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  • UM ANO DA PRISÃO DE CANCELLIER: Universidade prepara ação judicial contra abusadores

    UM ANO DA PRISÃO DE CANCELLIER: Universidade prepara ação judicial contra abusadores

    “Que ninguém mais seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês e meu irmão foram”

    (Acioli Cancellier, irmão do reitor suicidado)

    Da esquerda para a direita: o irmão Júlio, o filho Mikhail, o irmão mais velho Acioli e o reitor

    Há um ano, o então reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, tornou-se a primeira vítima fatal explícita da prisão preventiva abusiva e da espetacularização da justiça no Brasil. Muito pouco, ou nada se conseguiu para reparar justiça à memória do reitor e a sua família, além de algumas derrotas à perseguição que os responsáveis pelo abuso de poder continuaram a promover contra professores e dirigentes da universidade. Esse quadro, contudo, começou a mudar. O novo reitor Ubaldo César Balthazar começa a desencadear uma vigorosa ofensiva para levar à investigação e à punição dos abusadores. A Procuradoria da Universidade deve entrar nos próximos dias com um processo judicial contra os responsáveis pelo linchamento moral e jurídico de Cancellier, desde a sua base na Corregedoria Geral da UFSC. Nesta sexta-feira pela manhã, o professor Marcos Dalmau, preso junto com Cancellier e igualmente banido da instituição com outros quatro colegas, retornou a UFSC, depois de vencer mandado de segurança impetrado no TRF4.  Foi recebido numa cerimônia emocionada pelo reitor e equipe, na qual a solidariedade e o sentimento maior de defesa da instituição e dos direitos jurídicos falou mais alto do que as intrigas e manchas na reputação lançadas pela Operação Ouvidos Moucos no seio da comunidade universitária.

    Reitor Ubaldo Balthazar e pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque entregam memorial dos abusos de poder a pedido do ministro Raul Jungmann

    Um outro passo para a criminalização dos procedimentos abusivos da Ouvidos Moucos na UFSC foi dado na quinta-feira (13/9), quando o reitor Ubaldo Balthazar e o pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque, entregaram um dossiê ao ministro da Segurança Raul Jungmann, a  pedido dele, no seu gabinete em Brasília. O conjunto de documentos e testemunhos relata todos os desmandos, violações dos direitos humanos e jurídicos que envolveram a prisão do reitor, dos cinco professores e de um funcionário celetista. Na mesma hora, o memorial foi encaminhado à Corregedoria do Ministério para investigar a conduta dos agentes dos órgãos federais de representação local implicados na Operação e nas perseguições: Corregedoria Geral da UFSC, Polícia Federal, Justiça Federal, Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União. São relatos da prisão e testemunhas dos abusos da Operação que já corriam de boca em boca na UFSC, mas foram sistematicamente ignorados pelos investigadores e juízes. Em dezembro do ano passado, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, devolveu ao irmão do reitor uma representação da família contra a delegada Érika Mialik Marena, após a realização de uma apuração sumária e viciosa, comandada pelo próprio diretor de comunicação da servidora, Luiz Carlos Korff, quando ela ainda era superintendente da Polícia Federal em Santa Catarina. Dessa vez, com o escândalo da perseguição às vítimas, a denúncia alcançou outra dimensão.

    O pedido do dossiê foi motivado por manifestação do ministro Gilmar Mendes, que provocou Jungmann a investigar a delegada Érika Marena em razão do caráter absurdo e corporativista das perseguições e intimidações promovidas pela Polícia Federal aos dirigentes da UFSC, o chefe de gabinete Áureo Mafra de Moraes e o reitor Ubaldo Balthazar, numa tentativa de criminalizá-los pelas manifestações de dor e protestos da comunidade universitária pela morte de Cancellier. A primeira parte do dossiê denuncia os procedimentos persecutórios do corregedor geral da UFSC, Roldolfo Hickel do Prado, que alimentaram e subsidiaram a prisão de Cancellier e dos demais por tentativa de interdição das investigações, mesmo não tendo nenhum envolvimento com as suspeitas de desvios de verbas. Em seguida, o relatório reúne relatos que denunciam com detalhes as condições abusivas da prisão e tratamento dos professores em presídio de segurança máxima, solicitada pela delegada federal, com a anuência da juíza federal Janaína Cassol. A Corregedoria Geral da União e o Ministério Público Federal de Santa Catarina também são responsabilizados por terem encampado a  perseguição de professores e dirigentes da comunidade.

    Outra importante vitória foi o acolhimento nesta semana da manifestação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), para que o corredor do órgão, Orlando Rochadel, investigue o procurador do MPF/SC, Marco Aurélio Dutra Aydos por ter insistido em apelação de denúncia contra o reitor Balthazar e seu chefe de gabinete, mesmo depois de rejeitada pela juíza federal Simone Barbisan Fortes. O Conselho considerou suspeita a atitude do procurador que, “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”.

    Até então, os algozes não só não foram punidos, como continuaram a intimidar suas vítimas. Sequer a lei que pune autoridades por abuso de poder foi aprovada. O Projeto de Lei 7596, batizado em outubro de 2017 como Lei Cancellier, por proposição do senador Roberto Requião, teve decisão favorável no Senado, mas ficou engavetado no Congresso Nacional desde o dia 10 de maio do ano passado. Essas vitórias iniciais, contudo, mostram que nem todo sistema judiciário é conivente com a rede de horrores acionada contra a UFSC desde a prisão de Cancellier.

    14 DE SETEMBRO: DATA DE HORRORES

    O reitor Luiz Carlos Cancellier teve sua reputação arruinada por uma rede de intrigas e calúnias que se estendeu das páginas da Polícia Federal para a grande mídia e redes sociais. De jurista e acadêmico respeitado, ganhou os noticiários como chefe de uma quadrilha que teria roubado R$ 80 milhões da universidade, após ser detido em presídio de segurança máxima, junto com outros cinco professores da UFSC e um funcionário terceirizado.

    No início da manhã do dia 14 de setembro, Cancellier dormia no seu apartamento vizinho a UFSC quando, surpreendido  por uma escolta de mais de cem policiais de várias partes do país, atendeu a porta enrolado numa toalha de banho. Não tinha antecedentes criminais, não respondia um processo administrativo sequer, mas foi submetido à prisão preventiva, algemado nas mãos e acorrentado nos pés, sem direito à presunção de inocência ou à defesa prévia. No Presídio Masculino de Florianópolis, foi humilhado e desnudado na frente de outros presos por duas horas, antes de vestir o uniforme laranja. Até mesmo o acesso ao seu remédio para o coração foi boicotado, como seu irmão Acioli Cancellier de Olivo constatou com uma carcereira no dia seguinte ao relaxamento da prisão. Segundo os relatos do dossiê, ao reconhecer o reitor, um aluno seu atuante na carceragem teria mostrado no celular mensagem da delegada Marena com a ordem expressa: “É para tratar como preso comum”. Como era um homem alto, cardíaco e sedentário, o professor teve muita dificuldade de se abaixar de costas para ser submetido ao exame de revista anal. “Vejam, que chances ele teria de introduzir algo no seu corpo, se foi arrancado da cama por um esquadrão de policiais?”

    Do dia pra noite, um órgão federal de polícia levou um homem de vida acadêmica ao sacrifício, transformando-o em chefe de quadrilha

    Aos 59 anos, o reitor havia sofrido uma recente cirurgia cardíaca e a interrupção do tratamento pode ter sido fatal para desencadear o estado de depressão que o levou a suicidar-se dezoito dias depois. O verdadeiro horror, contudo, ainda viria. Com o relaxamento da prisão, foi proibido pela justiça de ingressar na UFSC, à qual se dedicou nos últimos 20 anos, como aluno, professor, diretor de centro e finalmente reitor. Sabendo por fontes do Ministério Público Federal em Santa Catarina que não poderia retornar à instituição, pagou seus advogados para não deixar dívidas à família e no dia seguinte, em 2 de outubro, jogou-se de cabeça do sétimo andar do Beira-mar Shopping, em Florianópolis com um bilhete no bolso, no qual atribuía sua morte ao banimento da universidade.

