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  • Reportagem mostra relações ilegais entre FBI e a operação Lava Jato

    Reportagem mostra relações ilegais entre FBI e a operação Lava Jato

    Por: Natalia Viana, Rafael Neves, Agência Pública/The Intercept Brasil

    ESPECIAL: VAZA JATO
    Agente que atuou em investigações da Lava-Jato no Brasil virou chefe da Unidade de Corrupção Internacional do FBI
    Polícia americana tem foco crescente em combater corrupção na América do Sul e abriu escritório para isso em Miami
    Deltan e PF preferiram tratar de extradição diretamente com americanos: “entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo”, escreveu o procurador
    Nos seus pouco mais de 20 anos no FBI, a agente especial Leslie R. Backschies esteve diversas vezes no Brasil. Backschies, cujo nome do meio é Rodrigues, com a grafia portuguesa, é fluente na língua nacional e vem ao país desde pelo menos 2012, ano em que há um primeiro registro de uma visita sua à Polícia Militar de São Paulo. É, também, a única foto que se encontra na internet dessa notável agente do FBI – embora esteja longe da câmera e de óculos escuros. O objetivo daquela visita era firmar parcerias para capacitação de policiais para responder a ameaças terroristas antes da Copa de 2014.

    Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública – Foto: Site Piloto Policial
    Leslie R. Backschies, a segunda à esquerda, e mais quatro agentes do FBI visitaram o Grupamento de Radiopatrulha Aérea (GRPAe) da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP)

    Ao longo de sua carreira, Leslie trabalhou na divisão de Segurança Nacional do FBI, atuando nas áreas de contraterrorismo e resposta a armas de destruição em massa – ela foi co-autora de um guia sobre armas biológicas para o site Jane’s Defense.

    Trabalhando para a Divisão de Operações internacionais do FBI, em 2012 Leslie mudou-se para a América do Sul, passando a viver em local não revelado, de onde supervisionava os escritórios do FBI nas capitais do México, Colômbia, Venezuela, El Salvador e Chile, além dos agentes do FBI lotados na embaixada em Brasília. No mesmo posto, comandou operações da polícia federal americana em Barbados, República Dominicana, Argentina, Panamá e no Canadá.

    Mas nos últimos anos, a carreira de Leslie deu uma guinada. De especialista em armamentos e terrorismo, ela passou a se dedicar a investigar casos de corrupção e lavagem de dinheiro na América Latina – com destaque para o Brasil.

    Em 2014, Leslie foi designada pelo FBI para ajudar nas investigações da Lava Jato. A informação consta de reportagem do site Conjur sobre evento promovido pelo escritório de advocacia CKR Law em São Paulo, em fevereiro de 2018, que contou com presença dela. A atuação de Leslie foi considerada “um trabalho tremendo” e “crítico para o FBI” pelos seus supervisores, segundo seu ex-chefe afirmou em um evento sobre o combate à corrupção em Nova York no ano passado acompanhado por uma colaboradora da Pública.

    Leslie se tornou especialista na legislação FCPA, Foreign Corrupt Practices Act, uma lei americana que permite que o Departamento de Justiça (DOJ) investigue e puna nos Estados Unidos atos de corrupção praticados por empresas estrangeiras mesmo que não tenham acontecido em solo americano. Foi com base nessa lei que o governo americano investigou e puniu com multas bilionárias empresas brasileiras alvos da Lava Jato, dentre elas a Petrobras e a Odebrecht, que se comprometeram a desembolsar mais de US$ 4 bilhões em multas para os EUA, Brasil e Suíça.

    Hoje morando de novo nos Estados Unidos, Leslie comanda a Unidade de Corrupção Internacional do FBI, cuja grande novidade no ano passado foi um escritório aberto em março em Miami apenas para investigar casos de corrupção na América do Sul, o Miami International Corruption Squad.

    A unidade conta com seis agentes especiais, um supervisor e um contador forense que atuam na cidade conhecida por receber exilados cubanos, venezuelanos e, mais recentemente, uma enxurrada de ricos brasileiros. “Você não pode apenas ter um agente ou dois em um escritório em campo trabalhando com isso…. Não dá para trabalhar com isso apenas duas ou três horas por semana. Assim não vai funcionar. Você precisa de recursos dedicados em período integral”, afirmou Leslie à à Agência de Notícias Associated Press.

    O esquadrão para América do Sul é o quarto esquadrão do FBI especializado em corrupção internacional. Todos foram abertos nos últimos cinco anos – ao mesmo tempo que a maior investigação de corrupção da história brasileira varria o continente.

    A reportagem pediu uma entrevista a Leslie Backschies, mas não obteve resposta até a publicação.

    Cinco anos depois, Leslie parece bastante satisfeita com os resultados. “Nós vimos muita atividade na América do Sul — Odebrecht, Petrobras. A América do Sul é um lugar onde… Nós vimos corrupção. Temos tido muito trabalho ali”, disse ela à Agência de Notícias Associated Press no começo de 2019.

    “Não dá pra ser melhor do que isso”, ela afirmou no evento da CKR Law em São Paulo. “Nossa relação com o Brasil é o modelo de colaboração para países lutando contra crimes financeiros”.

    “Isso é apenas o começo. Temos o enquadramento correto, a vontade e os fundos para continuar trabalhando juntos”.

    “Agentes do FBI já apoiaram” 10 medidas contra a corrupção

    Em outubro de 2015, Leslie fez parte da comitiva de 18 agentes americanos que foram a Curitiba se reunir com procuradores e advogados de delatores sem passar pelo Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo a lei, intermediar todas as matérias de assistência jurídica com os EUA, segundo revelaram Agência Pública e The Intercept Brasil.

    A proximidade com a equipe da Lava Jato era tanta que Leslie foi um dos agentes do FBI que posaram com um cartaz apoiando o projeto de lei das 10 Medidas Contra a Corrupção, bandeira da Força-Tarefa e em especial do seu chefe, Deltan Dallagnol, que foi derrotada no Congresso Nacional.

    Em um chat com Deltan em 18 de maio de 2016 constante do arquivo entregue ao site The Intercept Brasil, a procuradora Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa em São Paulo, brincou antes de uma viagem para os EUA: “Vou tentar tirar uma foto c a Jennifer Lopes e o cartaz das 10 Medidas”, brinca ela. “Os agentes do FBI já apoiaram. Mas não pode publicar a foto ok? Eles não deixaram”, explica Thaméa, enviando a foto a seguir.

    Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública – Foto: Rovena Rosa/MPF
    Thaméa Danelon, ex-coordenadora da Força-Tarefa em São Paulo, e Deltan Dallagnol, chefe da Força-Tarefa da Lava Jato

    A imagem foi posteriormente apagada e não consta do arquivo entregue ao Intercept. Se divulgada, ela poderia causar uma saia justa ao MPF por se tratar de autoridades estrangeiras atuando em uma campanha legislativa nacional.

    Thaméa diz que na foto todos são agentes, com exceção de uma tradutora brasileira. Mostrando familiaridade com a agente americana, Deltan Dallagnol se entusiasma e diz que a imagem lembra o filme Missão Impossível, estrelado por Tom Cruise. “Legal a foto! A Leslie está em todas rs”.

    Arte: Larissa Fernandes/Agência Pública

    A foto havia sido tirada em São Paulo um dia antes, em 17 de maio de 2016, quando Thaméa participou, junto com Leslie, de uma palestra para 90 membros do MPF paulista. Estavam lá também os agentes Jeff Pfeiffer e Patrick Kramer, além de George “Ren” McEchern, então diretor do Esquadrão de Corrupção Internacional do FBI em Washington – e chefe de Leslie.

    Promovida pela Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Procuradoria da República em São Paulo, a palestra teve como objetivo ensinar o funcionamento da FCPA. “Foi uma excelente oportunidade para aprendermos sobre um eficiente sistema de combate à corrupção”, ressaltou Thaméa no evento.

    A fala de Leslie Backschies não foi reproduzida online. A reportagem pediu as fotos do evento à procuradoria, mas a assessoria de imprensa respondeu que “infelizmente tivemos um problema no nosso backup e perdemos alguns registros de anos anteriores, inclusive esse evento”. Questionado via Lei de Acesso, o MPF fez uma dupla negativa: “E mesmo que tivéssemos estas imagens, elas precisariam de autorização de uso das pessoas fotografadas (palestrantes e espectadores), documento que não foi requisitado no evento”.

    Meses depois, foi a vez de Thaméa ir a Washington para dar um curso ao FBI sobre a Lava Jato, conforme revela um diálogo com Deltan Dallagnol em 11 de Outubro de 2016 a partir das 16:47:23. “O FBI pediu pra eu falar sobre a Lavajato no curso em Washington, tudo bem? Vc me mandaria um material em Inglês? Eles tb. querem q eu fale sobre as 10 Measures!!!! show heim? até eles já sabem da campanha!!!”

    Deltan responde: “Animal. Não é tudo bem. É tudo excelente!!!!!”

    As mensagens foram reproduzidas com a grafia encontrada nos arquivos originais recebidos pelo The Intercept Brasil, incluindo erros de português e abreviaturas.

