A comparação entre Lula e Bolsonaro não é nenhuma novidade no debate político nacional. É que Lula e Bolsonaro são as mais carismáticas lideranças políticas da história recente brasileira. Nos últimos 20 anos, somente Lula e Bolsonaro tiveram um “ismo” pra chamar de seu.
Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Lula e Bolsonaro são muito diferentes.
Lula nunca atentou contra as instituições da República. Lula foi condenado pela justiça em processo flagrantemente manipulado. Ficou preso mais de ano. Viu a família ser devassada. Mesmo assim, em nenhum momento, jogou sua militância contra o Poder Judiciário. Lula se submeteu a todos os ritos do direito penal, mesmo sabendo que estava sendo injustiçado.
Já Bolsonaro, até bem pouco tempo atrás, dia sim e dia também vinha a público ameaçar a nação com golpe de Estado, atiçando sua malta raivosa contra nossa democracia.
Lula só ganhou seu ismo depois de governar e conseguir construir aquilo que de mais próximo chegamos de um Estado de Bem Estar Social. Bolsonaro virou mito antes de subir a rampa do Planalto, alimentado tão somente pelo ódio coletivo à política institucional e pelos preconceitos que fazem do brasileiro médio um dos piores tipos sociais do mundo.
Entre Lula e Bolsonaro, a comparação, se possível, se dá muito mais pelas diferenças do que pelas semelhanças.
Mas de uns dias pra cá, parece que o próprio Bolsonaro vem se inspirando em Lula. Talvez ainda seja cedo para dizer que se trata de tendência, mas a novidade na crônica política é a aparente lulização de Bolsonaro.
Junho de 2005, Roberto Jefferson (ó ele aí, minha gente!) denuncia o mensalão, esquema de compra de apoio parlamentar no varejo, que estaria sendo organizado a partir do gabinete do presidente da República. O governo quase acabou ali. Perdeu José Dirceu, cotado na época para ser o sucessor de Lula.
Para sobreviver, Lula precisou se aproximar do PMDB, entregar três ou quatro ministérios gordos, de porteira fechada. Pouca gente lembra que a tão mal falada aliança entre o PT e o PMDB não foi projeto original. O PMDB disputou as eleições de 2002 com candidatura própria. A aliança foi produto das circunstâncias. Questão de sobrevivência mesmo.
A esquerda raiz, mais ideológica, nem precisou da crise do mensalão e da aliança com o PMDB pra pular fora. Bastou a real politik, a realidade de ser governo, para os “companheiros” se desencantarem. Nasceu assim o PSOL, em junho de 2004.
Poucas coisas são mais melancólicas, e caricatas, do que o militante de esquerda desencantado.
Lula, sabido que só ele, fez dos limões uma limonada. Furou a bolha, ampliou sua base de apoio social. Depois do mensalão, Lula se tornou, de fato, líder popular. Catapultado pelo Bolsa Família e pela política de valorização do salário mínimo, Lula, finalmente, conquistou o subproletariado, que historicamente rejeitava o PT.
Lula passaria a ser odiado pela esquerda ideológica e amado pelo povo. Foi bom negócio. A esquerda entende pouco de povo.
Talvez esteja acontecendo algo semelhante com Bolsonaro neste exato momento. Por um capricho do destino, 15 anos depois, também em mês de junho, Bolsonaro viu a porca torcer o rabo. A prisão de Fabrício Queirós foi para Bolsonaro o que o mensalão foi para Lula. A diferença é que o mensalão era esquema de governabilidade, enquanto Queiros é o fio solto de esqueminhas de corrupção de baixo clero que enriqueceram o clã Bolsonaro.
A solução encontrada por Bolsonaro está sendo semelhante à de Lula. Não duvido que Bolsonaro, que de burro tem nada não, esteja deliberadamente se inspirando em Lula.
Aproximou-se do Centrão, se afastou dos aliados mais ideológicos e está investindo em políticas redistributivas, descobrindo como é gostoso, e importante, ser amado pelo povão. Depois das caneladas iniciais, o auxílio emergencial é um sucesso. Povão tá feliz da vida. A economia varejista nas regiões periféricas nunca viu tanto dinheiro circulando. Uma festa. Não consigo deixar de ficar um pouquinho feliz com isso.
Meio que obrigado pela pandemia, contra a vontade, Bolsonaro está colocando os pobres no orçamento.
