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  • Vazamento de informações expõe espionagem da Vale

    Vazamento de informações expõe espionagem da Vale

    Publicado originalmente em 13 de setembro de 2013 pela Pública, por Marina Amaral

     

    “Tem que deixar o buraco do rato, não pode encurralar, isso eu aprendi no Exército”. A frase crua expressa a revolta de André Luis Costa de Almeida, 40 anos, ao explicar por que decidiu revelar o que sabe sobre a área de vigilância e inteligência da Vale S.A, onde trabalhou durante oito anos – nos dois primeiros como terceirizado e depois como funcionário do Departamento de Segurança Empresarial. Ele era responsável pelo serviço de inteligência e gestor de contratos da Vale com empresas terceirizadas da área, quando foi demitido, em março de 2012.

    “Eu tentei conversar, mandei e-mails, nada: eles prometeram que não iam me demitir por justa causa, voltaram atrás, depois disseram que manteriam sigilo sobre o assunto mas chamaram meu novo chefe para dizer que minha presença dificultaria a relação comercial dele com a Vale. Tive que sair, não podia prejudicar o cara. Agora eu não me importo com mais nada: só quero que a verdade apareça”, disse logo no primeiro encontro com a Pública, em meados de maio.

    Um ano depois de sua demissão – em 18 de março deste ano – André Almeida entrou com uma representação no Ministério Público Federal afirmando que “participava de reuniões, recebia relatórios e era informado formal e informalmente de diversas situações que considero antiéticas, contra as normas internas e/ou ilegais”, admitindo que “por pressão sobre o meu emprego, me sujeitei a executá-las”, e anexando demonstrativos de notas fiscais que descrevem entre os serviços contratados pela Vale à empresa de inteligência Network, do Rio de Janeiro: a infiltração de agentes em movimentos sociais (no Rio, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará e Maranhão); o pagamento de propinas a funcionários públicos (para obter informações de apoio às “investigações internas”, na Polícia Federal e em órgãos da Justiça em São Paulo); quebra de sigilo bancário e da Receita (de funcionários, até mesmo diretores), “grampos telefônicos” (entre eles o da jornalista Vera Durão, quando ela trabalhava no jornal Valor Econômico), “dossiês de políticos” (com informações públicas e “outras conseguidas por meios não públicos” sobre políticos e representantes de movimentos sociais).

    Recusando o café e a água oferecidos em um bar no aeroporto do Santos Dumont, e atropelando as frases, André contou a história que o levou à Vale depois de 8 anos de exército, convidado por um colega de CPOR, Ricardo Gruba, depois diretor do departamento de Segurança Empresarial: a central de espionagem da Vale, que emprega cerca de 200 funcionários e utiliza quase 4 mil terceirizados (os números foram fornecidos por André, a Vale não disponibiliza a informação). Responsabilizou-se pessoalmente pela instalação de grampos nos telefones de dois funcionários, um deles o gerente-geral de imprensa, Fernando Thompson, e revelou a existência de uma série de dossiês contra lideranças sociais como o advogado Danilo Chammas e o padre Dario, da ONG Justiça dos Trilhos, de Açailândia, Maranhão; o premiado jornalista Lúcio Flávio Pinto, crítico aguerrido da atuação da empresa no Pará; Raimundo Gomes Cruz Neto, sociólogo e agrônomo do Cepasp – Centro de Educação, Pesquisa, Assessoria Sindical e Popular – em Marabá (PA); Charles Trocate, líder do MST, e até da presidente Dilma Roussef, quando ela era ministra das Minas e Energia. “Algumas informações como essas sobre a Dilma eram obtidas através de dados públicos, notícias de jornais, redes sociais, mas outras eram levantadas através de espionagem mesmo, incluindo a dos infiltrados”, diz André Almeida.