    Hoje, o irmão mais velho, Antônio Acioli Cancellier de Olivo, 67 anos, matemático, sindicalista, pesquisador aposentado do INPE, em São José dos Campos, dedica sua vida para a recuperação da memória e da reputação que Cau, filho de uma família muito pobre de Tubarão, construiu a duras penas, comendo pão de trigo com banana para conseguir estudar e se sustentar em Florianópolis. A mãe, costureira e o pai trabalhador no Lavador de Carvão em Capivari, não davam conta de sustentar os sonhos de formação dos três filhos, Acioli, Luiz Carlos e Júlio, o mais novo. É com o carinho do irmão mais velho que tomava conta dos demais, que ele conta e reconta, pacientemente, sem se exaltar com os detalhes mais perversos da sua perseguição, a história do mártir da Ouvidos Moucos. Ele foi, segundo Acioli, um adolescente rebelde e genial, intransigente diante das injustiças, “com uma produção científica espantosa para quem iniciou a vida acadêmica aos 40 anos e aos 59 já era reitor”. Com Cau, Acioli aprendeu o apreço pela luta política, “embora eu, ao contrário dele, tenha começado muito mais tarde nessa esfera”.

    Líder estudantil, jornalista fichado pelo SNI durante a Ditadura, o intrépido militante do Partido Comunista Brasileiro compreendeu na maturidade que o caminho para a luta era a conciliação política e adotou-a como princípio ideológico em sua administração da reitoria. Foi quando mais ele repudiava radicalismos e acreditava na harmonia entre todas as tendências que os aparatos de repressão de Temer puxaram o seu tapete, sem deixar-lhe outra saída, a não ser oferecer a própria vida em sacrifício para denunciar a violação total dos direitos humanos, jurídicos e democráticos que ele apregoava em sala de aula. Abaixo a carta escrita por Acioli em homenagem aos professores que continuam banidos da universidade. Ao mesmo tempo ele homenageia o próprio irmão, mostrando que todos são vítimas da mesma supressão de direitos e do mesmo Estado de Exceção que vitimou Cancellier.

    “Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico”.

    “E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada”

    (Acioli Cancellier de Olivo)

    Irmãos Cancellier, na formatura do reitor em Direito

    Meus caros professores,

    Há exatamente um ano atrás eu nunca havia ouvido falar de seus nomes. Naquela manhã fui acordado com um telefonema de uma amigo que me perguntava: Você é parente do reitor da UFSC? Ao responder que eu era irmão, disse-me que ele acabara de ser preso.

    Naquela manhã, quando a Polícia Federal invadiu as suas residências e a do Cau, a violência da ação mudou drasticamente a vida de vocês e de suas famílias; foi o ato inicial de uma tragédia que nos levou o Cau, abalou profundamente nossa família, seus familiares, os amigos em comum, a UFSC e por que não dizer, o país inteiro que não se submete à ditadura dos tanques e togas, citando um jornalista.

    Daquela data em diante, seus nomes começaram a me soar familiares e mesmo sem conhecê-los, uma empatia imensa me ligou a cada um de vocês. O sofrimento de cada um de seus familiares me fazia sofrer, pois refletia o sofrimento de cada uma dos meus.

    Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico. Se no dia 14 de setembro de 2017, arrancaram da cama um homem digno, o cadáver que nos devolveram 18 dias após, não o reconhecemos. Não por seus ossos estraçalhados; não por sua carne dilacerada; não por sua face desfigurada. Não o reconhecemos porque aquele cadáver não tinha a mínima semelhança da pessoa que o Cau fora em vida: honrado, humanista, generoso e solidário.

    Um ano se passou e, em todos esses dias, minha luta tem sido em uma única direção: resgatar a honra de meu irmão. Buscar que o Estado reconheça que seus agentes erraram. Erraram em caluniá-lo; erraram em humilhá-lo; erraram em castrá-lo, apartando daquilo que ele mais se orgulhava, servir a UFSC.

    Meus caros amigos, se assim posso chamá-los, pois um sentimento de amizade e fraternidade nos uniu pela tragédia. Meus irmãos: vocês foram também vítimas da mesma injustiça; injustiça que não os levou deste mundo, mas que certamente causou perdas e danos irreparáveis. Que lhes irá devolver as angústias, sofrimentos e dores que cada um de vocês passou nestes últimos anos? Quem devolverá a cada um de seus entes queridos a alegria de viver, o brilho nos olhos e o sorriso que minguaram nestes 365 dias? Quem irá garantir que a sua tão esperada reintegração a UFSC ocorra sem traumas? Quem poderá dizer que vocês poderão ensinar, orientar e frequentar o meio acadêmico com a segurança de homens honestos e dignos, sem a certeza de um dedo acusador na figura de um aluno ou de seus próprios pares?

    Em ocasião recente fiz uma analogia, que reitero: O Cau morreu, vocês sobreviveram. Mas esta sobrevida, sem a reparação integral da honra e dignidade feridas, equivale a uma morte em vida. Tramita no Congresso Nacional projeto de Lei que pune o abuso de autoridade, cujo relator no Senado, Roberto Requião, a denominou de Lei Cancellier. Mas não podemos esperar. A cada dia que passa, sem a devida reparação da honra de cada um de vocês, um pouco de cada um morre.

    Então, meus queridos amigos e irmãos, nesta data simbólica, uno meus pensamentos aos seus; nosso familiares são solidários aos seus familiares. E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada, pois citando o mesmo jornalista, “nas ditaduras, não há lugar para míopes inocentes.”

    Um fraterno abraço
    Acioli Cancellier de Olivo

     

    ​COMEÇA A DESABAR NA JUSTIÇA OS DESMANDOS DA “OUVIDOS MOUCOS”

    Docente preso por Érika Marena na UFSC vence mandado de segurança no TRF4 e volta hoje ao trabalho na UFSC

    Abraço coletivo ao professor reintegrado fortalece a própria comunidade, dividida pelo processo calunioso. Foto Ítalo Padilha/AGECOM

    O professor de Administração Marcos Baptista Lopez Dalmau foi restabelecido hoje (14/9) em suas atividades docentes no Curso de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de onde estava proscrito desde o final do ano passado pela Operação Ouvidos Moucos. Em cerimônia de boas vindas realizada hoje (14/9) pela manhã, ele foi recepcionado no gabinete do reitor Ubaldo Balthazar e equipe, alem de gestores da área e colegas de trabalho. Seu retorno cumpre decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), tomada na terça-feira (11), que acatou o mandado de segurança da defesa do professor contra as medidas cautelares impostas pela Justiça Federal de Florianópolis que o afastaram da instituição. A vitória de Dalmau em habeas corpus individual abre importante precedente para que os outros quatro professores banidos da universidade possam retornar à sala de aula, como seu colega da Administração Eduardo Lobo, que teve seu pedido para retornar negado pelo mesmo TRF4 no início do ano passado.

    Dalmau recebe o abraço de Acioli que estende luta pela memória do irmão a todos os perseguidos. Foto: Ítalo Padilha/AGecom

    A cerimônia reuniu, além do reitor, pró-reitores e secretários da UFSC, o chefe de Gabinete Áureo Mafra de Moraes; o irmão do ex-reitor Cancellier, Acioli de Olivo; o chefe do Departamento de Administração, Pedro Antônio de Melo; o diretor do Centro Socioeconômico, Irineu Manoel de Souza, que foi candidato de oposição a Ubaldo, e a vice-diretora Maria Denize Henrique Casagrande. Abraçado por todos eles, o primeiro professor a ser reintegrado às atividades docentes desde a prisão, se disse, mais tarde, “emocionado e feliz com a solidariedade e o carinho com que foi recebido no campus e nas instalações do Curso de Administração”.

