumo:

    https://www.youtube.com/watch?v=ptTx-HTbyxA&feature=youtu.be

     

    Bel Juruna – 4º – Emergência climática:

    https://www.youtube.com/watch?v=tWuEhUAzyzI&list=PLL_67OKCHFKpOCm4Xyj0ePI4EmuB3liM4&index=19&t=0s

     

    Hamangai Pataxó – 4º – Emergência climática:

    https://www.youtube.com/watch?v=k5_yPrJ9S7I

     

    Fernando Lufer – 4º – Emergência climática:

    https://www.youtube.com/watch?v=OEJKrUvbz1o&list=PLL_67OKCHFKpOCm4Xyj0ePI4EmuB3liM4&index=17&t=0s

     

    André Trigueiro – 4º – Emergência climática: https://www.youtube.com/watch?v=Zn3fEiwTZKQ&feature=youtu.be

     

    Walter Oliveira – 4º – Emergência climática:

    https://www.youtube.com/watch?v=HI2zC7pOVoc&list=PLL_67OKCHFKpOCm4Xyj0ePI4EmuB3liM4&index=14&t=0s

     

    Cacique Giliardi Juruna – 5º – Insurreição:

    https://www.youtube.com/watch?v=SSfwx0SLCVE&list=PLL_67OKCHFKpV9VVBOu5jV4LhqoAvwpZ8&index=23

     

    Padre Júlio Lancelotti – 5º – Insurreição:

    https://www.youtube.com/watch?v=DGB05cWAVW4&list=PLL_67OKCHFKpV9VVBOu5jV4LhqoAvwpZ8&index=21&t=0s

     

    Beá Meira – 5º – Insurreição:

    https://www.youtube.com/watch?v=cSs4sOf5Ep4&list=PLL_67OKCHFKpV9VVBOu5jV4LhqoAvwpZ8&index=9&t=0s

     

    Paul Angme – 5º – Insurreição:

    https://www.youtube.com/watch?v=IldMqf2ckgw&list=PLL_67OKCHFKpV9VVBOu5jV4LhqoAvwpZ8&index=4

     

    #LiberteoFuturo
    Ato pela Educação. foto: Sato do Brasil

     

  • Reportagem mostra relações ilegais entre FBI e a operação Lava Jato

    Reportagem mostra relações ilegais entre FBI e a operação Lava Jato

    Por: Natalia Viana, Rafael Neves, Agência Pública/The Intercept Brasil

    ESPECIAL: VAZA JATO
    Agente que atuou em investigações da Lava-Jato no Brasil virou chefe da Unidade de Corrupção Internacional do FBI
    Polícia americana tem foco crescente em combater corrupção na América do Sul e abriu escritório para isso em Miami
    Deltan e PF preferiram tratar de extradição diretamente com americanos: “entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo”, escreveu o procurador
    Nos seus pouco mais de 20 anos no FBI, a agente especial Leslie R. Backschies esteve diversas vezes no Brasil. Backschies, cujo nome do meio é Rodrigues, com a grafia portuguesa, é fluente na língua nacional e vem ao país desde pelo menos 2012, ano em que há um primeiro registro de uma visita sua à Polícia Militar de São Paulo. É, também, a única foto que se encontra na internet dessa notável agente do FBI – embora esteja longe da câmera e de óculos escuros. O objetivo daquela visita era firmar parcerias para capacitação de policiais para responder a ameaças terroristas antes da Copa de 2014.

    Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública – Foto: Site Piloto Policial
    Leslie R. Backschies, a segunda à esquerda, e mais quatro agentes do FBI visitaram o Grupamento de Radiopatrulha Aérea (GRPAe) da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP)

    Ao longo de sua carreira, Leslie trabalhou na divisão de Segurança Nacional do FBI, atuando nas áreas de contraterrorismo e resposta a armas de destruição em massa – ela foi co-autora de um guia sobre armas biológicas para o site Jane’s Defense.

    Trabalhando para a Divisão de Operações internacionais do FBI, em 2012 Leslie mudou-se para a América do Sul, passando a viver em local não revelado, de onde supervisionava os escritórios do FBI nas capitais do México, Colômbia, Venezuela, El Salvador e Chile, além dos agentes do FBI lotados na embaixada em Brasília. No mesmo posto, comandou operações da polícia federal americana em Barbados, República Dominicana, Argentina, Panamá e no Canadá.

    Mas nos últimos anos, a carreira de Leslie deu uma guinada. De especialista em armamentos e terrorismo, ela passou a se dedicar a investigar casos de corrupção e lavagem de dinheiro na América Latina – com destaque para o Brasil.

    Em 2014, Leslie foi designada pelo FBI para ajudar nas investigações da Lava Jato. A informação consta de reportagem do site Conjur sobre evento promovido pelo escritório de advocacia CKR Law em São Paulo, em fevereiro de 2018, que contou com presença dela. A atuação de Leslie foi considerada “um trabalho tremendo” e “crítico para o FBI” pelos seus supervisores, segundo seu ex-chefe afirmou em um evento sobre o combate à corrupção em Nova York no ano passado acompanhado por uma colaboradora da Pública.

    Leslie se tornou especialista na legislação FCPA, Foreign Corrupt Practices Act, uma lei americana que permite que o Departamento de Justiça (DOJ) investigue e puna nos Estados Unidos atos de corrupção praticados por empresas estrangeiras mesmo que não tenham acontecido em solo americano. Foi com base nessa lei que o governo americano investigou e puniu com multas bilionárias empresas brasileiras alvos da Lava Jato, dentre elas a Petrobras e a Odebrecht, que se comprometeram a desembolsar mais de US$ 4 bilhões em multas para os EUA, Brasil e Suíça.

    Hoje morando de novo nos Estados Unidos, Leslie comanda a Unidade de Corrupção Internacional do FBI, cuja grande novidade no ano passado foi um escritório aberto em março em Miami apenas para investigar casos de corrupção na América do Sul, o Miami International Corruption Squad.

    A unidade conta com seis agentes especiais, um supervisor e um contador forense que atuam na cidade conhecida por receber exilados cubanos, venezuelanos e, mais recentemente, uma enxurrada de ricos brasileiros. “Você não pode apenas ter um agente ou dois em um escritório em campo trabalhando com isso…. Não dá para trabalhar com isso apenas duas ou três horas por semana. Assim não vai funcionar. Você precisa de recursos dedicados em período integral”, afirmou Leslie à à Agência de Notícias Associated Press.

    O esquadrão para América do Sul é o quarto esquadrão do FBI especializado em corrupção internacional. Todos foram abertos nos últimos cinco anos – ao mesmo tempo que a maior investigação de corrupção da história brasileira varria o continente.

    A reportagem pediu uma entrevista a Leslie Backschies, mas não obteve resposta até a publicação.

    Cinco anos depois, Leslie parece bastante satisfeita com os resultados. “Nós vimos muita atividade na América do Sul — Odebrecht, Petrobras. A América do Sul é um lugar onde… Nós vimos corrupção. Temos tido muito trabalho ali”, disse ela à Agência de Notícias Associated Press no começo de 2019.

    “Não dá pra ser melhor do que isso”, ela afirmou no evento da CKR Law em São Paulo. “Nossa relação com o Brasil é o modelo de colaboração para países lutando contra crimes financeiros”.

    “Isso é apenas o começo. Temos o enquadramento correto, a vontade e os fundos para continuar trabalhando juntos”.

