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  • PROMETEU ESTÁ DESACORRENTADO!

    PROMETEU ESTÁ DESACORRENTADO!

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Al Margen

     

     

    Na mitologia grega, Prometeu é um titã ousado que tentou refundar o equilíbrio de forças no Olimpo. Ao roubar o fogo de Héstia e dar aos mortais, Prometeu assustou os deuses, provocando a ira de Zeus, que puniu o rebelde da forma mais cruel possível. Prometeu foi amarrado no topo de uma rocha e todos os dias uma águia vem lhe devorar o fígado, que se regenera durante a noite para ser devorado outra vez no dia seguinte.

    Desde então, os deuses vivem vigilantes, pois sabem que se Prometeu conseguir se desacorrentar o mundo não será mais o mesmo, as antigas hierarquias serão demolidas.

    Não há alegoria mais adequada para o atual momento da crise brasileira, quando a Operação Lava Jato parece ter se autonomizado das forças políticas que até aqui a controlaram.

    A prisão de Michel Temer, em 21 de março, mostra que Prometeu está desacorrentado. O Olimpo está assustado.

    A Lava Jato nasceu em março de 2014 com um objetivo muito claro, que seus operadores nunca se esforçaram para esconder: desestabilizar o projeto de desenvolvimento que estava sendo executado pelo governo comandado pelo Partido dos Trabalhadores.

    A bibliografia especializada já desvelou a árvore genealógica da Lava Jato, mostrando os vínculos dos seus fundadores paranaenses com a elite local e com o PSDB. A estratégia foi muito bem montada, não dá pra negar. A Lava Jato se legitimou, transformando-se em sucesso de crítica e público, com uma narrativa baseada em duas premissas: a corrupção é o câncer que corrói o organismo político brasileiro e a Justiça é leniente com criminosos ricos.

    As duas premissas são verdadeiras. De fato, o Brasil, desde sempre, enfrentas graves problemas com a corrupção e a Justiça costuma ser dócil com bandidos de colarinho branco. A Lava Jato se mostrou especialista na arte de manipular a verdade, sem necessariamente precisar mentir.

    Em qualquer democracia do mundo, o governo negocia espaços de poder em troca de apoio político. É que numa democracia não se governa sozinho. É pra isso que a democracia existe: pra evitar que alguém governe sozinho. A Lava Lato, simplesmente, criminalizou a democracia.

    Não que não tenha existido corrupção nos governos petistas. Existiu, e muita, como em outros governos também. Mas não era a corrupção o alvo da Lava Jato. Nos seus primeiros anos, a operação era manipulada por forças políticas que colecionavam derrotas eleitorais. Os adversários políticos do petismo cansaram de perder nas urnas e resolveram jogar fora das regras do jogo. Se soubessem onde a coisa chegaria, não teriam feito assim, teriam agido com prudência.

    Mais vale ser um perdedor dentro do jogo do que ser um perdedor sem ter jogo pra jogar.

    A afirmação de que a Lava Jato, pela primeira vez, estava prendendo criminosos ricos também é uma meia-verdade. Os “ricos” não formam um bloco homogêneo, único. Entre os “ricos” existem diversos grupos, que muitas vezes estão brigando e disputando o controle da riqueza.

    A Lava Jato levou pra cadeia um tipo específico de rico: aquele que tem sua riqueza baseada em negócios que envolvem investimentos em infraestrutura. A Lava Jato prendeu os maiores empreiteiros do Brasil, todos envolvidos com escândalos de corrupção, sem dúvida. Não tem inocente ali não.

    Mas e os bancos? E os diretores do Itaú, do Bradesco, do Santander? Esses empresários (ricos, muito ricos) não fizeram doações de campanha? Não se envolveram em práticas de corrupção?

    Todos sabemos que sim (espero), mas isso não interessou à Lava Jato. Ao mesmo tempo em que desmontou a estrutura produtiva do Brasil, a operação blindou os ricos que atuam no campo da especulação financeira. Impossível não ver aqui os vínculos entre a Lava Jato e o neoliberalismo internacional. Os mesmos vínculos podem ser percebidos na agenda política do PSDB.

    Mas as coisas mudaram, e como mudaram.

    Aplausos no aeroporto, fotos com fãs, entrevista coletiva, editorial de jornal com perfil biográfico, milhares de seguidores no Twitter. Quem não gostaria?