Bolsonaro está tentando furar a bolha. A classe média bolsonarista raiz começa a fazer movimentos de desembarque.
À direita e à esquerda, as bolhas são mimadas, agressivas quando contrariadas. Costumam investir todas as suas energias na destruição dos “traidores”.
Com Lula, já sabemos o que aconteceu: terminou dois mandatos com alto índice de aprovação popular e ainda elegeu a sucessora.
Bolsonaro conseguirá fazer o mesmo? Será capaz de se tornar presidente, deixando de se comportar como agitador fascista? Deixará de lado os devaneios revolucionários para se tornar um conservador no sentido estrito do termo?
Para isso, terá que romper com o bolsonarismo, o que envolve abandonar Paulo Guedes, o mais bolsonarista dos ministros da esplanada. O bolsonarismo é organicamente neoliberal. Sua utopia é a sociedade pré-moderna, clânica, onde a casa é grande e o Estado é mínimo. A casa é grande exatamente porque o Estado é mínimo. E vice-versa.
O neoliberalismo radical de Gudes só sobrevive no bolsonarismo.
Tá aí a escolha que Bolsonaro terá que fazer. Pra sobreviver, precisará abandonar o bolsonarismo e ser um tantinho lulista, fazendo a tal comparação ter algum sentido.
Se tomar o lugar de Lula como encarnação do Estado provedor de direitos sociais, Bolsonaro deixará de ser apenas o representante do ódio, do caos, para se tonar líder popular.
Bolsonaro é carismático, comunica bem com o povão. Conseguindo se reinventar, fica imbatível. Insistindo no radicalismo ideológico, não termina o mandato.
Enquanto isso, a esquerda, assistindo da arquibancada o jogo ser jogado, se vê diante de um dilema existencial: torcer para que Bolsonaro continue sendo o agitador fascista, o que na prática significa torcer contra a própria democracia e contra o bem-estar da população mais pobre. Ou torcer para que Bolsonaro se acomode às instituições da República e, finalmente, trabalhe para o bem do povo, o que significaria ostracismo político que duraria pelo menos uma década.
A ver se Bolsonaro luliza de fato, acontecendo, nos sobrará pelo menos o triunfo estético. Lula é muito mais bonito que Bolsonaro. Quem guenta com aquelas covinhas que se formam nas bochechas quando o rosto todo sorrir?
Segundo o dicionário Houaiss, a expressão marketing político designa o conjunto de atividades de marketing destinadas a influenciar a opinião pública quanto a ideias relacionadas à atividade política, ações governamentais, campanhas eleitorais etc.
Pois bem, a peça de marketing político encomendada pelo governo Temer, produzida pelo Banco Mundial e divulgada ontem (21), com toda pompa no Ministério da Fazenda em Brasília, assusta por sua falta de cerimônia no apoio às políticas econômicas rejeitadas pelo voto dos brasileiros e implantadas pelo governo golpista do PMDB e do PSDB.
Com o título Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, o texto do Banco Mundial, capitaneado por Antônio Nucifora, é um material explícito de propaganda e recomendações econômicas de cunho neoliberal dos anos 1980.
O estudo despreza avanços e constatações, feitos por economistas, pelo próprio Fundo Monetário Internacional e pela Organização das Nações Unidas, que apontam o aumento da desigualdade e a ausência de crescimento como resultado da aplicação dessa linha de pensamento político-econômico.
O objetivo do pedido do governo ao Banco Mundial já revela a característica central do golpe, quando coloca em último plano o viés social: “realizar uma análise aprofundada dos gastos do governo, identificar alternativas para reduzir o deficit fiscal a um nível sustentável e, ao mesmo tempo, consolidar os ganhos sociais alcançados nas décadas anteriores”. O ganhos sociais são explicitamente secundários nesse objetivo.
Basta imaginar como seria invertida a motivação para o estudo se a redação fosse: realizar uma análise profunda para consolidar os ganhos sociais alcançados nas últimas décadas sem comprometer a sustentabilidade de longo prazo das contas do governo.
O objetivo da ilustração acima, página 7 do relatório, é apoiar o congelamento de gastos, aprovado em dezembro de 2016, que vem implicando e continuará a implicar cortes profundos nos gastos sociais como saúde, educação e assistência social. O relatório aceita a medida e a aprova sem questionamento: “Sua implementação exige a redução dos gastos em cerca de 0,6% do PIB ao ano em relação à tendência atual durante a próxima década. Isso corresponde a um corte cumulativo de quase 25% nas despesas primárias federais (em proporção do PIB), o que reduziria o orçamento federal (também proporcionalmente ao PIB) aos níveis do princípio da década de 2000.”
