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  • Paulo Freire vive no dia a dia da Resistência Periférica

    Paulo Freire vive no dia a dia da Resistência Periférica

    O Encontro de cerca de 50 pessoas ativistas e educadores populares no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular – CDHEP, no Capão Redondo , ocorrido nos dias 31 e 1º de novembro, reanima a esperança.

    Muitos militantes, lideranças e educadores populares dispostos a lutar por um mundo com dignidade, justiça, menos violência e mais políticas sociais, se debruçaram nestes dois dias para trocar experiências, refletir sobre suas práticas e melhor se articularem nesta longa trajetória das lutas de resistência.

    Apresentações do Sarau do Capão Redondo no decorrer dos dois dias chamaram atenção para a realidade do povo da periferia, através das manifestações culturais.

    Os depoimentos do cotidiano de lutas ocorreram em subgrupos: Educação, Moradia e Saúde, Cultura e Comunicação, apontando a riqueza e diversidade das experiências em Direitos Humanos, Educação Popular, Justiça Restaurativa, Cursinhos Populares, Saraus de Poesia, Mutirões de Moradia, Enfrentamentos da Saúde, Comunicação  Popular, Lutas pelo Meio Ambiente, Documentários.

    A periferia pulsa, Paulo Freire se perpetua através de ações que levam ao questionamento da realidade e se articulam para a sua transformação. De acordo com uma das últimas entrevistas do Paulo Freire, é importante fazer muitas marchas, “marchas dos que querem ser e são Impedidos de ser, contra a violência histórica da opressão”.

    A mesa sobre Paulo Freire composta por Ednéia, Sérgio Haddad  e Pedro Pontual veio reforçar alguns princípios e dar luz às praticas cotidianas que precisam ser reinventadas sempre.

    Paulo Freire, uma forma de lutar pela libertação dos oprimidos

    Mais do que um método Paulo Freire é uma filosofia, uma forma de ver o mundo e o oprimido em relação com ele, com poder de inserção e como agente de transformação no mundo. Contra o determinismo histórico que pressupõe numa sociedade de classes apenas adaptação e ajuste dos corpos e dos seres, ao meio ambiente e ao status quo.

    A educação popular é um ato político, na sua intencionalidade (por que educamos?), democrática (ninguém detém o saber sozinho, cada um tem um saber, professor e alunos aprendem uns com os outros, na sua inter-relação), calcados em valores de solidariedade, respeito e do diálogo procurando compreender a realidade das pessoas, seus valores e sua cultura. Teoria e prática se complementam e se reinventam. Educação é um direito humano. A partir do chão dos alunos e dos moradores de um bairro, com suas vivências, expressões, manifestações culturais, o conhecimento do educador se coloca a serviço do conhecimento dos outros. A partir dos depoimentos do povo, com suas demandas, se constroem outros itinerários, se constroem outros conhecimentos.

    Desafios da Educação Popular

    Na conjuntura atual, de avanço do neoliberalismo e de dilapidação de nosso patrimônio,  de perda de direitos sociais e das liberdades democráticas, o desafios para a educação popular são muitos,  não só no Brasil mas em todo o mundo e, especialmente na América Latina:

    • Reinventar a democracia fortalecendo a democracia participativa e direta da sociedade civil;  – Combater o ódio na sociedade em geral, nas escolas com a negação da ciência e censura à crítica e à liberdade de expressão e nos sindicatos e nos movimentos com a censura e repressão à organização; na criminalização dos movimentos sociais;  – Promover uma educação que desconstrua o racismo estrutural, o patriarcalismo e que valorize o reconhecimento dos povos originários;  – Combater a violência, buscar o diálogo e a justiça restaurativa;         – Construir novas utopias que tragam horizonte de esperanças como o “bem viver”, em contraposição aos excessos da sociedade de consumo;  – Incentivar a agroecologia e o cooperativismo; – Reafirmar valores de solidariedade, criatividade e de partilha;  – Valorizar nossa cultura e diversas formas de expressão; – Valorizar a troca de experiências geracionais; – Articular as ações e os movimentos no território para fortalecer as lutas de libertação.

    Território e Identidade

    Extremamente proveitosas e muito instigantes foram as apresentações de Rose (Cooperifa de Sérgio Vaz), Lucila (CDHEP) e Ana Dias (militante do movimento de mulheres e viúva do operário assassinado Santo Dias, há 40 anos atrás, vítima da Ditadura), sobre Território e Identidade.