    Por que os operadores da Lava Jato ficariam na sombra de Beto Richa, Geraldo Alckmin, Aloísio Nunes e Aécio Neves? Por que continuar sendo o braço se agora é possível ser o corpo inteiro?

    O fracasso vergonhoso dos tucanos nas eleições de 2018 só veio comprovar o óbvio: a Lava Jato havia se tornado maior que o PSDB. O antipetismo tinha um novo dono.

    Jair Bolsonaro, se tiver alguma inteligência política, dormirá com os dois olhos abertos, mirando-se no exemplo de Michel Temer. O vínculo de Bolsonaro com a Lava Jato não é orgânico. É apenas circunstancial.

    Sem dúvida, Bolsonaro foi o político que mais colheu dividendos eleitorais com a Lava Jato, mas ele continua sendo exatamente isso: um político.

    A Lava Jato não quer mais ser puxadinho para políticos estabelecidos. A Lava Jato quer governar a República, quer ocupar a Procuradoria Geral, quer assento no Supremo Tribunal Federal.

    A Lava Jato quer fundar uma tirania controlada por funcionários concursados.

    Prometeu está desacorrentado e faminto.

     

  • CRÔNICA DE UM DOMINGO DE CRISE

    CRÔNICA DE UM DOMINGO DE CRISE

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Mariano

     

    No último domingo, 8, vimos acontecer um evento que simboliza com perfeição a crise brasileira contemporânea.

    Tratou-se de um evento síntese.

    Relembrando pra quem não está tão atento à crônica política cotidiana, se é que alguém nesse país conseguiu ficar indiferente ao domingo de crise. Ainda não era nem meio-dia quando explodiu na imprensa a notícia de que Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região, havia aceitado o habeas corpus apresentado por deputados petistas em favor do presidente Lula.

    As manchetes eram bombásticas: “Lula será solto ainda hoje”.

    Os militantes se agitaram nos dois lados do conflito que divide a sociedade brasileira.

    Os anti-lulistas babaram de ódio, xingaram o desembargador Favreto, acusando-o de ser um petista infiltrado no tribunal da 4° região, que até aqui vem sendo território de suplício para o presidente Lula.

    Por sua vez, os lulistas vibraram, como se um habeas corpus emitido por um desembargador, em regime de plantão, já fosse a própria vitória nas eleições que, ao que tudo indica, acontecerão em outubro.

    Meu esforço neste ensaio é tentar pensar o domingo de crise fora de qualquer histeria, explorando o seu “sentido profundo”.

    Chamo de “sentido profundo” a relação do evento com algo maior que ele, com o processo no qual está inserido. Todos os principais aspectos que caracterizam a crise brasileira contemporânea podem ser percebidos neste evento síntese.

    1 – O completo colapso do Sistema de Justiça.

    Temos certa tendência de fetichizar o Sistema de Justiça, como se as leis fossem produzidas e operadas num espaço de austeridade, tendo como critério apenas o “interesse público”.

    É claro que não é assim. Desde sempre, existe uma relação íntima entre os interesses políticos e a criação e a interpretação das leis.

    Não é lei quem condiciona o poder. É o poder quem condiciona a lei. Até aqui nenhuma novidade. Sempre foi assim. Sempre será assim, em qualquer lugar do mundo onde existam seres humanos vivendo em sociedade.

    Porém, a crise brasileira está levando a politização do Sistema de Justiça para além dos limites tolerados pelo marco civilizatório, pelo Estado de direito.

    Primeiro, o caso do Triplex do Guarujá (localizado em São Paulo), sem nenhum vínculo direto com as investigações da Operação Lava Jato, foi capturado por Sérgio Moro, cuja jurisdição se restringe a Curitiba.

    Sérgio Moro não seria o juiz natural do caso. A escolha não foi nada aleatória.

    Que Sérgio Moro tem vínculos claros com o PSDB é algo óbvio para qualquer observador minimamente honesto. É óbvio porque jamais houve interesse das duas partes em esconder esses vínculos.

    Bastar uma simples consulta no Google que o leitor e a leitora tropeçam com inúmeras fotografias que mostram Sérgio Moro confraternizando com lideranças tucanas, em um comportamento inadequado para um juiz.

    Políticos confraternizam entre si, negociam, se deixam fotografar juntos. Um juiz não pode fazer isso, pois o juiz não é político, não pode ser político.

