Pelo Facebook, Carlos Techera, militar da reserva, ameaçou matar candidato da Frente Ampla, Mujica e Tabaré, caso Lacalle perdesse as eleições
O militar da reserva Carlos Techera foi preso nesta manhã (27/11) por divulgar um vídeo nas redes sociais, onde ele aparece ameaçando o ex-presidente José ‘Pepe’ Mujica, que acaba de ser eleito senador; o atual presidente Tabaré Vázquez e o candidato da Frente Ampla (FA), Daniel Martínez.
Em sua mensagem, transmitida ao vivo no Facebook antes do segundo turno das eleições de 24 de novembro, Techera disse:
“Vou dizer uma coisa a este retardado de Martinez e a esse idiota de Mujica. Eles vão perder as eleições. Hoje eles vão Hoje Luis Lacalle Pou e o Partido Nacional (PN) serão governo, gostem ou não. ”
Além disso, durante a proibição, ele afirmou:
“Se eles cometerem o erro de tentar contra a segurança de Lacalle Pou ou contra as instituições do país ou a Constituição da República por perderem as eleições, não terão o mesmo destino de 73”
Naquele ano, começou o golpe de estado que começou a ditadura militar.
A mensagem intimidadora contra os líderes do centro uruguaio continuou: “Se você quer ter um problema contra os militares, você o terá e de graça. A única diferença é que não terá 73 anos, desta vez todo mundo fica, tupamaros ou Não. É simples assim, fácil.
” E ele reiterou: “Desta vez, eles não saem vivos, vamos ver se eu estava livre agora”.
Você terá que testemunhar perante o promotor.
Então, o banco da FA votou por unanimidade a registrar uma queixa criminal, e o senador Juan Castillo a apresentou na terça-feira junto ao Ministério Público, considerando que eram “ameaças de morte”. Após a prisão, foi anunciado que os ex-militares testemunharão perante as autoridades ao meio-dia, diz El Observador.
Antes de sua apreensão, em uma entrevista à Universal Radio, ele se arrependeu: “Quem cometeu um erro fui eu e não tenho desculpa”, disse ele.
No ano passado, Techera tentou ser candidato à presidência do PN e, em reportagens com a mídia local, ele se considerava “pior que Bolsonaro”, o presidente de direita do Brasil.
Texto: RT
“Me equivoquei”, disse militar aposentado, depois do vídeo em que ameaça Martínes e Vásquez
“Me equivoquei e estou reconhecendo. Que mais vão querer fazer comigo? Uma carniçaria?”, disse Carlos Techera na noite desta terça-feira
Carlos Techera, o militar da reserva que ameaçou de morte e insultou o atual presidente, o senador Pepe Mujica e o candidato a presidente da Frente Ampla, Daniel Martínez
En la noche de este martes, Carlos Techera, un militar retirado que quiso competir en la interna nacionalista y que en un video amenazó tanto al presidente Tabaré Vázquez como al candidato frenteamplista Daniel Martínez, dijo: “El que me equivoqué fui yo y no tengo excusas”.
En diálogo con Radio Universal señaló que en el tono del mensaje “estuvo mal” y agregó: “Lo que yo digo, está mal también, eso no se puede decir”.
Consultado sobre qué significa la “quedan todos”, dijo: “Pueden ir presos, lo que sea, pero yo no dije matar. Cada uno interpreta lo que quiere”.
“Me equivoqué y lo estoy reconociendo. ¿Qué más van a querer hacer conmigo? ¿Una carnicería?”, dijo Techera.
“Yo lo que soy es muy reaccionario. Soy muy calentón. Me arrepiento de lo que dije, de la forma que lo dije, sí, en el contenido de la parte en todo lo que tiene que ver con los militares, sí me arrepiento”, señaló minutos después.
La bancada del Frente Amplio votó por unanimidad presentar una denuncia penal en su contra. Este martes se presentaron ante la Fiscalía de Corte los senadores Juan Castillo, Mónica Xavier y Ruben Martínez Huelo para que se traslade la denuncia ante la dependencia correspondiente, informó Castillo a El País.
Indicó además que todos los senadores del Frente Amplio coincidieron en que efectivamente se cometió un delito, en base al numeral 4 del artículo 171 del Código Penal que alude a “ofensa y violencia a la autoridad”.
En la denuncia, a la que accedió El País, los senadores frenteamplistas dicen que los dichos de Techera constituyen “actos con real apariencia delictiva” y le piden al fiscal general de la Nación, Jorge Díaz, que disponga “las medidas pertinentes a los efectos de investigar la denuncia”. Agregan que se trataría de un delito contra la administración pública y sobre la violencia y la ofensa a la autoridad pública.
Techera, quien el año pasado intentó ser precandidato a presidente del Partido Nacional y se presentaba en las entrevistas como “peor que Bolsonaro”, comienza diciendo en el video divulgado: “Se quejan en el Frente Amplio porque el general (Guido) Manini Ríos hizo un video, bueno yo voy a subir más la vara a ver si se quejan conmigo y aparte le voy a dar una advertencia y yo no estoy jugando. Si alguno cree que yo soy un loco o soy un bocón y estoy jugando hagan la prueba, no me cuesta nada levantar el teléfono y hacer una llamada”.
Según lo que expresa Techera, el video fue realizado en la mañana del domingo, antes de conocerse el resultado del balotaje.
“Les voy a decir algo a los líderes del Frente Amplio, y háganlo viral este video, si ustedes cometen el error, el mínimo error, de atentar o contra la seguridad de (Luis) Lacalle Pou, o contra las instituciones de la patria o contra la Constitución de la República por perder las elecciones, ustedes no van a tener la misma suerte del 73 (año del golpe de Estado). Y me voy a sacar los lentes para que me vean bien la cara, Vázquez, la quedan todos”, expresó.
“Si ustedes quieren tener un problema contra los militares, lo van a tener y gratis. La única diferencia es que no va a ser el 73, esta vez la quedan todos, tupamaros o no, así de simple, así de fácil. Las Fuerzas Armadas están para cumplir con la Constitución de la República y el mandato que ella dispone, pero no para ser masacrados en una emboscada, a pedradas”, agregó.
Techera reiteró: “Si ustedes en el Frente Amplio tienen un problema con las Fuerzas Armadas, se lo dice un militar desde ya, lo van a tener y gratis. Esta vez no salen vivos, a ver si fui claro ahora. Las elecciones van a seguir, Vázquez, como tienen que seguir, en democracia”, agregó.
Daniel Martínez comemora passagem para um segundo turno temeroso. Fotos: Raquel Wandelli
Em meio à convulsão social na Bolívia, Chile e Colômbia, os olhos da América do Sul se voltam neste domingo para o segundo turno das eleições do Uruguai. Nos últimos 15 anos, o país é considerado referência da fórmula justiça social e desenvolvimento econômico com democracia. Mais do que colocar à prova esse modelo, a disputa acirradíssima entre esquerda e direita põe em xeque a vulnerabilidade da própria democracia perante o alastramento, por todo o continente, da narrativa neopentecostal, liberal e fascista (para tentar nomeá-la). O discurso autoritário e moralista, apoiado no combate às políticas públicas e na repressão militar avança nas camadas populares na velocidade dos algoritmos. Não encontra barreiras mesmo num país cujo povo tem os mais altos índices de escolaridade superior e é considerado dos mais politizados do mundo.
É essa prova de fogo que está de novo em jogo no páreo deste domingo: a força da democracia para derrotar seus próprios antídotos. Trata-se do mesmo embate que domina outros países, como Bolívia e Brasil, mas no Uruguai essa divisa se coloca num cenário bem mais nebuloso, cujos perigos não se mostram na superfície. A disputa entre a Frente Ampla, representada pelo centro-esquerda Daniel Martínez, e o Partido Nacional, liderado pelo centro-direita Luís Lacalle Pou, aparentemente fugiria a essa ameaça. Isso porque a democracia uruguaia, tão jovem quanto a brasileira, mas muito mais consolidada, oporia uma resistência inabalável às investidas planetárias de um projeto neofascista.
Vitória mais segura das esquerdas nas eleições do Uruguai foi a derrota do plebiscito da Reforma Constitucional
A escuta das ruas do Uruguai mostra, contudo, que nenhuma suposição dessa ordem é mais segura no jogo de forças da política geoplanetária, que se vale de meios fora do jogo democrático para impor seus representantes na América Latina. Fala-se de fraudes, golpes disfarçados, alienação em massa, enfim, tudo que o Brasil experimentou no último pleito. Com a eleição de Bolsonaro, bombada pela eliminação de Lula da disputa e pela disseminação de fake news apoiada no uso da tecnologia social de Steve Bannon, o Brasil já provou que a democracia é mesmo uma flor frágil. Precisa de vigilância firme para não abrir flanco a sua própria destruição.