    Segundo um documento constante dos arquivos da Vaza Jato, em 2015 havia nove policiais americanos lotados na embaixada de Brasília e no Consulado de São Paulo, incluindo do FBI, da Polícia de Imigração e Alfândega e do Departamento de Segurança Interna.

    Com base nos diálogos e em apuração complementar, a Agência Pública conseguiu localizar, além de Leslie Backschies, 12 nomes de agentes do FBI que atuaram nos casos da Lava Jato em solo brasileiro.

    Pela lei, nenhum agente americano pode fazer diligências ou investigações em solo brasileiro sem ter autorização expressa do Ministério da Justiça, pois as polícias não têm jurisdição fora dos seus países de origem. O FBI e a embaixada dos Estados Unidos se negam a detalhar publicamente o que fazem seus agentes no Brasil. Mas um documento da própria embaixada, obtido pela Pública, revela como funciona esse trabalho. Trata-se de um anúncio em 19 de outubro de 2019 em busca de um “investigador de segurança” para trabalhar na equipe do adido legal e passar 70% do tempo fazendo investigações. “Essas investigações são frequentemente altamente controversas, podem ter implicações sociais e políticas significativas”, diz o texto do anúncio, escrito em inglês. O anúncio avisa que o policial terá de viajar de carro, barco, trem ou avião por até 30 dias “para áreas remotas de fronteira e para todas as regiões do Brasil”.

    Questionada pela Pública sobre a atuação de agentes do FBI em território brasileiro e sobre a parceria com os membros da Lava Jato, a embaixada americana respondeu através de uma nota: “O FBI colabora com as autoridades brasileiras, que conduzem todas as investigações no Brasil, inclusive todas as investigações que envolvem o Brasil e os EUA. As autoridades federais e estaduais brasileiras trabalham rotineiramente em parceria com as agências policiais dos EUA em uma ampla gama de questões. Os Estados Unidos e o Brasil mantêm uma excelente cooperação policial na FCPA, mas também no combate ao crime transnacional e em muitas outros ámbitos de interesse mútuo. Procuramos oportunidades de aprender com todas as nossas investigações. Um intercâmbio de boas práticas faz parte da boa cooperação que desfrutamos com nossos colegas brasileiros”.

    Há dezenas de menções ao FBI e seus agentes nos diálogos constantes da Vaza-Jato analisados pela Agência Pública e Intercept Brasil. Fica claro que o relacionamento mais constante é entre membros da PF brasileira e agentes do FBI.

    “A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta”

    À frente da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República, o procurador Vladimir Aras alertou diversas vezes para problemas legais envolvendo a colaboração direta com agentes do FBI.

    Uma conversa bastante tensa, em 11 de fevereiro de 2016, revela até que ponto a PF mantinha proximidade com o FBI e desconfiava do governo de Dilma Rousseff. A ponto de o próprio chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, admitir ao secretário de Cooperação Internacional da PGR que a PF preferia tratar direto com os americanos a seguir as vias formais.

    Às 11:27:04, Deltan pede que Aras olhe um email enviado para os Estados Unidos. Aras se surpreende com o teor: tratava-se de um pedido de extradição de um suspeito da Lava Jato. Não fica claro quem é a pessoa a quem se referem. O pedido, informal, havia sido enviado ao Escritório de Assuntos Internacionais (OIA, na sigla em inglês) diretamente por Dallagnol, sem passar pela Secretaria Cooperação Internacional da PGR nem pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, autoridade central responsável, de acordo com um tratado bilateral. O diálogo dá a entender que um mandado de prisão ainda estava por ser decretado pelo então juiz Sergio Moro.

    “Passa o nome e os dados que vamos atrás. Fizemos isso com o advogado de Cerveró”, responde Aras. “Nosso parceiro preferencial para monitorar pessoas tem sido o DHS, mas podemos trabalhar com o FBI também. Quanto antes tivermos os dados, melhor”, explica Aras, referindo-se ao Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS, na sigla em inglês). Aras prossegue explicando que o pedido de extradição teria que passar pelo DEEST, o Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, além do Ministério de Relações Exteriores, “um parceiro importante”.

    “Não é bom tentar evitar o caminho da autoridade central, já que, como vc sabe, isso ainda é requisito de validade e pode pôr em risco medidas de cooperação no futuro e a “política externa” da PGR neste campo”, explica Vladimir.

    “O que podemos fazer agora é ajustar com o FBI e com o DHS para localizar o alvo e esperar a ordem de prisão, que passará pelo DEEST. Podemos mandar simultaneamente aos americanos”, ele prossegue.

    Em resposta, Deltan é direto. “Obrigado Vlad por todas as ponderações. Conversamos aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo, nesse caso concreto. Registra pros seus anais caso um dia vá brigar pela função de autoridade central rs”, escreveu, deixando no ar a sugestão para que Aras se ocupasse do assunto se um dia comandasse o MPF ou o Ministério da Justiça. “E registra que a própria PF foi a primeira a dizer que não confia e preferia não fazer rs”.

    Vladimir insiste: “Já tivemos casos difíceis, que foram conduzidos com êxito”.

    “Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo executivo”.

    Vladimir responde que “A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ a intermediação”.

    Para a professora de direito penal e econômico na Fundação Getulio Vargas, Heloísa Estellita, o episódio é “lamentável”. “Não temos notícia de como o procurador procedeu e se procedeu a alguma medida. Mas não deixa de ser lamentável que, mesmo corretamente orientado por colega especialista em cooperação internacional e zeloso pela legalidade, o procurador tenha manifestado que, em tese, preferiria outro caminho”, avalia. “Como o procurador especialista alerta, a hipótese de circundar a autoridade competente poderia não só causar problemas institucionais no Brasil, como gerar descrédito para as instituições brasileiras perante autoridades estrangeiras”.

    Arte: Larissa Fernandes/Agência Pública

    Procurada pela reportagem, a Força-Tarefa da Lava Jato reiterou, através de nota, que “além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas”. Leia a resposta completa no final desta reportagem.

    Odebrecht: “O FBI já tem conhecimento total das investigações”

    Naquele mesmo ano, alguns meses depois, a relação com a polícia americana voltaria a ser tema de debate entre os procuradores, desta vez pelo Chat Acordo ODE, onde discutiam o contrato de leniência com a construtora Odebrecht.

    O tema da conversa, iniciada às 15:29:40 do dia 31 de agosto de 2016, era o sistema de informática My Web Day, que, assim como o Drousys, era usado pelo Setor de Operações Estruturadas, um departamento da Odebrecht que geria os pagamentos de propinas a políticos de vários países. Os membros da Lava Jato pediram informalmente ajuda ao FBI para quebrar as senhas de ambos os sistemas. O pedido foi feito em agosto de 2016, quase um ano antes da Lava Jato receber oficialmente os arquivos do Mywebday e Drousys a partir da assinatura do acordo de leniência com a Odebrecht, o que ocorreu em agosto de 2017, segundo reportagem de O Globo.

    Naquele dia o procurador Paulo Roberto Galvão explicou que pediu auxílio do FBI para “quebrar” ou “indicar um hacker” para acessar o sistema My Web Day. Em resposta, o promotor Sérgio Bruno, que coordenava a Lava Jato em Brasília, afirma que o então Procurador Geral da República Rodrigo Janot chegou a ter uma reunião na embaixada americana para pedir ajuda com os sistemas criptografados da Odebrecht.

    “O canal com o FBI é com certeza muito mais direto do que o canal da embaixada. O FBI tb já tem conhecimento total das investigações, enquanto a embaixada não teria”, informa Paulo Roberto. “De minha parte acho útil manter os dois canais”.

    Depois, ele explica: “A nossa foi sim com o adido, porém o que fica em SP. O mesmo que acompanha o caso LJ”.

    Arte: Larissa Fernandes/Agência Pública

    As trocas entre FBI e a Lava Jato em relação ao sistema My Web Day continuaram nos meses seguintes, mas parecem ter sido infrutíferas. Em outubro de 2016, Paulo Roberto Galvão compartilhou no chat “Acordo Ode” uma resposta em inglês de David Williams, adido do FBI na embaixada americana, sobre as possibilidades indicadas pelos experts em criptologia do FBI.

    A comunicação demonstra que o assunto já fora tratado, pessoalmente, com o procurador Carlos Bruno Ferreira, da Secretaria de Cooperação Internacional da PGR. “Se não me engano o assunto de baixo é o mesmo que o Carlos Bruno explicou para mim recentemente na despedida do Adido Frank Dick na embaixada do Reino Unido (certo Carlos?)”, escreve, em português fluente, prometendo consultar os “cyber experts” do FBI. O problema é que o MywebDay usava uma poderosa criptografia que só podia ser descriptografada usando 3 componentes. E a Odebrecht dizia que tinha perdido dois deles, tendo apenas a senha. A criptografia usava o programa Truecrypt.