    Alexandre de Moraes foi filiado ao PSDB, foi ministro de Temer e hoje tem cadeira na Suprema Corte. Nunca é demais lembrar que Moraes assumiu o cargo depois da morte de Teori Zavascki, uma morte que jamais foi plenamente esclarecida e que parece ter sido esquecida.

    Para não dizerem que estou sendo exageradamente parcial, também podemos lembrar de Dias Toffoli, que tem sua trajetória vinculada ao Partido dos Trabalhadores. Toda a esperança petista de que o caso do presidente Lula tenha alguma solução legal está baseada na ascensão de Toffoli à presidência do STF, o que acontecerá em setembro.

    A ação de Rogério Favreto em acatar o habeas corpus faz parte desse jogo. É óbvio que o desembargador estava em contato com as lideranças petistas e que a cronologia das ações foi cuidadosamente calculada: domingo, recesso do Judiciário, férias de Sérgio Moro.

    Mas como as instituições estão derretidas, Moro, de férias, talvez vestindo cueca samba canção e usando chinelos de dedo, assinou um documento oficial dizendo que não cumpriria a ordem de soltura. Não cabia a ele cumprir ou não, já que uma vez promulgada a sentença, o juiz de primeira instância perde qualquer controle sobre o processo.

    Além disso, num Estado de direito com instituições minimamente saudáveis, não existe a possibilidade de descumprimento de ordem judicial.

    Se o desembargador era incompetente para a matéria, se a decisão foi equivocada, o habeas corpus deveria ser questionado em sessão colegiada, seja no próprio TRF4 ou nas instâncias superiores. Decisão da Justiça pode ser questionada e depois anulada. Jamais pode ser desobedecida.

    E a Polícia Federal, como fica? Deve obedecer a quem? Ao desembargador ou ao juiz de primeira instância?

    E se um grupo de policiais, por questões ideológicas, quiser obedecer ao juiz de primeira instância e outro grupo, pelos mesmos motivos, escolher o desembargador?

    Entendem, leitor e leitora, onde isso pode chegar?

    2 – A disputa pelo Estado

    Em muitos aspectos, a crise brasileira é a crise mundial. Talvez o Brasil seja o laboratório dessa crise, o principal palco de sua manifestação. Mas crise, de forma alguma, é uma jabuticaba. Não é privilégio nosso. Não mesmo.

    Guardadas as devidas particularidades que variam de país para país, a crise internacional pode ser explicada pelo acirramento das disputas pelo Estado. A conciliação que viabilizou o experimento do Estado de Bem-Estar Social não se sustenta mais e a consequência lógica do fim da conciliação é a radicalização dos conflitos.

    Os que falam em “Estado mínimo” querem se apropriar do Estado, fazer com que o Estado atenda aos seus próprios interesses. Não existe “Estado mínimo” em sociedades complexas. O que existe é a disputa pelo Estado. Cada grupo sempre quer Estado máximo para si e, como o cobertor é curto, isso significa impor Estado mínimo aos outros.

    Por outro lado, os grupos sociais que conquistaram direitos no experimento do Estado de Bem-Estar Social, naturalmente querem manter essas conquistas, protegê-las da ofensiva neoliberal em curso, repito, no Brasil e no mundo.

    No Brasil, com todos os seus defeitos, o Partido dos Trabalhadores, sob a liderança de Lula, representa aquilo que de mais próximo tivemos de uma experiência de Bem-Estar Social. Por isso, Lula não foi solto. Por isso, uma decisão judicial foi descumprida.

    Há muito tempo, Lula deixou de ser um homem e se tornou uma instituição, um símbolo que representa a função social e provedora do Estado. É natural que Lula tenha se transformado no principal alvo do golpe neoliberal em curso no Brasil. Sem a destruição de Lula, o projeto do golpe não se consolida.

    3 – A derrota nas instituições X vitória no imaginário popular

    No final do dia aconteceu o que já era previsto por todos, até mesmo pelos parlamentares que tentaram o habeas corpus: as autoridades que antes tinham bancado a prisão de Lula (Carmen Lúcia, Raquel Dodge, Thompson Flores) sufocaram a rebelião de Favreto e mantiveram a decisão inicial.

    Uma derrota para o PT? Depende da perspectiva.

    A crise institucional é tão grave, abriu-se um fosso tão grande entre as instituições e a opinião pública, que as derrotas institucionais, geralmente, significam vitórias no imaginário popular.