No discurso reproduzido por taxistas e setores mais afetos ao sistema da pós-verdade no Brasil, no Chile, na Argentina, a narrativa é idêntica: o combate ao avanço do comunismo pelo conclamado Foro de São Paulo; à ideologia de gênero como responsável pela degradação moral da sociedade; à corrupção, como se fosse uma prática identificada com a esquerda, e não com a direita; e o caos urbano, pretensamente deflagrado pela proteção aos direitos humanos e o relaxamento da segurança pública.
Mal entramos num táxi na véspera do pleito, o motorista tentou nos convencer dessas teses, impondo-nos na viagem do centro de Montevidéu até o Velódromo um vídeo no estilo Olavo Carvalho. A tecnologia social de Steve Bannon difunde pelas listas de whatsapp e pelos vídeos do YouTube afirmações caluniosas que não precisam de provas para virar verdade. Nem Pepe Mujica, que cultua uma vida franciscana, nem o presidente Tabaré Vásquez, um oncologista renomado, que enfrenta o câncer avançado no pulmão com uma dignidade comovente, são poupados das fake news e das acusações de corrupção.
Martínez, da Frente e Lacalle Pou, do Partido Nacional, que surfou na onda dos ataques à esquerda na América do Sul
O candidato de direita, que corre com uma margem de 5 a 7 pontos na dianteira, carrega consigo não apenas a possibilidade de alternância normal de poder para um governo mais liberal e conservador, que promete manter as políticas públicas na área de educação e saúde e também as liberdades conquistadas, como descriminalização do aborto e do uso da maconha. Ele pode ser um Cavalo de Troia para a fórmula bombástica dos desmoralizados neoliberais Macri e Piñeda, e também dos neofascistas Iván Duque e Bolsonaro. Filho de um militar marcado pela colaboração à ditadura uruguaia e por um dos governos mais corruptos do país, Lacalle se ergueu num processo de disseminação de fake news e de campanha dogmática contra as esquerdas na América do Sul.
A chapa de Lacalle, que saiu do primeiro turno com quase 11% a menos que a de Martínez, arrastou para o segundo uma aliança com candidatos vencidos, como o liberal Ernesto Talvi, do Partido Colorado, e Guido Manini, do Cabildo Abierto, uma espécie de Bolsonaro uruguaio, que cavalga essa legenda “oportunamente” criada para a eleição. Mesmo tendo sido formalmente rejeitado pelo candidato do Partido Nacional, transferiu seus votos para Lacalle tão logo saíram as preliminares do primeiro turno. Mostra de que a rejeição tem um caráter apenas estratégico: não afugentar o eleitorado que se assusta com os arroubos fascistas do ex-militar. Neoliberal na economia, inimigo declarado das políticas de distribuição de renda, defensor da tortura e da repressão policial, Manini ameaça as liberdades conquistadas após a ditadura, encorajando seus 11% de eleitorado a defenderem teses antidemocráticas que retornarão com mais força num possível governo de Lacalle. Por outro lado, afasta a adesão de certos eleitores do Colorado, que obteve 12% no primeiro turno, desagradando setores da sigla mais comprometidos com a história do partido contra a ditadura. E é aí que mora a esperança da FA no segundo turno, segundo o presidente da frente, Javier Miranda.
A eleição no Uruguai sempre foi marcada pela polarização entre brancos e colorados, num eleitorado caracterizado pela clara definição política. Só em sua primeira e triunfal vitória, em 2004, com Tabaré Vásquez, a Frente Ampla, formada por 40 agremiações partidárias de esquerda e centro-esquerda, definiu a disputa no primeiro turno. Em 2010, o popularíssimo Pepe Mujica enfrentou essa bipolaridade na segunda volta, assim como o próprio Tabaré na sua reeleição em 2015. Disputa acirrada não é novidade para o cenário uruguaio, portanto. A novidade é a ascensão da direita após o processo de redemocratização e de derrota dos governos liberais que sucederam a ditadura militar, impondo ao país a mais grave crise econômica da sua história. Justamente para enfrentar a ascensão da direita, a Frente Ampla optou pelo perfil mais conservador de Daniel Martínez e com isso desagradou setores mais à esquerda, como o Partido Comunista, que nem por isso deixaram de se integrar à campanha.
Candidato da Frente Ampla e família: opção por perfil mais conservador para enfrentar direita
As últimas pesquisas eleitorais apontam vantagem de 47% para a chapa Lacalle e Beatriz Agrimón, contra 42% da dupla Martínez e Graciela Villar, variando de um ou dois pontos a mais ou a menos. Com esse índice, que praticamente corresponde à margem de erro em qualquer cenário eleitoral, nenhum meio de comunicação, nenhum analista político, nem instituto de pesquisa (as chamadas “encuestadoras”) pode dar a disputa por vencida para um dos lados. Muitos veículos que fizeram a projeção de derrota para a Frente Ampla já no primeiro turno podem morder a língua. Considerar a imprevisibilidade desses processos é uma questão de respeito ao percentual de indecisos e à verdade das urnas, que não pode ser subjugada à influência das “encuestas”.
A única verdade que pode ser antecipada, não importa o resultado de amanhã, é que em nenhum lugar do mundo as liberdades, as conquistas sociais e os direitos trabalhistas estão assegurados. Nenhum projeto de governo está imune às ofensivas do fascismo neoliberal que se colocam fora do jogo democrático. Ganhando ou perdendo, a democracia terá levado um grande susto ou uma grande puxada de tapete.
Martínez enfrentará Lacalle: vantagem no primeiro turno não supera projeção dos votos de direita no segundo. Fotos: Raquel Wandelli
Foi bonita a festa da Frente Ampla na avenida 18 de julho, ontem à noite, em Montevidéu. Não foi a vitória desejada já no primeiro turno para anular o poder de uma aliança conservadora e temerosa na “segunda volta”, marcada para 24 de novembro. Mas foi uma vitória e assim deve ser respeitada. As vibrantes multidões de eleitores da esquerda nas ruas de Montevidéu logo após as preliminares não autorizam nenhum partido, analista ou meio de comunicação a tirar do povo uruguaio o valor dessa conquista. Os uruguaios frentistas comemoraram o favoritismo de Daniel Martínez e Graciela Villar junto com o triunfo de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner no primeiro turno das eleições presidenciais da Argentina como degraus diferentes de uma mesma felicidade cívica.
Aparentemente alheios ao temor que palpitava no peito de cada líder da frente, os eleitores ovacionaram a dupla Martínez e Villar, agitando as bandeiras dos 40 partidos que formam a maior e mais duradoura coalizão de esquerda hoje na América e no mundo. Os eleitos receberam a paixão uruguaia de sempre, paixão de quem não esquece a luta dos antepassados. Mas a vantagem de menos de 11 pontos de Daniel Martínez sobre o segundo colocado, Luís Lacalle Pou, do Partido Nacional, habilitando ambos para o segundo turno, não dá razão para tranquilidade ou confiança para a esquerda na “segunda volta”. Especialmente após chegarem as notícias sobre as agremiações conservadoras que já começaram a se armar ontem mesmo nos subterrâneos da direita uruguaia. O apoio imediato do ultra conservador Guido Manini, e também de Ernesto Talvi, do Partido Colorado, aumentou a incerteza dos frentistas no segundo turno.
“Temos que trabalhar muito e dialogar muito”, disse Martínez aos Jornalistas Livres, quando se dirigia para o pavilhão da imprensa, nas imediações da avenida 18 de julho, no centro de Montevidéu, para fazer seu primeiro pronunciamento. Ao identificar nossa nacionalidade, o candidato parou, nos abraçou e desejou: “Feliz aniversário ao querido presidente Lula!”. A liberdade de Lula foi muitas vezes cantada nas manifestações da vitória. O refrão “O povo unido jamais será vencido!” ecoou a consciência da unidade latino-americana pela defesa de suas riquezas e soberania dos povos.
Por volta das 19h30, quando as primeiras parciais confirmaram a liderança de Martínez sobre Lacalle no primeiro turno, milhares e milhares de uruguaios já comemoravam na avenida com a mesma empolgação da esquerda desde a primeira vitória da Frente, em 2005. À medida que a distância entre ambos era superada pela soma dos candidatos à direita, a vitória foi ganhando um sabor ambíguo. A cúpula se retirou mais cedo do palco da festa, que sequer foi pisado por Pepe Mujica e sua esposa, a atual vice-presidenta Lucía Topolanski, eleitos a senadores com uma votação histórica.