    “Eu acho que em resumo o que eles estão falando é que sem os arquivos-chave, é impossível no cenário da Odebrecht destravar o volume do TrueCrypt apenas com uma senha”, escreveu como resposta David Williams. “Eles podem fazer uma análise forense nas imagens que têm os dados do TrueCrypt, e fazer uma tentativa para localizar os outros arquivos-chave. Se essa análise é algo que você gostaria de receber assistência, avise-nos e podemos ver se é algo que o FBI pode tentar”.

    “Caros, na Suíça aparentemente o pessoal da Odebrecht disse q teria condições de abrir o sistema. Vamos entender melhor isso”, encerra Paulo.

    No final de 2016, a Odebrecht, junto com sua subsidiária Braskem – à época uma joint-venture com a Petrobras – fez um acordo com o DOJ pelo qual ambas concordaram em pagar uma indenização de no mínimo US$ 3,2 bilhões aos EUA, Suíça e Brasil – total depois reduzido para US$ 2,6 bilhões – por práticas de corrupção ocorridas fora dos EUA.

    Procurada pela reportagem, a Lava Jato afirmou, através de nota, que “os dados do sistema Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação do Poder Judiciário brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a diversas investigações e acusações criminais”. A resposta completa está no final da reportagem.

    Porém, apenas em agosto de 2017 cinco discos rígidos com cópia de dados do software MyWebday foram entregues oficialmente aos procuradores da Lava Jato como parte do acordo, segundo reportagem de O Globo. Os arquivos para descriptografá-los continuavam desaparecidos – e mais uma vez a Lava Jato precisou da ajuda dos americanos.

    Discutindo a reportagem do Globo, o procurador Roberson Pozzobon, colega de Dallagnol em Curitiba que chegou a negociar a abertura de uma empresa de palestras em sociedade com ele, reclamou: “Da forma como ele colocou, parece que não nos empenhamos (e ainda estamos nos empenhando) para buscar acessar essas informações (quando os dispositivos foram enviados até o FBI para ver se seria possível acessar sem as senhas)”, escreveu ele no chat “Filhos do Januario 2 – SAIR” em 6 de fevereiro de 2018.

    A colaboração com o FBI nas investigações em relação à Odebrecht levou a um dos maiores acordos assinados até então pelo DOJ com uma empresa internacional, no valor de US$ 2,6 bilhões de multa.

    Como a Odebrecht não é uma empresa de capital aberto e portanto não tem suas ações vendidas na bolsa nos Estados Unidos – como era o caso da Braskem – o acordo descreve algumas situações que estariam sob a jurisdição americana.

    Por exemplo, a Odebrecht teria usado contas em bancos de Nova York para transferir dinheiro para contas Offshore em Belize e nas Ilhas Virgens Britânicas que, afinal, seria “em parte” usada para o pagamento de propina em países latino-americanos. O DOJ vai além. “A Odebrecht, os seus empregados e agentes, tomaram diversos passos enquanto nos Estados Unidos para aprofundar o esquema. Por exemplo, em 2014 e 2015, enquanto estavam em Miami, na Flórida, dois funcionários da Odebrecht tiveram condutas relativas a certos projetos dentro do esquema, incluindo reuniões com outros co-conspiradores para planejar ações a serem tomadas em conexão com a Divisão de Operações Estruturadas, a movimentação de produtos de crimes, e outras condutas criminosas”.

    Após ser alvo da Lava-Jato e de ter assinado acordo nos EUA, a Odebrecht passou a ser investigada em diversos países onde mantinha contratos na América Latina. Em junho de 2019, a empresa pediu recuperação judicial.

    Segundo o jornal Miami Herald, foi justamente a crença de que o dinheiro lavado pelos membros do regime de Hugo Chávez na Venezuela – incluindo a propina da Odebrecht – acabou no mercado imobiliário do sul da Flórida que levou à criação no ano passado de um Esquadrão de Corrupção Internacional em Miami. O esquadrão é subjugado à Unidade de Investigação liderado por Leslie Backschies, a agente que fala português fluentemente e apoiou as 10 medidas contra a corrupção de Deltan e companhia, segundo as mensagens da Vaza Jato.

    “Nós vimos presidentes derrubados no Brasil. Esses são os resultados de casos como esses”

    A expressão usada por Leslie Rodrigues Backschies para descrever o impacto político das investigações do FBI sobre corrupção estrangeira é que são “politicamente sensíveis”.

    “Esses casos são muito sensíveis politicamente, não somente nos Estados Unidos mas no exterior,” explicou a agente especial em entrevista à Associated Press. “Quando você está olhando para oficiais estrangeiros em outros governos — quer dizer, veja, na Malásia, o presidente não foi reeleito. Nós vimos presidentes derrubados no Brasil. Esses são os resultados de casos como esses. Se você está olhando para membros do alto escalão de governos, há muitas sensibilidades.”

    Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública – Foto: Reprodução
    A agente especial Leslie R. Backschies participou do evento ICC meet the enforcers em fevereiro de 2018

    É por conta de tamanhas “sensibilidades” que, diferentemente de outros casos criminais, todos os casos de FCPA são dirigidos pela unidade especializada do Departamento de Justiça em Washington – mesmo que tenham se iniciado em um distrito distante da capital. O DOJ é chefiado pelo Procurador-Geral dos Estados Unidos, uma espécie de Ministro da Justiça, nomeado diretamente pelo presidente.

    Segundo a reportagem da Associated Press, os supervisores do FBI se encontram com advogados do Departamento de Justiça a cada 15 dias para avaliar potenciais investigações e possíveis consequências políticas.

    Corrupção internacional vira prioridade

    A mudança na carreira de Leslie acompanhou uma mudança de foco do Departamento de Justiça e do FBI na última década. A partir de uma percepção de que a lavagem de dinheiro ajudava o financiamento do terrorismo, os agentes americanos passaram a se dedicar cada vez mais a casos de corrupção transnacional e lavagem de dinheiro usando a legislação FCPA, que tem jurisdição ampliada para o mundo todo. Hoje, a maioria dos casos de FCPA não tem nada a ver com terrorismo.

    A mudança trouxe dividendos para o DOJ e possibilitou uma renovada parceria com polícias e Ministérios Públicos de todo o continente americano. E se solidificou. Em 2017, pela primeira vez a Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos – já sob o governo de Donald Trump – incluiu o “combate à corrupção estrangeira” como prioridade para a segurança interna dos cidadãos americanos.

    Antes dele, a estratégia definida por Barack Obama em 2015 já mencionava a corrupção internacional como ponto de atenção – mas ela não tinha uma lista de “ações prioritárias”.

    Em março de 2015, o FBI abriu três esquadrões dedicados à corrupção internacional em Nova York, Los Angeles e Washington, triplicando o número de agentes dedicados a investigar violações da FCPA e “crimes de cleptocracia” – foram de 10 agentes para 30. Até o final de 2017 os recursos para o FBI investigar corrupção transnacional aumentaram em 300%, segundo o seu ex-chefe “Ren” McEachern.

    O anúncio oficial explicava o foco na investigação de “cleptocracias”, “oficiais estrangeiros que roubam dos tesouros dos seus governos às custas dos seus cidadãos” e afirmava ainda que os agentes do FBI iriam contar com “operações secretas, informantes e fontes”, além de “parceria com nossas contrapartes internacionais – facilitada pela nossa rede de adidos legais situados estrategicamente ao redor do mundo”.

    A explicação de Leslie para o foco do FBI na corrupção internacional – e por que investigar empresas que cometeram corrupção fora dos Estados Unidos ajuda a melhorar a segurança dos cidadãos americanos – é rocambolesca. “Queremos que se cumpra a lei. Se a lei não é cumprida, você terá certas sociedades nas quais eles [os cidadãos] sentem que os governos deles são tão corruptos, que irão buscar outros elementos que são considerados fundamentais, que eles vêem como limpos ou algo contra o regime corrupto, e isso se torna uma ameaça para a segurança nacional [dos Estados Unidos]”.

    “Uma coisa quando eu falo com empresas, eu digo ‘Quando você paga um suborno, você sabe onde o dinheiro está indo? Sua propina está indo para financiar terrorismo?’”, completa, sem explicar como isso ocorre.

    Em julho de 2019, Leslie Backschies participou de mais um evento para discutir corrupção internacional, dessa vez em Washington, DC, e desvendou mais uma atuação “sensível” da polícia americana no exterior. Segundo o site Market Insight a agente especial afirmou que o FBI tem a estratégia de valer-se de membros de governos de outros países para buscar investigar casos de FCPA.

    Ela afirmou que, quando há uma mudança de regime, uma nova administração às vezes pede ajuda para investigar a corrupção no governo anterior. E quando um novo governo chega a um país, pode haver servidores restantes do governo anterior que querem relatar a corrupção.

    A atuação do FBI em casos fora do seu território tem gerado diversas críticas entre juristas, que apontam que os Estados Unidos se comporta como “polícia do mundo”.

    “Eu tenho alguns clientes que quase nem tocaram nos Estados Unidos, e eles perguntam: até onde isso vai se estender? E, você sabe, até certo ponto, qual o interesse dos EUA?” questiona o advogado Adam Kauffman, um ex-procurador do distrito de Nova York que trabalhou com Sergio Moro na investigação sobre o caso Banestado, quando ele era juiz federal.