Traduzindo o linguajar golpista: corte-se um quarto das despesas e dane-se quem for afetado por isso. Não era por acaso que essa medida foi chamada de PEC da Morte, que o Banco Mundial trata agora de referendar.
Nucifora e companhia continuam sua publicidade dos atos do governo PMDB/PSDB. Agora apoiam a reforma da Previdência: “A fonte mais importante de economia fiscal de longo prazo é a reforma previdenciária. Os grandes e crescentes deficits do sistema previdenciário constituem um fator-chave da pressão fiscal”.
Mesmo que vários economistas parlamentares tenham concluído que a Previdência não tem deficit, mas que os recursos designados na Constituição de 1988 são desviados para o pagamento de juros, o relatório insiste que é necessário cortar direitos dos trabalhadores brasileiros. Lembremos aqui que quase todos brasileiros apoiariam uma reforma que cortasse os benefícios extravagantes de certas classes profissionais, mas o voto popular nunca será dado a quem quer piorar as regras de aposentadoria de quem trabalha duro e ganha pouco.
A figura, página 69 do relatório, repete a argumentação pró-reforma da Previdência tentando incutir o medo de que a Previdência explodirá um dia e deixará todo mundo sem aposentadoria. Não é admissível que um documento com a assinatura do Banco Mundial chegue a nível tão rasteiro e apelativo.
O ataque também vai na direção do funcionalismo público: “A massa salarial do funcionalismo público pode ser reduzida significativamente”. O estudo aponta que a média dos salários dos servidores públicos federais é 67% superior à média do setor privado.
Pois bem, vamos olhar exatamente quem puxa essa média para cima? Ou vamos simplesmente: “recomendar a suspensão de reajustes nas remunerações do funcionalismo no curto prazo, enquanto se desenvolvem estudos mais detalhados sobre o valor adequado de remuneração das diversas carreiras públicas”? Ou ainda, vamos baixar o já baixo salário da maioria do funcionalismo público ou vamos fazer crescer os salários nas empresas privadas?
A figura acima, página 39 do relatório, tenta provocar conflito entre funcionários públicos e privados ao passar a ideia de que o “alto salário” do setor publico causa o baixo salário do setor privado e leva a riscos no pagamento da aposentadoria. Tratar esse assunto por média é um erro primário que uma instituição como o Banco Mundial não deveria aceitar.
Os programas de proteção social brasileiros tiraram o Brasil do mapa da fome, bem como milhões de pessoas da miséria. O relatório vem propor “a transformação do Salário-Família em um benefício condicionado à renda em nível de domicílio (beneficiando-se da capacidade do Cadastro Único) a fim de incentivar os beneficiários do Bolsa Família a migrarem para empregos formais”.
Além de não levar em conta os resultados do programa até aqui, o que o relatório quer dizer é que não há maior número de empregos formais porque o Bolsa Família não incentiva os beneficiários a ter emprego com carteira assinada. Nem uma palavra sobre a política de austeridade que eleva o desemprego, nem sobre a destruição da Justiça do Trabalho que poderia coibir o trabalho informal. Incentive-se o trabalhador a migrar para um emprego formal, essa é a recomendação.
“Em síntese, com base em uma análise aprofundada de políticas setoriais, este estudo
identifica pelo menos 7% do PIB em potenciais economias fiscais em nível federal até 2026.” Desse modo o relatório, no mais absoluto fundamentalismo neoliberal, reafirma que o que importa é cortar os gastos governo.
Ao compor seu marketing político Temer, Meirelles, Nucifora e companhia ignoram a mensagem das Nações Unidas: “O documento pede que o século 21 traga um novo pacto, em que as pessoas tenham prioridade frente aos lucros. Pontos cruciais de tal transformação seriam o fim da austeridade fiscal, a contenção do “rentismo” (rent-seeking) das empresas e o direcionamento das finanças para a criação de empregos, bem como para o investimento em infraestrutura..”
Nota
1 Para ver o Relatório de 2017 da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD): https://nacoesunidas.org/onu-pede-fim-da-austeridade-fiscal-e-ousadia-para-reequilibrar-economia-global/
2 Ainda não localizamos a versão em inglês desse documento assinado pelo Banco Mundial. Seria uma tentativa de não mostrar ao mundo essa grotesca peça de marketing político elaborada por essa instituição?