    Dalmau foi preso em 14 de setembro com outros quatro professores, um servidor terceirizado e o reitor da universidade, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, todos incriminados pela Operação Ouvidos Moucos, sob suspeita de desvio de verbas do Ensino a Distância do Programa Universidade Aberta. Comandada pela delegada Érika Marena, responsável pela prisão de Cancellier, com o aval da juíza da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis, Janaína Cassol, a operação prometia desvendar um esquema milionário de desvios de verbas da educação. Passado um ano da prisão, o braço catarinense da Lava Jato nada concluiu e postergou a investigação, depois de emitir um relatório que resultou no indiciamento de outros 23 docentes da UFSC.

    Outros quatro professores – Marcio Santos, Rogério da Silva Nunes, Gilberto de Oliveira Moritz e Eduardo Lobo -, também investigados pela operação, continuam impedidos de retornar às suas atividades. Eles recorreram ao próprio TRF-4 em mandados diferentes, mas como tiveram seus pedidos negados, apelaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ainda aguardam decisão.

    Reitor e equipe manifestam solidariedade ao professor reabilitado Marcos Dalmau e aos demais que permanecem afastados. Foto: JL

    Pela decisão unânime, Marcos Dalmau deveria reassumir seu cargo de professor e atuar em sala de aula com a notificação da universidade, o que aconteceu ontem (13/9). A relatora responsável por analisar o mandado de segurança em favor de Dalmau, Salise Monteiro Sanchotene, votou a favor do retorno do docente, seguida pelos desembargadores Luiz Carlos Canalli e Claudia Cristina Cristofani. O parecer foi unânime, mas com restrições: até o final das investigações, Dalmau está impedido de “atuar nas atividades que gerem percepção ou pagamento de bolsas relacionadas ao ensino à distância (EAD) e ao Laboratório de Produção de Recursos Didáticos para Formação de Gestores (LabGestão)”.

    “Essa decisão vem reparar uma injustiça perpetrada contra o impetrante, que ficou impedido de exercer seu trabalho durante quase um ano, por conta da ilegalidade do afastamento indeterminado, sem mera previsão de formação de culpa, em face de uma marcha pré-processual confusa, retardatária e revestida de autoritarismo injustificável”, afirmou o advogado Adriano Tavares da Silva, que defende o professor da UFSC .

     

     

    Conselho propõe inquérito contra procurador que criminalizou manifestações na UFSC

    Por Marcelo Auler
    O conselheiro Leonardo Acciolly da Silva quer que o corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Orlando Rochadel investigue o procurador da República de Santa Catarina, Marco Aurélio Dutra Aydos por ele “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”. Na suposta defesa da honra da delegada federal Erika Mialik Marena, Aydos tentar processar o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Ubaldo Cesar Balthazar e o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes, por conta de críticas feitas por manifestantes não identificados, em cerimônia na UFSC, aos responsáveis pela Operação Ouvidos Moucos que levou o antigo reitor, Luiz Carlos Cancellier, ao suicídio. Depois de ver sua denúncia rejeitada, Aydos continua tentando processar o reitor e o chefe de gabinete.

    Insistência de Aydos

    Apesar de a denúncia do procurador Aydos contra o reitor e seu chefe de gabinete ter sido rechaçada pela juíza Simone Barbisan Fortes, em 30 de agosto, como informamos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos, ele não se deu por vencido.

    Quatro dias depois, em 3 de setembro, recorreu da decisão à 3ª Turma Recursal de Santa Catarina. Insiste na sua posição de processar os dois por não terem impedido que durante uma cerimônia na universidade, em dezembro de 2018, manifestantes não identificados expusessem uma faixa com críticas à delegada, a juíza Janaína, ao procurador da República, André Stefani Bertuol,  ao corregedor-geral da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado e ao superintendente da CGU, Orlando Vieira de Castro Junior. Ou seja, cobrou de ambos a censura à livre manifestação da comunidade acadêmica.

    Neste recurso (leia aqui) chega a dizer que a juíza Simone, invertendo os papéis, perdoou os agressores da delegada mesmo sem procuração para tal.  Na peça com 13 laudas, ele expõe:

    Exorbitou a decisão recorrida em excesso passional e argumentativo que normalmente fazem parte da defesa prévia, fazendo-se lamentável disfunção de justiça, consistente na condenação da vítima, de um lado, e perdão, ilegítimo, dos agressores, de outro lado. A ninguém é conferido direito de “perdoar por procuração” – um “horror” que deturpa a essência da Justiça, segundo extraordinária lição do filósofo Emmanuel Lévinas (in Quatro leituras talmúdicas, São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 56).” (grifo do original)

    Em seguida insistiu nas críticas à juíza:

    “A decisão recorrida abrigou no largo guarda-chuva da justa causa tudo quanto encontrou para perdoar por procuração. A magistrada simplesmente substituiu-se à Ofendida para decidir que ela não devia ter representado criminalmente. Mas com que direito? O cenário do equívoco é metajurídico. Construiu-se uma narrativa histórica de alegado progresso, não apenas questionável, mas também falseável (segundo o método de Popper, que aqui é aplicável, por tratarmos de uma teoria, não de um fato). Em primeiro lugar, é preciso resgatar a autoridade do Supremo Tribunal Federal, que não ampara essa narrativa.”

    Procurador contesta afirmações de Nassif sobre o fascismo

    Onde está o fascismo?

    Nesta sua apelação, ele também criticou o jornalista Luís Nassif de tentar intimidar a Justiça, ao escrever no JornalGGN – MPF denuncia reitor da UFSC por não censurar manifestação – que ele, Aydos, “colocou o MPF na ante-sala do fascismo”. Para o procurador, o fascismo esteve próximo da manifestação ocorrida na universidade com críticas à delegada. Diz na sua peça:

    “(…) é oportuno refutar com veemência tentativas de intimidação à Justiça, mal disfarçadas sob o manto sempre sagrado da crítica, exemplificadas na verve do jornalista Luís Nassif, que deseja ver na denúncia do Ministério Público a “ante-sala do fascismo”. No nascimento da modernidade, criou-se a imprensa como uma instituição liberal, bem retratada por Jürgen Habermas como a primeira grande “transformação estrutural do espaço público”. Naquele tempo havia publicistas. Mas Leibnitz (1646-1716), contemporâneo do nascimento da modernidade, já registrava, a propósito, que essa criação típica da Inglaterra, a dos “public spirits” inspirados pelo amor à coisa pública que praticaram outrora gregos e romanos, já estava desaparecendo e ficando fora de moda em seu tempo (…)

    Hoje os publicistas desapareceram. Remanescem os ideólogos, tipos forjados da adulteração do original, que decretam respostas antes de fazerem as perguntas. Uma via de esclarecimento mútuo consiste em usar o esquecido ponto de interrogação do teclado e reformular seus decretos. Podemos perguntar, por exemplo. Onde fica a ante-sala do fascismo?

    Assim como outras formas de dominação descobertas pela modernidade, o fascismo não é uma experiência completamente reeditável. Ocorreu na Itália, sob circunstâncias dadas, e não se repetirá jamais de modo completamente igual, porque a história não se repete. Mas um fenômeno desses, depois de descoberto, integra o arsenal de agressões que forma o subterrâneo bárbaro de nossa civilização. Elementos de fascismo, assim como dos totalitarismos nazista e soviético, eventualmente podem emergir na superfície civilizada de democracias. Normalmente emergirão em contextos fortemente ideologizados, à revelia da consciência dos atores.

    Vale então conhecer um bom retrato da ascensão do fascismo italiano no extraordinário romance de Ignazio Silone, Fontamara. Numa das cenas memoráveis do livro, presenciamos uma cerimônia típica do Fascismo, o exame da população em praça pública a partir de duas perguntas: Viva quem? Abaixo quem?

    A solenidade de que trata a presente causa ecoa vividamente as cerimônias daquela descoberta italiana. Ergue-se a fotografia de um servidor público em praça pública com a descrição, sempre sumária, de seus alegados malfeitos. Como o fascismo é um movimento de massas, é sempre suficiente que se grite “Abaixo” alguém, para liberar o exército de seguidores para barbarizarem. É extraordinariamente curto o passo da violência simbólica para a violência física”.