    Ele deu uma entrevista à Agência Pública em Nova York em junho de 2019, antes do vazamento dos diálogos da Força-Tarefa. “Em muitos casos, quando o governo [americano] processa esses casos de corrupção, as pessoas admitem a culpa porque estão com medo, e conseguem um acordo bom, então o governo garante jurisdição sobre coisas que são muito tênues. Mas ninguém questiona isso, então se torna mais e mais comum e a jurisdição vai para mais e mais longe”.

    “Porque jurisdição”, reflete Adam, “é como gravidez. Ou você tem ou você não tem. Você não pode ter um pouquinho de jurisdição e você não pode estar um pouquinho grávida. Onde está o limite?”.

    Respostas da Lava Jato

    Procurada pela Pública, a força-tarefa da Lava Jato respondeu por email. Leia a íntegra das respostas a seguir:

    Um dos diálogos vazados ao The Intercept Brasil atesta que em 31 de agosto de 2016 o FBI tinha “total conhecimento” das investigações feitas pela Lava Jato sobre a empresa Odebrecht. Como funcionava essa atuação do FBI em parceria com os investigadores da Lava Jato? Como se dava essa transmissão de informações?

    Não se trata de atuação em parceria, mas de cooperação entre autoridades responsáveis pela persecução criminal em seus países, conforme determinam diversos tratados internacionais de que o Brasil é signatário. O intercâmbio de informações entre países segue igualmente normas internacionais e também leis brasileiras. Além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas.

    A parceria com o FBI, que incluiu a busca de quebrar a criptografia do sistema Drousys, foi criticada por alguns advogados como um possível risco à soberania nacional por poder ser usada contra uma empresa brasileira por um governo estrangeiro. Qual é a posição da Lava Jato sobre isso?

    Não recebemos da jornalista dados sobre a “busca de quebrar a criptografia do sistema Drousys”, nem sobre “foi criticada por alguns advogados como um possível risco à soberania nacional por poder ser usada contra uma empresa brasileira por um governo estrangeiro”. De todo modo, os dados do sistema Drousys, entregues ao MPF no bojo do acordo de leniência firmado pelo Grupo Odebrecht, já foram objeto de perícia submetida à avaliação do Poder Judiciário brasileiro e auxiliaram no fornecimento de provas a diversas investigações e acusações criminais.

    Os diálogos demonstram ainda que em pelo menos uma ocasião o chefe da Lava Jato manteve contatos diretor com o DOJ em temas de extradição e cooperação internacional – uma atribuição do DRCI /MJ – e expressou a decisão de evitar passar pelo Executivo, no caso o Ministério da Justiça, durante o governo de Dilma Rousseff. Por que a Lava Jato preferia evitar a Autoridade Central e se comunicar diretamente com o Departamento de Justiça Americano? Esse tipo de postura não poderia prejudicar a imagem internacional das instituições brasileiras perante autoridades estrangeiras?

    Conforme respondido no item “1”, além dos pedidos formais por meio dos canais oficiais, é altamente recomendável que as autoridades mantenham contatos diretos. A cooperação inclui, antes da transmissão de um pedido de cooperação, manter contatos, fazer reuniões, virtuais ou presenciais, discutir estratégias, com o objetivo de intercâmbio de conhecimento sobre as informações a serem pedidas e recebidas.

    A Lava Jato continua trocando informações e colaborando com o FBI em solo brasileiro? Existem ainda empresas brasileiras que são investigadas pelo FBI com base na legislação FCPA?

    A força-tarefa da Lava Jato no Paraná não comenta sobre eventuais investigações em curso.

    Matéria original com links para outros materiais no site da Agência Pública: https://apublica.org/2020/06/o-fbi-e-a-lava-jato/?mc_cid=503eeec927&mc_eid=ca8dd03443

  • A Lava Jato e os objetivos dos EUA para a América Latina e o Brasil

    A Lava Jato e os objetivos dos EUA para a América Latina e o Brasil

    Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral do Itamaraty (2003-2009),
    ministro de Assuntos Estratégicos (2009-2010)

    1. Os objetivos estratégicos dos Estados Unidos para a América Latina e, em especial

    para o Brasil, são importantes para compreender a política externa e interna brasileira,

    inclusive a Operação Lava Jato.

    2. A América Latina foi declarada zona de influência exclusiva de fato americana pela
    Doutrina Monroe, em mensagem do Presidente dos Estados Unidos ao Congresso
    americano, em 02/12/1823.

    3. Esta Doutrina corresponde a uma visão e convicção histórica, nos Estados Unidos, de
    direito ao exercício de uma hegemonia natural sobre a América Latina, como o
    Corolário Roosevelt, de 1904, viria a explicitar.

    4. A partir da Guerra de Independência (1775-1783) e depois da formação da União em
    1787-1789 os Estados Unidos passam a procurar excluir as potências europeias de
    seu território continental (Louisiana – 1803, Florida – 1819, Oregon – 1845, Alaska –
    1867) e a absorver esses territórios na União Americana.

    5. A expulsão pelos americanos dos povos indígenas de seus territórios originais se
    realiza com intensidade após a revogação da Proclamation Line de 1763, em
    decorrência do Tratado de Paz de Paris (1783) entre a Grã-Bretanha e a
    Confederação, que separava o território das Treze Colônias das terras indígenas além
    dos Apalaches, até o Mississipi.

    6. A influência econômica, política e militar americana sobre a América Central e os
    países do Caribe foi e é avassaladora, com intervenções e ocupações militares, por
    vezes longas, e o patrocínio de ditaduras, sanguinárias.

    7. A Guerra contra o México (1848) levou à anexação de metade do território mexicano
    e, com a chegada ao Pacífico, permitiu a consolidação do território continental dos
    Estados Unidos do Atlântico ao Pacífico.

    8. A Guerra contra a Espanha (1898) levou à ocupação de Cuba, à anexação de Porto
    Rico, das Filipinas e de Guam e afirmou os Estados Unidos como potência asiática.

    9. A “criação” do Estado do Panamá e da Zona do Canal, que foi território americano
    até 2000, permitiu a ligação marítima rápida entre a Costa Leste e a região do Golfo
    com a Costa Oeste da América do Norte, tanto comercial como militar, através do
    Canal concluído em 1914, e administrado soberanamente pelos EUA.

    10. Pelas características de sua localização geográfica, a zona estratégica mais
    importante para os Estados Unidos é o Caribe, a América Central e o norte da
    América do Sul.

    11. Os objetivos estratégicos permanentes dos Estados Unidos para a América Latina
    são:
    1. impedir que Estado ou aliança de Estados possa reduzir a influência americana na região;
    2. ampliar sua influência cultural/ideológica sobre os sistemas de comunicação de cada Estado;
    3. incorporar todas as economias da região à economia americana;
    4. desarmar os Estados da região;
    5. manter o sistema regional de coordenação e alinhamento político;
    6. impedir a presença, em especial militar, de Potências Adversárias na região;
    7. punir os Estados que contrariam os princípios da liderança hegemônica americana;
    8. impedir o desenvolvimento de indústrias autônomas em áreas avançadas;
    9. enfraquecer os Estados da região;
    10. eleger lideres políticos favoráveis aos objetivos americanos.

    12. O principal Estado da região pelas dimensões de território, de recursos naturais, de
    população, de localização geográfica é, sem dúvida, o Brasil. Principal também pelos
    desafios que apresenta devido à possibilidade de graves turbulências futuras, sociais,
    econômicas e políticas.

    13. Devido a este caráter principal, os objetivos dos Estados Unidos são objetivos para a
    América Latina em geral, porém se aplicam em especial ao Brasil.

    14. O primeiro objetivo estratégico americano é impedir a emergência e
    fortalecimento de qualquer Estado ou aliança de Estados que possam se opor à
    presença ou afetar a influência política, econômica e militar americana na região.

    15. Para alcançar este objetivo tratam os Estados Unidos de aguçar e reacender
    eventuais rivalidades (históricas ou recentes) entre os maiores Estados da região, isto
    é, entre o Brasil e a Argentina, não estimular o conhecimento de suas histórias e
    culturas, estimuladas as rivalidades através da ação de lideranças locais que buscam
    obter tratamento privilegiado para seus países junto aos Estados Unidos (Carlos
    Menem e Jair Bolsonaro são exemplos desse comportamento).

    16. O segundo objetivo americano é manter e ampliar sua presença
    cultural/ideológica nos sistemas de comunicação de cada Estado da região como
    instrumento para sua maior influência política, econômica, militar e cultural.

    17. Essa presença aumenta sua capacidade de obter melhores condições legais (fiscais e
    regulatórias) para a ação de suas megaempresas (petroleiras, por exemplo); para
    obter contratos de venda de equipamentos militares; para lograr alinhamento e
    apoio às iniciativas americanas em nível mundial; para promover a “simpatia” pelos
    Estados Unidos na sociedade local; para obter o apoio da sociedade e dos governos
    para seus objetivos estratégicos.