    Para uma maioria de jovens, Lucila reconstruiu a história do CDHEP, que se instalou na região por ocasião da ditadura militar. Os enfrentamentos contra a ditadura daquele momento, são muito próximos dos desafios que temos hoje pela frente. Santo Dias foi uma liderança operária importante na região. O final da década de 70 e começo dos anos 80, foi um momento muito forte e significativo de enfrentamento da ditadura e de organização das periferias, juntamente com a Igreja impulsionada pela Teologia da Libertação.

    Dom Paulo Evaristo Arns, bispo à frente da Arquidiocese de São Paulo, Pe. Jaime, Pe. Luís, tiveram papel decisivo na criação de um movimento de Direitos Humanos na região composto por religiosos, leigos, lideranças populares, educadores para o enfrentamento da violência policial, extermínio, Esquadrão da Morte, moradia, contra a carestia, por melhorias do bairro.

    O CDHEP desde sua origem foi um ponto de encontro importante da população da região, de lideranças, juristas, universidades e desde seu início participou destes enfrentamentos e de formulação de políticas públicas  e de lutas que foram conquistas para o bairro: metrô, linhas de ônibus, creches, hospital, escolas. Ao mesmo tempo contribuiu para construção de  Legislação que garantia acesso à Justiça, Combate À Violência através da Justiça Restaurativa; Proteção à Vitimas, Pedagogia da Proteção.

    A força das mulheres e o papel da cultura

    O depoimento de Ana Dias, história de compromisso e de luta. Vinda de uma cidadezinha do interior, trabalhou no campo desde os 6 anos. Santo Dias trabalhador rural muito respeitado por sua competência pelo dono da fazenda, foi expulso do trabalho quando se envolveu com o Sindicato dos trabalhadores rurais. Vieram para São Paulo e em 1971, “o dia 15 de novembro, na Igreja Santa Margarida,  marcou minha vida. Com a igreja cheia, o padre falou que “a pessoa tinha valor, a gente tinha que se unir e se organizar. Isso ensinou a gente a brigar, nunca mais parei” “No dia em que Santo foi assassinado eu fui antes com ele no carro, fazer panfletagem em porta de fábrica e horas depois vieram me avisar que ele tinha morrido. Foi tudo muito duro e muito difícil, mas eu não abandonei a luta. Santo era uma liderança muito querida, companheiro e pai  muito presente. Fiquei sozinha com meus dois filhos um de 13 e outro de 12 anos. Santo só não foi enterrado como indigente porque me avisaram, fui reconhecer o corpo no IML  e Dom Paulo interferiu”.

     

    Rose participa do Cooperifa há 18 anos, quando conheceu o Sérgio Vaz através de uma apresentação em uma fábrica. Com ele, Binho, Gog, Marcos Brandão eu conheci o lado da cultura e da poesia como expressão e manifestação de tudo que nos oprime. A poesia me fez retornar aos estudos que eu havia abandonado e hoje digo que não consigo entender a vida sem ter passado por uma professora, profissão que deveria ser a mais valorizada. Sérgio Vaz diz que com a poesia “está em busca do artista cidadão, e que através da Cooperifa as pessoas começam a falar”. “A cultura vai criando dentro da gente a identidade, traz a dimensão da solidariedade e da proteção, ao falar a gente vai elaborando as próprias histórias, se reconhece e consegue perceber os avanços da sociedade a nosso favor… Através da poesia a gente passa a ouvir o tom da própria voz…”.

    O debate suscitou ainda algumas questões – quantos jovens estão se perdendo pela droga e pelo envolvimento com a polícia podem ser recuperados pelo movimento de cultura, pela poesia, por atividades que lhes fortaleçam e deem um novo sentido à vida;  – todo ser humano merece respeito e oportunidades de se desenvolver e de ser, independente de classe, cor e gênero, precisamos estar todos juntos nesta luta,  o feminismo precisa ir além da discussão de gênero, os homens podem ser grandes parceiros, o movimento negro precisa estar mais desarmado e se inserir, estar junto nas lutas de outros movimentos ; – a importância do diálogo e do cuidado com as pessoas ; a esquerda precisa se unir para fortalecer a nossa luta, precisamos estar cada vez mais juntos em torno daquilo que nos unifica.

    O período da tarde do dia 01/11 foi dedicado à construção coletiva de encaminhamentos e articulações para fortalecer as diversas práticas de educação popular e unificar as lutas. Como resoluções: a construção de um núcleo/coletivo de educadores populares que se encontrará mensalmente na sede do próprio CDHEP a partir de fevereiro de 2020; encontros mensais para estudo coletivo da obra de Paulo Freire também a partir de fevereiro de 2020; continuidade do mapeamento das práticas de educação popular e saúde que acontecem na Zona Sul de São Paulo, já em andamento.