Graciela Villar e Daniel Martínez: vamos conversar com tudo mundo
Com o resultado das urnas tornando mais árdua a conquista do quarto mandato das esquerdas uruguaias no segundo turno, a grande vitória nas eleições do Uruguai foi a derrota do plebiscito da Reforma Constitucional relativa ao projeto de combate à criminalidade “Vivir sem Medo”. Foi, ao menos, a única vitória consolidada. Projeto de autoria do senador Jorge Larrañaga, do Partido Nacional (Branco), o pacote é considerado pela maioria como a preparação do terreno para a militarização do governo. O projeto cria uma espécie de guarda nacional, com poderes para prender sem mandado judicial, fazer buscas no período noturno, prendendo pessoas suspeitas dentro de casa, entre outras medidas. Uma espécie de “pacote anticrime”, focado no policiamento que, na prática, daria aos militares amplos poderes de repressão.
Nas ruas, a população assinalava a compreensão da importância da derrota desse projeto, reprovado por 54% da população. Durante a comemoração do resultado da Frente, eleitores gritavam: “Não à reforma, o medo não é a forma!” e “Militares nunca mais!”. A repulsa à criação dessa guarda nacional predomina entre as pessoas que vivenciaram a ditadura e a juventude politizada. É o exemplo de Lise Moreno, de 16 anos, que votou pela primeira vez e viveu os horrores do governo militar através da memória dos pais e se disse satisfeita principalmente com a derrota do plebiscito. “Não queremos militares outra vez no poder”.
O projeto ganhou corpo com o apelo da direita ao tema da criminalidade, martelado pela mídia conservadora a ponto de criar o ambiente de uma crise de segurança. É como se o Uruguai, eleito recentemente como um dos países mais acolhedores do mundo, tivesse os índices de violência das metrópoles mais conturbadas, o que não parece corresponder à realidade e à opinião de turistas e moradores entrevistados. “Experimentamos um aumento do número de roubos, mas estamos longe de ser uma nação violenta”, assinala Suzana Rodrigues, 57 anos, psicóloga, opinião partilhada por Gustavo Area, recepcionista de um hotel no Centro de Montevidéu. “Para mim, que tenho a vivência do Rio de Janeiro, essa visão sobre a segurança do Uruguai soa muito exacerbada”, afirma a carioca Rosana Câmara, que se mudou para o Uruguai com o impeachment de Dilma Rousseff.
O resultado do plebiscito indica que, na opinião da maioria, o combate à criminalidade era apenas um cavalo de Tróia para ir minando por dentro a sociedade democrática instaurada no Uruguai a duras penas após o processo de redemocratização, findo o período de uma década de autoritarismo e violência de Estado (1973-1984). “Para nós, fica claro que a questão da segurança era apenas um subterfúgio para os militares começarem a tomar o poder, instaurando o medo e a repressão em nome do combate ao crime”, afirma Luís Hector Oliveira, que foi preso, torturado pela Ditadura Militar e teve que deixar o país em 1973 para viver clandestinamente no Brasil até a anistia, em 1984.
Professor de história em escola pública, Luís viajou de ônibus do Rio de Janeiro, onde vive desde então, até o Uruguai para votar e pretende trazer outros companheiros no segundo turno. “Essas eleições são muito importantes para garantir o projeto de aprofundamento da democracia das esquerdas e de desenvolvimento econômico com distribuição de renda e justiça social”.
A derrota do plebiscito é, por ora, a única segura, mas se pode dizer que também é relativa. Ela pode retornar através de outros caminhos, como os acordos que Luís Lacalle Pou já está acenando com a direita mais extremista, representada por Guido Manini Rios, do Cabildo Abierto, considerado o Bolsonaro uruguaio, defensor da tortura e de um governo militar, como lembra Heber Pacheo, 57 anos, empregado do comércio, que também veio do Brasil para votar. Embora tenha chegado ao quarto lugar, Manini continua sendo um azarão com peso decisivo na reconfiguração de forças para o segundo turno.
Ontem mesmo, Lacalle afirmou que, na reconfiguração das forças para a disputa final, daria o posto de ministro da defesa para o ex-militar. “Uma posição estratégica no sentido de reinstaurar a repressão política sob o argumento de melhorar a segurança”, acrescenta Heber, que inclusive se diz assustado com a margem de reprovação do “pacote anticrime. “Eu esperava que muito mais da metade da população se manifestasse contra, depois de tudo que vivemos no Uruguai”.
Para crescer ao menos 5%, a esquerda aposta nas dissidências internas de setores do partido Colorado que, embora defendam uma economia neoliberal, não compactuam com a participação de Manini pela ameaça que ele representa à democracia. Entre os nove candidatos, apenas os quatro primeiros colocados apresentam uma soma significativa de votos. Todos os demais somam juntos 7% das urnas e apenas um, a Unidade Popular, centrada no trabalhismo, se identifica como força de esquerda dissidente da FA, que pode recompor uma aliança para o segundo turno. Com a pequena margem de votos em branco, num país marcado historicamente pela polaridade partidária, as chances de virada estão mesmo nos ventos insurgentes da América Latina, Europa e Oriente. E nas atitudes grotescas de referências de direita como Bolsonaro, impalatáveis até mesmo para os brancos e colorados.
MENOS DE UM MÊS PARA LUTAR PELA VIRADA
Até o dia 24 de novembro, data da “segunda volta”, a coalizão de esquerda terá que se superar para chegar ao quarto mandato. Será preciso adotar uma estratégia de “conversação e diálogo” com todas as agremiações, na tentativa de romper o muro da direita, como afirmou o próprio Martínez, ao fazer seu primeiro pronunciamento oficial, às 21 horas, no Comando da Campanha da Frente, no Hotel Crystal Tower. Martínez alcançou 39,17% dos votos, contra 28,59% de Lacalle, do Partido Nacional, que somados aos 12,32% de Ernesto Talvi, do Colorado, e 10,88% do ultraconservador Guido Manini, do Cabildo Abierto, apontam para uma nova disputa das mais árduas e temerosas da história. Os votos, depositado em papel nas urnas, são apurados de forma muito rigorosa pela Corte Eleitoral, sem acesso aos políticos ou membro dos partidos, e comunicados oficialmente por etapas a cada parcial.
Longe de ser confortável, o resultado confirma que o Uruguai, apesar dos enormes avanços econômicos e sociais promovidos pelos três governos da esquerda, não ficou imune à onda fascista e neoliberal na América Latina. Tanto no Brasil quanto no país vizinho, o discurso reproduzido por taxistas e setores afetos ao sistema da pós-verdade é o mesmo contra o conclamado Foro de São Paulo, a suposta corrupção da esquerda, o avanço do comunismo, a ideologia de gênero e o caos urbano, pretensamente deflagrado pela proteção aos direitos humanos. Um taxista tentou nos convencer dessas teses impondo-nos na viagem até o Velódromo um vídeo no estilo Olavo Carvalho. A tecnologia social de Steve Bannon difunde pelas listas de whatsapp e pelos vídeos do YouTube afirmações caluniosas que não precisam de provas para virar verdade. Nem Pepe Mujica, que cultua uma vida franciscana, nem o presidente Tabaré Vásquez, que enfrenta o câncer avançado no pulmão com uma dignidade comovente, são poupados das fake news.
Se as lideranças estavam apreensivas, o povo uruguaio mostrou confiança na capacidade histórica da Frente de se agigantar para enfrentar com dignidade a maior aglomeração de direita desde sua primeira vitória em 2004. Martínez e Graciela Villar, a líder feminista e popular, receberam no palco em frente à Intendência de Montevidéu, toda a coragem e amor cívico para fazer esse percurso.
ESQUERDA PERDE MAIORIA PARLAMENTAR
Tão importante quanto as eleições presidenciais, foram as eleições parlamentres realizadas no dia de ontem para 30 senadores e 99 deputados federais. Hoje, a frente de esquerda tem maioria parlamentar, mas dentro de uma relação de coalizão muito relativa, sempre exposta à renegociação. O quadro de distribuição de parlamentares por partido mostra que não haverá maioria parlamentar no próximo governo. Com três senadores a menos, a Frente Ampla, fez 13 parlamentares na Câmara Alta, enquanto o Partido Nacional fez 10, o Colorado 4 e o Cabildo Abierto 3, cargo conquistado pela primeira vez por esse partido criado para a disputa. Na Câmara Baixa, a FA perdeu nove deputados. Embora também tenha obtido maioria simples, perde para a soma dos parlamentares de direita.