    Leia os detalhes e conheça os documentos em: https://marceloauler.com.br/por-querer-censura-na-ufsc-procurador-sera-investigado/

     

     

     

     

     

  • Ordem dos Advogados do Brasil sai em defesa da UFSC contra ação do MPF

    Ordem dos Advogados do Brasil sai em defesa da UFSC contra ação do MPF

    Paulo Brincas esteve hoje pela manhã na UFSC oferecendo solidariedade da OAB/SC ao reitor e chefe de gabinete contra intimidações do MPF

    Em nota oficial publicada hoje pela manhã em seu site, a Ordem de Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina classificou como descabidas as novas perseguições jurídicas contra dirigentes da Universidade Federal de Santa Catarina. A entidade considerou a ação do Ministério Público Federal/SC contra o novo reitor, Ubaldo César Balthazar, e seu chefe de Gabinete, Áureo Mafra de Moraes, uma tentativa “de criminalizar o direito constitucional de liberdade de expressão e manifestação, pressuposto fundamental do Estado democrático de direito”. Diz a nota ainda: “a OAB/SC atua de forma intransigente na defesa da democracia e considera gravíssimo restringir a liberdade de expressão e manifestação em um ambiente acadêmico, onde a liberdade se faz ainda mais necessária para a aquisição e produção do conhecimento”.

    Um comitê com 30 diretores do Conselho Estadual da Ordem, liderado pelo presidente Paulo Marcondes Brincas, realiza hoje (27/8) pela manhã visita oficial ao reitor e seu chefe de gabinete, professor do Curso de Jornalismo e reunião com a equipe de gestores. O objetivo é manifestar “total apoio e solidariedade” da OAB-SC à gestão da UFSC contra a denúncia apresentada na sexta-feira (24/8) pelo procurador da República, Marco Dutra Aydos, que na prática acusa os dirigentes de não terem reprimido e proibido manifestação da comunidade universitária em ato comemorativo aos 57° aniversário da universidade em 18 de dezembro de 2017.

    No ato, realizado dois meses após a trágica morte do reitor Cancellier, estudantes, professores e servidores fizeram um protesto silencioso nos fundos da cerimônia. Eles sustentavam uma faixa na qual responsabilizavam os abusos de poder deflagrados pela delegada federal Érika Marena, com adesão de outros agentes federais, por terem levado o professor ao suicídio. A denúncia é de crime de injúria contra a “honra funcional” da delegada. Em nota oficial, a entidade afirma que não houve “qualquer juízo de valor com relevância criminal, a justificar que os docentes sejam investigados”. Leia mais sobre a denúncia do MPF/SC.

     

    NOTA OFICIAL DA OAB/SC

    Liberdade de expressão e manifestação são pressupostos inegociáveis da democracia e essenciais em ambiente acadêmico

    A seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil manifesta publicamente sua profunda preocupação com o novo episódio envolvendo investigações de docentes da Universidade Federal de Santa Catarina, pela manifestação ocorrida por ocasião da passagem do aniversário da instituição, conforme amplamente divulgado pela imprensa catarinense e nacional.

    Tal fato, sem que tenha havido qualquer juízo de valor com relevância criminal, a justificar que os docentes sejam investigados e tenham depoimentos tomados pode, isto sim, criminalizar a liberdade de expressão e manifestação, direito constitucional fundamental e pressuposto essencial do Estado democrático de direito.

    A OAB/SC atua de forma intransigente na defesa da democracia e considera gravíssimo restringir a liberdade de expressão e manifestação em um ambiente acadêmico, onde a liberdade se faz ainda mais necessária para a aquisição e produção do conhecimento.
    Ainda que possa cogitar de abusos em manifestações, no caso parece que faltou o mínimo de sensibilidade para o contexto da universidade, e até pela passagem do seu aniversário, haja vista que não se tem conhecimento de nenhum ato ou manifestação que, na ocasião, tenha potencialmente violado a honra de qualquer pessoa.

    Ademais, importante lembrar que há precedentes de julgados no Brasil acerca da insubsistência do crime de desacato, tipologia criminal que não encontra guarida em nossa Constituição e é negada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, exatamente por servir ao abuso de poder ou à arbitrariedade das autoridades constituídas.
    Em nome do Reitor da UFSC, Prof. Dr. Ubaldo Cesar Balthazar, e do Diretor em exercício do seu Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), Prof. Dr. José Isaac Pilati, a OAB/SC manifesta seu mais profundo respeito a todos os docentes e servidores técnicos da Universidade Federal de Santa Catarina, com total solidariedade e apoio, pelo que nos colocamos à disposição.

    Florianópolis, 31 de julho de 2018.

    Paulo Marcondes Brincas-Presidente da OAB/SC.

     

    Presidente da OAB/SC em visita à UFSC: “Não aceitamos qualquer tipo de restrição ou a criminalização da liberdade de opinião”

    27/08/2018 – Geral

     

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    Acompanhado de uma comitiva com 30 advogadas e advogados, dentre eles Conselheiros Estaduais e presidentes de comissões de trabalho, o presidente da OAB/SC, Paulo Marcondes Brincas, esteve em visita ao reitor Ubaldo Balthazar e ao seu chefe de gabinete, Áureo Moraes, na manhã desta segunda-feira (27/8). A OAB/SC foi prestar solidariedade e apoio aos professores, recentemente denunciados pelo Ministério Público Federal por circunstâncias e com base em argumentação que a Seccional considera descabidas. A comitiva foi recebida por ambos e ainda pela vice-reitora, Alacoque Lorenzini Erdmann, por pró-reitores e pelo Diretor do Centro de Ciências Jurídicas, José Isac Pilati.

    Em seu pronunciamento ao reitor, Brincas informou que a OAB/SC está estudando tecnicamente a melhor maneira de a Seccional ingressar como parte na ação, de forma a prestar apoio na defesa dos denunciados. “Estaremos no processo ao lado de vocês, mas mais importante do que essa questão individual é o aspecto simbólico desse caso. Nós precisamos dizer que não aceitamos qualquer tipo de restrição à liberdade de opinião. Estamos aqui para bradar pelo nosso direito de nos manifestarmos, para lembrar que esse direito é inalienável. E que qualquer um de nós que venha a sofrer restrição assim, terá, da parte de nossa Seccional, a devida repulsa”, disse o presidente da OAB/SC.

    O reitor e o seu chefe de gabinete foram denunciados por cumplicidade em suposto crime de injúria contra a delegada da Polícia Federal que conduziu o inquérito da operação Ouvidos Moucos, por não terem impedido a manifestação de pessoas que seguraram cartazes com menção à autoridade policial na solenidade de aniversário da UFSC, em dezembro passado. Para a OAB/SC, o que ocorreu na data constitui-se em manifestção do direito de opinião, que não pode ser caracterizada como crime. “Quem presta serviço público está sujeito à censura pública e precisa entender que pode, sim, ser criticado. Faz parte da democracia e é importante que seja assim, porque isso é o que dá legitimidade ao regime democrático. O que aconteceu nesse caso é uma manifestação arbitrária de alguém que entende estar acima da crítica. Mas isso não existe no regime democrático e seria um retrocesso absolutamente inaceitável”, afirmou o presidente da OAB/SC durante a visita.

    O reitor Ubaldo Balthazar disse estar emocionado com o apoio recebido. “É muito importante neste momento que estamos passando, e tudo porque me recusei a entregar nomes e me recusei a censurar uma faixa”, disse à comitiva. Ele contou aos presentes que há três meses foi colocada uma faixa no hall da reitoria “mandando o reitor cursar Direito”. “Tenho vontade de escrever na faixa que fiz direito, com mestrado e doutorado. Mas em momento algum me passou pela cabeça retirar a faixa, uma manifestação de quem faz oposição ao reitor. Sem oposição, sem a crítica, nós não conseguimos avançar”, explicou Balthazar.

