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  • Íntegra da carta de juristas internacionais ao STF

    Íntegra da carta de juristas internacionais ao STF

    Supremo Tribunal Federal
    A atenção da Excelentíssima Senhora Cármen
    Lúcia, presidenta do STF
    Praça do Três Poderes,
    Brasília
    DF 70175-900
    Brasil

    Por email

    Paris, 9 de Agosto de 2018

    Luiz Inácio Lula da Silva


    Excelência,

    Temos a honra de lhe escrever – juristas de culturas e de países diversos – para transmitir-lhe nossa preocupação frente ao que nos parece serem irregularidades sérias, que afetam o Inquérito Policial e o Processo Judicial, que conduziram a recente condenação do Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, a uma pena de doze anos e um mês de prisão. Mais recentemente nossa preocupação foi     acrescida dos entraves que nos parece terem sido criados para evitar a sua libertação.

    Esta correspondência é enviada a Vossa Excelência, após termos formado nossa convicção com base em diversas fontes, devidamente checadas, que nos permitiram confirmar as informações aqui constantes.

    Os fatos são os seguintes:

    A divulgação pela imprensa, originária do Senhor Juiz Sérgio Moro, de elementos do referido Inquérito, como por exemplo a gravação de uma conversa telefônica entre a Senhora Dilma Rousseff, então Presidenta da República, e o Senhor Luiz Inácio Lula da Silva;

    As condições criticáveis pelas quais foi anulada, após a apresentação de um “habeas corpus”, a decisão do Senhor Desembargador Rogério Favreto, do TRF 4, que decidiu pela libertação do Senhor Luiz Inácio Lula da Silva. Compreendemos que a anulação daquela ordem foi consequência de uma intervenção ilegal e fora de qualquer marco processual, partida do Senhor Juiz Sérgio Moro.

    O caráter precipitado, desleal e parcial do processo, que determinou a reclusão do Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, acontecido numa temporalidade inédita, comparativamente à tramitação de processos do mesmo tipo material e formal, no Brasil.

    Gostaríamos de lhe transmitir a nossa preocupação, também após ter consultado diversas fontes, sobre aos graves prejuízos ao direito da defesa do Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, ilustrados em particular pela interceptação telefônica dos seus advogados, fato que deixa no ar dúvidas consistentes sobre o caráter isento do referido processo.

    Entendemos que estas irregularidades e anomalias, Excelência, não são alheias a uma pressão midiática muito forte, alimentada pelo jogo de ambições corporativas e pessoais.

    Não somos os únicos a pensar que o Brasil tem responsabilidades importantes, em função do lugar essencial que ocupa na comunidade internacional. Parece-nos, portanto, ainda mais legítimo expressar estas preocupações no momento em que o mundo passa por um período perturbado e caótico, que pode tornar-se extremamente perigoso.

    O objetivo das pessoas que assinam este documento não é de se pronunciar sobre a inocência ou a culpabilidade do Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, mas de manifestar a nossa total consideração – como Vossa Excelência a tem – com o  respeito aos direitos fundamentais consagrados na Constituição do país, respeito às suas leis e aos seus compromissos internacionais. Tudo isso nos faz compartilhar com Vossa Excelência a preocupação frente a estas irregularidades, que entendemos muito graves.

    A situação mundial e a importância do Brasil reforça nossa vontade de defender, portanto, o respeito pleno ao princípio da legalidade, com rigor e com independência.

    Fazemos um apelo a sua alta consciência de Magistrada mais eminente do Brasil, para garantir – e sabemos que isso também é uma exigência de sua formação – o respeito a todos os princípios que regem o Estado de Direito Democrático, no marco do exame do processo relativo ao Senhor Luiz Inácio Lula da Silva. Tal postura visa preservar esse processo de todas as estratégias que o adaptariam a servir  quaisquer tipo de ambições politicas fora dos marcos da legalidade.

    Ficaríamos muito honrados de encontrá-la, se Vossa Excelência tivesse disposição de nos receber.

    Enviamos a Vossa Excelência a expressão da nossa consideração mais distinguida.

    William BOURDON
    Advogado licenciado em Paris e fundador da associação de proteção e defesa das vítimas de crimes econômicos SHERPA

    Mireille DELMAS-MARTY
    Jurista, professora emérita no Collège de France, membro da Academia das Ciências morais e políticas

    Luigi FERRAJOLI
    Jurista, professor emérito da Universidade de Roma 3

    Juan GARCES
    Doutor, Advogado licenciado em Madrid, prêmio Nobel alternativo em 1999 (Right Livelihood Foundation, Suécia)

    Emílio GARCIA MENDES
    Jurista, professor de psicologia na Universidade de Buenos Aires, Presidente da fundação Sur Argentina

    Baltasar GARZÓN
    Advogado licenciado em Madrid

    Louis JOINET
    Magistrado, Primeiro Advogado-geral na  Corte de cassação da França, ex-presidente do Grupo de trabalho sobre detenção arbitrária e da Comissão de Direitos Humanos da ONU

    Wolfgang KALECK
    Advogado licenciado em Berlim e Secretário-Geral do Centro Europeu pelos direitos constitucionais e direitos humanos (ECCHR)

    Henri LECLERC
    Advogado licenciado em Paris, Presidente honorário da Liga dos Direitos Humanos (LDH)

    Jean-Pierre MIGNARD
    Advogado licenciado em Paris.