Distribuição dos senadores por partidos. Fonte: https://www.elpais.com.uy/informacion/politica/mira-todos-resultados-elecciones-octubre.html
Entre os mais célebres senadores eleitos estão o ex-presidente José Pepe Mujica, que volta ao Parlamento aos 84 anos pelo Movimento de Participação Popular (MPP), com mais de 281.542 dos 99,96% dos votos apurados. Sua mulher, a Lucía Topolansky, vice-residente do governo de Tabajaré Vásques, também se elegeu. O MPP é uma das 40 sublegendas que integram a Frente Ampla, assim como o Progressitas, que fizeram 87.132 votos com a eleição de Mario Bergara para o senado, seguido pela corrente Artiguisa, que elegeu Álvaro García e Cristina Lustemberg, com 35.881 votos.
Esses grandes líderes, herdeiros dos bravos Tupamaros, que enfrentaram a fúria da ditadura, vão mobilizar agora toda o seu para carisma para mostrar ao povo uruguaio a armadilha da união entre neoliberais e fascistas. Ao mesmo tempo, precisam mostrar a ameaça concreta que essa aliança representa para um país que reduziu a pobreza de 38% para 8%, elevou o salário mínimo para R$ 1.600,00, investiu na tecnologia, na educação, na erradicação do analfabetismo e no desenvolvimento econômico com distribuição de renda. “Aqui o desenvolvimento econômico e tecnológico não tem por objetivo a concentração de renda entre os mais ricos, mas o crescimento de todos com a diminuição das desigualdades sociais”, como afirmou Javier Miranda, presidente da FA, em entrevista aos Jornalistas Livres.
Para a tarefa, contam com os exemplos da América Latina, não só da tragédia do governo bolsonarista no Brasil, mas com a recente vitória peronista na Argentina, a confirmação de Evo Morales no primeiro turno da Bolívia e a reprovação da política neoliberal no Chile, que se mostrou tão violenta e assassina quanto as forças militares uruguaias.
O povo uruguaio é considerado dos mais politizados do mundo e mais conscientes da importância da união da América Latina para a soberania dos povos, como aponta Javier Miranda, advogado, presidente nacional da Frente Ampla. Por isso, a vitória de ontem foi comemorada pelos eleitores da geração que mudou a história de um país acossado pelo imperialismo, pela ditadura e pelas oligarquias com gosto redobrado, ainda que o segundo tempo desse jogo possa reservar grandes dissabores, como acentua Daniel de Los Santos, técnico de enfermagem, 49 anos. Cada passo dado pela luta precisa ser comemorado para que a vitória sempre esteja no horizonte do lutador, para lembrar a lição do companheiro Guevara.
Há duas semanas das eleições presidenciais, imigrantes uruguaios recebem solidariedade brasileira para votar no país de origem
Depois de se livrar do atraso de uma das ditaduras militares mais atrozes do continente e de se tornar um modelo de reconstrução democrática, o Uruguai está em risco outra vez. As conquistas populares e os direitos sociais são os mais ameaçados pelo avanço da direita. Mas o alerta já soou em toda a América Latina, sobretudo no Sul do Brasil. Há duas semanas da eleição, as forças progressistas se mobilizam para angariar fundos e ajudar os imigrantes uruguaios espalhados pelo mundo a chegarem ao seu país de origem no dia do pleito presidencial, em 27 de outubro. O espírito da solidariedade latino-americana desperta principalmente os hermanos vizinhos da Argentina e Brasil, que não querem ver o Uruguai repetir a dolorosa experiência de retorno a um governo neofascista ou ultraliberal, como os de Bolsonaro e de Macri, cujos retrocessos podem significar um caminho sem volta.
Criação da Frente Ampla de Florianópolis, inspirada na experiência do Uruguai
Sem a possibilidade de participar do pleito votando no consulado ou por carta nos países onde residem, grande parte dos 300 mil uruguaios espalhados pelo mundo precisa de apoio financeiro para comparecer ao primeiro turno das eleições. Em Santa Catarina, região de fronteira, onde vivem aproximadamente 1.500 uruguaios, a mobilização para ampliar a vantagem do candidato da Frente Ampla do Uruguai, Daniel Martinez, assume um protagonismo nacional. Além de realizar festas para arrecadar recursos que serão todos aplicados no custeio do transporte de ônibus dos eleitores, as forças de resistência à onda conservadora abriram uma conta para depósitos com essa finalidade (203064-0, Banco do Brasil, agência 5255-8, em nome de Nelba Luz Moreno). Participam dessas iniciativas, sindicatos, partidos políticos e entidades ligadas à resistência latino-americana e a própria extensão da Frente Ampla em Florianópolis, para a qual todo voto pode fazer diferença nessa disputa decisiva não só para o Uruguai, mas para as lutas populares de todos os continentes.
A iniciativa mais promissora ocorre neste sábado, 12/10, Dia da Resistência Indígena, quando os apoiadores da Frente Ampla promovem a Festa América. Com a perspectiva de reunir 300 pessoas, a festa pretende arrecadar recursos para levar o maior número possível de uruguaios residentes em Santa Catarina às eleições. O evento ocorre das 12 às 22 horas, na famosa Associação Baiacu de Alguém, no Norte de Florianópolis, que realiza o carnaval mais autêntico e prestigiado da Ilha, em Santo Antônio de Lisboa, comunidade praieira de tradição açoriana. Os recursos até agora arrecadados são suficientes para contratar apenas um ônibus, conforme Ricardo Botana, da Frente Ampla do Uruguai em Floripa. Artista plástico e designer gráfico radicado na Ilha há 17 anos, Botana expõe na festa suas lâminas políticas, pinturas em nanquim com retratos e frases de Pepe Mujica, Lula, Eduardo Galeano, entre vários outros ícones da resistência internacional.
O Baiacú de Alguém vai animar a Festa América desde o meio-dia, com música latino-americana, incluindo candombe (corda de tambores) e outros ritmos como blues, rock, samba brasileiro. Gastronomia típica, com o churrasco choripan e cerveja integram o cardápio de atrações. Organizada pelo produtor cultural Nelson Brum Mota, a festa quer despertar o compromisso político apostando em uma confraternização de cunho artístico entre brasileiros e uruguaios. “Queremos criar um clima de fraternidade e incentivar as pessoas que não puderem comparecer ao evento a contribuírem com o que puderem depositar na conta em favor da democracia e dos direitos sociais no Uruguai”, enfatiza Mota.
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Em Porto Alegre, outra caravana formada por ônibus e carros de transporte coletivo e ainda de caronas solidárias está sendo organizada, com saída no dia 25 de outubro e retorno no dia 27. O objetivo é o mesmo: ajudar os uruguaios gaúchos progressistas a cumprirem a tarefa cívica de deter o avanço da direita no país. Na fronteira argentina, peronistas e outros camaradas também se agilizam para apoiar os uruguaios a comparecerem às urnas.
Pintura a nanquim do uruguaio Ricardo Botana
Muitos uruguaios migraram para o Brasil e para outros países da América Latina e da Europa durante as ditaduras sanguinárias que se revezaram no poder durante os anos 70 e 80 (1973-1984), sacrificando, sobretudo, os rebeldes do grupo Tupamaro, do qual fazia parte José Mujica. Após sucessivos governos tiranos, corruptos e entreguistas, marcados pela tortura, prisão, assassinato e desaparecimento de opositores, o Uruguai teve um longo processo de redemocratização que durou 20 anos. Só então, com a vitória da Frente Amplio nas eleições de 2004, seguiu-se o período mais pródigo de conquistas sociais, distribuição de renda e desenvolvimento cultural e econômico . A formação de esquerda e centro-esquerda assumiu o governo federal em três mandatos sucessivos: Tabaré Vásquez, de 2005 a 2010, foi sucedido pelo popularíssimo Pepe Mujica, de 2010 a 2015, e retornou para cumprir o mandato atual que se finda ao final deste ano.
Daniel Martinez, do Partido Socialista, que foi prefeito de Montevidéu, está perigosamente embolado com o candidato do Partido Nacional, Louis Lacalle Pou, que encabeça uma coalizão conservadora integrada por setores da ultradireita. Político de vida obscura, cuja fortuna milionária nunca foi explicada, e sem nenhuma experiência como dirigente público, Lacalle é investido pelo neoliberalismo da missão de cumprir a cartilha de arrocho do FMI, e está pronto para repetir o resultado desastroso de Macri, a ser amplamente reprovado nas eleições da Argentina, que ocorrem no mesmo dia 27 de outubro. Projeto que sofre também uma reprovação antecipada no Equador insurgente, que ameaça o mandato do traidor Lenín Moreno no primeiro ano de governo.