    Brincas reafirmou que a OAB/SC é guardiã da democracia e que este episódio ocorrido na UFSC é emblemático e preocupante para todo o cidadão. “Nós viemos dizer publicamente à universidade, à comunidade universitária, e à comunidade em geral, que temos confiança no regime democrático, temos confiança na liberdade de opinião, e não aceitamos qualquer restrição a este pressuposto essencial da democracia e tão importante em um ambiente acadêmico. Não aceitamos nenhuma tentativa de calar a voz do cidadão brasileiro”, declarou.

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    Leia também:
    Nota oficial: Liberdade de expressão e manifestação são pressupostos inegociáveis da democracia e essenciais em ambiente acadêmico (31.7.2018)

    Assessoria de Comunicação da OAB/SC

    Fotos: Raquel Wandelli / Jornalistas Livres

  • REITORES EXIGEM: basta de perseguição e abusos de poder contra universidades!

    REITORES EXIGEM: basta de perseguição e abusos de poder contra universidades!

    Protesto silencioso, aos fundos da cerimônia em homenagem ao reitor morto. Fotos: Jornalistas Livres

    Não fosse a fúria persecutória da Polícia Federal contra suas próprias vítimas, a morte do reitor da UFSC teria ficado na acomodação coletiva, para que a história se encarregasse de fazer justiça. Mas a enxurrada de denúncias de intimidação a professores e dirigentes da Universidade Federal de Santa Catarina, militantes sociais e vários veículos de mídia independente, incluindo os Jornalistas Livres, reacendeu a revolta contra os abusos de poder cometidos pela Operação “Ouvidos Moucos”. Os  ataques de agentes federais em nome de uma operação estatal que até agora só gerou morte, espetáculo midiático e inquisição provocam desde a sexta-feira (27/7), amplo repúdio. Manifestos vêm de entidades democráticas e comunidades acadêmicas, como a Andifes e SBPC, Floripa Contra o Estado de Exceção e Curso de Jornalismo da UFSC. Multiplicam-se também pronunciamentos de setores jurídicos, como as recentes declarações do ministro Gilmar Mendes, cobrando providências do ministro Raul Jungmann contra a PF, e até da grande mídia, que foi cúmplice do linchamento moral do reitor Cancellier. Esse espanto tardio com a violação legal dos direitos de cidadãos brasileiros pelo estado policialesco foi sintetizado no inesperado editorial da Folha do dia 30/7, intitulado “Arbítrio à solta”. O destaque afirma que “Inquérito aberto contra professor da UFSC por causa de uma entrevista evidencia que apuração de desvios descambou para intimidação inaceitável”.

    As perseguições denunciam o corporativismo dos agentes de exceção, que preferem se auto proteger e atacar seus questionadores a reconhecer os equívocos cometidos no caso do reitor, vitimado por uma lista sem fim de violações aos direitos jurídicos. Todas as manifestações de repúdio a esses procedimentos intimidatórios são marcadas pela comparação aos gestos mais sádicos das ditaduras, do editorial da Folha de S. Paulo, à entrevista de Gilmar Mendes e à nota pública da Associação Brasileira de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (leia abaixo na íntegra). “As universidades federais são patrimônio da sociedade brasileira, e não cessarão a sua luta contra o obscurantismo no Brasil”, afirma a Andifes. A carta foi emitida no domingo (29/7), quando veio a público a perseguição contra o professor do Curso de Jornalismo e chefe de gabinete da UFSC Áureo Moraes. “Uma vez mais, presenciamos a Universidade Federal sendo vítima do arbítrio e da censura”, diz ainda o manifesto. Também a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), emitiu nota em 1/8, manifestando extrema preocupação com a existência de um inquérito policial visando limitar, reprimir ou punir atos de manifestação pública ocorridos dentro do campus da UFSC em dezembro de 2017. Em nota de apoio aos professores perseguidos, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES/UFSC) afirma que o combate ao desvio de verbas na UFSC é só uma aparência para destruir sua autonomia e, de forma explícita, abrir caminho à privatização. “Manifestamos o nosso veemente repúdio à forma autoritária, arbitrária, desumana e espetacularizada que foi adotada na Operação Ouvidos Moucos e que agora assume um caráter intimidatório e contrário à liberdade de expressão por parte da delegada que a época conduzia a operação, que se utilizando de abuso de poder, coibiu qualquer crítica aos desvios existentes em parte do Poder Judiciário, particularmente na condução da citada investigação”, afirma ainda o documento.

    O professor Áureo Moraes foi indiciado em investigação da Polícia Federal em junho passado, sob a acusação de ter participado de uma cerimônia em comemoração ao 57º aniversário da UFSC, quando a instituição prestou uma homenagem ao reitor Luiz Carlos Cancellier e lamentou sua morte. Para justificar a investigação, a delegada Érika Marena, responsável pela ordem de prisão endossada pela juíza federal Janaína Cassol, entrou com uma representação contra o professor por crime contra a honra, conforme reportagem de Wálter Nunes para a Folha: “PF intima professor da UFSC após evento com críticas à polícia”. Justamente ela, que foi denunciada pela família de Cancellier por ter arruinado a reputação do reitor, conforme declarou o ministro Gilmar Mendes à jornalista Mônica Bérgamo, em sua coluna na Folha:  “Eles [Polícia Federal] não têm nenhum cuidado com a honra alheia e são tão cuidadosos quando criticam os seus”.

    Através da intimação de Áureo, a PF busca responsabilizar a instituição por um ato organizado por estudantes, professores, servidores e movimentos sociais que aproveitaram o aniversário da universidade para exigir investigação e punição dos abusos de poder no caso do reitor. Os manifestantes ocuparam o local do ato oficial empunhando cartazes e faixas contra o estado de exceção, a espetacularização da justiça, a falta de cuidado nas apurações, a violação  da autonomia da universidade e dos direitos jurídicos constitucionais. Nos cartazes e faixas repetia-se a questão: “Quem matou o reitor?”

    O foco de investigação da PF gira, contudo, em torno de uma única faixa que fez fundo ao discurso do chefe de gabinete com o enunciado “As faces do abuso de poder”, acima das fotos dos agentes envolvidos na Operação Ouvidos Moucos: a delegada da Polícia Federal Érika Marena; a juíza federal Janaína Cassol; o procurador da República André Bertuol; o corregedor Geral da UFSC Rodolfo Hickel do Prado e o superintendente regional da Controladoria-Geral da União Orlando Vieira de Castro Júnior. No encerramento da cerimônia, os manifestantes em torno da cerimônia romperam pela única vez o silêncio dos cartazes e faixas, puxando as palavras de ordem: “Queremos justiça”, “Justiça, justiça, justiça!”, “Fora Temer”, “Cau, presente!” e “Universidade pública sempre!”

    Outros dirigentes da UFSC estão sendo obrigados a prestar depoimento na investigação, como o próprio reitor Ubaldo César Balthazar, que substituiu Cancellier após vencer eleições diretas e foi normalmente confirmado no cargo pelo novo ministro da educação, Rossieli Soares da Silva, na sexta-feira, 38/7. Além do professor Áureo Moraes, está sendo investigado pela mesma manifestação o arquiteto popular Loureci Ribeiro, liderança do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção, entidade erguida um dia após a tragédia da UFSC, que também emitiu nota protestando contra os novos abusos e intimidações pelos agentes da “Ouvidos Moucos”. As investidas se baseiam em acusações de calúnia e difamação e de crimes contra a honra, que ocorrem no âmbito do direito privado e deveriam se restringir a pessoas físicas privadas. “As ações públicas de agentes públicos podem ser criticadas no espaço público de uma democracia, sob pena de suprimirmos a “liberdade de expressão que constitui o estado democrático”, explica a professora Maria Borges, que está se especializando em filosofia do direito.

    Professor Áureo Moraes, de terno azul, seguido à direita pelo reitor Balthazar e pelo ministro da Educação, que o nomeou no cargo na sexta-feira, 28/7. Da foto, ao menos cinco dirigentes da UFSC estavam na cerimônia

    Realizada no dia 18 de dezembro, no Hall da Reitoria, com a universidade já bastante esvaziada, a cerimônia iniciou com música clássica e discursos serenos, sem exaltações, num esforço oficial de marcar de modo discreto e sereno o aniversário da instituição. O que prevaleceu, contudo, foi o clima fúnebre, num misto entre luto e luta.