    18. Este objetivo tem como instrumentos a defesa da mais ampla liberdade de imprensa
    e de Internet e para a livre ação das ONGS “internacionais” e “altruístas”; dos
    programas de formação de pessoal, desde os institutos de língua aos intercâmbios; às
    bolsas de estudo; ao recrutamento de talentos; à aquisição de editoras para
    publicaçãos de livros americanos; a hegemonia na programação de cinema e de TV;
    os programas de formação de oficiais militares e lideranças políticas; e recentemente
    a aquisição de instituições de ensino, em todos os níveis.
    19. O terceiro objetivo dos Estados Unidos é incorporar todas as economias dos
    Estados da região à economia norte-americana, de forma neocolonial, no papel de
    exportadores de matérias primas e importadores de produtos industriais.
    20. Após o fracasso do projeto regional “multilateral” da ALCA, lançado em 1994 e
    encerrado em 2005 na reunião em Mar del Plata, os Estados Unidos passaram a
    promover a negociação de acordos bilaterais com cada Estado latino-americano com
    dispositivos semelhantes aos da ALCA e até aos EUA mais favoráveis. Verdade seja
    dita que o acordo de livre comércio com o Chile fora assinado em 1994 e com o
    México e o Canadá (NAFTA) também em 1994.

    21. O instrumento para alcançar este objetivo são os acordos bilaterais de livre comércio
    que levam à eliminação das tarifas aduaneiras e à abertura dos mercados dos Estados
    subdesenvolvidos nas áreas de investimentos; de compras governamentais; de
    propriedade intelectual; de serviços; de crédito e, às vezes, incluem cláusulas
    investidor-Estado.

    22. Por sua vez, os Estados subdesenvolvidos da América Latina que atingiram certo grau
    de industrialização não ganham acesso adicional aos mercados de produtos
    industriais, pois as tarifas americanas são baixas, existe a escalada tarifária e as
    medidas de defesa comercial, e o acesso a mercados agrícolas é restringido pela
    legislação agrícola, americana de subsídios e de proteção.

    23. O acordo Mercosul/União Europeia será instrumental para a abertura de mercados
    para os Estados Unidos sem ônus político pois, após sua entrada em vigor, estarão
    criadas as condições para os Estados Unidos reivindicarem ao Brasil e ao Mercosul
    igualdade de tratamento. Outros países altamente industrializados como o Japão, a
    Coréia do Sul, o Canadá e a China farão o mesmo e o Brasil não terá mais a tarifa
    como instrumento de política industrial. O Mercosul desaparecerá.

    24. O quarto objetivo estratégico dos Estados Unidos é desarmar os Estados da região.
    25. Os instrumentos para atingir este objetivo são a promoção da assinatura do Tratado
    de Não Proliferação Nuclear (TNP) e de outros tratados na área química e biológica, e
    mesmo sobre armas convencionais; a venda de equipamentos militares defasados a
    preços mais baixos e o “estrangulamento” de eventuais indústrias bélicas locais; os
    acordos de associação à OTAN; a transformação das Forças Armadas nacionais em
    forças de caráter policial, voltadas para o combate ao narcotráfico e a crimes
    transnacionais e, portanto, necessitando apenas de equipamento leve.

    26. O quinto objetivo estratégico americano é manter o sistema de segurança
    regional, a Organização dos Estados Americanos, reconhecido pela Carta da ONU,
    onde tradicionalmente os Estados Unidos podem exercer sua influência, contam com
    o auxílio do Canadá e de países da América Central e assim podem tratar das
    questões regionais sem ir ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.

    27. Outro instrumento para alcançar este objetivo é promover a dissolução da UNASUL,
    como foro de solução de controvérsias concorrente da OEA e como organização de
    cooperação em defesa, da qual os Estados Unidos não participam.

    28. O sexto objetivo dos Estados Unidos na América do Sul consiste em impedir a
    presença de Estados adversários de sua hegemonia, e como tal nomeados pelos
    próprios EUA, quais sejam a Rússia e a China, na região latino-americana, em uma
    versão atual da Doutrina Monroe.

    29. Segundo documentos oficiais americanos recentes a “China é um poder revisionista”
    e a Rússia é um “Ator Maligno Revitalizado” (Indo-Pacific Strategic Report, do
    Pentágono).

    30. A presença russa e chinesa é especialmente temida na área militar, inclusive por
    ameaçar a Costa Sul do território americano e os acessos ao Canal do Panamá, via
    comercial e militar estratégica.

    31. Um sétimo objetivo americano, importante para demonstrar sua determinação de
    exercício de hegemonia na América Latina, é punir, dentro ou fora do sistema da
    OEA, com ou sem o apoio de outros Estados da região, aqueles governos que
    contrariarem, em maior ou menor medida, os princípios da liderança mundial
    americana:
     ter economia capitalista, aberta ao capital estrangeiro, com intervenção mínima do Estado;
     dar tratamento igual às empresas de capital nacional e estrangeiro;
     não exercer controle sobre os meios de comunicação de massa (TV etc);
     ter regime político de pluralidade partidária e eleições periódicas;
     não celebrar acordos militares com os Estados Adversários, quais sejam a Rússia e a China;
     apoiar as iniciativas dos Estados Unidos.

    32. A campanha política/econômica/midiática para promover a mudança de regime
    (regime change) de um Estado da região, isto é, para promover um golpe de Estado
    para derrubar um Governo que os Estados Unidos consideram hostil, inclusive com o
    financiamento de grupos de oposição, se desenvolve em várias etapas (que depois se
    superpõem) de denúncia do Governo “hostil” pela grande mídia regional e pela mídia
    mundial, com o auxílio da Academia, como sendo:
     autoritário;
     corrupto;
     traficante ou leniente com o tráfico de drogas;
     perseguidor de inimigos políticos;
     violador da liberdade de imprensa;
     ineficiente;
     opressor da população;
     ameaça aos vizinhos;
     ameaça à segurança americana.

    33. Um oitavo objetivo estratégico americano é impedir o desenvolvimento de
    indústrias autônomas nas áreas nuclear, espacial e de tecnologia de informação
    avançada na América Latina, e em especial no Brasil, país com as melhores condições
    para desenvolver tais indústrias.

    34. Um nono objetivo estratégico americano é enfraquecer politica e economicamente
    os Estados da região.

    35. Os instrumentos são estimular direta ou indiretamente (pela mídia) a redução do
    poder regulatório em defesa dos consumidores, da população em geral e dos
    trabalhadores, dos organismos do Estado, em especial aqueles que limitam ou
    disciplinam a ação das megacorporações multinacionais, entre as quais prevalecem as
    americanas.

    36. Outro instrumento para alcançar este objetivo é a campanha contra o Estado central
    como ineficiente e mais corrupto e autoritário, e a defesa da descentralização
    regulatória e de auto regulação dos setores pelas próprias empresas privadas.

    37. Um objetivo americano importante é enfraquecer o único organismo do Estado
    (brasileiro) que enfrenta, todos os dias, os interesses dos demais Estados nacionais,
    em especial os interesses dos Estados Unidos, de seus adversários, Rússia e China, e
    das chamadas Grandes Potências, como Inglaterra, França, Alemanha e Japão, nas
    negociações para aprovar normas internacionais que atendam seus interesses (e
    lucros).

    38. Os instrumentos para atingir este fim são denunciar a ineficiência; o corporativismo;
    o exclusivismo; o “globalismo”; a partidarização; a visão ideológica “esquerdista” da
    Chancelaria.

    39. O décimo objetivo estratégico dos Estados Unidos da América, e talvez o principal
    objetivo, é impedir a eleição de líderes políticos em cada Estado que manifestem
    restrições a seus objetivos estratégicos e promover a eleição de líderes que a eles
    sejam favoráveis.

    40.E aí entra o papel da Operação Lava Jato na defesa direta ou indireta dos
    interesses americanos.

    41. A partir da eleição, em 2002, do presidente Lula, a política interna e externa brasileira
    se contrapôs, ainda que não de forma sistemática, desafiadora ou revolucionária, a
    alguns dos objetivos estratégicos americanos:
    a. ao não apoiar a invasão do Iraque de 2003;
    b. ao estabelecer o entendimento político e econômico estreito com a Argentina;
    c. ao promover a coordenação com a Argentina, a Venezuela, o Uruguai, o Equador, a Bolívia e
    o Paraguai para a formação da UNASUL, em substituição à OEA.
    d. ao resistir à ALCA e ao fortalecer o Mercosul;
    e. ao fortalecer os instrumentos financeiros do Estado, como o BNDES, e ao utilizá-los na
    politica externa;
    f. ao fortalecer o programa nuclear;
    g. ao exercer operações de aproximação autônoma com os países africanos e árabes;
    h. ao promover a criação do BRICS, com a China e a Rússia;
    i. ao fortalecer a Petrobrás e ao estabelecer o regime de parceria para exploração do pré-sal;
    j. ao estabelecer a política de “conteúdo nacional” na indústria;
    k. ao promover a indústria de defesa brasileira;
    l. ao defender a regulamentação da mídia;
    m. ao negociar, com a Turquia, um acordo nuclear com o Irã;
    n. ao exercer o equilíbrio em suas relações com Israel e Palestina.