Um protótipo local da Frente Ampla, inspirado e respaldado na experiência uruguaia, reforça essas ações de socorro à democracia do país de fronteira. Formado pelos partidos de esquerda (PT, PSoL, PCdoB, PDT, PCB, PCO, Rede e IC), esse projeto de unidade pelos ideais democráticos foi lançado em 10 de maio, na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, com a presença do presidente da FA, Javier Miranda. Uma nova Unidade contra o Autoritarismo ganhou reforço em 4 de outubro, em seminário na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, com a presença de líderes nacionais, como Gleisi Hoffmann (PT),Vanessa Graziotin (PCdoB), Talíria Petrone (PSoL), Edmilson Costa (PCB) e Manoel Dias (PDT).
Agora é hora de ajudar os companheiros que deram exemplo de resistência e ensinaram o continente a tornar factível a utopia da unidade. Grande parte da juventude uruguaia, na faixa dos 30 anos, cresceu sob a égide dos governos da Frente Ampla, sem sentir na pele o terror dos 12 anos de ditadura. Esses jovens, potencialmente eleitores de esquerda, percebem os benefícios de viver num país com distribuição de renda e garantia de políticas públicas como um direito natural. Não naturalizam, contudo, a estagnação econômica internacional, nem o desgaste próprio de uma força que se mantém há 15 anos no governo, conforme a explicação do analista político Katu Arkonada, em La Jornada, periódico de esquerda mexicano. Precisam despertar para os perigos do retorno ao passado, antes que precisem experimentá-lo, como os brasileiros o fazem agora amargamente.
Martínez, da Frente e Lacalle Pou, do Partido Nacional
Frente Amplio do Uruguai
Mujica, tenta transferir sua popularidade para salvar conquistas
Ameaça de retrocesso despertou apoio em todas as áreas de fronteira
País destruído por ditaduras sanguinárias é exemplo de reconstrução democrática
AZARÃO BOLSONARISTA E TUCANO URUGUAIO PODEM DEFINIR UM SEGUNDO TURNO
Num cenário semelhante ao Brasil pré-eleitoral, Louis Lacalle Pou se associa à bancada evangélica reacionária e à mídia, que atua como um partido político fazendo campanha dirigida aos 30% da população menos politizada dos indecisos. A bolsonarização das eleições também marca a disputa nas redes sociais, que virou território livre para a disseminação de fake news contra os governos de esquerda. Nas primárias presidenciais realizadas em 1º de julho, Lacalle chegou a abrir grande vantagem sobre Daniel Martinez, com 41,6% contra 23,6%, quadro que foi se revertendo com a reação das esquerdas reunidas pela Frente Ampla.
Alimentando uma fachada de direita moderada, o candidato que ameaça o processo de transformação iniciado em 2015 já acenou para uma perigosa aliança com o candidato extremista Guido Manini Ríos. Estagnado em 12% nas pesquisas, Manini é considerado uma versão de Bolsonaro, por quem declara forte admiração. Mesmo fora do páreo, o militar que defende os torturadores pode ser um azarão, se transferir seus votos para o candidato do Partido Nacional num mais que provável segundo turno entre Lacalle e Matínez.
Conforme as pesquisas divulgadas em 29 de setembro, no primeiro turno, a Frente Ampla vence em todas as pesquisas, com 30%, apenas 4 a 7 pontos de vantagem em cima do segundo colocado do Partido Nacional. Pesquisas mais recentes apontam uma vantagem entre 41% e 39% para Martínez, contra 23% de Lacalle. O perigo, contudo, mora no segundo turno, que deve ocorrer em novembro, uma vez que nenhuma agremiação superará os 50% da soma dos outros candidatos. Nesse caso, herdando os votos de Manini, somados aos de Ernesto Talvi, do Partido Colorado (uma versão uruguaia do PSDB), que tem cerca de 15% nas pesquisas, Lacalle poderia vencer com certa folga no bloco de direita rumo ao retrocesso.
A ameaça da onda conservadora no Uruguai sensibiliza particularmente a resistência internacional pela história de sofrimento político atravessado por seu povo, admirado pelo alto nível de politização e coragem no enfrentamento da ditadura. O carisma conquistado após a ascensão da Frente Ampla (Frente Amplio), especialmente com a eleição de Pepe Mujica em 2004, chegou a produzir um movimento migratório contrário. Até então era considerado o refúgio dos democratas que deixaram países como Argentina, Colômbia, Paraguai e mais recentemente o Brasil, após os golpes brancos que instalaram governos neofascistas ou neoliberais.
URUGUAI, ÀS VÉSPERAS DE DECIDIR UM FUTURO QUE PODE REPETIR O PASSADO
Muitos compatriotas que deixaram o Uruguai há 20, 30, 40 anos, têm retornado na última década. Isso em função de que vem sendo o país da América Latina que melhor leva sua situação econômica e financeira na convulsionada região à que pertencemos. Em três períodos consecutivos de governo de esquerda, a Frente Amplio do Uruguai tem conseguido elevar o nível de vida da população, melhorar substancialmente a economia e desenvolver políticas sociais que têm beneficiado os setores mais vulneráveis da sociedade.
Por Ricardo Botana*
É importante lembrar que a Frente Amplia chega ao poder, no ano 2005, com o país numa das crises mais agudas da sua história. Décadas de governos de direita, tinham deixado o país, nos primeiros anos deste século, numa situação catastrófica; com altíssimo níveis de pobreza, desemprego e desigualdade social, a economia péssima, a dívida externa imensa em relação ao paupérrimo Produto Interno Bruto daqueles tempos sombrios.
A partir do 2005, tudo mudou. Foram 15 anos de crescimento econômico ininterrompido (dados reais da Cepal e de outros organismos internacionais como o Banco Mundial, entre outros) confirmam que o país vem percorrendo o caminho certo.
Basta comparar os indicadores sociais e econômicos mais importantes entre os anos 2004 e 2019: nesse período, a pobreza no Uruguai caiu de 38% em 2004 para 8,9% hoje. A indigência (pobreza extrema) passou de 6% para 0,7%. No âmbito social, as políticas de benefícios para a população e os setores mais vulneráveis têm sido fundamentais na redução do índice de pobreza, à condição do menor da América Latina.
O salário mínimo alcançou um recorde histórico de majoração em 15.600 pesos uruguaios, que equivalem a R$ 1.700,00. Há 15 anos consecutivos, o S.M. uruguaio e as aposentadorias crescem acima do índice de inflação. Para citar outros resultados de políticas públicas, o sistema de saúde vem sendo exemplo na América Latina. Com a criação do novo Fonasa (Fundo Nacional de Saúde), o governo popular implementou um sistema integrado de saúde, no qual a totalidade da população tem direitos ilimitados em todo o país para fazer uso dos hospitais que empregam hoje a melhor tecnologia disponível no mundo. Os medicamentos são distribuídos gratuitamente para a população.
Pintura a nanquim de Ricardo Botana
Na educação, as melhorias começam pela implementação do “Plan Ceibal”. que outorgou, de forma gratuita, a absolutamente todas as crianças das escolas do país, um computador individual para estudar na escola e em suas casas. Outro plano implementou tratamento gratuito para toda criança com problemas de visão, o que inclui o fornecimento de óculos quando necessários. A Frente Ampla colocou em funcionamento uma quantidade enorme de novos centros de estudo, em nível escolar e universitário e elevou substancialmente os orçamentos anuais da educação, mantendo-os e curva crescente.
São também inúmeras as conquistas obtidas nesses últimos 15 anos em relação aos direitos das mulheres e população LGBT+, como legalização do aborto; matrimonio igualitário; ley trans (Ley N° 19684, que tem como objetivo assegurar os direitos das personas trans). Na área comportamental, a legalização da venda e distribuição da cannabis tem sido apontada como um avanço no mundo todo. (https://www.cepal.org/pt-br/publicacoes/tipo/estudios-perspectivas-oficina-la-cepal-montevideo)
Enfim, um país que vem crescendo ininterruptamente nos últimos 15 anos, mas cujo crescimento vem relacionado com a redistribuição de renda. Trata-se de um diferencial definidor em relação a outras economias do continente que também crescem, mas não repartem os dividendos na sociedade. Isso porque, para os governos desses países, a acumulação de riquezas continua sendo o objetivo final de todo superávit. É o caso do Chile, onde o crescimento também tem sido favorável nos últimos anos, mas a desigualdade social continua muito alta, sem que haja políticas sociais para os setores vulneráveis.