    Sobre os demonstrativos de nota fiscal entregues ao MPF, explicou que eles lhe eram passados pela Network para conferência dos serviços a serem pagos, e não apareciam discriminados nas notas fiscais emitidas pelo Departamento de Suprimentos, que ignorava a natureza exata dos serviços prestados. “Era minha função receber esses dados e conferir junto aos solicitantes [da Vale], pois, além dos itens fixos, outros eram pedidos diretamente pelos integrantes do Departamento de Segurança Empresarial sem passar pelo meu crivo”, explicou. Os dados da Network eram comparados aos das planilhas confeccionadas pelos funcionários da Vale que solicitavam os serviços, orientação reforçada por um e-mail de outubro de 2011 do diretor de Segurança Empresarial, Gilberto Ramalho (que substituiu Gruba em 2011), “visando melhor controle sobre a apropriação dos serviços prestados pela Network”, que dava as instruções para o preenchimento das planilhas.
    “Um exemplo de pedido direto (à Network) foi a infiltração de um agente no movimento Justiça nos Trilhos pelo Gerente Geral de Segurança Norte, Roberto Monteiro”, diz, mostrando um demonstrativo de junho de 2011, com o pagamento total de R$247.807,74 a Network.  Ali, na prestação de contas do Escritório Norte (Pará e Maranhão), no item “Rede Açailândia”, consta a despesa de R$ 1.635,00 referente ao “recrutamento de colaborador de nível superior, em fase experimental, para atuar junto à Justiça nos Trilhos e outras atividades dos MS (Movimentos Sociais) em Açailândia/Maranhão”.
    Um parêntesis necessário: o planejamento da Vale é dividido em Sistema Norte – que engloba as minas de Carajás de onde são extraídas 90 milhões de toneladas de minério de ferro de alta qualidade, exportado para a Ásia pelo complexo ferro-portuário Estrada de Ferro Carajás – que vai das minas ao terminal de exportação da Vale próximo São Luís do Maranhão; e Sistema Sul – que tem como coração a extração de minério em Minas Gerais, mais da metade da produção total da Vale, levado pela Estrada de Ferro Minas – Vitória até o porto de Tubarão, no Espírito Santo.
    Do ponto de vista da segurança, o escritório Norte é o mais problemático por envolver uma grande extensão de território – entre a ferrovia e o porto são quase 900 quilômetros, cortando áreas indígenas, quilombolas e de outras populações tradicionais. Por isso, foi ali que o atual diretor de Segurança Empresarial da Vale, o cadete-aviador Gilberto Ramalho, começou a montar o modelo de vigilância da empresa na ditadura militar, quando ainda era gerente e o polo exportador na Amazônia passou a operar, em 1985.
    Na época, devido à presença intensa de garimpeiros, madeireiros, grileiros e pistoleiros e a violência permanente, alguns “homens de visão”, como Tolentino Marçal, começaram a “profissionalizar” essas milícias através de empresas de segurança – a dele era a Sacramenta e trabalhou para a Vale até alguns anos atrás, quando o enorme passivo trabalhista da empresa (mais de 5 milhões de reais) e episódios com vigilantes armados e de suspeita de desvio de armas levaram a sua substituição pela Network. Alguns “informantes” avulsos desta e de outras empresas terceirizadas, porém, em Marabá, Barcarena, Parauapebas e Belo Horizonte, continuam a prestar serviços para a Vale através da Network, com seus pagamentos registrados no demonstrativo – como a rede ABC, de Barcarena/PA (R$4.563,00), “um colaborador e agente” na rede Marabá (R$3.381,68)  e na rede Carajás/Parauapebas (R$ 7.754,11).
    “São heranças que a Network se viu obrigada a assumir, pois os ‘toucas ninja’ estavam nessa situação complicada há vários anos em outras empresas terceirizadas de vigilância. A tão falada reorganização da Segurança Empresarial feita pela atual gestão, simplesmente trocou o diretor ( Gruba por Ramalho), todos os demais integrantes, próprios ou terceirizados, permaneceram fazendo o que sempre fizeram”, diz ele.
    Ramalho é um dos funcionários mais antigos da Vale e continua influente na região. De acordo com André Almeida, embora estivesse atuando como gerente em Minas Gerais quando ocorreu o Massacre de Carajás, em 1996, teria sido ele o negociador da operação policial que resultou no assassinato de 19 Sem Terra – nos autos do processo do massacre, a Vale aparece como financiadora da operação, destinada a liberar a passagem dos caminhões da empresa (as minas ficam a cerca de 90 quilômetros do local do crime), obstruída pelos manifestantes atacados pela polícia.
    O MST ainda é o principal alvo da segurança da Vale, ao lado da rede Justiça nos Trilhos, sediada em Açailândia, no Maranhão, que reúne diversas entidades de direitos humanos em defesa da população atingida pelas atividades do polo exportador. Há mais de 2 anos, a rede trava uma batalha judicial com a Vale contra as obras de ampliação da ferrovia – feitas sem licenciamento ambiental – para escoar a produção em expansão das minas de Carajás, impactando ainda mais a vida das comunidades que vivem no entorno dos trilhos por onde circulam gigantescas composições ferroviárias, de 9 a 12 vezes por dia, cortando reservas ambientais e território indígena e quilombola.
    Os acidentes ferroviários estão entre os motivos recorrentes de protesto, mas os trilhos não tem proteção nem passarelas na maior parte dos casos, como se vê nas fotos. O mesmo demonstrativo inclui R$1.360,00 para “despesas com o envio e manutenção de agente, oriundo de Belém para Marabá, para a Op. Trilho em Marabá nos dias 12, 13, 14 e 15 de maio”, dias em que os protestos pelo atropelamento de um idoso interromperam a Estrada de Ferro Carajás, da qual a Vale é concessionária.
    A rede Justiça nos Trilhos também é uma das articuladoras do movimento Atingidos pela Vale, do qual participam sindicalistas e lideranças comunitárias de diversos Estados e de outros países onde a multinacional atua – são mais de 30 -, comandada pela sede no Rio de Janeiro. Essa articulação promoveu uma votação mundial pela Internet que deu à Vale o troféu de “Pior Empresa do Mundo” de 2012, entregue pessoalmente ao presidente da Vale, Murilo Ferreira.