    “Agentes do FBI já apoiaram” 10 medidas contra a corrupção

    Em outubro de 2015, Leslie fez parte da comitiva de 18 agentes americanos que foram a Curitiba se reunir com procuradores e advogados de delatores sem passar pelo Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo a lei, intermediar todas as matérias de assistência jurídica com os EUA, segundo revelaram Agência Pública e The Intercept Brasil.

    A proximidade com a equipe da Lava Jato era tanta que Leslie foi um dos agentes do FBI que posaram com um cartaz apoiando o projeto de lei das 10 Medidas Contra a Corrupção, bandeira da Força-Tarefa e em especial do seu chefe, Deltan Dallagnol, que foi derrotada no Congresso Nacional.

    Em um chat com Deltan em 18 de maio de 2016 constante do arquivo entregue ao site The Intercept Brasil, a procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa em São Paulo, brincou antes de uma viagem para os EUA: “Vou tentar tirar uma foto c a Jennifer Lopes e o cartaz das 10 Medidas”, brinca ela. “Os agentes do FBI já apoiaram. Mas não pode publicar a foto ok? Eles não deixaram”, explica Thaméa, enviando a foto a seguir.

    Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública – Foto: Rovena Rosa/MPF
    Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa em São Paulo, e Deltan Dallagnol, chefe da Força-Tarefa da Lava Jato

    A imagem foi posteriormente apagada e não consta do arquivo entregue ao Intercept. Se divulgada, ela poderia causar uma saia justa ao MPF por se tratar de autoridades estrangeiras atuando em uma campanha legislativa nacional.

    Thaméa diz que na foto todos são agentes, com exceção de uma tradutora brasileira. Mostrando familiaridade com a agente americana, Deltan Dallagnol se entusiasma e diz que a imagem lembra o filme Missão Impossível, estrelado por Tom Cruise. “Legal a foto! A Leslie está em todas rs”.

    Arte: Larissa Fernandes/Agência Pública

    A foto havia sido tirada em São Paulo um dia antes, em 17 de maio de 2016, quando Thaméa participou, junto com Leslie, de uma palestra para 90 membros do MPF paulista. Estavam lá também os agentes Jeff Pfeiffer e Patrick Kramer, além de George “Ren” McEchern, então diretor do Esquadrão de Corrupção Internacional do FBI em Washington – e chefe de Leslie.

    Promovida pela Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Procuradoria da República em São Paulo, a palestra teve como objetivo ensinar o funcionamento da FCPA. “Foi uma excelente oportunidade para aprendermos sobre um eficiente sistema de combate à corrupção”, ressaltou Thaméa no evento.

    A fala de Leslie Backschies não foi reproduzida online. A reportagem pediu as fotos do evento à procuradoria, mas a assessoria de imprensa respondeu que “infelizmente tivemos um problema no nosso backup e perdemos alguns registros de anos anteriores, inclusive esse evento”. Questionado via Lei de Acesso, o MPF fez uma dupla negativa: “E mesmo que tivéssemos estas imagens, elas precisariam de autorização de uso das pessoas fotografadas (palestrantes e espectadores), documento que não foi requisitado no evento”.

    Meses depois, foi a vez de Thaméa ir a Washington para dar um curso ao FBI sobre a Lava Jato, conforme revela um diálogo com Deltan Dallagnol em 11 de Outubro de 2016 a partir das 16:47:23. “O FBI pediu pra eu falar sobre a Lavajato no curso em Washington, tudo bem? Vc me mandaria um material em Inglês? Eles tb. querem q eu fale sobre as 10 Measures!!!! show heim? até eles já sabem da campanha!!!”

    Deltan responde: “Animal. Não é tudo bem. É tudo excelente!!!!!”

    As mensagens foram reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos originais recebidos pelo The Intercept Brasil, incluindo erros de português e abreviaturas.

    Segundo um documento constante dos arquivos da Vaza Jato, em 2015 havia nove policiais americanos lotados na embaixada de Brasília e no Consulado de São Paulo, incluindo do FBI, da Polícia de Imigração e Alfândega e do Departamento de Segurança Interna.

    Com base nos diálogos e em apuração complementar, a Agência Pública conseguiu localizar, além de Leslie Backschies, 12 nomes de agentes do FBI que atuaram nos casos da Lava Jato em solo brasileiro.

    Pela lei, nenhum agente americano pode fazer diligências ou investigações em solo brasileiro sem ter autorização expressa do Ministério da Justiça, pois as polícias não têm jurisdição fora dos seus países de origem. O FBI e a embaixada dos Estados Unidos se negam a detalhar publicamente o que fazem seus agentes no Brasil. Mas um documento da própria embaixada, obtido pela Pública, revela como funciona esse trabalho. Trata-se de um anúncio em 19 de outubro de 2019 em busca de um “investigador de segurança” para trabalhar na equipe do adido legal e passar 70% do tempo fazendo investigações. “Essas investigações são frequentemente altamente controversas, podem ter implicações sociais e políticas significativas”, diz o texto do anúncio, escrito em inglês. O anúncio avisa que o policial terá de viajar de carro, barco, trem ou avião por até 30 dias “para áreas remotas de fronteira e para todas as regiões do Brasil”.

    Questionada pela Pública sobre a atuação de agentes do FBI em território brasileiro e sobre a parceria com os membros da Lava Jato, a embaixada americana respondeu através de uma nota: “O FBI colabora com as autoridades brasileiras, que conduzem todas as investigações no Brasil, inclusive todas as investigações que envolvem o Brasil e os EUA. As autoridades federais e estaduais brasileiras trabalham rotineiramente em parceria com as agências policiais dos EUA em uma ampla gama de questões. Os Estados Unidos e o Brasil mantêm uma excelente cooperação policial na FCPA, mas também no combate ao crime transnacional e em muitas outros ámbitos de interesse mútuo. Procuramos oportunidades de aprender com todas as nossas investigações. Um intercâmbio de boas práticas faz parte da boa cooperação que desfrutamos com nossos colegas brasileiros”.

    Há dezenas de menções ao FBI e seus agentes nos diálogos constantes da Vaza-Jato analisados pela Agência Pública e Intercept Brasil. Fica claro que o relacionamento mais constante é entre membros da PF brasileira e agentes do FBI.

    “A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta”

    À frente da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República, o procurador Vladimir Aras alertou diversas vezes para problemas legais envolvendo a colaboração direta com agentes do FBI.

    Uma conversa bastante tensa, em 11 de fevereiro de 2016, revela até que ponto a PF mantinha proximidade com o FBI e desconfiava do governo de Dilma Rousseff. A ponto de o próprio chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, admitir ao secretário de Cooperação Internacional da PGR que a PF preferia tratar direto com os americanos a seguir as vias formais.

    Às 11:27:04, Deltan pede que Aras olhe um email enviado para os Estados Unidos. Aras se surpreende com o teor: tratava-se de um pedido de extradição de um suspeito da Lava Jato. Não fica claro quem é a pessoa a quem se referem. O pedido, informal, havia sido enviado ao Escritório de Assuntos Internacionais (OIA, na sigla em inglês) diretamente por Dallagnol, sem passar pela Secretaria Cooperação Internacional da PGR nem pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, autoridade central responsável, de acordo com um tratado bilateral. O diálogo dá a entender que um mandado de prisão ainda estava por ser decretado pelo então juiz Sergio Moro.