    Em sala à parte, exposição em homenagem a Santo Dias, líder metalúrgico e militante da Zona Sul, resgatou a história de sua vida e morte, assassinado em 1979, pela ditadura militar. Que isto nunca mais se repita.

    Ainda como parte da programação do encontro ocorreu  a 24ª  Caminhada Pela Paz e Pela Vida com o tema “levante a tua voz a favor de nossas vidas” no dia 2/11, dia de finados. A caminhada acontece a 24 anos na periferia Sul de São Paulo rumo ao cemitério do Jardim São Luiz e é articulada pelo Fórum em Defesa da Vida – Vidas negras, femininas e periféricas importam e é por isso que a periferia caminha junta.

     

    A periferia  pulsa! Articular, Ocupar e Resistir. Vamos à Luta!

  • Multiplicar Resistências, Semear Esperanças

    Multiplicar Resistências, Semear Esperanças

    O sábado do dia 08 de junho foi para mim e para cerca de 70 pessoas que se reuniram na Ação Educativa, um dia especial.  Representantes de movimentos, coletivos de resistência, ONGs de Formação Política e de Defesa dos Direitos Sociais, cursinhos e universidades populares, Centros de Defesa de Direitos, militantes indignados com o momento de retrocessos que estamos vivendo em nosso país, se reuniram para trocar experiências a partir de suas práticas, aprofundar a análise de conjuntura, definir estratégias de luta e desafios da resistência e da educação popular para fazer frente à conjuntura nacional.

    Coordenado pelo CEAAL Brasil (parte integrante do Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe, que congrega representantes de 21 países e 150 organizações), juntamente com a Ação Educativa (ONG voltada à assessoria e formação política a movimentos populares e  a instituições educativas, com ênfase no trabalho de base com jovens, mulheres, negros…), o encontro teve como objetivo aprofundar o conceito da Educação Popular como Formação Política frente ao atual contexto a partir  das experiências formativas dos participantes,  articular as lutas de resistência e organizar uma campanha de defesa do legado de Paulo Freire fundamento teórico para as estratégias de luta e de resistência e das práticas de formação política com base na educação popular.

    A vivência em grupos possibilitou conhecer a riqueza de práticas ao mesmo tempo em que apontou desafios de toda ordem para fazer frente ao contexto de discriminação, exclusão, aprofundamento das desigualdades e das políticas neoliberais, perda de direitos, retrocessos de conquistas sociais, perda de direitos e das garantias democráticas, dilapidação de nossas riquezas, da soberania nacional e desmonte do Estado. Acresce-se ainda um questionamento dos valores incutidos com o aprofundamento das políticas neoliberais que reforçam o individualismo, o consumismo, a meritocracia individual, a despolitização da vida e descrédito das instituições, a banalização da violência e disseminação do ódio de classe, gênero, raça, em substituição a valores humanos de respeito e de solidariedade ao diferente.

    Múltiplos foram os desafios e práticas de resistência e de educação popular entendida como processo de produção de conhecimento que se dá através da ação, da escuta e do diálogo, da reflexão e da constatação do modo de dominação que produz despolitização. É preciso escutar e fortalecer as lutas das juventudes, a luta anticapitalista no enfrentamento das discriminações de gênero, etnia e raça; descolonizar o pensamento, reinventar a comunicação e linguagens, incentivar e fortalecer as manifestações culturais que se constituem na expressão das identidades. Realizar ações de base nos territórios onde se constroem redes e identidades, enfim preparar, ocupar e transformar; transformar discursos em ações; fortalecer as lutas de grupos de excluídos; articular politicamente as lutas de resistência e os movimentos sociais.

    Pedro Pontual, educador popular e um dos coordenadores do evento, ressaltou a diversidade de processos e práticas de educação popular as quais devem se referenciar no contexto socioeconômico, político, cultural, ambiental em que estamos vivendo de aprofundamento das políticas neoliberais e conservadoras. Além dos aspectos já apontados, o Estado criminaliza os movimentos sociais e de protesto e boicota todas as formas de participação social da população menos favorecida e dos segmentos marginalizados. Vivemos um momento na América Latina de crise multifacetada, decorrente de golpes em vários países: crise da democracia liberal e das instituições políticas. Polarização política das sociedades, em que as forças da direita e da extrema direita aliadas à forte ação da mídia tentam desmontar e desacreditar as alternativas progressistas com o objetivo de aprofundar a hegemonização capitalista, patriarcal, racista; incutir na subjetividade das pessoas valores consumistas e individualistas; implantar a cultura do ódio de classe de várias formas violentas: homofobia, tendências religiosas fundamentalistas.