    Dilma foi deposta por um golpe parlamentar. Temer assumiu a Presidência da República. A população rejeita Michel Temer como nunca antes rejeitou um presidente na história desse país. Todas as lideranças que se aproximaram de Temer viram seu capital eleitoral desidratar.

    Rodrigo Maia, Henrique Meirelles, Geraldo Alckmin. Pelo que sugerem as pesquisas, todos teriam um desempenho vergonhoso se as eleições fossem hoje. Nada no horizonte sugere que esse cenário irá mudar em três meses.

    E Lula?

    Lula lidera com folga e o PT continua sendo o partido político mais popular entre os eleitores.

    Os golpistas venceram na disputa institucional, sem dúvida: tomaram o poder de assalto e reorientaram os fundamentos conceituais do Estado brasileiro com a Emenda Constitucional 95 (decretada pela famigerada “PEC dos Gastos”), que entregou a agenda desenvolvimentista do poder público ao controle do mercado. Nem os militares, nem os governos tucanos, ousaram ir tão longe.

    Mas na opinião pública, no imaginário popular, os golpistas perdem, e perdem de goleada.

    Foi exatamente essa percepção que orientou a ação dos parlamentares petistas que apresentaram o pedido de habeas corpus no plantão do desembargador Favreto.

    Na real, como comentei há pouco, todos eles sabiam que o golpe não deixaria Lula ser solto. O próprio Lula sabia disso. Ele nem deve ter feito as malas.

    Mas mesmo assim, a ação foi importante. Talvez tenha sido o lance mais astuto da Partido dos Trabalhadores nessa conjuntura de crise.

    Moro, colocando os pés pelas mãos, mordeu a isca lançada pelas lideranças petistas. Ao assinar documento oficial, em férias, interferindo em um processo que não mais lhe dizia respeito, Moro escancarou o que já era óbvio: Lula não é um preso comum. É um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

    O Sistema de Justiça foi exposto nas suas entranhas corrompidas: um juiz petista mandou soltar e um juiz tucano mandou deixar preso.

    A militância petista, quase acostumada com a prisão de Lula, foi reanimada. Lula passou o dia sob os holofotes da mídia, encenando publicamente um episódio de martírio.

    Foi um ato de guerrilha, rápido, pequeno, com saldo positivo para as trincheiras petistas.

    Isso tudo em um domingo. Não era segunda-feira, não era quinta-feira. Era um domingo, um domingo de ressaca, de luto por mais uma eliminação em Copa do Mundo. Tinha tudo pra ser um domingo preguiçoso, lento, como costumam ser os domingos.

    Não foi. Foi um domingo de crise.

     

  • Lula desmonta mentiras de delatores e aponta falta de provas em denúncia sobre terreno

    Lula desmonta mentiras de delatores e aponta falta de provas em denúncia sobre terreno

    Do Instituto Lula

    Em depoimento concedido nesta quarta-feira (13) ao juiz Sérgio Moro, na 12ª Vara Federal de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu a todas as acusações que lhe foram feitas por réus que assinaram acordos de delação com a Justiça para obter vantagens penais, como o ex-deputado Antônio Palocci e o ex-senador Delcídio Amaral.

    Já sobre o fundamento principal da acusação que o Ministério Público Federal lhe imputa neste processo, não houve sequer uma pergunta por parte de Moro ou dos procuradores. Segundo a denúncia, a empreiteira Odebrecht iria doar ao Instituto Lula um terreno, supostamente em troca de ter sido beneficiada pelo ex-presidente para fechar oito contratos com a Petrobras.

    Tal doação jamais ocorreu, conforme admitem os próprios acusadores. Nem Moro nem os procuradores procuraram provar ou mesmo esclarecer de qual forma Lula teria agido para influenciar a estatal a assinar os tais contratos.

    Assim, coube a Lula apenas refutar as acusações sem provas que lhe são foram feitas pelos delatores, e apontar a aparente parcialidade na condução do processo por parte da 12ª Vara Federal de Curitiba.