    “Passa o nome e os dados que vamos atrás. Fizemos isso com o advogado de Cerveró”, responde Aras. “Nosso parceiro preferencial para monitorar pessoas tem sido o DHS, mas podemos trabalhar com o FBI também. Quanto antes tivermos os dados, melhor”, explica Aras, referindo-se ao Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS, na sigla em inglês). Aras prossegue explicando que o pedido de extradição teria que passar pelo DEEST, o Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, além do Ministério de Relações Exteriores, “um parceiro importante”.

    “Não é bom tentar evitar o caminho da autoridade central, já que, como vc sabe, isso ainda é requisito de validade e pode pôr em risco medidas de cooperação no futuro e a “política externa” da PGR neste campo”, explica Vladimir.

    “O que podemos fazer agora é ajustar com o FBI e com o DHS para localizar o alvo e esperar a ordem de prisão, que passará pelo DEEST. Podemos mandar simultaneamente aos americanos”, ele prossegue.

    Em resposta, Deltan é direto. “Obrigado Vlad por todas as ponderações. Conversamos aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo, nesse caso concreto. Registra pros seus anais caso um dia vá brigar pela função de autoridade central rs”, escreveu, deixando no ar a sugestão para que Aras se ocupasse do assunto se um dia comandasse o MPF ou o Ministério da Justiça. “E registra que a própria PF foi a primeira a dizer que não confia e preferia não fazer rs”.

    Vladimir insiste: “Já tivemos casos difíceis, que foram conduzidos com êxito”.

    “Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo executivo”.

    Vladimir responde que “A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ a intermediação”.

    Para a professora de direito penal e econômico na Fundação Getulio Vargas, Heloísa Estellita, o episódio é “lamentável”. “Não temos notícia de como o procurador procedeu e se procedeu a alguma medida. Mas não deixa de ser lamentável que, mesmo corretamente orientado por colega especialista em cooperação internacional e zeloso pela legalidade, o procurador tenha manifestado que, em tese, preferiria outro caminho”, avalia. “Como o procurador especialista alerta, a hipótese de circundar a autoridade competente poderia não só causar problemas institucionais no Brasil, como gerar descrédito para as instituições brasileiras perante autoridades estrangeiras”.

    Arte: Larissa Fernandes/Agência Pública

    Procurada pela reportagem, a Força-Tarefa da Lava Jato reiterou, através de nota, que “além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas”. Leia a resposta completa no final desta reportagem.

    Odebrecht: “O FBI já tem conhecimento total das investigações”

    Naquele mesmo ano, alguns meses depois, a relação com a polícia americana voltaria a ser tema de debate entre os procuradores, desta vez pelo Chat Acordo ODE, onde discutiam o contrato de leniência com a construtora Odebrecht.

    O tema da conversa, iniciada às 15:29:40 do dia 31 de agosto de 2016, era o sistema de informática My Web Day, que, assim como o Drousys, era usado pelo Setor de Operações Estruturadas, um departamento da Odebrecht que geria os pagamentos de propinas a políticos de vários países. Os membros da Lava Jato pediram informalmente ajuda ao FBI para quebrar as senhas de ambos os sistemas. O pedido foi feito em agosto de 2016, quase um ano antes da Lava Jato receber oficialmente os arquivos do Mywebday e Drousys a partir da assinatura do acordo de leniência com a Odebrecht, o que ocorreu em agosto de 2017, segundo reportagem de O Globo.

    Naquele dia o procurador Paulo Roberto Galvão explicou que pediu auxílio do FBI para “quebrar” ou “indicar um hacker” para acessar o sistema My Web Day. Em resposta, o promotor Sérgio Bruno, que coordenava a Lava Jato em Brasília, afirma que o então Procurador Geral da República Rodrigo Janot chegou a ter uma reunião na embaixada americana para pedir ajuda com os sistemas criptografados da Odebrecht.

    “O canal com o FBI é com certeza muito mais direto do que o canal da embaixada. O FBI tb já tem conhecimento total das investigações, enquanto a embaixada não teria”, informa Paulo Roberto. “De minha parte acho útil manter os dois canais”.

    Depois, ele explica: “A nossa foi sim com o adido, porém o que fica em SP. O mesmo que acompanha o caso LJ”.

    Arte: Larissa Fernandes/Agência Pública

    As trocas entre FBI e a Lava Jato em relação ao sistema My Web Day continuaram nos meses seguintes, mas parecem ter sido infrutíferas. Em outubro de 2016, Paulo Roberto Galvão compartilhou no chat “Acordo Ode” uma resposta em inglês de David Williams, adido do FBI na embaixada americana, sobre as possibilidades indicadas pelos experts em criptologia do FBI.

    A comunicação demonstra que o assunto já fora tratado, pessoalmente, com o procurador Carlos Bruno Ferreira, da Secretaria de Cooperação Internacional da PGR. “Se não me engano o assunto de baixo é o mesmo que o Carlos Bruno explicou para mim recentemente na despedida do Adido Frank Dick na embaixada do Reino Unido (certo Carlos?)”, escreve, em português fluente, prometendo consultar os “cyber experts” do FBI. O problema é que o MywebDay usava uma poderosa criptografia que só podia ser descriptografada usando 3 componentes. E a Odebrecht dizia que tinha perdido dois deles, tendo apenas a senha. A criptografia usava o programa Truecrypt.

    “Eu acho que em resumo o que eles estão falando é que sem os arquivos-chave, é impossível no cenário da Odebrecht destravar o volume do TrueCrypt apenas com uma senha”, escreveu como resposta David Williams. “Eles podem fazer uma análise forense nas imagens que têm os dados do TrueCrypt, e fazer uma tentativa para localizar os outros arquivos-chave. Se essa análise é algo que você gostaria de receber assistência, avise-nos e podemos ver se é algo que o FBI pode tentar”.

    “Caros, na Suíça aparentemente o pessoal da Odebrecht disse q teria condições de abrir o sistema. Vamos entender melhor isso”, encerra Paulo.

    No final de 2016, a Odebrecht, junto com sua subsidiária Braskem – à época uma joint-venture com a Petrobras – fez um acordo com o DOJ pelo qual ambas concordaram em pagar uma indenização de no mínimo US$ 3,2 bilhões aos EUA, Suíça e Brasil – total depois reduzido para US$ 2,6 bilhões – por práticas de corrupção ocorridas fora dos EUA.

    Procurada pela reportagem, a Lava Jato afirmou, através de nota, que “os dados do sistema Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação do Poder Judiciário brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a diversas investigações e acusações criminais”. A resposta completa está no final da reportagem.

    Porém, apenas em agosto de 2017 cinco discos rígidos com cópia de dados do software MyWebday foram entregues oficialmente aos procuradores da Lava Jato como parte do acordo, segundo reportagem de O Globo. Os arquivos para descriptografá-los continuavam desaparecidos – e mais uma vez a Lava Jato precisou da ajuda dos americanos.

    Discutindo a reportagem do Globo, o procurador Roberson Pozzobon, colega de Dallagnol em Curitiba que chegou a negociar a abertura de uma empresa de palestras em sociedade com ele, reclamou: “Da forma como ele colocou, parece que não nos empenhamos (e ainda estamos nos empenhando) para buscar acessar essas informações (quando os dispositivos foram enviados até o FBI para ver se seria possível acessar sem as senhas)”, escreveu ele no chat “Filhos do Januario 2 – SAIR” em 6 de fevereiro de 2018.