Hoje, após o transcurso histórico que resumi aqui, o povo uruguaio está prestes a definir, na eleição nacional do dia 27 de outubro, o país que vai querer para os próximos anos. Este que temos, onde o crescimento, as melhoras e as conquistas de direitos têm sido permanentes, ou retroceder ao pais de princípios do século, onde governava a direita, que nos levou à miséria, às graves injustiças e à ausência de perspectiva de futuro.
Sabemos como a direita vem avançando na região, impulsionada sempre pelos planos estratégicos do império… E não é o Uruguai que vai escapar dessa situação. Como em outros países, os partidos da direita uruguaia orquestram falsidades, mentiras, valendo-se das mídias sociais e do apoio incondicional dos países sob a liderança dos Estados Unidos, que atuam para que os interesses estrangeiros sejam privilegiados. Esses países conspiram para que a Frente Amplio saia do poder e assim eles possam voltar à condução do Uruguai para integrá-lo aos países da região que tornaram a cair nas garras do liberalismo extremo.
Nós, da Frente Amplia de Uruguai em Florianópolis, estamos trabalhando para fazer nossa parte e colaborar com a imprescindível tarefa de conscientizar compatriotas, de mostrar o caminho certo e de juntar a maior quantidade de votantes para manter o governo de esquerda no nosso pais. Infelizmente no Uruguai ainda não temos “voto consular”: a gente pode votar, mesmo morando fora, mas só viajando e votando lá no país de origem. Nesse contexto é que estamos realizando uma campanha de arrecadação de fundo, com o único objetivo de conseguir levar a maior quantidade de compatriotas ao sufrágio presidencial.
Neste sábado, 12 de outubro (das 12h às 22 h), realizamos um evento que chamamos “Festa América”, na “Associação Baiacu de Alguém”, em Santo Antônio de Lisboa. Música, Candombe, Gastronomia, Cerveja e muita fraternidade latino-americana para receber o povo progressista da Grande Florianópolis e ter a possibilidade de conseguir os recursos necessários para custear os ônibus de compatriotas para votar no dia 27 deste mês.
Os esperamos a todos/as…
Arriba los que luchan!!!
* Artista plástico uruguaio radicado no Brasil
Frente Amplio em Florianópolis
Secretário da Associação dos Uruguaios de Florianópolis (Asurflo)
Palavras de José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, em ato promovido pela central sindical PIT-CNT de Montevidéu em apoio a Dilma Rousseff e contra o golpe no Brasil, no dia 31 de agosto de 2016.
Tradução livre de Eduardo Mejía Toro (eamejiat@unal.edu.co) e Marcos Paulo T. Pereira (marcosptorres1@gmail.com)
Eu acho que, fundamentalmente, nós, uruguaios,
temos uma tarefa: informar bem, curtinho,
ao pessoal com quem falamos.
Porque tem muitíssimo ruído, mas pouca informação.
Não é para confundirmos barulho com criação de pensamento. O que temos que transmitir ao povo uruguaio, em primeiro lugar, é a motivação mecânica deste golpe.
A motivação mecânica – não a motivação profunda – consiste na existência de um senhor, Eduardo Cunha, ex-presidente do parlamento brasileiro. Ao que parece, alguém que passou pela Suíça lhe deixou 5 milhões de dólares em seu nome, mas ele não sabe quem foi… Como isso vazou, o próprio parlamento começou a investigá-lo. Esse senhor, para se defender, foi falar com a presidenta e pediu para ela que o pessoal do PT não apoiasse a comissão investigadora.
Foto por Leandro Taques
Entretanto, o PT decidiu respaldar a comissão investigadora. Então, esse senhor lembrou-se que numa gaveta tinha arquivado um requerimento, de três advogados que tinham estudado o último orçamento e que tinham encontrado elementos para fazer uma acusação jurídica. Ao que ele falou: “se me entregam na comissão eu vou estourar isso”.
E qual foi o “erro” do PT e da presidenta?
Não comprar a ideia dele de esconder um ninho de corrupção.
Isto é o que está em primeiro lugar: esta mulher está sendo
condenada por não ter entrado na corrupção.
É claro, esta é a motivação mecânica de como aconteceram as coisas. Havia muito mais por detrás: as derrotas eleitorais, as reformas sociais, a redistribuição da renda que tinha acontecido durante treze anos e a chegada a um momento de crise pela situação mundial, que limitava a economia brasileira… Então tinham que conspirar por baixo.
Simplesmente, derrotados nas eleições, certos grupos não aceitaram a realidade política de sofrer uma derrota e ir preparar os seus respectivos partidos para a próxima disputa eleitoral. Não…
Cuspiram na cara da democracia!
O que demonstra, mais uma vez, que são democratas quando lhes convém, nem tanto quando não lhes convém – em primeiro lugar está o bolso, querido.
Naturalmente, é um processo que tem muitas lições e isso também tem que ser dito. A companheira Dilma não teve como entrar no jogo para negociar e, sobretudo, desagradou muitas pessoas da sua militância, porque quis aliviar o peso da crise econômica com algumas medidas econômicas relativamente conservadoras, sem discutir primeiro com seu povo. Quer dizer, uma resposta técnica demais e pouco política. Para além disso, ela não era dada a conversar com a oposição, parece que Dilma não é simpática com os seus opositores, contrariamente a Lula, um cara que consegue lidar com qualquer um. Mas a velha experiência sindical de negociador de Lula é outra história.
Foto por Leandro Taques
Mas estes são fatores de segunda ordem, que têm que ser aproveitados para aprender que nunca se pode acreditar que por que se ganhou uma eleição e se tem o apoio da maioria, se tem o controle absoluto do poder. E é também uma demonstração de que estas questões não são um problema de gerenciamento técnico, não é que seja possível desprezar a qualidade técnica e o seu gerenciamento, mas é necessário que a política ajude nas decisões técnicas.
Vimos, queridos companheiros,
a consumação de um GOLPE DE ESTADO,
que já tinha sido anunciado faz tempo.
Aqui veio o chanceler do Brasil, há pouco tempo, e disse para nós, com todas as letras, que estava decidido, quer dizer, que todo esse debate parlamentar foi uma grande encenação, a decisão já estava tomada, num outro lugar. Fizeram todo um cenário de trapaçaria para a opinião pública e o olhar geral, com toda a aparência de um julgamento, mas desde o primeiro momento tudo já estava decidido. Daí, quando os companheiros falam de um golpe de estado, é um golpe de estado mesmo! E, se não for um golpe de estado, é como aquela charada, de que tem patas, tem isto e tem aquilo … parece que é, e se não é, é como se fosse.
É, também, uma decisão política da direita de agredir este governo… Quer dizer, uma escolha política que procurou reacomodar o arcabouço jurídico para poder se apresentar ante a opinião da cidadania e, sobretudo, do mundo. Como disse o presidente do senado: “Se nós erramos, que nos corrija a democracia!”. Parece que no subconsciente sabia, tinha bem claro, a trapaça que estava fazendo. Existe um quê subconsciente no pessoal que votou essa decisão, porque isto tinha um segundo capítulo, uma segunda intenção, que não era outra senão proibir a atividade política da presidenta por anos, mas muitos não tiveram a cara para participar desse crime.
Não tenho dúvidas que isto é uma perda imensa
para a América Latina.
Tenho algumas ideias, companheiros, acredito que a integração da América Latina está na frente de tudo … que nunca teremos massa crítica para lutar no mundo que a gente vive se não conseguimos a integração! Mas a integração não é apagar as fronteiras, nem apagar o hino, nem mudar a bandeirinha da pátria, nem nada disso, a integração é ter força coletiva como sociedade para poder dizer alguma coisa e ter peso no mundo em que vivemos!
Em todos estes anos, apostamos, sem conseguir, que o Brasil, pelas suas dimensões e, por isso, pela sua responsabilidade que tem com América Latina, congregaria essa integração, porque ela só se dará com a Amazônia ou não se dará. E sem integração não se tem massa crítica para fazer desta América um mundo melhor.
Já tivemos, companheiros, há mais de cem anos, a discussão acerca da construção do socialismo num país só. Já a tivemos, já assistimos essa fita, já sofremos com ela, temos que aprender com a história. Se acreditarmos que no mundo de hoje, com a explosão tecnológica, seja possível para os pequenos países conseguir um sinal libertador, que permita chegar perto do socialismo, estamos mais que sonhando. Então, o primeiro problema é a integração das nossas universidades, de nosso conhecimento, porque ali se está formando o que vai ser a classe trabalhadora do futuro.