    Sobre as alegações feitas por Antônio Palocci, que se encontra preso há mais de um ano e negocia agora um acordo de delação que possa lhe tirar da cadeia, Lula disse:

    “A única coisa que tem verdade ali é que ele está fazendo a delação porque ele quer os benefícios que podem vir dela. Eu vi o Palocci mentir aqui essa semana. Fiquei com pena. Ele está preso há mais de um ano, tem o direito de querer ser livre, tem o direito de querer ficar com um pouco do dinheiro que ele ganhou fazendo palestra, ele tem família. Mas o que ele não pode, se não quer assumir a responsabilidade pelos fatos ilícitos que fez, é jogar (a responsabilidade) em cima dos outros”.

    A acusação de que a Odebrecht tinha o intuito de doar um terreno para o Instituto Lula foi sustentada por Palocci, em consonância à acusação feita pelos procuradores da Operação Lava Jato, que agora negociam com o ex-ministro seu acordo de delação premiada.

    O juiz Sérgio Moro se ateve longamente às afirmações de Palocci, enquanto preferiu ignorar provas e testemunhos que apontam as fragilidades da acusação.

    Em 12 de junho deste ano, por exemplo, Emílio Odebrecht, presidente do Conselho Administrativo do grupo que leva seu nome, afirmou ao próprio juiz Sérgio Moro, com todas as letras, que nunca teve intenção de doar terreno nenhum ao Instituto Lula.

    Na ocasião, o empresário afirmou também não ter conhecimento sobre qualquer relação entre a compra do terreno referido na ação penal e a concretização de oito contratos específicos que a Odebrecht firmou com a Petrobras. Moro, porém, preferiu ignorar este depoimento, e focar sua atenção em Palocci.

    Assim, Lula observou nesta quarta-feira que teme que o juiz de primeira instância do Paraná possa estar sendo parcial na condução dos processos contra ele. O ex-presidente deu como exemplo o fato de que Moro chega a levar mais em consideração o que é publicado em veículos de imprensa do que dados oficiais dos processos. “Na condenação sobre o caso do apartamento tríplex, o senhor cita o jornal O Globo 15 vezes e cita apenas cinco vezes falas das testemunhas (foram mais de 70 pessoas ouvidas nos autos). O senhor precisa começar a ler também outros jornais”, recomendou Lula. “Certo”, respondeu Moro.

    Imóvel alugado em São Bernardo

    Outra parte da acusação no presente processo afirma que um apartamento que Lula e sua família alugam desde o início da década de 2000 seria, na realidade, uma propriedade oculta do ex-presidente, dada a ele de presente pela empreiteira Odebrecht, novamente em troca de supostos benefícios em oito contratos firmados com a Petrobras.

    Milhares de pessoas lotaram praça em Curitiba nesta quarta para demonstrar apoio a Lula (Foto: Gibran Mendes/Jornalistas Livres)

    O atual proprietário do imóvel, Glauco da Costa Marques, já afirmou em juízo e apresentou documentos que mostram ser ele o dono do bem. Sérgio Moro, então, quis saber se Lula pagava o aluguel regularmente. Lula esclareceu que todos os pagamentos constam em sua declaração de imposto de renda e também nas declarações do proprietário. O ex-presidente afirmou ainda que tais pagamentos ficavam a cargo da ex-primeira-dama Marisa Letícia, já que o imóvel fica no mesmo andar da residência da família, e servia como base para os seguranças do então presidente. Responsável que era pelas questões de economia doméstica do casal, dona Marisa ficava a cargo desses pagamentos.

    Sérgio Moro, porém, tentou nesta quarta-feira inverter o ônus da prova – obrigação de quem acusa -, insistindo para que Lula apresentasse recibos de pagamentos desses aluguéis, “como um conselho para esclarecer as acusações”. Neste momento, o advogado Cristiano Zanin teve que intervir, recordando ao juiz de primeira instância os fundamentos do Direito. “Agradeço seus conselhos, doutor, mas seguiremos o mando constitucional e deixamos para quem acusa a obrigação de provar sua acusação. São os procuradores que precisam apresentar provas sobre o que afirmam”, disse o defensor.

  • KAFKA PERDE! Moro condena Vaccari por crime do qual não fora acusado.

    KAFKA PERDE! Moro condena Vaccari por crime do qual não fora acusado.

    Vinícius Segalla, especial para os Jornalistas Livres

     

    O Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou a sentença do juiz Sérgio Moro, que havia condenado João Vaccari Neto a mais de 15 anos de prisão, pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e associação criminosa.

    O motivo: o juiz paranaense de primeira instância havia condenado Vaccari exclusivamente baseando-se em depoimentos de delatores, o que obviamente é contra a lei.