    A colaboração com o FBI nas investigações em relação à Odebrecht levou a um dos maiores acordos assinados até então pelo DOJ com uma empresa internacional, no valor de US$ 2,6 bilhões de multa.

    Como a Odebrecht não é uma empresa de capital aberto e portanto não tem suas ações vendidas na bolsa nos Estados Unidos – como era o caso da Braskem – o acordo descreve algumas situações que estariam sob a jurisdição americana.

    Por exemplo, a Odebrecht teria usado contas em bancos de Nova York para transferir dinheiro para contas Offshore em Belize e nas Ilhas Virgens Britânicas que, afinal, seria “em parte” usada para o pagamento de propina em países latino-americanos. O DOJ vai além. “A Odebrecht, os seus empregados e agentes, tomaram diversos passos enquanto nos Estados Unidos para aprofundar o esquema. Por exemplo, em 2014 e 2015, enquanto estavam em Miami, na Flórida, dois funcionários da Odebrecht tiveram condutas relativas a certos projetos dentro do esquema, incluindo reuniões com outros co-conspiradores para planejar ações a serem tomadas em conexão com a Divisão de Operações Estruturadas, a movimentação de produtos de crimes, e outras condutas criminosas”.

    Após ser alvo da Lava-Jato e de ter assinado acordo nos EUA, a Odebrecht passou a ser investigada em diversos países onde mantinha contratos na América Latina. Em junho de 2019, a empresa pediu recuperação judicial.

    Segundo o jornal Miami Herald, foi justamente a crença de que o dinheiro lavado pelos membros do regime de Hugo Chávez na Venezuela – incluindo a propina da Odebrecht – acabou no mercado imobiliário do sul da Flórida que levou à criação no ano passado de um Esquadrão de Corrupção Internacional em Miami. O esquadrão é subjugado à Unidade de Investigação liderado por Leslie Backschies, a agente que fala português fluentemente e apoiou as 10 medidas contra a corrupção de Deltan e companhia, segundo as mensagens da Vaza Jato.

    “Nós vimos presidentes derrubados no Brasil. Esses são os resultados de casos como esses”

    A expressão usada por Leslie Rodrigues Backschies para descrever o impacto político das investigações do FBI sobre corrupção estrangeira é que são “politicamente sensíveis”.

    “Esses casos são muito sensíveis politicamente, não somente nos Estados Unidos mas no exterior,” explicou a agente especial em entrevista à Associated Press. “Quando você está olhando para oficiais estrangeiros em outros governos — quer dizer, veja, na Malásia, o presidente não foi reeleito. Nós vimos presidentes derrubados no Brasil. Esses são os resultados de casos como esses. Se você está olhando para membros do alto escalão de governos, há muitas sensibilidades.”

    Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública – Foto: Reprodução
    A agente especial Leslie R. Backschies participou do evento ICC meet the enforcers em fevereiro de 2018

    É por conta de tamanhas “sensibilidades” que, diferentemente de outros casos criminais, todos os casos de FCPA são dirigidos pela unidade especializada do Departamento de Justiça em Washington – mesmo que tenham se iniciado em um distrito distante da capital. O DOJ é chefiado pelo Procurador-Geral dos Estados Unidos, uma espécie de Ministro da Justiça, nomeado diretamente pelo presidente.

    Segundo a reportagem da Associated Press, os supervisores do FBI se encontram com advogados do Departamento de Justiça a cada 15 dias para avaliar potenciais investigações e possíveis consequências políticas.

    Corrupção internacional vira prioridade

    A mudança na carreira de Leslie acompanhou uma mudança de foco do Departamento de Justiça e do FBI na última década. A partir de uma percepção de que a lavagem de dinheiro ajudava o financiamento do terrorismo, os agentes americanos passaram a se dedicar cada vez mais a casos de corrupção transnacional e lavagem de dinheiro usando a legislação FCPA, que tem jurisdição ampliada para o mundo todo. Hoje, a maioria dos casos de FCPA não tem nada a ver com terrorismo.

    A mudança trouxe dividendos para o DOJ e possibilitou uma renovada parceria com polícias e Ministérios Públicos de todo o continente americano. E se solidificou. Em 2017, pela primeira vez a Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos – já sob o governo de Donald Trump – incluiu o “combate à corrupção estrangeira” como prioridade para a segurança interna dos cidadãos americanos.

    Antes dele, a estratégia definida por Barack Obama em 2015 já mencionava a corrupção internacional como ponto de atenção – mas ela não tinha uma lista de “ações prioritárias”.

    Em março de 2015, o FBI abriu três esquadrões dedicados à corrupção internacional em Nova York, Los Angeles e Washington, triplicando o número de agentes dedicados a investigar violações da FCPA e “crimes de cleptocracia” – foram de 10 agentes para 30. Até o final de 2017 os recursos para o FBI investigar corrupção transnacional aumentaram em 300%, segundo o seu ex-chefe “Ren” McEachern.

    O anúncio oficial explicava o foco na investigação de “cleptocracias”, “oficiais estrangeiros que roubam dos tesouros dos seus governos às custas dos seus cidadãos” e afirmava ainda que os agentes do FBI iriam contar com “operações secretas, informantes e fontes”, além de “parceria com nossas contrapartes internacionais – facilitada pela nossa rede de adidos legais situados estrategicamente ao redor do mundo”.

    A explicação de Leslie para o foco do FBI na corrupção internacional – e por que investigar empresas que cometeram corrupção fora dos Estados Unidos ajuda a melhorar a segurança dos cidadãos americanos – é rocambolesca. “Queremos que se cumpra a lei. Se a lei não é cumprida, você terá certas sociedades nas quais eles [os cidadãos] sentem que os governos deles são tão corruptos, que irão buscar outros elementos que são considerados fundamentais, que eles vêem como limpos ou algo contra o regime corrupto, e isso se torna uma ameaça para a segurança nacional [dos Estados Unidos]”.

    “Uma coisa quando eu falo com empresas, eu digo ‘Quando você paga um suborno, você sabe onde o dinheiro está indo? Sua propina está indo para financiar terrorismo?’”, completa, sem explicar como isso ocorre.

    Em julho de 2019, Leslie Backschies participou de mais um evento para discutir corrupção internacional, dessa vez em Washington, DC, e desvendou mais uma atuação “sensível” da polícia americana no exterior. Segundo o site Market Insight a agente especial afirmou que o FBI tem a estratégia de valer-se de membros de governos de outros países para buscar investigar casos de FCPA.

    Ela afirmou que, quando há uma mudança de regime, uma nova administração às vezes pede ajuda para investigar a corrupção no governo anterior. E quando um novo governo chega a um país, pode haver servidores restantes do governo anterior que querem relatar a corrupção.

    A atuação do FBI em casos fora do seu território tem gerado diversas críticas entre juristas, que apontam que os Estados Unidos se comporta como “polícia do mundo”.

    “Eu tenho alguns clientes que quase nem tocaram nos Estados Unidos, e eles perguntam: até onde isso vai se estender? E, você sabe, até certo ponto, qual o interesse dos EUA?” questiona o advogado Adam Kauffman, um ex-procurador do distrito de Nova York que trabalhou com Sergio Moro na investigação sobre o caso Banestado, quando ele era juiz federal.