    42. A partir dessa nova situação nas relações Brasil-Estados Unidos e da crescente
    popularidade do presidente Lula, que terminaria em 2010 seu mandato com 87% de
    aprovação, a estratégia americana foi:
     mobilizar os meios de comunicação de massa no Brasil contra as políticas do Governo, e
    condenar sua ação através do Instituto Millenium, fundado em 2005, para dar amplo apoio à
    Operação Mensalão, que não conseguiu atingir o presidente Lula, mas que veio a atingir
    José Dirceu, chefe da Casa Civil, e provável sucessor de Lula;
     a partir do acordo de cooperação judiciária Brasil-Estados Unidos, iniciar a Operação Lava
    Jato, que viria a facilitar o alcance dos objetivos estratégicos americanos em especial 2, 8, 9 e
    10, listados no parágrafo 11 acima;
     iniciar o processo político de preparação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff;
     financiar direta e indiretamente a formação dos grupos MBL e Vem pra Rua.

    43. O principal objetivo da Operação Lava Jato não era a luta contra a corrupção, mas, sim,
    impedir a eleição do presidente Lula em 2018. Sua ação partia das seguintes
    premissas:
     a grande maioria da população, devido à sua precária situação econômica e cultural, está
    sujeita a ser manipulada por indivíduos populistas, socialistas, comunistas etc. que fazem aos
    eleitores promessas irrealizáveis para conquistar e explorar o poder;
     a sociedade brasileira é intrinsecamente corrupta;
     todos os políticos e partidos são corruptos;
     os governos se sustentam através da corrupção e da compra de votos;
     a violação de direitos constitucionais e legais por membros do Judiciário e do Ministério
    Público se justifica para combater a corrupção.

    44. O juiz Sérgio Fernando Moro descreveu em seu artigo intitulado Mani Pulite,
    publicado em 2004 na Revista CEJ – Justiça Federal N°26, a sua decisão de violar a lei
    para combater a corrupção, em uma interpretação de que “os fins justificam os
    meios”.

    45. A “corrupção” foi enfrentada pela Operação Lava Jato, comandada por Sérgio Moro,
    juiz de primeira instância que contou com a conivência e mesmo a cooperação de
    membros dos Tribunais Superiores e da grande imprensa, para uma condução
    processual altamente heterodoxa e ilegal.

    46. A divulgação quotidiana e seletiva de ações da Lava Jato através da imprensa, em
    especial da televisão, foram essenciais para criar a convicção de que a Lava Jato teria
    “revelado” que o partido que teria promovido e se beneficiado da corrupção no
    sistema político teria sido o PT, conduzido por Luiz Inácio Lula da Silva.

    47. Formou-se um amplo movimento anti-petista e anti-Lula, e tornou-se, assim, um
    objetivo não só político, mas ético e moral, para combater a corrupção, apresentada
    como o principal mal da sociedade brasileira, impedir por todos os meios que o ex-presidente Lula pudesse se candidatar e, iludindo o povo ingênuo, ser eleito e reimplantar os mecanismos de corrupção.

    48. Assim, foi Lula condenado, sem provas, em primeira instância por Sérgio Moro e em
    segunda instância por uma turma de três desembargadores do TRF-4 (não pelo
    Tribunal pleno), desembargadores que gozam de grande familiaridade e amizade
    com Sérgio Moro, que condenaram Lula à prisão em regime fechado, para não poder
    exercer qualquer atividade política e, assim, não poder nem competir nem influir nas
    eleições de 2018.

    49. A decisão arbitrária do TRF-4 correspondeu à cassação dos direitos políticos de Lula e
    do povo brasileiro, que não pôde votar em Lula, o candidato à frente em todas as
    pesquisas de opinião.

    50. A nomeação do juiz Sérgio Moro como ministro da Justiça por Jair Bolsonaro e a
    declaração de Bolsonaro de que devia muito de sua eleição a Moro indicam o alto
    grau de ilegalidade do comportamento de Sérgio Moro e de Jair Bolsonaro e sua ação
    política.

    51. A primeira etapa para atingir o Objetivo estratégico 10 era promover o impedimento
    da presidente Dilma Rousseff, o que foi conseguido em 16/4/2016. O vice-presidente Michel Temer assumiu com um programa econômico intitulado “Ponte para o Futuro”, elaborado por economistas liberais e perfeitamente compatível com
    os objetivos estratégicos dos EUA, e que vem sendo aplicado de forma ainda mais
    radical por Paulo Guedes.

  • Centro Acadêmico de Direito da USP pede saída de Moro

    Centro Acadêmico de Direito da USP pede saída de Moro

    O Centro Acadêmico (CA) XI de Agosto, da Faculdade do Direito da USP – O Largo São Francisco, iniciou um abaixo assinado para pedir a renúncia do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, do comandado da pasta. Documento diz que “Moro foi covarde, inclusive, ao escolher suas vítimas – quis poupar, a exemplo disso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de suas investigações para não ‘melindrar o apoio de alguém que é importante’, em suas palavras“.

    Moro assumiu a Ministério da Justiça e Segurança Pública no início do governo Bolsonaro. Ídolo da extrema direita o ministro foi alçado a herói por conta da operação Lava-Jato. Para seu séquito a maior conquista do ex-juiz é a prisão do ex-presidente Lula, em abril de 2018. Lula seria o candidato mais forte na corrida presidencial do ano passado, mas foi impedido de concorrer após a prisão decretada por Moro. Após a entrada do ex-juiz para o governo de Bolsonaro muitos passaram a ver como critica a atuação do juiz que mandou prender o maior adversário do presidente.

    Na nota de introdução à petição o CA diz que “Princípios como a impessoalidade, o contraditório e o devido processo legal visam garantir a segurança jurídica dos indivíduos e a soberania de suas deliberações legítimas. Devem ser, portanto, rigorosamente obedecidos, já que o objetivo é justamente evitar a corrosão do equilíbrio democrático. Infelizmente, essa reflexão faltou ao ex-juiz federal e hoje Ministro da Justiça Sérgio Moro, quando, em nome de supostas boas razões – que, muitas vezes, não passavam de caprichos pessoais, vontades irrefreáveis e convicções alucinantes –, conduziu de maneira antiética e criminosa a Operação Lava-Jato”, e dizem que lançam “esse abaixo-assinado reivindicando (i) a renúncia imediata do Ministro da Justiça Sérgio Moro, (ii) a nulidade dos processos conduzidos na Lava-Jato e, por consequência, (iii) liberdade imediata para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de que seja submetido a um julgamento justo, seguida a regularidade procedimental e obedecidos os parâmetros constitucionais”.

    Após os vazamentos do The Intercept e The Intercept Brasil, Vaza-Jato, em que é possível ver atuação conjunta do, então juiz, Moro com a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) que liderava a Lava-jato. Antes mesmo dos vazamentos havia críticas à atuação de Moro como juiz, seja pela velocidade do processo contra o ex-presidente, por suas ações midiáticas ou pela quantidade de prisões preventivas.

    Sobre os vazamentos eles dizem que “revelaram para toda a população um Moro maquiavélico, obstinado em seus interesses e pouco comprometido com a Constituição. Ao longo do processo em que prendeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Moro manteve promíscua e ilegal colaboração com o Ministério Público Federal (representantes da denúncia), de forma a ocasionar flagrante desequilíbrio e exposição de parcialidade” além de que o “Intercept trouxe à tona demonstrações de que a parcialidade de Moro nos processos da Lava-Jato não era uma covardia “apenas” porque jogava um jogo de cartas marcadas, “apenas” porque usava o peso na máquina estatal para extrair confissões, ou “apenas” porque fez política sem ter sido escolhido para isso”.

    O XI de Agosto é um dos mais antigos centros Acadêmicos do país e já teve como membros ex-presidentes da república, desembargadores, juízes, ex-ministros do STF e atuais ministros da supre corte. Tem histórico de participação política no país e em 2017 realizou um abaixo assinado semelhante, contra a nomeação de Alexandre de Moraes para o STF e carta pela sua renúncia como ministro de Justiça.

    A petição foi lançada já com o apoio de alguns juristas e até a publicação desta matéria já contava com mais de 1.000 assinaturas. ACESSE O ABAIXO ASSINADO AQUI.