    Em contrapartida, ressaltou diversas práticas de resistência em espaços nacionais e internacionais, em busca de ações emancipatórias, novos paradigmas de interpretação da realidade, de construção de nossas utopias. Desafio central das lutas de resistência, da luta por direitos é apontar para a construção de uma nova sociedade.

    Pedro Pontual destacou 12 pontos que se constituem em desafios para a formação política:

    • Como sair da bolha? Dialogar com o outro com práticas respeitosas, trabalho de base nos territórios, com atitude ativa, de escuta e de experimentação;
    • Incentivar as formas de ativismo social, desobedecer e ampliar o reconhecimento de práticas existentes libertadoras assim como valorizar novas práticas emergentes. Superar o medo, recuperar o sentido do coletivo e de comunidade, ação política exercida com alegria;
    • Cultura como eixo de articulação das práticas de resistência, a cultura como manifestação e afirmação da sabedoria popular, mobilizar pessoas com o exercício da criatividade e da liberdade, criar círculos de cultura, incentivar rodas de conversa;
    • Economia solidária, como uma nova maneira de pensar a produção e o trabalho humano;
    • Papel central e protagonista das juventudes nas práticas de formação política e nas novas formas de exercício político;
    • Em contraposição à pedagogia capitalista, a pedagogia feminista, anti-racista e libertadora, desconstruir o modo de pensar colonial no continente latino americano;
    • Novas formas de democracia, reinventar a democracia participativa, direta e representativa; incentivar canais institucionais de participação e controle social das políticas públicas (atenção á campanha atual “O Brasil precisa de Conselhos” e a Plataforma dos movimentos Sociais pela reforma política);
    • Re-significar as políticas e programas sociais, face ao desmonte das políticas públicas, educação política e educação para a cidadania, na concepção de direitos, universalidade no atendimento às diversidades e de proteção social.
    • Resgatar os direitos humanos na sua dimensão integral e as diversas formas e instâncias de participação social;
    • Enfrentar a batalha das redes sociais hegemonizadas pelas elites conservadoras, contra fake news e informações incorretas e maldosas;
    • Pedagogia ecológica de respeito à natureza e ao planeta, obrigações humanas, sentido coletivo e de sustentabilidade ecológica;
    • Religião e política, como desenvolver práticas inter-religiosas e enfrentar os diversos tipos de fundamentalismos que se constituíram em estratégia política da direita para intervir nas subjetividades;

    Fechando o encontro o CEAAL e a Ação Educativa, organizadores do evento reforçaram a importância do engajamento dos participantes na Campanha Latino Americana e Caribenha em defesa do legado de Paulo Freire.

    O engajamento dos participantes na Campanha deverá se centrar em torno de questões fundamentais:

    • lutar por bandeiras que ele sempre apoiou como liberdade de pensamento, autonomia do sujeito, democracia plena e respeito às diversidades.

    • lutar para que suas idéias não sejam descaracterizadas e pela preservação, ampliação e divulgação de seu legado;

    • apoiar o reconhecimento internacional de sua obra obtido ao longo das últimas décadas. No Brasil, lutar pela manutenção do título de Patrono da Educação Brasileira, concedido a Paulo Freire por meio da Lei no. 12.612/2012, que os setores obscurantistas do governo e da sociedade tentam revogar.

    Participantes de Belém do Pará ao Rio Grande do Sul, das periferias de São Paulo para o interior do estado, militantes de várias áreas saímos energizados com a riqueza desse encontro e com nova disposição de luta.

    Nosso norte da formação política calcada nos fundamentos metodológicos e na concepção de libertação dos oprimidos segundo Paulo Freire, fortificou-se. Saímos com garra e determinação para multiplicar resistências e semear esperanças na construção de uma nova utopia, como na música de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós:

    “Quando o muro separa uma ponte une
    Se a vingança encara o remorso pune
    Você vem me agarra, alguém vem me solta
    Você vai na marra, ela um dia volta

    E se a força é tua ela um dia é nossa
    Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando
    Que medo você tem de nós, olha aí…

    Você corta um verso, eu escrevo outro
    Você me prende vivo, eu escapo morto

    De repente olha eu de novo

    Perturbando a paz, exigindo troco…”