    Ele deu uma entrevista à Agência Pública em Nova York em junho de 2019, antes do vazamento dos diálogos da Força-Tarefa. “Em muitos casos, quando o governo [americano] processa esses casos de corrupção, as pessoas admitem a culpa porque estão com medo, e conseguem um acordo bom, então o governo garante jurisdição sobre coisas que são muito tênues. Mas ninguém questiona isso, então se torna mais e mais comum e a jurisdição vai para mais e mais longe”.

    “Porque jurisdição”, reflete Adam, “é como gravidez. Ou você tem ou você não tem. Você não pode ter um pouquinho de jurisdição e você não pode estar um pouquinho grávida. Onde está o limite?”.

    Respostas da Lava Jato

    Procurada pela Pública, a força-tarefa da Lava Jato respondeu por email. Leia a íntegra das respostas a seguir:

    Um dos diálogos vazados ao The Intercept Brasil atesta que em 31 de agosto de 2016 o FBI tinha “total conhecimento” das investigações feitas pela Lava Jato sobre a empresa Odebrecht. Como funcionava essa atuação do FBI em parceria com os investigadores da Lava Jato? Como se dava essa transmissão de informações?

    Não se trata de atuação em parceria, mas de cooperação entre autoridades responsáveis pela persecução criminal em seus países, conforme determinam diversos tratados internacionais de que o Brasil é signatário. O intercâmbio de informações entre países segue igualmente normas internacionais e também leis brasileiras. Além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas.

    A parceria com o FBI, que incluiu a busca de quebrar a criptografia do sistema Drousys, foi criticada por alguns advogados como um possível risco à soberania nacional por poder ser usada contra uma empresa brasileira por um governo estrangeiro. Qual é a posição da Lava Jato sobre isso?

    Não recebemos da jornalista dados sobre a “busca de quebrar a criptografia do sistema Drousys”, nem sobre “foi criticada por alguns advogados como um possível risco à soberania nacional por poder ser usada contra uma empresa brasileira por um governo estrangeiro”. De todo modo, os dados do sistema Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação do Poder Judiciário brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a diversas investigações e acusações criminais.

    Os diálogos demonstram ainda que em pelo menos uma ocasião o chefe da Lava Jato manteve contatos diretor com o DOJ em temas de extradição e cooperação internacional – uma atribuição do DRCI /MJ – e expressou a decisão de evitar passar pelo Executivo, no caso o Ministério da Justiça, durante o governo de Dilma Rousseff. Por que a Lava Jato preferia evitar a Autoridade Central e se comunicar diretamente com o Departamento de Justiça Americano? Esse tipo de postura não poderia prejudicar a imagem internacional das instituições brasileiras perante autoridades estrangeiras?

    Conforme respondido no item “1”, além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas.

    A Lava Jato continua trocando informações e colaborando com o FBI em solo brasileiro? Existem ainda empresas brasileiras que são investigadas pelo FBI com base na legislação FCPA?

    A força-tarefa da Lava Jato no Paraná não comenta sobre eventuais investigações em curso.

    Matéria original com links para outros materiais no site da Agência Pública: https://apublica.org/2020/06/o-fbi-e-a-lava-jato/?mc_cid=503eeec927&mc_eid=ca8dd03443

  • Rudá Ricci: Uma reunião em meio ao caos

    Rudá Ricci: Uma reunião em meio ao caos

    Por: Rudá Ricci

    Vamos decompor o cenário.
    Trata-se de uma reunião ministerial de um governo frágil, sem rigor, sem rumo, absolutamente ideologizado, num momento em que começava a perder musculatura, em meio à maior tempestade perfeita deste século. O que se poderia esperar? Racionalidade? Bons modos? Alguma sacada inteligente?

    O vídeo revela o que já se sabe deste desgoverno: falas muito abaixo da mediocridade que, como sabemos, significa ser mediano ou estar na média do pensamento mundano.

    Acuados, os discursos do chefe e seus chefiados são uma espécie de enredo do Monty Python sem qualquer humor. Nonsense com projeção de um mundo paralelo em que tentam demonstrar alguma força que, dado o teor da fala e as ênfases exageradas da forma, revelam mais que a canela. O que se poderia esperar? É gente frágil, marginal em suas áreas de atuação. Quem é Paulo Guedes no mundo da economia? Damares no mundo dos direitos sociais e até no mundo religioso? Quem é Bolsonaro no mundo militar ou no mundo político? Todos se forjaram nas margens do mundo real.

    Bolsonaro não desejava que este vídeo de filme B viesse à público. Vai saber o que o levou a temer. Afinal, o que aconteceu naquela reunião não foge das escatologias de Araújos, Guedes, Weintraubs e Bolsonaros. O fato é que ele perdeu mais esta queda de braço. Talvez, num relance de vergonha, os atores mambembes decidiram aceitar o truco. Alguns apostaram ainda mais no nonsense e na absoluta falta de respeito à investidura de seu cargo. Jogaram como jogadores de porrinha realizado no bar copo sujo da esquina. Suados, camisas abertas até o peito, uma leve baba no canto da boca, decidiram fazer mais uma bravata. Afinal, de bravata em bravata, não se chega a lugar algum e, assim, se anda em círculos eternamente até que a Divina Providência dê um basta.

    Já o exército de robôs decidiu fazer alguma coisa que prestasse politicamente. Já escrevi muitas vezes que na política contemporânea, a versão vale mais que o fato. A reunião-circo não renderá nota de rodapé nos livros de história.

    Mas, pensou alguém que se acha sagaz: “e se disseminarmos que o vídeo reelegerá Bolsonaro?”. Essa indagação não faria sentido em nenhum lugar normal. Mas, o Brasil, há tempos, deixou de ser normal. A deputada mais-ou-menos, já espinafrada pelo ex-ministro, decide postar no Twitter um agradecimento à Moro pela divulgação do vídeo. Interessante que o chefe mor não queria a divulgação. Mas, quando se trata de versão, isso não interessa. Um ou outro do grupo fanático que representa um traço em termos de total da população brasileira, foi na onda.

    Então, adivinhem quem cai nesta armadilha de gente que faz aquele tipo de reunião? Parte da militância de esquerda. Como patinhos amarelinhos que Gugu e FIESP tanto criam e cultuam, esta parcela da esquerda tupiniquim – que um dia foi intelectualizada – cai rolando na sala e tenta dar saltinho para ficar em pé logo em seguida. Já tinha caído na tal brincadeira infantil de Bolsonaro com a tal Tubaína (que, cá entre nós, acho uma delícia). Tentaram cavar alguma mensagem cifrada para… para… para o que, mesmo? Para se revelarem sem nenhum dom para o jogo político. No passado, se dizia que gafe política desta natureza era “passar recibo”, ou seja, dar um valor ao adversário que ele não merecia.

    Acredito que este infantilismo tem relação com a lógica da esquerda “parlamentarizada”, aquela que fala grosso e age com medo. Até entendo que tem sentido dar volume para o adversário para não ficar tão feio a derrota de 2018. Afinal, o que vão dizer para os netinhos? “Perdemos para um desqualificado que comandava uma reunião ministerial como se estivesse no Country Club num domingo modorrento depois de tomar um engradado de cerveja?”.

    O ideal teria sido a esquerda deixar esta briga entre STF e o fantástico estrategista Jair.

    Mas, vejamos em perspectiva para avaliar a importância deste vídeo.

    Acabamos de ultrapassar 21 mil mortes pela Covid-19. Estamos com 12,5 milhões de desempregados. Queda de renda em 80% das famílias que residem em favelas. Queda de arrecadação entre 25% e 30% até aqui. Queda do PIB. 75% das indústrias do setor automobilístico paradas ou semiparalisadas.