A disputa pela presidência da Câmara dos Deputados envolveu seis candidatos. Rodrigo Maia teve 58% dos votos e se elegeu presidente no primeiro turno. O candidato do Centrão, que foi relator do golpe, teve 21% e o candidato do PDT, apoiado pelo PT, teve 12% dos votos. Luiza Erundina teve 10 votos. Bolsonaro teve menos votos (4) do que os votos em branco (5).
A eleição foi recheada de deserções, a começar pelo bloco de Rodrigo Maia, que deveria alcançar 359 votos dos 13 partidos que o compunham, mas teve 293 votos, 66 a menos. Provavelmente, boa parte foi para Jovair Arantes, que teve mais de 60 votos de fora de seu bloco. O candidato do PDT, com apoio do PT, teve 19 votos a menos, lembrando que o PC do B orientou o voto em Rodrigo Maia, e Erundina 4 votos a mais que sua bancada.
O grande fiasco da eleição ficou na conta de Jair Bolsonaro, que teve menos votos que os brancos, e sequer conseguiu garantir os 10 votos da bancada do PSC. Bolsonaro tentou uma jogada de marketing para fortalecer sua campanha para presidente, mas com sua pífia votação o tiro saiu pela culatra.
Temer consegui manter sua base, e eleger os presidentes do Senado e da Câmara, o que facilita a aprovação dos ataques aos trabalhadores e estudantes, como a reforma do ensino médio no Senado e as reformas da previdência e trabalhista.
A agência Câmara informa que o presidente eleito já indicou os relatores das comissões especiais para reforma da previdência (Sérgio Zveiter – PMDB-RJ) e trabalhista (Arthur Oliveira Maia PPS-BA), confirmando a pressa para aprovação destas reformas. Há, no entanto, resistência de deputados da base que já se movimentam para diminuir o alcance do texto.
Temos, agora, que acompanhar os vários “bodes” plantados no projeto de reforma da previdência.
Ao menos, desde setembro, o vice-presidente e o presidente da Câmara conspiram para assumir os principais cargos da República
Não restam muitas dúvidas sobre o caráter golpista de Temer e sua turma. A cada dia fica mais evidente sua ganância inescrupulosa para derrubar Dilma e assumir a presidência. Mas não devemos nos enganar pensando que se trata de uma atitude apenas oportunista, ou seja, que ele está aproveitando a oportunidade que o destino lhe trouxe. Longe disso. Temer e Cunha têm articulado a própria chapa presidencial, para assumirem os maiores cargos do país, há mais tempo do que nossa relapsa memória nos alerta. E trata-se de uma articulação entre os três poderes, a grande mídia – televisiva e escrita – e até a autoria do pedido de impeachment.
Explico-me.
Em 29 de outubro de 2015, o PMDB, liderado por Temer[1], lançou um programa próprio de metas governamentais chamado “Uma ponte para o futuro”[2]. Em uma leitura atenta percebe-se que é uma evidente ruptura com o governo Dilma e um anúncio de sua “candidatura indireta” ao cargo da presidência. Havia apenas um obstáculo: Dilma é a presidenta, legitimamente eleita.
Eduardo Cunha “resolveu” o problema em apenas as trinta e quatro dias, 02/12/2015, quando deu início à derrubada de Dilma, acolhendo e deferindo um pedido de impeachment de autoria de Helio Bicudo, Reale Júnior e Janaina Paschoal[3]. Esta última, inicialmente tratada como acessório decorativo do trio, porém, se demonstrou peça-chave no processo.
Se nos atentarmos em como se deu a construção do pedido de impeachment aceito por Cunha, veremos que o primeiro pedido foi protocolado em 01 de setembro de 2015[4] e em quarenta e cinco dias, 15/10/2015, protocolaram um segundo pedido de impeachment[5]. Em seu pronunciamento[6] sobre o acolhimento do segundo pedido e consequente abertura do processo, Cunha se enrolou na explicação, e, ao que tudo indica, o pedido do trio teve tratamento diferenciado e privilegiado, no que se refere ao tramites da Casa.[7]
Se observasse os prazos defendidos por ele mesmo, Cunha deveria ter indeferido o primeiro pedido do trio no final de outubro[8]. No entanto, no final de outubro, como já dito, os holofotes deveriam estar no plano de governo de Temer, “Uma Ponte para o futuro”. Além do mais, a oposição e a grande mídia criaram uma enorme expectativa popular no pedido elaborado pelo trio, não poderiam, então, “queimar essa bala”. Indeferir um pedido deles seria uma derrota simbólica, mesmo que apresentassem um novo em seguida, como fizeram.