    Alguns  juristas que já assinaram o documento:

    Juarez Cirino dos Santos – Presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC), Conselheiro Estadual Titular da OAB, advogado criminal militante e professor aposentado de Direito Penal da UFPR. José Eduardo Cardozo – Ex-Ministro da Justiça e Advogado-Geral da União durante o governo Dilma Rousseff, advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Carol Proner – Membro da Secretaria Internacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Co-Diretora do Programa Máster-Doutorado Oficial da União Européia, Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e professora de Direito Internacional da UFRJ. Sérgio Salomão Shecaira – Ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e penitenciária e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), membro do Conselho de Direção da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP), secretário adjunto para a América Latina da Sociéte Internacionale de Défense Sociale e professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Maurício Stegemann Dieter – Coordenador do CPECC (Centro de Pesquisa e Extensão em Ciências Criminais, da Universidade de São Paulo), Professor Doutor de Criminologia e Direito Penal da Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Professor convidado do Programa de Doutorado em Ciências Penais da Facultad de Ciencias Jurídicas y Sociales da Universidad San Carlos de Guatemala, do Programa de Mestrado da Universidad Autónoma Latinoamericana, em Medellín, Colômbia, e da Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Westminster em Londres. Valdete Souto Severo – Presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), professora, coordenadora e diretora da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS. Alamiro Velludo Salvador Netto – Ex-Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça (CNPCP/MJ). Ex-Presidente da Comissão de Direito Penal da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional São Paulo (OAB/SP) e Professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ari Marcelo Solon – Livre-docente, doutor e mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), instituição da qual é atualmente professor. Membro do Instituto Brasileiro de Filosofia. Jorge Luiz Souto Maior – Professor e Ex-chefe do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP. Coordenador, desde 2013, do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital – GPTC-USP. Gilberto Bercovici – Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário). José Augusto Fontoura Costa – Professor e Chefe do Departamento de Direito Internacional e Comparado da Universidade de São Paulo (USP).

  • A PEDAGOGIA DE LULA

    A PEDAGOGIA DE LULA

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com charge de Aroeira 

     

    Há mais de um ano afastado das câmeras e microfones, Lula reapareceu em vídeo em 26 de abril, quando recebeu no cárcere os jornalistas Florestan Fernandes Jr. e Mônica Bergamo.

    Qual foi o impacto político da entrevista?

    Como a principal característica das crises é a redução drástica do território de consenso, a resposta para essa pergunta também está sendo disputada. Lideranças políticas alimentadas pelo anti-petismo desqualificaram o fato, negando a importância da entrevista: João Dória disse que Lula está “esclerosado”. Jair Bolsonaro chamou o ex-presidente de “cachaceiro”.

    Já as esquerdas em geral, e os petistas em particular, entraram em uma espécie de catarse virtual coletiva, como se a entrevista, por si só, fosse capaz de promover uma reviravolta no cenário político.

    Nem tanto ao céu e nem tanto ao inferno.

    Nada sugere mudanças no curto prazo na realidade política nacional. Porém, a entrevista está longe, muito longe mesmo, de ser fato político irrelevante.

    Antes de qualquer coisa, a realização da entrevista, por si só, é a manifestação mais clara do atual momento da crise brasileira, quando está instaurada uma guerra total no núcleo jurídico da coligação golpista que tomou o poder de assalto em 2016. O Supremo Tribunal Federal, que vinha chancelando todos os arbítrios cometidos pela Operação Lava Jato, sentiu o sopro dos menudos de Curitiba na nuca.

    Já há algum tempo que a Lava Jato deixou de ser o braço do PSDB para se tornar, ela mesma, a força política motora do pós-petismo. Hoje, a Lava Jato é mais poderosa que a base política de Jair Bolsonaro. É sempre importante lembrar que os vínculos de Bolsonaro com a Lava Jato não são orgânicos. A Lava Jato tem seu próprio projeto para o Brasil e Bolsonaro e seus milicianos não estão nele.

    Queiroz, o laranjal do PSL, o assassinato de Marielle e Anderson. Nada disso foi esquecido. Tudo está guardado, esperando o momento certo. A Lava Jato é seu próprio partido político e, como tal, está disposta a engolir adversários e aliados. É assim que os partidos políticos agem.

    Como a Lava Jato se tornou mais suprema que o próprio supremo, o STF decidiu tentar restabelecer a hierarquia. Lula é o grande troféu da Lava Jato. É impossível soltá-lo sem reconhecer que as impressões digitais dos ministros da Suprema Corte estão na farsa jurídica que fraudou as eleições de 2018. A entrevista se tornou, então, um recado enviado a Curitiba.

    Sempre que a aristocracia da toga se sentir ameaçada pela Lava Jato, Lula será usado como munição. Uma diminuição da pena aqui, uma entrevista acolá.

    Mesmo preso, Lula continua bastante ativo na política. Na verdade, a cela é um gabinete de trabalho. Lula passa o dia despachando, lendo, recebendo aliados e liderando o Partido dos Trabalhadores. Lula está muito bem informado, sabe com clareza o que está acontecendo, tem total percepção de que se existe alguma possibilidade de sair da cadeia ainda em vida, ela passa pelo acirramento do conflito entre o STF e a Lava Jato.

    Nessa guerra, Lula sabe qual é o seu lado. Por isso, a Lava Jato, citada nominalmente nas pessoas de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, foi atacada do início ao fim da entrevista.

    Mentirosos”, “farsantes”, “criminosos” foram os adjetivos usados. Já Bolsonaro foi tratado como louco e despreparado, como uma caricatura. Entre os adversários possíveis, Lula sabe qual é o mais forte, o mais perigoso.

    Por outro lado, o STF foi tratado como o guardião da democracia, como a instituição que tem histórico comprometido com a defesa dos direitos dos oprimidos. Lula elogiou a “vocação democrática” do STF, citando os posicionamentos da suprema corte em favor da criação da reserva indígena Raposa da Serra do Sol e em favor da implementação do sistema de cotas para o ingresso de negros nas universidades públicas.

    A essa altura do campeonato, pouco importa se o STF chancelou o golpe contra Dilma e a prisão arbitrária de Lula. Pouco importa se essa “vocação democrática” é mesmo um dado da realidade ou não passa de retórica política. Ao associar o STF à defesa dos direitos de índios e negros, Lula conseguiu reunir, numa mesma formulação, a aristocracia da toga e as minorias.

    A operação Lava Jato declarou guerra contra o STF. O governo de Jair Bolsonaro declarou guerra contra índios e negros. Lula quer consolidar sua imagem como o principal antagonista à Lava Jato e como líder da oposição ao governo de Bolsonaro, quer liderar uma frente ampla em defesa da democracia e dos direitos sociais. Foi este foi o objetivo da entrevista.

    Relações internacionais, políticas públicas de assistência social, macro-economia e drama familiar. Lula passou por todos esses temas com desenvoltura, mostrando estar em perfeita forma física e intelectual.

    A entrevista acabou, os jornalistas foram embora e Lula foi reconduzido à sua cela. A reforma da previdência continua tramitando. Treze milhões de brasileiros ainda estão desempregados. Seria ingênuo achar que uma simples entrevista pudesse ser capaz de transformar a realidade.

    Definitivamente, não é.

    Mas a repercussão impressionante, a despeito do silêncio da mídia hegemônica, comprova a importância que Lula ainda tem.

    Em duas horas de entrevista, Lula foi mais eficiente do que Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Fernando Haddad, que estão por aí, livres, soltos. A notícia para a esquerda brasileira não é nada boa. A entrevista só veio reforçar o que muitos já sabem: Lula ainda não tem herdeiro. Até aqui, ninguém conseguiu substituí-lo como liderança popular.

    É que quando falam, os outros apenas falam. Falam de números, de dados, mas não afetam e pouco explicam. Mais do que falar, Lula explica, e afeta. Consegue ensinar aos que mal sabem ler. Antes de tudo, Lula é um pedagogo.

  • Lula é a moeda de troca mais valiosa do mercado

    Lula é a moeda de troca mais valiosa do mercado

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia

     

    Terça-feira, dia 23 de abril, julgamento de Lula no Superior Tribunal de Justiça. Outro episódio fundamental na cronologia da crise brasileira contemporânea. Daqui a alguns anos, quando for possível olhar para acrise com algum distanciamento, veremos esse 23 de abril como um momento chave para a compreensão do complexo cenário de instabilidade que desde 2013 fragiliza a democracia brasileira.

    Refrescando a memória…

    No final de 2017, o então juiz Sérgio Moro condenou o Lula no caso do triplex do Guarujá. Em janeiro de 2018, na segunda instância, o TRF 4 confirmou a condenação e aumentou a pena. Contrariando o preceito constitucional que determina a execução da pena somente após o esgotamento dos recursos, o STF autorizou a prisão de Lula em abril de 2018. Desde então, o ex-presidente está na sede da Polícia Federal em Curitiba, completamente isolado e silenciado.

    De lá pra cá, muita coisa aconteceu. Nas crises, o tempo passa mais rápido: eleições, vitória de Bolsonaro e, principalmente, o fim da aliança entre o STF e a Operação Lava Jato.

    Golpe de Estado sempre é trabalho de equipe. O grupo político que tomou o governo de assalto em maio de 2016 teve seu caminho pavimentado pela aliança entre o sistema de justiça e a mídia hegemônica. O objetivo era claro: desmontar o Estado e entregar ao mercado o pleno controle das riquezas nacionais. Para isso, era necessário enfraquecer o Partido dos Trabalhadores, que representa o avesso desse projeto. Aqui, a Operação Lava Jato cumpriu papel estratégico.