    Esta é a foto do momento. Qual o filme? O filme que entrará em cartaz em novembro ou dezembro tem como personagens queda de 7% do PIB e 20 milhões de desempregados. Mais de 90 mil mortos por Covid19.
    Então, pensemos um pouco.
    Alguns psicólogos sugerem que quando estamos em meio à uma situação muito desagradável, para podermos medir de fato o tamanho deste problema, basta projetarmos alguns anos à frente. Se o problema reaparecer é porque é realmente grave. Caso contrário, é passageiro.

    Pensemos no final deste ano. Esta reunião-circo terá qual importância em meio à catástrofe econômica, social e sanitária? O morador de rua, o trabalhador autônomo, o morador de favela, o microempresário, o vendedor ambulante, estarão preocupados com a reunião-circo ou com a sua falência, a fome, a destruição de seus sonhos e expectativas, a degradação social batendo à porta de sua família?

    A reunião-circo está no mesmo patamar que a postagem do vídeo do Golden Shower no carnaval passado. Uma vergonha. Há, com efeito, elementos que podem gerar a prisão e cassação do cargo de vários presentes naquele teatro de bolso. Mas, é nisso que temos que insistir? Nessa pauta?
    Não. Temos muita coisa mais importante para fazer. Temos que reconstruir este país. Dar um mínimo de segurança para os mais vulneráveis.

    Temos que mostrar porque a extrema-direita sempre se apresenta como um rato que ruge. E como é a esquerda que sempre salva o mundo. Afinal, a extrema-direita não sabe nem organizar uma reunião ministerial que tenha começo, meio e fim, que tenha algum respeito e seriedade. Então, como alguém em sã consciência pode imaginar que sabem governar a 8ª economia mundial construída com seriedade e suor de mais de 200 milhões de habitantes?

  • Documentos sigilosos do SNI apontam crimes do senador Jayme Campos e família

    Documentos sigilosos do SNI apontam crimes do senador Jayme Campos e família

    Por: Lázaro Thor Borges, especial para o Congresso em Foco

    Corrupção, fraude eleitoral e assassinato: estas são algumas das acusações feitas, durante o regime militar, contra o atual presidente da Comissão de Ética do Senado, Jayme Campos (DEM-MT). Os relatos das investigações estão em documentos arquivados pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de espionagem dos militares. Nestes arquivos, Jayme e seu irmão, Júlio Campos (DEM-MT), que é candidato ao Senado na eleição suplementar decorrente da cassação do mandato da ex-senadora Selma Arruda (Podemos-MT), são apontados por investigadores do SNI como autores de diferentes crimes.

    Apesar dos relatórios produzidos, das cartas, dos dossiês e outros documentos, Jayme e sua família nunca foram formalmente acusados. Os Campos são o clã político mais poderoso de Mato Grosso e grande parte deste poder foi conquistado nos 1980, quando dominavam o PDS, principal herdeiro da Arena, legenda de apoio à ditadura.

    Uma das denúncias aparece em um dossiê elaborado pelo SNI em 25 de maio de 1984, que aponta o enriquecimento da família Campos às custas de dinheiro público. Caçula do clã, Jayme Campos estava no primeiro ano de mandato como prefeito de Várzea Grande, cidade contígua a Cuiabá e berço político da família.

    No comando do governo de Mato Grosso estava o irmão de Jayme, Júlio Campos (DEM-MT). O documento, que foi classificado como “confidencial” na época, estava depositado no Arquivo Nacional, onde permanece até hoje. Segundo o relatório, a família Campos participava direta e indiretamente do quadro societário de pelo menos oito empresas que venceram licitações no governo do estado e que, já no primeiro ano das gestões de Júlio e Jayme, elevaram seu capital social.

    A família Campos controlava, segundo o SNI, as empresas Empreendimentos Santa Laura S.A., Rádio Industrial de Várzea Grande S.A., Aquário Engenharia e Comércio S.A., Eletroeste Comércio de Produtos Elétricos S.A., JHG Recuperadora de Transformadores Ltda., Terramat Terraplanagem Matogrossense Ltda., Asteca Mineração Ltda.  e Rádio e Televisão Brasil Oeste.

    Jayme era sócio direto de pelo menos duas dessas empresas: Terramat e Empreendimentos Santa Laura. A Terramat foi a segunda construtora que mais ganhou contratos com o governo e, principalmente, com a prefeitura de Várzea Grande, comandada pelo próprio Jayme. De 1983 a 1984, a Terramat venceu 11 licitações, duas realizadas na prefeitura, com valores de obras que não foram divulgados.

    A Aquário Engenharia, outra empresa que segundo a investigação do SNI era controlada pelos Campos, venceu 12 licitações no mesmo período. Seu capital social saltou de Cr$ 236 milhões em dezembro de 1982 para Cr$ 1,3 bilhão em março de 1984. Em março de 1982, antes da eleição em que os Campos venceram, a Terramat tinha um capital social de Cr$ 58 milhões, depois da posse de prefeito e governador este valor passou para Cr$ 260 milhões e, no ano seguinte em 1984, a empresa chegou a Cr$ 850 milhões.

    “Torna-se evidente, pelo número de licitações que as firmas Aquário e Terramat se saíram vencedoras em apenas um ano do governo Júlio José de Campos, que as mesmas estão sendo beneficiadas. Por outro lado, causa estranheza os súbitos e elevados aumentos de capitais que tais empresas tiveram, a partir do momento em que Júlio Campos teve certeza de ter ganho as eleições de 1982”, diz trecho do relatório do SNI.

    SNI.

    Os investigadores do SNI também suspeitavam que Jayme e Júlio elevaram o capital social de suas empresas em dezembro de 1982 já cientes de que ganhariam a eleição e que, com o capital aumentado, poderiam participar de licitações com o poder público. Além disso, de acordo com o relatório, essa movimentação seria um indicativo de aumento do patrimônio depois que eles já  estivessem em seus cargos.

    Suspeita de propina

    Parte desse relatório revela que uma investigação preliminar, feita pela Agência Regional do SNI em Cuiabá, indicou a possibilidade de existência de um esquema de cobrança de propina envolvendo empreiteiras que tinham negócio com o governo comandado por Júlio Campos.

    Conforme o relatório, a Dinâmica Nasser Representações Ltda., sediada em Campo Grande, no estado vizinho de Mato Grosso do Sul, intermediava irregularmente credores do estado. A empresa, ainda segundo o documento, encaminhava credores para tratarem de suas dívidas com o empresário Jorge Pires de Miranda, cunhado de Júlio, que repassava a negociação para o governador.

    Neste último estágio, prosseguia o SNI, o pagamento só era viabilizado se o credor aceitasse retornar, para as mãos de Júlio, 10% do que o estado lhe devia. “O motivo alegado para a ação corrupta é o de criar um ‘fundo’ para financiar sua campanha ao Senado Federal”, diz o documento da investigação.

    Fraude nas eleições e assassinato 

    A convicção na vitória daquela eleição não era tão firme em novembro de 1982 quanto se tornou em dezembro do mesmo ano, quando o capital social das empresas foi elevado. Nas vésperas da disputa, os Campos temiam a derrota. Os primeiros a relatarem publicamente a angústia do clã Campos foram os policiais civis Márcio Roberto Tenuta França e Laury San Martin da Paixão, presos quatro anos depois, em 1986, acusados de comporem um “Esquadrão da Morte” que, segundo os próprios acusados, era liderado pelo governador Júlio Campos.