A manobra, do “rei das manobras”, portanto, foi deixar o primeiro pedido guardado na sua gaveta por mais de noventa dias, aguardando pacientemente o novo pedido que ele, enfim, aceitaria. O qual, conhecendo Cunha como já conhecemos, deve ter recebido assessoria dos seus advogados. Do mesmo modo como aconteceu na elaboração do relatório da comissão de impeachment[9], votado há poucos dias.
O plano “Uma ponte para o futuro”elaborado pelo Temer foi intensamente divulgado pela grande mídia. O jornal nacional, por exemplo, apresentou uma reportagem de cinco minutos sobre ele.[10] Na narração, a reportagem afirmou que
“o documento é uma ruptura do PMDB com o atual modelo econômico do governo. Ele traz uma mensagem clara: o PMDB tem um caminho próprio e daqui pra frente vai segui-lo. Mesmo que entre em choque com as propostas do governo.”
Esta mesma reportagem afirmou que o PMDB não apresentou o plano previamente à presidenta Dilma. Precisa mais para explicitar o caráter golpista desse plano? Como é possível, em um cenário democrático, o vice-presidente elaborar um plano de metas governamentais e não apresentar e dialogar com a presidenta antes de divulga-lo publicamente?
Em 31 de outubro, o jornal O Globo publicou editorial elogiando o plano de Temer[11]. A revista Veja[12] estampou Temer em sua capa, na edição de 14 de novembro, com a manchete “O plano Temer – Como o vice-presidente e seu partido se preparam para assumir caso Dilma caia”. É importante ressaltar que, nessa altura, sequer havia processo de impeachment aberto, Cunha deferiu o processo dezoito dias depois.
Capas de revistas com Michel Temer de julho de 2015 a abril de 2016
Nesse meio tempo, não podemos ignorar que um processo de cassação do mandato de Cunha foi protocolado pelo PSOL – em 13 de outubro – e aceito pela comissão de ética da Câmara em 3 de novembro. Exatamente no interim do lançamento da chapa Temer-Cunha pelo PMDB, por meio do plano “Uma ponte para o futuro”. O presidente da Câmara, então, uniu o útil ao agradável quando abriu o processo de impeachment de Dilma. Retaliou o PT por ter votado favoravelmente ao seu processo de cassação, como havia anunciado que faria[13], e deu o pontapé inicial da sua escalada à vice-presidência.
Jornais registram ameaças de retaliação de Cunha.
Uma quinzena antes desta abertura, o PMDB realizou o Congresso da Fundação Ulysses Guimarães, onde o plano “Uma ponte para o futuro”, de Temer, foi apresentado e discutido por membros do partido.
A Rede Globo deu destaque em sua programação com reportagens que salientaram a recepção que Temer recebeu por meio de gritos de “impeachment já” e “Brasil para frente, Temer presidente!”[14].
Cunha, apesar de vaiado, fez um duro discurso defendendo que o PMDB se distanciasse, visando uma posterior saída inevitável do governo[15]. Podemos concluir que o presidente da Câmara, com a imagem já desgastada com denúncias de corrupção, assumiu o “trabalho sujo” da chapa, com vistas a preservar a imagem de Temer. Estava óbvio o desembarque do PMDB do governo, mas um vice-presidente não poderia liderar tal processo sem ser chamado de golpista, principalmente, quando nem processo de impeachment havia ainda.
No centro da mesa, Moreira Franco, Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha. Foto: Diretório Nacional
Na segunda-feira, 30 de novembro, dois dias antes de Cunha abrir o processo de impeachment, Temer declarou a revista Exame que caberia ao presidente da Câmara aceitar de impeachment.
“Isso é uma decisão dele. Vamos esperar para ver”
Afirmou Temer, ao ser questionado se ele acreditava que Cunha aceitaria um dos pedidos de impeachment que ainda estão sendo analisados na Câmara dos Deputados. O vice-presidente, que está no cargo de presidente em exercício até Dilma voltar de Paris, tem se mantido afastado da articulação política do governo. Temer disse, no entanto, que conversou com o presidente da Câmara, mas que Cunha não teria tratado de impeachment.[16]
Evidentemente, Temer sinalizou para Cunha e para as forças aliadas o que deveria acontecer nos próximos dias.