    Com a execução do “Lamento Sertanejo”, que fala da saga de um brasileiro humilde vindo do interior, como o reitor Cancellier, o Madrigal e Orquestra de Câmara da UFSC, regido pela maestrina Miriam Moritz, deu o tom da tristeza de uma universidade que viveu a violência policial como nunca antes na sua história. Ao tomar a palavra, Balthazar lamentou que fosse obrigado a fazer a homenagem póstuma a Cancellier como reitor pró-tempore. Antes dele, Áureo Moraes afirmou que se vivia um momento duplo: primeiramente de congraçamento pela história da UFSC e depois de luto pela perda de um líder tão importante para a comunidade, atingido por “uma série de absurdos cometidos”. Evocou a serenidade do sertanejo, “que se indigna, se revolta, mas apresenta esse lamento da forma mais serena possível”. Acrescentou ainda: “Precisamos exercitar todos os dias a nossa coragem contra tudo o que nos fizeram, mas construir a harmonia para defender a autonomia universitária e combater qualquer arbitrariedade. “E ninguém tem o direito de abalar essa harmonia daqui por diante”.

    Na sequência, o quadro do reitor Luiz Carlos Cancellier, morto com apenas um ano de gestão, foi integrado à galeria dos reitores da UFSC e passou a ser uma lembrança dolorosa na parede da ante-sala do Conselho Universitário. Nota de repúdio às intimidações abusivas publicada hoje em sua página oficial, o Curso de Jornalismo da UFSC/ Pós-Graduação em Jornalismo informa que ao ser intimado pela PF, o professor Áureo “foi pressionado a identificar os estudantes, colegas docentes e técnicos administrativos que participaram do evento e protestaram contra o que consideram abuso de autoridade de partes dos agentes públicos responsáveis pela famigerada operação ‘Ouvidos Moucos’, cujos desdobramentos trágicos e resultados pífios são conhecidos, publicamente”.

    A tentativa de censurar e criminalizar a instituição pelo direito e liberdade de se manifestar contra a conduta de agentes públicos federais não é apenas procedimento da mais arbitrária e prepotente das ditaduras, como assinalou em artigo publicado pelos Jornalistas Livres o cientista político da UnB, Luís Felipe Miguel (ele próprio vítima de ameaça de processo pelo ex-ministro Mendonça Filho, que o acusou de improbidade administrativa pela proposição da disciplina O Golpe de 2016 e o Futuro da Democracia no Brasil). É também prova inequívoca de frieza e crueldade com o sentimento coletivo natural de revolta pela tragédia, que significa, em última instância, três mortes: a do reitor, a da autonomia universitária, a do Estado Democrático e de Direito.

     

    PERSEGUIÇÃO A JORNALISTAS

    A fúria persecutória pós-morte de Cancellier atinge também a mídia independente. Uma repórter dos Jornalistas Livres está sofrendo ação criminal na 7ª Vara da Justiça Federal pelo ex-corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, que incriminou o reitor na PF e Justiça Federal, municiando o pedido de prisão com base em uma possível ameaça de morte que teria sido ouvida não se sabe por quem. Em dossiê publicado no dia 30 de outubro, os Jornalistas Livres denunciaram o histórico de conduta do então corregedor, revelando os processos judiciais que o envolvem por abuso de poder, calúnia e difamação, produção de invasão a domicílio mediante falso testemunho de ameaça de morte a mão armada, espancamento e tortura psicológica de mulheres, além de crimes de trânsito e de direção perigosa que colocam em risco a vida da comunidade, um com agressão física e outro com carteiraço.

    Na acusação aos Jornalistas Livres, Hickel alega ter recebido ameaça anônima de morte na forma de um bilhete em papel impresso que teria sido entregue num envelope dirigido a ele em sua sala na UFSC, com três palavras digitadas: “Bandido, assassino, psicopata”. À “ameaça” estaria anexada uma cópia do dossiê “Corregedor que entregou reitor à PF já foi condenado por calúnia e difamação”. Estaria anexado ainda relatório de seus dados no Sistema de Informação de Segurança Pública (SISP), extraídos por três agentes da Polícia Militar de Santa Catarina entre os dias 3 de outubro e 10 de novembro de 2017. Com base nesses relatórios, cujo acesso só é permitido a agentes do sistema, em dezembro de 2017, Hickel também moveu queixa contra os policiais no Comando Geral do BOPE de São José por vazamento de informações sigilosas, que resultou na abertura de Inquérito Policial Militar. Os policiais alegaram que fizeram consultas ao cadastro individual de Hickel para consumo interno porque o noticiário sobre o suicídio do reitor envolvendo o nome do corregedor suscitou curiosidade. A Justiça Militar considerou o acesso ao SISP regular e o IPM nº 776/2017 foi arquivado em 25 de junho pelo juiz militar Marcelo Pons Meirelles. Embora o ex corregedor fizesse uso constante das câmeras internas de vigilância da UFSC para abrir processos administrativos e expedientes intimidadores contra dezenas de servidores, estudantes e professores, desta vez nenhuma delas foi acionada para comprovar o recebimento da ameaça e a sua relação com os demais fatos.

    Exonerado do cargo pelo reitor Ubaldo Balthazar em 2 de fevereiro, o corregedor entrou com mandado de segurança contra a UFSC para anulação do ato. Todavia, seu afastamento da universidade foi mantido pelo juiz federal Osni Cardoso Filho, após verificar que Hickel era alvo de uma sindicância instaurada pela Corregedoria Geral da União, em Brasília, a partir de denúncias de desvios de conduta, assédio moral, tortura psicológica e perseguição a membros da comunidade universitária. Até hoje não foram divulgados os resultados dessa investigação, que ouviu dezenas de pessoas na UFSC no início do ano. Nem o reitor, nem o atual corregedor Ronaldo Viana, nem as dezenas de vítimas que alegam ter sido aterrorizadas e assediadas por ele têm qualquer informação a respeito. Na tática do atacar para se defender, a delegada Érika Marena também está movendo perseguição judicial contra os jornalistas Marcelo Auler e Paulo Henrique Amorim.

    NOTAS PÚBLICAS DE ENTIDADES DEMOCRÁTICAS

    Em defesa da liberdade de expressão e da autonomia universitária

    01/08/2018 

    Menu de NavegaçãoNós, docentes do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), reunidos em Colegiado, no dia 30 de julho de 2018,  manifestamos nosso mais veemente repúdio aos atos de agentes públicos, neste caso da Polícia Federal/SC, que ferem dois direitos fundamentais tão duramente consagrados na constituição: a liberdade de expressão (direito à opinião) e a autonomia universitária.

    O professor Áureo Mafra de Moraes está sendo alvo de uma investigação da Polícia Federal por ter participado, na condição de chefe de gabinete do reitor, da homenagem feita ao reitor morto, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, por ocasião da celebração dos 57 anos da UFSC. Intimado pela PF, o professor Áureo foi pressionado a identificar os estudantes, colegas docentes e técnicos administrativos que participaram do evento e protestaram contra o que consideram abuso de autoridade de partes dos agentes públicos responsáveis pela famigerada operação “Ouvidos Moucos”, cujos desdobramentos trágicos e resultados pífios são conhecidos, publicamente. O processo revela prepotência e autoritarismo. Estamos de acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que em nota pública sobre o episódio escreveu: “A autonomia universitária, resguardada pela Constituição Federal, tem sido desprezada, e aqueles que deveriam fazer cumprir a lei e garantir os direitos expressos na carta magna brasileira, lançam mão de artifícios para intimidar, cercear e tentar impor um regime ao qual a Universidade não irá jamais se curvar”.