O desenvolvimento tecnológico do mundo vai impor uma qualificação para os trabalhadores do futuro, necessariamente de tipo universitária, não por vontade do mundo capitalista, mas por uma necessidade tecnológica. Essa massa que está ingressando nas faculdades da América hoje é, potencialmente, revolucionária. Nossa luta pela integração é uma luta por integrar a inteligência latino-americana. Ter um sistema de pesquisa nosso e ter uma consciência universitária que pertencem às aflições do continente.
Tenho visto muita poesia,
muito fervor revolucionário,
e tenho visto muitos castelos de ilusão caírem no solo.
Não quero mentir para as novas gerações, não, a humanidade está na frente de um desafio do tamanho que o homem nunca viu acima da terra. O homem tem que demonstrar, como espécie, se é capaz, deliberadamente, de criar uma sociedade melhor ou não. Ou sucumbir. É isso o que temos, companheiros, a luta gigantesca, extremamente volumosa e difícil, e não vamos conseguir com quatro gritos. Precisamos de uma profissionalização de nossas vidas, de nossa entrega, da construção de times, de um sentido de compromisso com uma humanidade melhor. Não é fácil porque o mundo está se globalizando e aparecem para nós contradições por todas as partes.
A companheira falava contra as multinacionais, dentro em pouco vamos estar arrasados pelo populismo das direitas da Europa, que também estão contra as multinacionais, mas são fascistas. Nada podemos esperar desse ultranacionalismo, o de Trump, o de Le Pen, o que liderou o processo da Inglaterra… Esses não são nossos companheiros.
Então, é bem claro que a luta pelo Brasil não é só um questão de solidariedade, é uma questão de tremendo interesse como latino-americano.
O problema não é só do Brasil é um problema nosso. Nós estamos jogando com a história, o futuro da Amazônia, por quê? Porque sem Brasil não teremos jamais massa crítica para poder negociar no mundo que virá. Vocês podem imaginar, compatriotas, negociar com esse continente que se chama China, ou Índia, ou Estados Unidos (com a sua terra prometida de costas para o Canadá), ou com a Europa que, apesar de tudo, são setecentos milhões de cidadãos com desenvolvimento do primeiro mundo.
Nós os latino-americanos isolados num monte de repúblicas vamos poder equilibrar essa balança? Não, companheiros, isto tem que ser compreendido por todos: para atuar no jogo diplomático se precisa de massa crítica, tem que ter peso para que as suas razões tenham validade, tem que ter o peso da massa por trás de capacidade socioeconômica, de capacidade científica, para que seja possível ganhar o direito de defender alguma coisa ou impor alguma coisa… Não é simples. É possível? Não sei, os fatos demonstrarão…
É belíssimo, temos que lutar por isso… Temos que dar conteúdo a nossa existência! A gente não pode construir uma sociedade de escravos, conscientes de que somos determinados pelo que passa no mundo rico, sem ter capacidade de sermos nós mesmos. Acredito nas possibilidades do continente, nos desafios do continente, por isso o pedido feito aos companheiros: este não é um problema da Dilma, do Brasil ou do PT, é um problema de todos nós! E nossa também é a luta da Bolívia, do Equador, do povo argentino, temos que começar a ficar cientes de que cada vez mais precisamos pensar como espécie, com dimensões de espécie, para defender a vida, ali onde se apresenta e onde houver que a defender.
E temos que considerar que temos que ser inteligentes, que precisamos de aliados, e que os aliados não somos nós mesmos, os aliados têm diferenças, mas sem aliados não se pode fazer política transcendente. Porque isso é o que fazem os orgulhosos, viciados no poder. Ter aliados é tentar procurar buscar – ao máximo – aqueles setores da sociedade que, sem pertencer a nós, tem contradições com esse mundo. Temos que ver quais são esses grupos, esses setores que às vezes estão afetados e que vivem sem as distintas formas de propriedade de nossos países, que também são vítimas. E não é para dá-los de presente (aos adversários), por esquematismos, multiplicando a força deles, multiplicando seus aliados potenciais somente por medo, porque não têm que ter medo, os pequenos comerciantes, não ter que ter medo as camadas da classe média, da América latina, do Uruguai…Não é essa a luta! A luta é outra, a luta é contra a gigantesca concentração de riqueza no mundo contemporâneo, onde a taxa que gera capital a nível mundial é mais importante que a taxa de crescimento da economia mundial. O que demonstra que a riqueza está se multiplicando, mas se está concentrando muito mais do que se multiplica.
Por isso, essa luta do Brasil é nossa.
Vamos acompanhá-la!
Eu tinha aqui um envelope, uma carta do Lula que chegou para mim antes de ontem, que tornei pública. Curiosamente não apareceu na imprensa…acontece … não tive sorte. Esse é nosso problema. A resposta é o boca a boca, é o comunicarmos entre nós! Há uma parte importante do nosso povo que está confundida ou que pode estar confundida pela enorme pressão que tem uma informação distorcida, que mais que dizer verdades diz meias-verdades. É um jeito de torturar não dizendo verdades. As partes fundamentais deste drama não aparecem… Aparecem seus sucessos, mas não as partes fundantes do drama e acredito que é papel dos companheiros tratar de difundir a verdade.
Finalmente, companheiros, sem derrotismos. Temos veteranos aqui … que podem ter sido enganados, e certamente o foram, mas que se lembram de quando estávamos no caralho da ditadura, lembrem-se! Não vão conseguir tão fácil. Para eles também não vai ser simples, porque apesar do orçamento, da manipulação da mídia, tem uma coisa que está presente: eles não têm razão, no fundo não têm razão, pelo enorme egoísmo que contém este conjunto de escolhas. E nossa luta tem razão, apesar dos erros, dos sonhos, das utopias, e das bobagens que fazemos, porque não podemos deixar pelo caminho as limitações da nossa condição humana.
O que tem de maior valia em nós não é nem nosso talento, nem o grau de verdade, senão a razão histórica, por razões da generosidade de acreditar que o homem tem capacidade de criar, apesar de todos os pesares, um mundo melhor.
A nossa visão não é genocida do homem, pois não acreditamos que o homem pode ser o lobo do homem. O homem pode ser a expressão da solidariedade, no conjunto da humanidade. O homem é o fator criador de civilização. Reconhecemos essa quota de egoísmo que todos levamos, mas nossa luta é por aprender a dominar esse egoísmo que levamos para conseguir criar uma civilização melhor do que a nossa. Este é nosso senso: nunca vamos tocar o céu com as mãos e ter um mundo perfeito… Vamos subir escadas civilizatórias numa humanidade melhor. Não somos deuses, temos que administrar nossas contradições e aprender a direcioná-las, porque precisamos de civilização e da sociedade. Isto é o que eles não têm, porque estão fechados num egoísmo desesperado para justificar e aumentar a riqueza, é bom que percebamos isto, porque não é que sejamos bons, mas porque bom é o caminho que escolhemos para viver sem atrapalhar aos outros.
O feriado de Tiradentes é tradicionalmente um dia pomposo em Minas Gerais, sobretudo em Ouro Preto. Todo ano nesta data o governo mineiro homenageia com a Medalha da Inconfidência as “personalidades e entidades que contribuíram para o desenvolvimento de Minas Gerais e do Brasil”. A cerimônia ocorre na Praça Tiradentes, no centro histórico da cidade e é bem principesca, preservando todo o militarismo da cosmologia da Proclamação da República, com 21 tiros ao ar e cadentes marchando em traje de gala. No entanto, a edição deste ano teve um personagem que não combina muito com tanta ostentação: o ex-presidente e atual senador do Uruguai José “Pepe” Mujica.
Selecionado como convidado solene e orador do evento, ele foi premiado com o “Grande Colar”, a maior honraria do estado de Minas Gerais. Ao lado do governador Fernando Pimentel (PT), ele caminhou pelo tapete vermelho entre os militares mostrando o porquê foi chamado de “o presidente mais humilde do mundo”. Um espectador desinformado estranharia aquela figura baixinha e idosa, de calça jeans e moletom, cercado das pessoas mais ilustres do segundo maior estado do Brasil e no meio de um rito tão suntuoso.
Depois da entrega das medalhas, José Mujica foi ao microfone e discursou ao público. Pela sua fala, o pequeno senhor cresceu e reverberou para as centenas de pessoas que o ouviam. Atrás da Praça e das grades de proteção, além dos curiosos, havia uma multidão de ativistas de diferentes movimentos sociais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento sem Terra (MST) e o Levante Popular da Juventude que marcavam presença com os gritos “Não vai ter golpe” e “Fora Cunha”.