    O coronel medalhado da Vale/Network

    No escritório Sul – centralizado em Belo Horizonte – quem orientava os serviços de inteligência da Network era o coronel da reserva, Roger Antonio Souza Matta, um ex-gerente de segurança da Vale que deixou a empresa em 2009, durante uma crise econômica. “Ele não precisava do emprego e se ofereceu para sair, evitando que outros fossem demitidos, passando a trabalhar junto à Network”, explica André. “Era como um pai para nós”, diz.
    Premiado com a Medalha do Pacificador do Exército em 2010, e figura influente em Minas Gerais, o coronel Roger dá aulas de especialização em inteligência na Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais e ocupa o cargo de chefe da Assessoria de Integração das Inteligências do Sistema de Defesa Social da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS). Depois de dizer por telefone que não conhecia o departamento nem o coronel, a SEDS confirmou o cargo e o nome do coronel através de um e-mail de sua assessoria de imprensa, mas não deu o contato do coronel, já procurado insistentemente pela Pública por seu e-mail pessoal e telefones que constam da lista telefônica de Minas Gerais.
    Indagado sobre o assunto, Marcelo Ricardo Roza, diretor da Network e filho do militar, já falecido, que fundou a empresa, disse que “nem conhecia o coronel” e que ele “não prestava qualquer tipo de serviço à empresa”, embora ele seja citado em mais de um e-mail trocado com o departamento de segurança da Vale como o responsável da Network pelo monitoramento dos movimentos sociais, principalmente em Minas Gerais.
    Em um e-mail enviado em 9 de janeiro de 2011 aos funcionários da segurança, Orlando Sá, então gerente geral de segurança empresarial do Sistema Sul, orienta: “Aproveito a oportunidade para reiterar a recomendação outrora realizada de que nenhum de nossos integrantes (próprios e/ou terceiros) poderá ser utilizado no “levantamento de informações de campo”, que deverá ser realizada pela equipe do Cel Roger (Net Work)”.
    Entre os membros dessa equipe, estava o capitão de mar e guerra Mauro Paranhos, que em e-mail, enviado em 16 de agosto de 2010 alertava Ricardo Gruba, então diretor de Segurança Empresarial da Vale: “No Rio de Janeiro, em reunião sobre o Plebiscito Popular pelo Limite de Propriedade, a ser realizado durante o Grito dos Excluídos de 2010, foi divulgado que nos dias 18, 19 e 20 de agosto, o MST fará agitação e propaganda da Reforma Agrária e contra o Agronegócio. O Plebiscito Popular será abordado entre os temas a serem tratados”.
    No mesmo sentido, outro e-mail do analista da Vale, Nilo Manoel de Oliveira Filho, esse sobre atividades do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens – em Itueta, na Estrada de Ferro Vitória Minas, cita o coronel: “André, estarei inserindo os dados no Omega (o sistema de informática utilizado pela segurança). Solicito apoio do Cel Roger no acompanhamento das ações de movimentos sociais, que representem ameaças aos sites da Vale em MG, em especial BH”.
    Os demonstrativos de nota fiscal da Network mostram ainda que a empresa pagava uma dupla de agentes contratados em Belo Horizonte por cerca de 15 mil reais: “valor mensal, incluindo salário, plano de saúde, vale transporte, vale alimentação, todos os direitos trabalhistas, aluguel de veículo de acordo com padrões Vale (os carros da empresa, alugados, tem logotipo e códigos que identificam que rotas estão autorizados a utilizar dentro das plantas da companhia), cota e controle de combustível (em BH/MG)”. Os dois agentes, segundo a denúncia de André Almeida no MPF, um deles chamado Rubinho, “executavam ações fora do escopo do seu contrato de trabalho”.