    Não se trata de um caso isolado. O professor Paulo Pinheiro Machado, do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH/UFSC), que atuou de forma pacífica durante a invasão do Bosque da UFSC pela Polícia Federal em 2014, após oitivas e inquéritos similares da PF tornou-se réu em um processo recentemente confirmado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Outros episódios já aconteceram também na Universidade Federal de Minas Gerais (invasão do campus e condução coercitiva do reitor) e, mais recentemente, a instauração de processos contra professores da Universidade Federal do ABC (em São Paulo), pelo fato de terem organizado um lançamento de livro. Há menos de um ano, os mesmos agentes públicos, liderados pelo Ministério Público Federal e ministro da Educação, tentaram impedir, na Universidade de Brasília (UnB), a realização de uma disciplina que refletia criticamente sobre os acontecimentos que levaram ao afastamento da ex-presidenta Dilma Rousseff, em agosto de 2016. A universidade pública federal brasileira está sob intenso ataque pelas forças que tomaram o poder político no país, não há dúvida.

    Assim, nos manifestamos em defesa da liberdade de expressão e da autonomia das universidades públicas federais.

    Universidade é lugar de conhecimento e liberdade

    A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) manifesta sua indignação com as ações desencadeadas por agentes que afrontam a Universidade Pública Brasileira e o Estado Democrático de Direito. Uma vez mais, presenciamos a Universidade Federal sendo vítima do arbítrio e da censura.

    Nesta sexta-feira, 27 de julho, a imprensa nacional revelou que a Polícia Federal de Santa Catarina instaurou inquérito contra o professor Áureo Mafra de Moraes, chefe de gabinete da Reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O professor foi intimado, no mês passado, por ter participado de ato público pelo 57º aniversário da UFSC, ocasião em que lamentou a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que se suicidou em outubro de 2017, após ser preso sem acusação justificada, sendo submetido a humilhações descabidas.

    A intimação do professor Áureo Mafra de Moraes, e a determinação para que faça comunicação em caso de eventual mudança de endereço, bem como a tentava de proibir manifestações da comunidade universitária, constitui lamentável retrocesso para a democracia brasileira. A abertura de inquérito policial contra o professor Áureo de Moraes agride, assim, a universidade e a democracia. Infelizmente, é mais uma demonstração de repetidos abusos e desrespeito à lei que temos vivenciado e que lamentavelmente nos remete à Ditadura, período em que, é bom lembrar, o arbítrio e o abuso de autoridade eram práticas correntes e justificadas com argumentos estapafúrdios. A autonomia universitária, resguardada pela Constituição Federal, tem sido desprezada, e aqueles que deveriam fazer cumprir a lei e garantir os direitos expressos na carta magna brasileira, lançam mão de artifícios para intimidar, cercear e tentar impor um regime ao qual a Universidade não irá jamais se curvar.

    A Andifes, as reitoras e os reitores das Universidades Federais solidarizam-se com a comunidade da Universidade Federal de Santa Catarina, com seus gestores, ex-reitores e com seus servidores, reiterando o direito constitucional às manifestações pacíficas, que não podem ser criminalizadas, pois se constituem em conquista essencial da vida democrática. As manifestações promovidas pela comunidade universitária da UFSC e pela sociedade são legítimas e democráticas. São vozes cidadãs que pedem justiça e que justamente rechaçam as ameaças à Universidade Pública. Ao mesmo tempo, conclamamos toda a sociedade a reagir às violências repetidamente praticadas por órgãos e indivíduos que têm por obrigação respeitar a lei e o Estado Democrático de Direito. As Universidades Federais são patrimônio da sociedade brasileira, e não cessarão a sua luta contra o obscurantismo no Brasil.

    Brasília, 29 de julho de 2018.

     

    Nota da SBPC em SC sobre tentativa de cerceamento da liberdade de expressão na UFSC

    01/08/2018 

    A Secretaria Regional da SBPC em Santa Catarina recebeu com extrema preocupação as notícias divulgadas recentemente em nível nacional a respeito da existência de um inquérito policial visando limitar, reprimir ou punir atos de manifestação pública ocorridos dentro do campus da Universidade Federal de Santa Catarina em dezembro de 2017. Nossa representação estadual repudia qualquer tentativa de criminalização e censura à manifestação pacífica de ideias, principalmente quando se trata de um ambiente acadêmico onde deve prevalecer a autonomia universitária, o espírito democrático, o respeito à Constituição e o livre trânsito de opiniões.

     

    Florianópolis, 1 de agosto de 2018
    Nota do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior Andes/SN- UFSC repudia perseguição de professores
     
    Na atual conjuntura de fortalecimento da visão da educação como mercadoria e das constantes ameaças à autonomia universitária no Brasil e de privatização das universidades, entendemos que a investigação que envolve o Prof. Áureo Mafra de Moraes relativa ao evento de aniversário de 57 anos da UFSC, em dezembro passado, é mais um ataque à autonomia da comunidade da UFSC e um cerceamento à livre manifestação de ideias. Desta forma, a diretoria da seção sindical do ANDES-SN na UFSC manifesta apoio ao Prof. Áureo e permanece na defesa do exercício da democracia e da Universidade Pública.
     
    O ANDES UFSC manifesta ainda o apoio à investigação de desvios de recursos nas Universidades Federais ou em quaisquer outros espaços, mas considera essencial que estas investigações ocorram respeitando o Estado Democrático de Direito e à ampla Defesa. Manifestamos o nosso veemente repúdio à forma autoritária, arbitrária, desumana e espetacularizada que foi adotada na Operação Ouvidos Moucos e que agora assume um caráter intimidatório e contrário à liberdade de expressão por parte da delegada que a época conduzia a operação, que se utilizando de abuso de poder, coibiu qualquer crítica aos desvios existentes em parte do Poder Judiciário, particularmente na condução da citada investigação.
     
    Por fim, destacamos que na atual conjuntura, sob a aparência de investigar desvio de recursos nas Universidades Públicas e sob o argumento de combate à corrupção, está em jogo um ataque neoliberal à estas instituições públicas, cuja finalidade é destruir sua autonomia e, de forma explícita, abrir caminho à privatização. Combatemos e denunciamos estes ataques à Universidade Pública e nos somamos à luta daqueles que fortalecem e defendem o Patrimônio Público e o Estado Direito e que, veementemente, rechaçam o Estado de Exceção.
     
    Diretoria da Seção Sindical do ANDES na UFSC

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    Estado policial 

    Por Roberto Romano da Silva

    Talvez vários procuradores de justiça, juízes e delegados de polícia desconheçam a obra de Raymond Carré de Malberg. É pena, porque o jurista francês publicou escritos fundamentais para a vida democrática, na passagem do século XIX para o XX. Suas análises e advertências, não acolhidas  pelos conterrâneos, anunciaram o clima de terror na pretensa república de Vichy, escabelo usado pelo nazismo para destruir, humilhar, vencer as resistências dos que perderam nos campos de batalha. Carré de Malberg se preocupou com o Estado de direito e os ataques contra tal regime. No doutoramento, defendido em 1887, o tema prenuncia o desenvolvimento posterior de sua pesquisa: História da exceção no direito romano e nos antigos processos franceses (Editora Rousseau). No capítulo intitulado “Transformação das praescritiones pro reo em exceções” ele mostra o quanto eram importantes, no direito romano, pontos que hoje passam despercebidos na opinião pública e para muitos juristas. Trata-se em primeiro lugar de não conduzir uma decisão sobre questões maiores a partir de questões menores. E também sobre a pergunta se um processo seguiu todos os trâmites exigidos e, ademais, se o magistrado é de fato e de direito competente para o veredicto. Sem aqueles requisitos o direito perde todo sentido, cai o Estado na voragem da força física, arbítrio, truculência contra os réus. Ao deixar o direito, o poder seguiria rumo à barbárie. Vale a pena ler semelhante trabalho, acessível no site da Gallica, Librairie National de France.