Foto: Sô Fotocoletivo / Jornalistas Livres
Este público sofreu uma grande derrota na Câmera dos Deputados no domingo passado, 17/04, com a aprovação do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rouseff. Ciente da baixa moral, Pepe abriu seu discurso com uma forte mensagem de coragem para os mineiros que o ouviam naquele instante e para os brasileiros que enfrentavam uma situação tão difícil:
“Se a vida me ensinou alguma coisa, foi que os únicos derrotados são aqueles que deixam de lutar.”
Foto: Sô Fotocoletivo / Jornalistas Livres
Com sua grande oratória, nos quinze minutos de sua fala Pepe Mujica, deu uma aula sobre diversos ideais da esquerda contemporânea: a união dos povos do sul e da América Latina, a igualdade entre todas as pessoas, a expansão dos direitos e o fortalecimento da democracia. No entanto, o ex-presidente do Uruguai explica que, mesmo diante dos cenários mais apocalípticos, sempre se deve lutar por um mundo melhor e por uma vida mais digna.
“A mensagem que quis transmitir hoje é que, no pior dos mundos, temos que persistir e começar de novo. Por quê? Porque a luta e a vida continua. (…) Estive 15 anos preso com meus companheiros. Começamos de novo e seguimos em frente. Mudamos o mundo? Não, mas melhoramos alguma coisa. (…) Nunca se vai trinfar totalmente e tão pouco estará totalmente derrotado. Por isso, se deve que ter fé e compromisso. E ter compromisso significa trabalhar um pouco mais.”
Em coletiva de imprensa, quando perguntado se concordava com a tese da atual presidenta brasileira que seu impeachment consistia em golpe, ele respondeu que não tem competência para comentar sobre o funcionamento institucional ou sobre a legislação brasileira. No entanto, ele fez uma ressalva:
“Não gosto que se rompa com o voto do povo. Porque, às vezes o povo erra, mas ele é o único que tem o direito de errar porque ele é quem paga o custo de seu erro. Este é um problema que vocês, brasileiros, têm que resolver.”
Leia o discurso de Pepe Mujica na integra e traduzido a baixo:
Se a vida me ensinou alguma coisa, foi que os únicos derrotados são aqueles que deixam de lutar. Vocês tem que saber que não há um prêmio no final do caminho. O prêmio é o próprio caminho, é a própria caminhada. Nossa luta é muito velha e são falsos os termos “esquerda” e “direita”. São apenas invenções da revolução francesa. Na realidade, são lados permanentes da condição humana, como os lados de uma moeda, que fluem e refluem permanentemente na historia. Nossos irmãos mais distantes Asoka, Epaminondas, Jesus, todos os que em seu tempo lutaram por um pouco mais de igualdade. E quem são, mineiros, que talvez nesta luta eterna, com fluxos e refluxos, com pontos de partida, com caídas, que voltam a se levantar? Há que aprender que, em uma vida desordenada, se necessita ter a coragem de sempre voltar a começar.
Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA
Sou do sul, venho do sul e represento o sul, os eternos esquecidos do planeta. Ser do sul não é uma posição geográfica, mas um resultado histórico. Venho do sul e cultivei amigos no Brasil, porque a América será livre com a Amazônia ou não será. Por quê? Porque, se não, permanecerá a vantagem da ciência e do conhecimento que o mundo central nos roubou, porque soubemos perder nossos melhores filhos, porque lhes pagam melhores salários no mundo central. Porque estamos entrando em outra era, globalizada, de comunicação, onde a fronteira mais tem haver com os negócios do que de amparo e de justiça ao povo.
E todos sabemos que a democracia nunca será reconhecida como perfeita e não poderá ser. Porque é uma construção humana e nós seres humanos não somos deuses. Por isso, porque somos diferentes, porque nascemos de lugares distintos, porque pertencemos a classes distintas, porque geneticamente temos matrizes em nosso DNA, porque nossa história pessoal nos dá ou nos tira… Seja o que for, nós homens somos semelhantes, mas cada um é particular e diferente. Porque não somos perfeitos, a sociedade tem e terá sempre conflitos.
No entanto, não podemos viver em solidão. Nós somos seres sociais. Ninguém pode viver em solidão. Precisa-se de cardiologista, precisa-se de mecânico, precisa de professores para seus filhos, precisa de alguém que dirija o ônibus, precisa-se de alguém que lhe cuide, precisa-se de parteiras quando se nasce e coveiros quando se morre. Porque somos sociais e temos defeitos. Porque somos diferentes, temos conflito. Por isso, precisamos da política.
Aristóteles tinha razão quando dizia que o homem é um animal político. Porque a função da política não é gerar confusão e aborrecer a gente. A função da política é dar um limite à dor e às injustiças. A função da política é lutar por um mundo melhor, mas, buscando conciliar permanentemente as inevitáveis diferenças. A função da política não é apagar, mas negociar as diferenças sociais. E por que me fixo nisso, mineiros?
Foto: Mídia NINJA
Foto: Mídia NINJA
Porque poderá ser que o resultado deste conflito que vive Brasil para as novas gerações é que muita gente jovem termine com esta conclusão: “A política não serve para nada e somos todos iguais”. E essa juventude se recolha e pensa que cada qual vai ficar na sua. Isso não é outra coisa que criar a selva de todos contra todos. Deve-se salvar a política. Deve-se elevar a altura da política e isso não é um problema de um partido, é um problema do Brasil.
Pior do que as derrotas é o desencanto. Viver é construir esperança, esperança em um mundo melhor. O que seria da vida sem utopias e sonhos? Que seria nossa existência se não um negócio, uma mercadoria que se compra e que se vende? Não! A espécie humana é outra coisa, é contraditória. Ela tem que sentir e tem sentimentos. Se você tiver um par de filhos, de 3 ou 4 anos, e lhe der um brinquedo a apenas um deles, vai ver que o outro terá inveja porque se sente que não foi tratado com igualdade. Por quê? Porque, companheiros, a igualdade é algo que temos de dentro, antropologicamente.
Não pensa que a igualdade é um desejo de ser ladrilho, tudo igual, tudo o mesmo. O sentimento de igualdade é ter o direito traçado em uma mesma linha na penitência da vida. E quanto nos falta, latino americanos, de poder dar oportunidade aos milhões que faltam encontrar um caminho em nossa pobre América.
Por tudo isso, eu com minha companheira, passamos 30 anos presos juntos, mais ou menos. E a vida nos deu o prêmio de viver. E não há nada mais bonito que viver. Especialmente os jovens sabem que a vida deve ser cuidada, ser aproveitada e ser posta ao serviço de uma causa nobre. Tem que saber que a cada dia que passa, a vida está correndo e, com dinheiro ou sem dinheiro, os anos de vida não se compram. E, no dia que ela termine, não se pode levar o dinheiro ao caixão. Aprende a viver e você tem que trabalhar para viver, porque se não, viverá a custa de alguém que trabalhe.
Mas, a vida não é só trabalhar. Tem que assegurar tempo para viver, para o amor, para os filhos, para os amigos… Porque, nesta vida, felicidade não é acumular dinheiro, é acumular carinho. E esta que é a grande diferença, a diferença nas nossas entranhas, é a diferença de sentir. A diferença é como vemos a vida. Se a vida é só egoísmo ou se a vida é também solidariedade. Se é hoje por ti e amanhã por mim.
Mineiros, o Brasil é muito grande e muito forte. Mas, chega muito atrasado e tem muitas feridas. Vocês tem que defendê-lo, mas tem que entender que não estamos mais no século passado. E o desafio é outro. Estão construindo unidades mundiais, de caráter gigantesco, como a Comunidade Econômica Europeia. Se nós latino americanos não conseguirmos uma voz comum, nos conselhos internacionais seremos nada, ainda que seja um dos os países mais gigantescos como o Brasil. Digo isto não só por um ideal, mas também por necessidade. Em um mundo que não se vêm de cima, os fracos precisam se unir aos fracos para serem menos fracos. E, é isso que as burguesias que conduzem a economia devem começar a entender: não se pode sair a colonizar, tem que juntar aliados porque esta batalha é no mundo inteiro. Esta vai ser a discussão dos anos que vêm.
Me sinto muito uruguaio e sou brasileiro, porque sou americano, porque sou da América Latina. Minha pátria se chama América Latina e meus irmãos são todos os povos esquecidos da América Latina. Os que não chegaram a nenhum lado, os que são apenas um número, os estigmatizados, os perseguidos, os abandonados. Porque democracia não é simplesmente votar a cada quatro anos. Democracia é maximizar o sentimento de igualdade básica e fundamental entre os homens.