    Também faziam parte dos serviços da Network os relatórios semanais de inteligência sobre os movimentos sociais, as análises de LDB (levantamento de dados básicos) sobre funcionários em contratação – segundo André, com dados sobre antecedentes criminais obtidos ilegalmente no Infoseg – levantamento de empresas que trabalham com a Vale, relatórios sobre movimentos sociais com fotos de cartazes, reuniões (com círculos nos rostos das lideranças a ser identificadas), protestos de rua, e “atualização de atores selecionados” (os dossiês), alguns realizados com ajuda dos infiltrados que, de acordo com a denúncia ao MPF incluíam, além dos casos citados, “um indivíduo que fornece informações antecipadas e fotos de reuniões” no Assentamento Palmares II (do MST, em Parauapebas/PA); “um indivíduo de nome Braz, ex-integrante do Ministério da Marinha no MST/RJ; “um informante com boas relações” na Prefeitura de Parauapebas (que concentra a maior parte do CFEM, a taxa de mineração, por ser a sede das minas da Floresta de Carajás) e “uma funcionária ou vereadora” na Câmara de Vereadores de Anchieta/ES, onde a Vale enfrentava problemas para a liberação de licenças ambientais do projeto siderúrgico Ubu, por fim conseguidas no ano seguinte. O demonstrativo da NF de abril de 2010 também cita o pagamento de um “informante quilombola” por R$ 1.000,00, o levantamento “da atual diretoria do Comitê Carajás e abertura de prontuário de seus nove membros”, “o levantamento nominal de 16 integrantes do Movimento Mineiro dos Atingidos pela Vale”.

    A infiltração mais grave do ponto de vista legal teria sido realizada “em diversos órgãos do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, de delegacias policiais do Estado de São Paulo e da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo para verificar a autenticidade de um documento de autuação, por trabalho escravo, da ALL Malha Paulista” de acordo com o mesmo demonstrativo de junho de 2011 da Network, que cobrou R$7.750,00 pelo serviço de espionagem nos órgãos públicos sobre a empresa ferroviária, ligada a interesses comerciais da Vale no setor.

    Outra do mesmo gênero, que consta do anexo 2 enviado ao MPF, refere-se a um relatório de 13 de setembro de 2010, custou R$10.240,00 e está descrita como “Operação de inteligência em São José dos Campos/SP e infiltração no setor Regional do DPF local para o levantamento dos dados que instruíram o processo (já arquivado pelo Ministério Público) de estelionato contra um empresário parceiro da Vale, cujo comportamento está sendo questionado. Contatos e levantamentos junto à Obra Social Magnificat, vítima do estelionato do citado empresário”. (Veja a íntegra  abaixo, antes do box)
    Esse documento serviu de base para a única denúncia em investigação até agora pelo MPF – a de suborno de agentes federais, sobre a qual André foi ouvido a pedido do MPF de São Paulo (onde teria ocorrido o ilícito) há um mês. As demais acusações foram remetidas pelo MPF-RJ ao MPE-RJ, para verificar se há indícios de crimes estaduais, que por sua vez enviou o procedimento com as denúncias, em 12 de junho passado, para a 5a Delegacia do Rio de Janeiro para investigação.