    Qual o motivo para evocar o jurista do século 20? Carré de Malberg  assumiu uma posição positivista no direito constitucional. Entenda-se: ele considerava estratégico analisar o Estado existente, não o idealizado que reside nos manuais de direito, nas aulas universitárias ou sentenças de juízes que da situação efetiva nada conhecem. Eles julgam e condenam ignorando a sociedade real a que deveriam servir. Seria excelente se, em nossa terra, as lições trazidas por ele fossem conhecidas e praticadas. O divórcio entre o povo e a prática do direito seria amigável. Ao persistir o vezo de aplicar códigos idealizados, nossa justiça é levada a um divórcio litigioso com a população, sobretudo a que não habita os palácios. Um ensino precioso que o pensador nos traz, trata justamente da calamidade que rege o trato das chamadas autoridades e o mundo civil em nossos tristes dias. Refiro-me à sua definição do Estado policial.

    Vivemos no século 20 sob dois Estados policiais, a ditadura Vargas e a civil/militar de 1964. Em ambas os direitos foram espezinhados, o monopólio estatal da força física foi mantido com selvageria, foram feitas prisões injustificáveis em direito ou ética, torturas, censuras, exílios, assassinatos de opositores. Sob a Polaca, a suposta segurança nacional justificava os excessos do poder. Na ditadura de 1964 surgiram os Atos Institucionais, vários deles redigidos pelas mãos do mesmo autor da Carta de 1937, Francisco Campos, o nosso Carl Schmitt. Na calada da noite, mesmo decretos secretos, delírio totalitário, foram impostos à Nação. E  sempre em nome de causas pretensamente nobres, como o combate à corrupção e a luta contra agentes subversivos. É de Raymond Carré de Malberg uma das mais exatas definições do Estado policial. Naquele poder “a autoridade administrativa pode, de modo discricionário e com uma liberdade decisória mais ou menos completa, aplicar aos cidadãos todas as medidas que ela julga útil a ser tomada por iniciativa dela mesma, para enfrentar circunstâncias e atingir em cada momento os fins que se propõe. O Estado policial se opõe ao Estado de direito” (Contribuição à teoria geral do Estado, Paris, Société du Recueil Sirey, 1920).

    Na França de Vichy, o Estado policial atingiu o ápice,  em país que ajudara a cidadania mundial a conquistar não apenas o Estado de direito, mas democrático. Em alguns meses, séculos de políticas livres foram esmagados sob as patas do exército invasor, dos colaboradores, das polícias alemãs e francesas. Em parceria com a gendarmeria que ajudava os alemães, existiram as Seções Especiais de Justiça. Nelas, alguns magistrados sem caráter e sentimento patriótico julgavam os seus concidadãos como inimigos do Estado. Sim, trata-se de tribunais de exceção cujos atos desprezam todas as regras do direito: falta de motivos publicados, ausência de recurso, aplicação retroativa da lei. O leitor entende, agora, a causa do apelo a Raymond Carré de Malberg: sua própria terra seria o lugar infernal do estupro de todo direito, o paraíso do Estado policial de exceção.

    No século XX, em quase todos os Estados a realidade do indivíduo comum, desprovido de poderes contra o Estado, foi similar e magnificamente ilustrada por  Jan Kott: “Quatro horas da madrugada…Instante situado entre noite e aurora, minuto em que, nas instâncias superiores, as decisões foram assumidas e o que deveria ocorrer já aconteceu. Hora em que é possível salvar a própria cabeça e fugir. Hora derradeira da opção livre. Toca o telefone, alguém bate à porta. Quem? Não sabemos. Um amigo ou o enviado pelo Grande Mecanismo?” (Shakespeare, nosso contemporâneo). Pouco importa a cor da farda, se ela é negra, marrom, verde ou cinza. O fato é que ela anuncia o Grande Mecanismo policial, o fim dos direitos, a tirania autorizada por muitas  togas. Eric Voegelin tem páginas candentes sobre a cumplicidade de magistrados com o poder fardado, basta ler, se o estômago é forte, suas linhas intituladas  Hitler e o povo alemão.

    Quando se discutiu o Ato Institucional de Número 5, Pedro Aleixo, ao ouvir os bajuladores de sempre afirmarem que o ditador de plantão “jamais abusaria do instrumento legal” replicou (e tal fala lhe custou a presidência): “e o guarda da esquina?”. Nas frases de Jan Kott é clara a decisão tomada em instâncias superiores. Mas as execuções são feitas por subalternos que tocam a campainha das vítimas É-lhes permitido o pior arbítrio. Foi assim que fardas às claras ou dissimuladas estupraram no período a maioria dos campi brasileiros. Naquele instante de terror um sábio dirigente  universitário se insurgiu contra os fuzis: “aqui, esses beleguins de tropa militar não entram, porque entrar na universidade só através de vestibular”, disse o  reitor Pedro Calmon Muniz de Bittencourt, de imortal memória.

    Professores foram cassados, aulas dadas sob a escuta de espiões ou delatores que reportavam aos donos do poder o que se fazia no âmbito acadêmico. Além do  vilipêndio dos corpos, os tiranos quiseram destruir mentes e corações. O abuso da força se transformou em ethos policial no Brasil. E para nossa tristeza, muitas togas apoiaram e apoiam tal hábito. Ainda em 2005 escritórios de advocacia foram invadidos por forças policiais, em evidente desrespeito a todas as normas de  direito público, cosmopolitas e brasileiras. Na ocasião, denunciei a anomalia. (Cf. Boletim Advocef, Ano IV, set. 2005, edição 31, p. 10).

    Com a Operação Lava Jato retornaram os abusos e arbítrios, sempre no conúbio de setores do Ministério Público, Polícia, Magistratura.  Não bastam os cortes drásticos de recursos praticados por um governo nada comprometido com as ciências e as técnicas. Não basta o êxodo de cérebros (o perverso Brain Drain) que arranca pesquisadores de sua terra e os leva para os países hegemônicos, em detrimento de nossa gente. Não bastam os salários de miséria com o qual aqui sobrevivem cientistas competentes que  testemunham  recursos públicos empregados em auxílios moradia e benesses para  setores governamentais e da Justiça. Agora ressurgem prisões coercitivas ao estilo descrito por Jan Kott, campanhas de propaganda contra universidades públicas e lideranças políticas, entradas nos campi à caça de supostos corruptos cuja culpa está longe de ser definida. Humilhações foram aplicadas em autoridades acadêmicas como sequer nas duas ditaduras do século XX havia ocorrido. Em tal cenário deu-se o assassinato da alma e o suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. Logo após, ocorreu a prisão do reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, com o mesmo festival truculento. A operação “Esperança Equilibrista” (deboche cruel dirigido propositalmente às  vítimas da ditadura instaurada em 1964) anunciou a decadência de nosso fragílimo Estado de direito.

    Professor Áureo Moraes, indiciado em inquérito policial por manifestação da comunidade universitária contra abusos de poder que vitimaram o reitor Cancellier

    O dr. Áureo Moraes, amigo do reitor de Santa Catarina, está sendo  ameaçado de ser processado por “calúnia”, por instigação das mesmas autoridades que até hoje não responderam pelo dano irreparável cometido contra a integridade física e moral de Cancellier.  É preciso recordar que no Estado de direito a garantia da vida e da pessoa civil dos governados é obrigação intransferível do poder público? Muito pouco surgiu do processo policial contra o reitor. Mas a intimidação se volta contra os que foram e são solidários diante de sua memória e família. É tempo de todas as universidades brasileiras se unirem num só corpo para exigir dos legisladores alguma lei contra o abuso de autoridade. Tal desvio, como disse acima, se transformou em sinistro ethos. Quanto ao Ministério Público, dificilmente ele encontrou uma defesa mais fiel do que em minha pessoa. Face a tamanha  violência, só poderei me colocar em suas fileiras quando a prática atual for encerrada. É tempo de todas as nossas instituições e dos que nela operam, reconhecerem a diferença entre o Estado de direito e o Estado policial.

    Roberto Romano da Silva é professor titular aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Autor de vários livros, entre eles “Brasil, Igreja contra Estado” (Editora Kayrós, 1979), “Conservadorismo romântico” (Editora da Unesp), “Silêncio e Ruído, a sátira e Denis Diderot” (Editora da Unicamp), “Razão de Estado e outros estados da razão” (Editora Perspectiva).