    Aqui, o acórdão:

    http://s.conjur.com.br/dl/acordao-trf4-vaccari.pdf

    Pois bem, não pararam por aí os “erros” do juiz de primeira instância. Vejam este trecho de sua sentença original, esta que foi derrubada pelos desembargadores federais:

    “Para o crime de associação criminosa: João Vaccari Neto não tem antecedentes criminais informados no processo. Considerando que não se trata de associação criminosa complexa, circunstâncias e consequências não devem ser valoradas negativamente.”

    “As demais vetoriais, personalidade, culpabilidade, conduta social, motivos e comportamento das vítimas são neutras. Motivos de lucro são comuns às associações criminosas, não cabendo reprovação especial. Fixo pena no mínimo legal, de um ano de reclusão.”

    Resumindo: Moro condenou Vaccari a um ano de prisão por associação criminosa (o resto da pena é pelos outros crimes, lavagem de dinheiro e corrupção passiva).

    ACONTECE QUE JOÃO VACCARI NETO NÃO HAVIA SIDO DENUNCIADO PELO MPF POR ESTE CRIME. ELE NÃO HAVIA SEQUER SIDO INVESTIGADO POR ESTE CRIME.

    Eu não sei se entendem a gravidade disso. O Moro condenou o Vaccari por um crime a que ele não respondia. Como ele não tinha sido acusado deste crime, ele nunca se defendeu de eventualmente ter cometido este crime. Mas o Moro o condenou por isso, colocando Kafka e seu Processo no chinelo.

    O Moro não tinha nem 25 anos quando se tornou juiz federal. Nunca advogou, não tinha experiência, mas tenho certeza que ele, assim como eu, aprendeu no primeiro ano da faculdade o que significa uma sentença extra petita: é aquela sentença que vai além do pedido inicial da parte acusadora (no caso, o MPF). Ele deve ter aprendido também que toda sentença extra petita é ilegal, devendo portanto ser reformada, como de fato aconteceu.

    Ele aprendeu, mas se esqueceu? Bom, na opinião do desembargador relator do acórdão que derrubou a sentença do Moro, JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, o que houve foi um mero “lapso” do juiz de primeira instância.

    Gebran, que assume desabridamente ser amigo pessoal de Moro, foi voto vencido no acórdão. Ele queria manter Vaccari condenado mesmo apenas com delações premiadas pesando contra ele, mas foi voto vencido. Os desembargadores que não são amigos de Moro barraram a ilegalidade.

    Mas em relação à parte extra petita da sentença, a condenação espontânea de Moro por associação para o crime, ah, com essa nem mesmo Gebran foi capaz de anuir.

    Em seu voto, ele assim escreveu:

    “No que respeita ao crime de quadrilha ou bando, o art. 288, do Código Penal, com referido acima, a sentença é extra petita quanto ao ponto, porque não há pedido do Ministério Público Federal, sequer imputação, quanto a este fato típico, tampouco houve na sentença qualquer exame do ponto, mas, possivelmente por lapso do magistrado, exame da dosimetria da pena para este réu em relação a fato que não fora condenado.”

    Então, o desembargador mostra que o juiz de primeira instância tirou de sua criativa mente uma condenação por um crime a que o réu sequer respondia. O juiz de primeira instância explica em sua sentença por que o está condenando por este crime (só não diz que isso é ilegal). Então o desembargador conclui: por que o juiz condenou alguém por um crime que sequer lhe era imputado? Ah, foi um lapso!

    Então, tá.

  • As tentativas (fracassadas) de boicotar o apoio a Lula

    As tentativas (fracassadas) de boicotar o apoio a Lula

    Lula incomoda. Principalmente porque não está sozinho. Cerca de 15 mil pessoas vindas de todo o Brasil acamparam em Curitiba e agora seguem pelas ruas em direção à sede da Justiça Federal, no bairro Ahú. A audiência está marcada para as 14h.


    Entre as tentativas para impedir o apoio popular estão:

    – A Polícia Rodoviária Federal fechou estradas e parou dezenas de ônibus para revistar manifestantes a caminho da cidade. Foram realizadas batidas policiais com revista aos viajantes. Os oficiais estavam armados. O resultado das blitz: uma enxada e um facão de corte de madeira para instalar barracas.