    O “produto” MPSI – Movimentos Políticos, Sociais e Indígenas

    A Pública teve acesso a fotos e relatórios feitos a partir de infiltração em outros movimentos sociais como o Movimento pelas Serras e Águas de Minas Gerais, os ambientalistas do Pó Preto, do Espírito Santo, os movimentos sociais de moradores e pescadores da baía da Sepetiba, no Rio de Janeiro, onde fica a TKCSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico –  uma sociedade da Vale com a alemã Thyssen-Krupp, que pôs sua parte à venda sem atrair compradores – a poluição causada pelo empreendimento foi alvo de protestos até na Assembléia dos Acionistas, na Alemanha, pela chuva ácida e presença de resíduos tóxicos no ar que vem trazendo graves prejuízos à saúde da população como constatou uma pesquisa de Fiocruz/Manguinhos.
    Esse trabalho, realizado pelo departamento de Segurança em parceria com as terceirizadas, era apresentado ao restante da companhia como “um produto” – assim como “combate a fraude” – batizado de MPSI (monitoramento de Movimentos Políticos, Sociais e Indigenas) com relatórios realizados semanalmente pela Network e, nos casos de destaque, com a apresentação de mosaicos (como eram chamados os “cases” que mereciam apuração) ao diretor do departamento e mesmo em reuniões mais gerais. “Tanto o Gruba como o Gilberto mostravam esses mosaicos em reuniões da diretoria, para aparecer, justificar as PRs (Participação nos Rendimentos, oferecidas aos que cumprem as metas). Mas eu nunca vi, só ouvia os relatos e recebia os parabéns”, diz.
    A Pública obteve alguns desses mosaicos, entre eles o da Caravana de Minas no I Encontro dos Atingidos pela Vale, realizado em abril de 2010, onde é identificada a presença de lideranças sindicais, além de dezenas de fotos de reuniões fechadas – em que o fotógrafo aparentemente é percebido como alguém do movimento, e nas ruas – algumas delas posadas diretamente para a câmara, como as que documentam o movimento dos Atingidos pela Vale em frente à casa do ex-presidente da Vale, Roger Agnelli, corroborando as informações de alguns dos personagens retratados – de que o agente da Network havia se apresentado como jornalista.
    Também fica evidente a proximidade da companhia com os aparatos públicos de segurança e o exagero das reações diante das manifestações populares, como acontece no caso apresentado como “Missão Outdoor”, quando manifestantes do movimento “Pó Preto”, do Espírito Santo, que protestam contra a já comprovada emissão de poluentes pelo complexo siderúrgico de Tubarão, picharam em 2012 os outdoors da Vale relacionados à festa da Penha em Vitória, uma das maiores festas religiosas do país, realizada na semana santa. Os funcionários da companhia moveram uma investigação e mobilizaram os órgãos policiais para tentar encontrar “os culpados”.
    Um e-mail enviado a Eugênio Fonseca, do departamento de Pelotização no Espírito Santo, pelo então secretário do meio-ambiente de Vila Velha, alertando para uma manifestação de protesto dos moradores da Praia das Gaivotas contra operações de dragagem da empresa que estavam enlameando as praias do município, deixa claro o relacionamento privilegiado da companhia com a prefeitura. Prevenidos, os diligentes funcionários da segurança acompanharam e fotografaram a manifestação com pouco mais de 30 pessoas, e confeccionaram o mosaico para apresentar à diretoria.

    Antiético ou ilegal?