    Nos dois anos do governo Temer, tudo aconteceu mais ou menos dentro do esperado. Reforma trabalhista, PEC dos gastos. Só faltaram a reforma da previdência, a privatização completa do pré-sal e a desvinculação do orçamento. Mas isso poderia esperar o próximo governo. Com Lula preso e incomunicável, a coligação golpista contava com a vitória nas eleições de 2018, reconduzindo o PSDB ao Palácio do Planalto. Não aconteceu bem assim. O trem começou a sair do trilho com a vitória de Bolsonaro.

    Sim, leitor e leitora, a vitória de Bolsonaro desestabilizou o projeto do golpe, ao levar ao governo um grupo de aloprados de direita que não consegue ter o mínimo de responsabilidade institucional. A presença de Paulo Guedes no Ministério da Fazenda mostra que o mercado tentou se adaptar, que está tentando disciplinar o governo. A cada twittada, a cada trapalhada do clã presidencial, fica mais evidente que Bolsonaro não serve nem aos interesses dos mais ricos.

    Criou-se, assim, um vazio de lideranças no coração da coligação golpista. Com o colapso do PSDB, quem comanda o núcleo político do golpe? Não é difícil responder. Diante do amadorismo do bolsonarismo, a Lava Jato tomou para si o papel que antes era exercido pelos tucanos.

    A Lava Jato deixou, então, de ser um braço do PSDB para ganhar vida própria, para ter o seu próprio projeto de nação. Aconteceu, assim, o reequilíbrio de forças dentro da coligação golpista. Aqui está a explicação para a guerra total que está sendo travada entre o Supremo Tribunal Federal e a Lava Jato.

    Essa nova situação política alterou o lugar ocupado por Lula na dinâmica da crise. Hoje, o ex-presidente não é mais apenas a liderança popular capaz que ameaça o projeto político que pretende fazer do mercado o agente controlador das riquezas nacionais. É também o trunfo que o STF tem na manga para confrontar seus adversários de Curitiba.

    Em menos de uma semana, dois episódios evidenciam com clareza o novo papel que Lula passou a desempenhar na crise: em 18 de abril, após ser atacado pela Lava Jato e por veículos de imprensa vinculados à extrema direita, Dias Toffoli, presidente do STF, autorizou Lula a dar entrevistas na cadeia. Em 23 de abril, a quinta turma do STJ diminuiu a pena imposta a Lula, o que coloca a possibilidade da progressão penal num horizonte próximo.

    A prisão de Lula é a grande vitória da Operação Lava Jato. Apenas sua libertação seria capaz de confrontar aquela que, hoje, é a mais poderosa força em atuação no ecossistema político brasileiro.

    Mas a situação não é nada simples.

    Não é possível, simplesmente, libertar Lula. Isso significaria assumir o que muitos já sabem: a prisão foi política e o processo esteve viciado do início ao fim, contando com a chancela do próprio STF. Ao libertar Lula, a suprema corte assumiria o crime, se tornaria réu confesso.

    Por isso, a autorização para a entrevista. Por isso, a redução da pena. Soluções de compromisso que, ao mesmo tempo, tentam salvar a reputação do STF e mandam um recado para os rebeldes de Curitiba.

    Provavelmente, Lula não será solto. Os generais, que estão acompanhando com atenção essa guerra total entre o STF e a Lava Jato, precisam que Lula continue preso. Lula solto, ou com acesso liberado à internet, lideraria a oposição ao governo já frágil do Capitão. Os generais ainda apoiam o Capitão. Se nenhuma reviravolta muito radical acontecer, Lula morrerá na cadeia.

    Mesmo preso e silenciado há mais de um ano, Lula continua pautando a política brasileira. Hoje, Lula é a moeda de troca mais valiosa do mercado.

     

     

  • A guerra entre o STF e a Lava Jato

    A guerra entre o STF e a Lava Jato

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com charge de Cau Gomez

     

    Na última semana, vimos mais um capítulo da guerra total que está sendo travada entre o Supremo Tribunal Federal e a Operação Lava Jato. Talvez tenha sido a batalha mais importante de todas. O STF perdeu e se fragilizou ainda mais. Já há algum tempo que o Supremo não é mais tão supremo assim.

    Conto para quem ainda não sabe:

    Dois jornais, vinculados à extrema direita e especializados na produção de fakenews em escala industrial, publicaram informações vazadas da Operação Lava Jato. Dias Toffoli, presidente da Suprema Corte, é mencionado como participante de esquema de corrupção envolvendo a Construtora Odebrecht.

    Afobado e assustado, Dias Toffoli pediu ajuda ao colega Alexandre de Moraes. Os dois juntos colocaram os pés pelas mãos e censuraram as revistas, violando todos os preceitos constitucionais que garantem a liberdade de imprensa.

    A reportagem trazia uma delação em estado bruto, sem nenhum suporte comprobatório, como é procedimento típico da aliança firmada entre a Lava Jato e a imprensa, que hoje é a força mais poderosa do sistema político brasileiro.

    Quando os alvos eram Lula e Dilma, o STF silenciou, se omitiu, achou melhor não confrontar os operadores que contavam com grande apoio da opinião pública. A Lava Jato cresceu, cresceu e, ao que parece, tornou-se mais suprema que o próprio Supremo.

    Bastava um processo por difamação, reivindicando reparação por danos morais. Mas quando os ministros, passando por cima de todos os ritos previsto em lei, ordenaram a derrubada das reportagens, aqueles que são conhecidos pelo jornalismo desonesto e falacioso foram alçados à condição edificante de censurados e perseguidos.

    A Lava Jato venceu a narrativa!

    Se a reportagem era, de fato, uma fakenews, tornou-se uma questão menor. O país inteiro só fala que dois ministros supremos censuraram a imprensa. O caso está com Edson Fachin, que tem uma batata quentíssima nas mãos. Se aliviar a barra dos colegas, vai junto pra vala comum. Se encaminhar a questão para a plenária da corte (o que provavelmente será feito), não haverá meio termo: ou os ministros entregarão em bandeja de prata a cabeça de dois dos seus ou agirão com espírito de corpo e se tornarão alvo da artilharia pesada que já está montada e muito bem municiada.

    Seja qual for o resultado, o STF foi derrotado. Uma derrota dura e com consequências imprevisíveis.

    Politicamente, os operadores da Lava Jato são muito mais inteligentes que a maioria dos ministros do STF. Têm Know-how, foram treinados para isso. Alexandre de Moraes e Dias Toffoli morderam a isca, fizeram exatamente aquilo que a Lava Jato queria e, sim, cometeram crime de responsabilidade.

    Se a Lava Jato conseguir derrubar dois ministros do Supremo Tribunal Federal, tomará de assalto a instituição mais importante da República. Duas vagas estarão disponíveis. Não faltariam candidatos: Marcelo Bretas, Sérgio Moro, Dallagnol.

    A pergunta que fica é: como chegamos nesse ponto? Como a crise institucional se agravou tanto?

    Primeiro, é importante saber que as democracias não morrem do dia para a noite. A decadência começa aos poucos, e vai se espalhando como câncer em movimento de metástase.

    As democracias começam a morrer quando a política passa a ser tutelada por atores que não estão diretamente submetidos à soberania popular. É exatamente isso que está acontecendo no Brasil desde 2005, quando o próprio STF utilizou a Ação Penal 470 para arbitrar um conflito que pertencia ao mundo da política, e nele deveria ser resolvido.

    A democracia começou a morrer quando o STF atropelou o direito com a teoria do domínio do fato. A democracia começou a morrer quando Rosa Weber disse, com a tranquilidade típica dos tiranos, “condeno mesmo sem provas”.

    Desde então, o STF é personagem com presença constante no noticiário exibido em horário nobre, um pouquinho antes da novela das oito. Os brasileiros minimamente atentos à crônica política conheceram os nomes dos 11 ministros da suprema corte. A opinião pública passou a monitorar a atuação do órgão que tem a prerrogativa de manter-se olimpicamente acima da sociedade, zelando pela manutenção do marco civilizatório.

    Somente assim, é possível que o Supremo seja, de fato, supremo, que reúna condições para, quando necessário, contrariar a opinião pública.

    Uma das principais funções do Supremo é, exatamente, contrariar a opinião pública. Nem sempre a vontade da maioria é a vontade da lei. A democracia morre definitivamente quando o Supremo Tribunal Federal passa a ser monitorado e fiscalizado como se fosse um vereador de bairro.

    Agora, o STF terá que tomar uma das decisões mais difíceis de sua história diante de uma opinião pública indócil que ele mesmo alimentou com sangue e vísceras por mais de dez anos.

    “Não podemos deixar o ódio entrar na nossa sociedade”, disse Dias Toffoli. Já entrou, já tomou conta de tudo.

    No começo era festa. Os ministros eram aplaudidos no aeroporto. Máscaras com o rosto de Joaquim Barbosa se tornaram moda de Carnaval. Mas como nem tudo na vida são flores, sob os holofotes, os gemidos nunca são apenas de prazer. Como diria o poeta baiano das camisas floridas e das ideias confusas, há dor e delícia em ser o que é.

    Chegou a hora de gemer de dor.