    Márcio Tenuta e Laury Paixão contaram em depoimento prestado à polícia por conta de outros crimes que, no início de novembro daquele ano, a família Campos se reuniu na Rua 24 de Outubro, em Cuiabá, para pensar estratégias que pudessem frear o avanço dos candidatos Celso Mendes Quintela, rival de Jayme na prefeitura de Várzea Grande, e do Padre Raimundo Pombo, rival de Júlio para o governo do estado. Os dois, Quintela e Pombo, eram filiados ao MDB.

    Os dois policiais contaram que o empresário Jorge Pires de Miranda, cunhado dos Campos, ofereceu, logo depois da reunião, quarenta milhões de cruzeiros para que os dois matassem Celso Mendes Quintela. Os policiais afirmaram que recusaram a proposta e que, dias depois, outro policial, a mando da família, executou o adversário emedebista.

    “Foi o Jorge que ofereceu dinheiro para matar o Quintela, mas eu e o Peninha não aceitamos; no dia seguinte o Jorge me propôs um dinheiro, não lembro quanto, para matar o Padre Pombo, e eu não aceitei”, diz trecho do depoimento de Márcio Tenuta, que foi entregue ao SNI através de um relatório classificado como “urgentíssimo”.

    A morte de Quintela fez surgir, no ambiente político de Mato Grosso, uma cortina de silêncio. No dia 26 de novembro de 1982, quando foi morto, o advogado iniciava uma busca desenfreada para tentar provar que as eleições em que saiu derrotado tinham sido fraudadas.

    “Ele estava na Alameda Júlio Muller, em Várzea Grande, tinha conseguido pegar uma testemunha das fraudes, exigia que o sujeito falasse”, conta um membro do MDB da época, que pediu anonimato. “Um outro carro se aproximou e alguém disparou um tiro que acertou a cabeça do Quintela, todos sabiam que ele estava investigando as fraudes”, completa.

    No dia 27 de novembro, um dia depois da morte do candidato, o MDB entrou com recurso na 1ª Zona Eleitoral de Cuiabá solicitando a anulação de toda disputa daquele ano. Os documentos entregues pelos diretores do MDB apontavam a existência de mais de 30 mil nomes repetidos nas urnas, além de nomes de pessoas falecidas ou não habilitadas para votar.

    A repercussão da denúncia se tornou ainda mais intensa nos jornais, com a revelação de imagens de urnas eleitorais que foram encontradas boiando no rio Cuiabá. Nos registros oficiais no Tribunal Regional Eleitoral, Jayme venceu Quintella por uma diferença de 3 mil votos e Júlio venceu o Padre Raimundo Pombo por uma diferença de 14 mil votos. Mas, na visão dos que viveram intensamente aquela disputa, as fraudes comprovadas reverteram totalmente o resultado.

    “Eu me lembro muito bem que, logo depois da morte do Quintela, fomos procurar o padre Raimundo Pombo para protestarmos e ele, religioso que era, pediu que desistíssemos, me falou ‘esqueça esta história, meu filho’, acho que ele estava com medo”, conta outro militante da época, que também prefere não revelar seu nome.”

    Aos poucos, o silêncio foi tomando conta do cenário político. Os protestos iniciais realizados pelo MDB e monitorados pelo SNI foram desaparecendo. O caso só voltou à tona em 1986, justamente por conta do depoimento dos policiais. Depois da divulgação das denúncias na imprensa, o diretor do MDB em Várzea Grande redigiu uma carta ao ministro chefe do SNI na época, general Ivam de Souza Mendes, em que denunciou com mais detalhes como foi o assassinato de Quintela.

    “As provas já se avolumaram de tal sorte a ponto de ninguém mais duvidar de que as eleições seriam indubitavelmente anuladas”, diz trecho da carta sobre a investigação paralela que Quintela teria realizado. “No dia 24.11.82 recebe o Dr. Celso uma estupenda oferta para abandonar a luta pela anulação da eleição […] nada mais, nada menos que Cr$ 50 milhões a alta cúpula pedessista oferecia à Quintela com um certo ar de ameaças, como quem diz: aceita ou daremos um jeito”, narra a missiva, assinada por um diretor do MDB que, ao ser procurado pela reportagem, se recusou a comentar sobre o assunto.

    Em 2001, o acusado pela morte do candidato do MDB, Daniel Germano Gonçalves, foi absolvido por júri popular. Três anos depois, em 2003, ele foi condenado a cumprir pena em regime semiaberto após a Justiça determinar novo julgamento. Daniel disse aos investigadores que tentava defender seu irmão, Timóteo Gonçalves, que, segundo Quintela, tinha provas das fraudes naquelas eleições. O depoimento dos policiais do esquadrão da morte foi arquivado.

    Em 2013, Júlio Campos voltou a ser relacionado a um assassinato. Nesse caso, ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por homicídio, apontado como mandante  das mortes do geólogo Nicolau Ladislau Eryin Haralyi e do empresário Antônio Ribeiro Filho, em 2004. Os dois foram, mortos segundo o MPF, por conta da disputa de uma terra de 87 mil hectares com diamantes em Mato Grosso. Em fevereiro deste ano o processo prescreveu e foi extinto.

    Júlio Campos foi governador de Mato Grosso e deputado federal. Foto: Agência Câmara

    Em 2014, quando era deputado federal, Júlio teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, acusado de compra de votos e gasto ilícito de dinheiro público na sua campanha eleitoral. A cassação, no entanto, foi derrubada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

    Outro lado

    A reportagem do Congresso em Foco procurou as assessorias de Júlio e Jayme Campos. Os dois decidiram que o senador falaria sobre o assunto. Em contato por telefone, Jayme afirmou que as denúncias sobre assassinato político e fraude eleitoral foram provocadas pelo MDB na época porque o grupo derrotado estava insatisfeito com o resultado daquelas eleições.

    “O Quintela foi morto por pistoleiros dele”, afirmou Jayme. “Eu nunca fui ouvido nem ninguém da minha família, o MDB daqui, derrotado porque ganhamos as eleições, criou este factoide contra nós. Como tem envolvimento nosso se eu nem sei quem foi o autor e quem brigou com o cara? Ninguém nosso foi ouvido, nem eu nem o Júlio Campos”, afirmou.

    “Quem pode ter matado ele eram adversários dele do MDB, conosco nunca teve nada, eu tive 70% dos votos. Quem poderia ter matado eram adversários dele dentro da coligação, nunca fui ouvido nem tenho conhecimento disso daí”, completou.

    Em relação aos demais relatórios do SNI, que citam as denúncias de esquemas de corrupção e a participação de empresas da família, Jayme nega todas as acusações. Ele afirma que o relatório é mentiroso. Cita, por exemplo, que a Terramat estava falida no governo Júlio Campos.

    “Chegou em 1981 a empresa quebrou, espatifou, mas não trabalhou no governo Júlio Campos nem no meu”, relata. “Este relatório está mentindo, está faltando com a verdade, esta firma foi montada em 1978 e por volta de 1981 ela faliu, nunca trabalhou no governo, isso aí tudo é denúncia de adversário. Nós somos limpos”, afirmou.

    Jorge Pires de Miranda, que também foi procurado, disse não querer comentar as denúncias. Segundo ele, o caso do assassinato de Quintela já foi investigado e julgado e não há nada que ligue seu nome ao assunto.