Pedido de impeachment aceito, cinco dias depois, Temer se vê sem explicação para sua carta à presidenta ter vazado à imprensa[17]. A repercussão não foi a esperada, pois a carta revelou um vice-presidente ressentido por questões pequenas, sem apresentar qualquer preocupação com as questões fundamentais do país. Bem distante do Temer que escreveu “Uma ponte para o futuro”. Mas se engana quem pensa que foi uma atitude mal calculada dele. Como vimos, ele está há meses em marcha para derrubar Dilma, mas não poderia, simplesmente, escancarar suas garras. Esse serviço cabe ao Cunha. Temer, portanto, optou fazer o sonso e vazar sua carta melindrosa. Com isso, revelou que estava rompendo com Dilma, mas manteve a “pele de cordeiro”, de vice decorativo e magoado.
No mesmo dia em que a carta “vazou”, Temer se reuniu, a portas fechadas, com empresários da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio) para apresentar seu plano de governo “Uma ponte para o futuro”[18]. Percebe-se, portanto, qual será a prioridade de um eventual governo dele. Os trabalhadores e os mais pobres, certamente, não serão.
Com a decisão do STF acerca do rito do impeachment, em 18 de dezembro, Cunha teve seus planos iniciais frustrados e se viu obrigado a adiar o processo para o início do ano legislativo[19].
Neste meio tempo, Temer, acompanhado de Moreira Franco e Eliseu Padilha, iniciou sua campanha nacional rumo à presidência, no que chamou de “Caravana da unidade”[20]. O vice-presidente percorreu as cinco regiões do país com intuito de apresentar e discutir seu plano de governo[21]. Enquanto isso, Cunha fazia o “trabalho sujo” na Câmara, viabilizando uma comissão favorável ao impeachment, assim como os votos necessários para aprovar o processo.
No final de fevereiro, o PMDB lançou mão de programas televisivos gratuitos em cadeia nacional para anunciar o plano Temer e fazer duras críticas ao governo Dilma. Reparem que há uma boa dose de hipocrisia esquizofrênica no partido que discursa como se não compusesse o governo e como se Temer não fosse vice-presidente. A respeito disso, quando questionado, Temer dizia que quando estava discutindo o plano “Uma ponte para o futuro” era o Temer, presidente do PMDB, não era o Temer, vice-presidente da República[22]. Notem que não há limites éticos e racionais para esse sujeito, em sua ganância pelo poder.
Não foi a primeira vez, em 2015, que o PMDB usou a cadeia nacional televisiva para desenvolver seu plano de tomada do governo. Em 29 de setembro, um mês antes do “Plano Temer” ser lançado, o partido exibiu um programa de dez minutos, no qual, em clima de luto, criticou o governo e se colocou como a salvação do país, por meio do “redentor”, Michel Temer.
Por favor, assista para ter a dimensão da campanha golpista desse partido:
Exatamente seis meses depois dessa propaganda, em 29 de março, o PMDB se retira do governo federal oficialmente, em uma decisão por aclamação realizada em menos de cinco minutos, com ameaças de expulsão a quem desobedecer, com exceção de Temer, obviamente, que está agarrado a cadeira de vice, apenas esperando para dar o bote na cadeira de Dilma.
Atentem-se aos detalhes das datas. Em exatos seis meses o PMDB colocou seu plano golpista em seis etapas:
29/09
Propaganda televisiva contra o governo
29/10
Lançamento do plano “Uma ponte para o futuro”
02/12
Abertura do Impeachment (29/11 foi um domingo, e Cunha em seu pronunciamento disse que queria ter anunciado na segunda, dia 30/11)
29/01
Início da “Caravana da Unidade”
24/02
Propaganda televisiva anunciando “Uma ponte para o futuro”
29/03
PMDB se retira do governo Dilma
Tal cronograma lhe parece obra do acaso? Não está evidente que há um plano metódico e inescrupuloso com o objetivo de tomar o poder de Dilma? Uma campanha golpista que quer colocar a chapa “Temer – Cunha” na presidência e vice-presidência?