    – Proibição de acampamento em praças e ruas de Curitiba. Os manifestantes ficaram numa área ao lado da linha de trem da cidade.

    – 30 outdoors com mensagens anti Lula foram instalados nas entradas da cidade. A explícita declaração de guerra usa o nome da Lava Jato para intimidar o ex-presidente. Com desenhos diferentes, eles têm dizeres como “A ‘República de Curitiba’ te espera de grades abertas”.

    – Proibição da aproximação das pessoas e veículos nas imediações do local do depoimento. O acesso será restrito apenas a moradores cadastrados pela polícia. O mapa de restrições foi feito antes mesmo da decisão judicial.

    – Proibição da saída de um caminhão de som na marcha dos manifestantes.

    – Ontem à noite, foi disparada uma chuva de morteiros no acampamento. O ataque deixou o local em estado de tensão e um manifestante foi parar no hospital com queimaduras.

    Barraca do Acampamento pela Democracia atingida por morteiro

    FOTOS: Taba Benedicto, Leandro Taques, Raquel Wanderlli, Kátia Passos, Paulo Jesus, Iolanda Depizzol, especial para os Jornalistas Livres

    Texto: Flávia Martinelli, dos Jornalistas Livres

  • Estado de exceção e direito penal do inimigo são duras realidades do Brasil

    Estado de exceção e direito penal do inimigo são duras realidades do Brasil

    Por Antonio Carlos Carvalho

    (Texto publicado originalmente pela Fundação Perseu Abramo neste link)

    Vivemos dias sombrios. Estado de exceção e direito penal do inimigo são duras realidades do Brasil. Se essa realidade nunca abandonou as periferias desse país, é verdade que agora ela se escancara aos olhos de quem quiser ver.

    A operação de um sistema jurídico que não garante defesa, que julga antes de conhecer as provas e que prende para obter detrações é sacramentada pelo constante apoio da campanha dos meios de comunicação, que, semana após semana, anunciam as balas de prata que acabarão com um mal comum único fabricado para distrair as desigualdades do Brasil.

    Essa poderia ser a descrição de outros períodos da nossa história. Ditaduras precisam existir no coração das pessoas. Carregar pra si o ódio, a raiva e a necessidade de perseguir um inimigo une pessoas, mobiliza emoções e cria um amálgama social destruidor.

    Esse foi o cerne das manifestações verde-amarelas e do golpe parlamentar viabilizado pelas forças da mídia brasileira, que se uniram à perseguição penal violenta da Operação Lava Jato. O inimigo comum estava declarado por essas forças: o PT é o fundador da corrupção e gerador da crise brasileiras, e precisa ser desligado do poder, extinto e combatido.

    Definidas a exceção e o inimigo, haveria ambiente para o estabelecimento de uma nova ordem política e econômica para o Brasil. Não contaram com um elemento: o povo. O povo é a regra, e não a exceção numa nação. E não existe liderança política da história desse país que conheça mais essa regra do que Lula. Ele já foi tratado como inimigo pelo Delegado Fleury, por Roberto Marinho, pelos Civita, pelos Mesquita, pelos Frias, pelos generais da ditadura, pelos proprietários das empresas metalúrgicas, pela aristocracia brasileira. Todos a bem de um ideal nacional. Sérgio Moro é o nome da vez.

    E querem que ele seja. Basta ver as capas das revistas Veja e Istoé desse final de semana. Lula virou inimigo nacional por ter um acervo presidencial, por frequentar Atibaia e por ter pensado em frequentar o Guarujá. E Moro, o combatente número um desse inimigo. Como as cascas de cebola de Hannah Arendt, o juiz de primeira instância do Paraná ocupa um papel na exceção que foi criada: o de tentar fazer valer alguma regra que não existe.

    Mas essa é mais uma travessia, para o povo brasileiro e para Lula. E, como diz Guimarães Rosa, citado no início do texto, é ali que está o real, a realidade, o fato. E a humanidade, os sentimentos, a felicidade, a democracia e a justiça social só podem aparecer nos fatos. Como nos natais que o presidente passou com catadores e catadoras, como na entrega da transposição do Rio São Francisco ao povo do Nordeste, no pau de arara que o trouxe para São Paulo, nas greves, nas ruas, nas duas vezes em que foi eleito para a presidência. E por isso ele é o inimigo. Travessia. Lula sempre teve a viola pra cantar.