    Júlio Campos (DEM) também foi ouvido pela reportagem. Ele negou as acusações e alegou que as denúncias são uma “pilhéria” e que se realmente fosse culpado teria sido investigado e julgado. Ele lembrou que nunca foi chamado pelo chefe da SNI na época, cuja sede na ocasião era em Campo Grande (MS), e que era comum que adversários políticos procurassem o órgão para provocar factóides.

    “Nas eleições de 82 o povo Mato Grosso é que optou por um cara jovem, deputado federal, e um padre de 70 anos, falando em plantar mangueira e goiabeira na beira da estrada, aquelas maluquice… Eu ganhei a eleição e o MDB ficou frustrado”, afirmou o ex-governador de Mato Grosso.

    Júlio contou que nunca soube da existência das denúncias e que, mesmo assim, “nada o abalou”. Sobre a acusação de ter enriquecido empresas em que era sócio em seu governo, Júlio lembra que a família “nunca foi pobre” e que a maioria dos bens já pertenciam a seus parentes.

    A família Campos define-se publicamente como descendente de Antônio Pires de Campos, o primeiro bandeirante a chegar em Mato Grosso. Pires de Campos chegou na região à procura de índios para vender como escravos em São Paulo.

    “Todos nós estudamos no Rio de Janeiro e em São Paulo, nós nunca fomos pobres”, conta. “A maioria destes bens já eram da família Campos antes da política, meia Várzea Grande é nossa hoje, era da minha avó, da minha bisavó, naquele tempo quem morava em Cuiabá e conseguiu conservar ficou bilionário”, explicou.

    Veja matéria original no site do Congresso em Foco – https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/documentos-sigilosos-do-sni-apontam-crimes-do-senador-jayme-campos-e-familia/

  • Quando a demissão não apaga o (mal)dito

    Quando a demissão não apaga o (mal)dito

    Doutor em Análise de Discurso pela Unicamp traz um panorama sobre a demissão de Roberto Alvim após discurso nazista

    Por Fabiano Ormaneze*

     

    Desde a campanha que o elegeu, o discurso bolsonarista está cheio de signos que remetem ao nazismo e a outros regimes totalitários. A valorização exacerbada do nacionalismo e de certos padrões de comportamento e pensamento, que seriam superiores a todos os outros, além do uso do nome de Deus para se reafirmar, são provas contundentes disso. Não são “coincidências retóricas”, como se tentou defender. São regularidades que, desde a década de 1930, acompanham os discursos nazistas e ultranacionalistas, aqui e acolá. Bolsonaro, ao comunicar a demissão de Alvim, afirmou que se tratava de um pronunciamento “infeliz”. Mas o que é infeliz nessa situação? Infeliz teria sido o que foi dito ou a forma como foi dito e que circulou, dando nome e sobrenome à origem daquele dizer? Infeliz foi ter usado um texto claramente ligado a um nome próprio e, portanto, a uma biografia? E se a fala tivesse o mesmo conteúdo, mas circulasse sem menção clara ao nazismo? Seria nazista tanto quanto, mas não teria sido nomeada. Seria nazista, mas disfarçada no discurso de alguém que se pretende colocar como preocupado com a nação e o futuro.

    Outras tantas falas ligadas ao governo têm as mesmas características, do ponto de vista ideológico, mas não circulam associadas a um nome e, assim, ficam no plano das ideias, mais facilmente disfarçadas e camufladas quanto a suas filiações. Quando o biográfico passa a estar associado a uma fala, ou seja, quando a história de vida de alguém sanguinário como Goebbels fica explícita no dizer, a situação torna-se “infeliz”. Goebbels também disse que a última profissão que alguém “com um pingo de decência” deveria seguir era o jornalismo. Essa parece ecoar nos ataques que o presidente faz, regularmente, a jornalistas e à imprensa. Ele (Goebbels ou Bolsonaro?, a ambiguidade é proposital…) também impediu a publicação de materiais e controlou o cinema, além de inventar inimigos, como o “comunismo” e deturpar informações. A ideologia nazista corre fluente, fazendo apoiadores. Como diz o filósofo Michel Pêcheux (1938-1983), nenhum dizer começa no sujeito que o enuncia. “Algo” fala antes e, assim, continuará produzindo sentidos.

    A demissão não apaga nem enfraquece o maldito, tampouco o mal-dito. Na verdade, a observação dos comentários de seguidores do presidente nas redes sociais mostra exatamente o contrário. Alguns defendem até que Alvim merecia ser perdoado, que é injusto o que lhe acontecera. Outros argumentam que o presidente fez o correto: ao menor deslize, cortou quem atrapalha seus planos. Há ainda aqueles que exigem que a “assessoria” seja punida, afinal, é culpa dela, esse corpo sem forma, que parece desencarnado, sem nomes próprios que o caracterizem. A culpa é sempre do “sistema”, da “assessoria”, até do “Google”, desastrado oráculo que não indica a origem das falas, nem o que podem causar… Se a fala de Alvim foi infeliz, pelo dito ou pelo que deixou explícito, a demissão é tida como feliz, porque volta a silenciar o que é melhor que não seja visto, nem dito, tampouco escancarado, embora circule naturalmente, como o sangue que corre nas veias sem ser visível.

    retrato nazista: Fotograma do filme "O Triunfo da Vontade", de Leni Riefenstahl, 1935
    Fotograma do filme “O Triunfo da Vontade”, de Leni Riefenstahl, 1935

    As falas que não recebem uma atribuição direta ao nome de Goebbels ou a Hitler, que não são paráfrases, passam despercebidas pela maioria. Tornam-se elogiosas e repetidas, em um país que ainda precisa reconhecer que democracia não é sinônimo de nacionalismo, patriotismo ou conservadorismo. Dessa forma, o que é dito fica parecendo original, nascido na salvação que o discurso bolsonarista representa para seus seguidores.

    A dificuldade de conceber os dizeres como não originários naquele que enuncia está no fato de que, no percurso da história, os sentidos são apropriados como naturais e, por isso, constituem-se como processos ideológicos. Mas o sujeito só consegue dizer aquilo que pode formular do lugar em que está, das relações que o constituem. Alvim afirmou, em nota, que até mesmo os mais sanguinários podem ter uma ou outra frase corretas. O que ele parece não saber é que aquilo que o sujeito diz tem uma origem muito mais longínqua do que a alcançada pela consciência e que cada fala só faz sentido a partir da rede que estabelece com tantas outras, ditas ou esquecidas, retomadas ou silenciadas.

    A demissão de Alvim não apaga o (mal)dito, porque ele continua ressoando em tantas outras falas. Nesse exato momento em que escrevo este texto num café, na mesa ao lado, ouço alguém dizer: “É um absurdo achar que uma pessoa, como Goebbels, que morreu há quase 80 anos, possa estar influenciando hoje. Só mesmo a esquerda para pensar isso”. A demissão de Alvim não apaga o (mal)dito, porque ele está tão cristalizado que se perde a origem. Ela não apaga o discurso sanguinário, porque ideologia não se demite. A ideologia só pode ser, como lembra mais uma vez Pêcheux, o lugar e o meio para a dominação.

    *Jornalista. Doutor em Análise de Discurso pela Unicamp. Professor e pesquisador do Centro Universitário UniMetrocamp, Campinas-SP.

    VEJA TAMBÉM: Secretário da cultura de Bolsonaro copia Goebbels em discurso nazista