    A presente carta é enviada  simultaneamente em cópia aos dez membros do STF, assim como ao presidente do Tribunal Supremo Eleitoral.

     

    Notas

    1 Esse texto tem o selo 002-2018 do Observatório do Judiciário

  • Justiça ou Judiciário: Qual será a nossa escolha?

    Justiça ou Judiciário: Qual será a nossa escolha?

    Por Denise da Veiga Alves e Giselle Mathias 1

    Em um primeiro momento, é possível crer que “Justiça” e “Judiciário” sejam a mesma coisa. Afinal, naturalizou-se nomear o Poder Judiciário de “Justiça”.

    Porém, desde muito cedo a humanidade aprende que Justiça é mais do que um mero conceito. Justiça é um sentimento que transforma e diferencia as pessoas daquilo que é bestial; é o que retira as pessoas da barbárie e faz todos iguais. A Justiça é o equilíbrio, a equidade, o respeito e o reconhecimento da humanidade do outro. O outro, mesmo diferente, mas cuja humanidade é reconhecida e respeitada.

    Já o Judiciário é o Poder que, em tese, deveria assegurar a todos o reconhecimento de sua humanidade, de reconhecer o direito de existência digna de todo ser humano e de aplicar o que se entende como Justiça.

    No entanto, observa-se que no decorrer dos tempos o Judiciário foi e é instrumento daqueles que detêm o poder econômico, o poder oligárquico.

    É um poder que se utiliza da necessidade de aparentar ser imparcial para manter o status quo, ou seja, para manter as coisas como estão.

    Essa é a regra do Poder Judiciário no Brasil desde os seus primórdios. No início, com leis explicitamente racistas e com mais ênfase e proteção ao patrimônio e à propriedade do que à vida e à integridade física dos seres humanos.

    Porém, com a evolução da civilização e o reconhecimento da igualdade e dignidade de todos as pessoas, as leis evoluíram e passaram a contemplar em seus conteúdos toda a luta pela aplicação da mesma lei para todos.

    Entretanto, viu-se as normas serem transformadas – ou ignoradas – dentro do Poder Judiciário, com o único fim de manter o poder nas mãos daqueles que não aceitam a humanidade, que creem ser seres quase divinos.

    Para esses juízes e procuradores, o direito não pode atingi-los pessoalmente, pois acreditam estar acima das leis. Leis que seriam aplicáveis a alguns destinatários específicos (historicamente, os pobres, os pretos e as prostitutas, porém mais recentemente lideranças de esquerda, ativistas sociais etc), mas ignoradas para outros grupos sociais.

    Muitos se surpreendem com o estágio atual do comportamento escancarado do Poder Judiciário no Brasil.

    A maioria, que jamais conviveu ou entendeu como esse poder se espreita na construção cultural racista e oligárquica deste país, surpreendeu-se, justamente, porque não conviveu diretamente com o Judiciário.

    O que se vê hoje é o Poder Judiciário invadindo despudoradamente as competências dos Poderes Legislativo e Executivo, desconsiderando normas, deturpando leis, criando regramentos e, recentemente, substituindo o Poder Executivo!

    O objetivo, cada vez mais transparente aos olhos do povo, é que para melhor atender aos interesses da oligarquia, o Poder Judiciário ora ignora a norma e ora cumpre a lei, dependendo do freguês: para manter o pobre no seu “lugar”, ou para fazer a classe média crer na falácia do “funcionamento regular das instituições”. Este sempre foi o padrão usado das decisões judiciais.

    Esse poder, que se apropria do conceito de “Justiça” para exibir credibilidade, resolveu que era intolerável para a oligarquia do Brasil que mais pessoas pudessem usufruir de direitos, da cidadania e que exigissem o cumprimento das normas para todos. Isso é intolerável para a oligarquia e seus asseclas togados!

    Desde a denúncia que resultou na AP 470, vimos no país uma ação direta do Poder Judiciário para impedir que as lideranças de esquerda deste país prosseguissem no trabalho de desenvolver estruturalmente o Brasil.

    O Mensalão foi a primeira demonstração de que o Sistema Judicial brasileiro seria o mecanismo utilizado para a “retomada” do poder político pela oligarquia. A AP 470 foi construída e fundamentada na ideia de um processo inquisitorial, em que as provas e as demonstrações da verdade eram ignoradas e manipuladas, induzindo a erro parte dos julgadores e a maioria da sociedade.

    A ideia de transparência e de publicidade foi deturpada com o fim de impor aos cidadãos brasileiros uma visão única em um teatro grotesco, na forma de um julgamento viciado e repleto de interpretações teratológicas (monstruosas). No roteiro, a destruição de qualquer chance de independência e soberania do país, para manter a nação submissa a interesses predatórios da oligarquia nacional. Para isso, seria fundamental imobilizar qualquer liderança política que ousasse fortalecer o povo brasileiro e o Brasil como Nação.

    Desnudar o que foi a AP 470 – o “mensalão” – é dar oportunidade à nação brasileira de se refundar e de impedir que o país continue refém de um Sistema Judicial que tritura e subalterniza uma parcela dos cidadãos brasileiros.

    Notas

    1 Denise da Veiga Alves e Giseelle Mathias são advogadas em Brasília e integram a ABJD/DF, a RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares e #partidA/DF.

    2 Esse texto tem o selo 001-2018 do Observatório do Judiciário

    3 Para participar do Observatório do Judiciário veja: https://jornalistaslivres.org/observatorio-do-judiciario-convidamos-voce-para-participar/