Agora, pensemos, se lançaram um vídeo partidário de dez minutos com quase todos os políticos da legenda em 29 de setembro, desde quando esse plano golpista não está sendo conspirado por Temer, Cunha e aliados? Se há , evidentemente, um cronograma de ações golpistas, desde quando ele tem sido traçado? Eu arriscaria dizer que desde que Dilma foi reeleita.
Diante desses fatos, não devemos nos enganar com a esperança de que Cunha será afastado e preso. Cunha é peça fundamental nesse golpe e sua anistia está, desde o início, garantida, caso contrário, ele não estaria fazendo parte desse processo. Ele ocupará a vice-presidência e, tenho a enorme suspeita, de que vislumbra ocupar a própria presidência ainda este ano[23].
Voltando ao Temer, ele se licenciou da presidência do PMDB em 7 de abril, colocando um fim na sua hipocrisia esquizofrênica de uma hora ser presidente do PMDB e em outra ser o vice-presidente da República; para dar início a uma pior.
Quatro dias depois, 11 de abril, um áudio dele é vazado, no qual ele afirma que houve uma votação significativa a favor do impeachment e se coloca praticamente como o presidente, no lugar de Dilma. Detalhe, a votação em plenária ocorreria em seis dias. Mais uma vez ele teria sido descuidado? Mais um vazamento estabanado? Obviamente que não. Temer mandou o recado à Câmara e, ao mesmo tempo, a sociedade. E, de novo, se escondeu na “pele do cordeiro”, dizendo que foi um engano, que se tratava de um ensaio privado para uma eventual necessidade.
Temer é um lobo. Uma fera sedenta por poder e tem dilacerado todos os princípios éticos e democráticos para ocupar a presidência do Brasil. Cunha é um zumbi inescrupuloso, que cultivou uma horda de deputados, que lhe obedecem cegamente. São perigosos, traiçoeiros, conspiradores e estão a meio passo de assumirem os cargos mais importantes do Brasil.
Esta é a chapa presidencial que os autores do pedido de impeachment esperam que assuma o governo do país. Ou você já viu algum deles criticarem Temer ou Cunha com a mesma veemência que fazem contra os petistas? Pelo contrário, no dia que Cunha acolheu o pedido de impeachment deles, deram declarações,[24]no mínimo, contraditórias como:
“Não foi coincidência. Foi uma chantagem explícita, mas Cunha escreveu certo por linhas tortas”, disse o ex-ministro da Justiça. (Reale Júnior)
“Eu já não esperava mais que isso acontecesse e estava pensando sobre quais providências poderíamos tomar para não passar em branco. Mas o Cunha, enfim, despachou. Ele não fez mais do que a obrigação.” (Helio Bicudo)
“Independentemente do que norteou a ação, temos que reconhecer que foi um ato muito importante para o país. Como muito provavelmente ele [Cunha] vai sair do cargo, eu vejo isso como um último ato de benevolência. Estou triste pelo país estar nessa situação, mas feliz por pelo menos encontrado um caminho constitucional para sair disso.” (Janaina Paschoal)
Janaina Paschoal também defendeu Temer, recentemente, isentando o vice-presidente das pedaladas que ele assinou e afirmou que “Temer é o vice, tem que assumir”[25].
Temer e Cunha também são a chapa que o grande empresariado tem financiado econômica e simbolicamente, por meio das mobilizações pró-impeachment. Já parou para pensar que “algum pato” teve que pagar as despesas desses eventos?
Temer e Cunha também são a chapa que o PMDB e a grande mídia querem nos enfiar goela abaixo, junto com um plano de governo que não merece o nome que tem, pois deveria chamar “uma ponte para o passado”.
Um passado que nós, brasileiras, rejeitamos. Um passado de miséria e fome. Um passado sem direitos trabalhistas. Um passado sem políticas para educação e para saúde. Um passado em que a corrupção não era investigada. Um passado de impunidade. Um passado onde se governavam apenas para os ricos e ignoravam os pobres, os negros, as mulheres, os LGBTS e todos os subalternos.
Repudiamos Temer. Repudiamos Cunha. Repudiamos o plano “Uma ponte para o futuro”.
Não aceitamos que digam que os eleitores de Dilma também elegeram Temer, pois Dilma foi eleita com um plano de governo que em nada tem a ver com esse “Plano Temer”. O Brasil não elegeu o “Plano Temer”, portanto, não aceitará Temer como presidente.
Não aceitamos golpe contra nossa inteligência, muito menos, contra nossa democracia