    A hostilidade da Vale em relação aos movimentos sociais e sindicais não é novidade e não pode ser atribuída apenas a gestões anteriores – embora algumas ilegalidades tenham sido extintas, como o uso de policiais na ativa na segurança do presidente da companhia, como ocorria na gestão Roger Agnelli. Em 2011 e 2012, a companhia foi denunciada na OIT pelo Sindiquímica do Paraná por práticas anti-sindicais (portanto na atual gestão, de Murilo Ferreira). De acordo com Gerson Castellano, presidente do sindicato, isso se deveu a intimidações feitas pelo responsável por Relações Trabalhistas da empresa em reuniões do Sindquímica do Paraná (onde era dona da Ultrafértil, depois comprada pela Petrobrás), seguidas de um tiroteio nas vidraças do prédio da entidade por autores não identificados, em agosto de 2012, após a reeleição da chapa que se opunha contra a companhia.
    Além disso, os contratados da Network “continuam a fazer o que sempre fizeram”, diz André, assim como a segurança da Vale, o que inclui espionagem aos movimentos sociais, interceptações telefônicas e revistas em gavetas e computadores dos funcionários (segundo a denúncia ao MPF, “hackeados pela segurança”, entre outras coisas para fornecer subsídios para demissões por justa causa, vista como “recuperação de ativos” por poupar verbas com indenizações, o que foi confirmado por outros ex-funcionários que não quiseram se identificar. A Vale é uma das maiores litigantes da Justiça do Trabalho e, em fevereiro passado, foi condenada por assédio processual (uso abusivo de recursos legais para defender seus interesses) pelo juiz Hudson Teixeira Pinto, titular da 2a vara de Trabalho de Governador Valadares.
    De acordo com diversos especialistas consultados pela Pública, porém, a infiltração e o monitoramento de movimentos sociais não é tipificada como crime no Brasil, daí o fato de o MPF do Rio de Janeiro ter decidido investigar por enquanto apenas a denúncia de suborno relacionada à Polícia Federal. Teria que apurar também as denúncias de interceptação telefônica, uso ilegal do Infoseg e de dados da Receita Federal. Segundo o procurador Ubiratan Cazetta, do Ministério Público Federal do Pará, porém, as denúncias envolvendo crimes federais tipificados não necessitam de provas legais para que sejam investigadas, bastando apenas que a denúncia seja feita por alguém que tem elementos para fazê-la (proximidade dos fatos, por exemplo) e contexto coerente.
    O que parece ser o caso do whistleblower tupiniquim, que chegou inclusive a fazer as denúncias pelo canal reservado para esse fim no site da Vale. No dia 27 de agosto passado, André se ofereceu para depor como testemunha em audiência trabalhista do engenheiro João Rabelo, demitido por justa causa junto com a mulher, a advogada Katia Rabelo, em 2007. Sua intenção era confirmar o uso de dados da Receita na investigação do “case”, da qual participou pessoalmente, e que rendeu prestígio (e Participação nos Resultados) para equipe que supostamente teria detectado um superfaturamento de R$ 3,4 milhões em obras do complexo Brucutu, em Minas Gerais, do qual ele Rabelo era gerente geral.
    Em janeiro de 2013, Rabelo foi inocentado dessa acusação pelo Ministério da Justiça de Minas Gerais, que requereu o arquivamento do inquérito policial, aberto pelas denúncias da Vale. Na audiência, André nem precisou depor: o preposto da Vale, o diretor Luiz Carlos Rodrigues, afirmou que a empresa havia detectado “enriquecimento ilícito” do engenheiro em seu Imposto de Renda – obtido sem o conhecimento do funcionário.
    O caso envolvendo a segunda maior mineradora do mundo, que responde sozinha por 10% das exportações brasileiras, teve uma aparição relâmpago no noticiário, logo após a denúncia, através de uma nota passada por André à coluna Radar, da Revista Veja. Logo após a nota no Radar, no dia 25 de abril, o presidente da Vale, Murilo Ferreira, convocou a imprensa para  uma conference call . Questionado sobre o assunto pelo repórter Rafael Rosas, do Valor Econômico, que teve a colega grampeada em uma investigação interna sobre o vazamento de informações à imprensa, Murilo disse: “Com relação a isso, consoante o meu despacho com o presidente do conselho, Dan Conrado, nós passamos para que fosse feita toda avaliação para auditoria da empresa.(…) Uma coisa que eu queria salientar: essa área foi reestruturada, inclusive a área da qual fazia parte o sr. André Almeida não existe mais. Ele foi demitido, é preciso também fazer essa colocação. Eu não faço essa colocação no sentido de desqualificá-lo, pelo contrário, acho que todas as denúncias têm que ser apuradas, mas é a realidade dos fatos. O sr. André Almeida foi demitido por justa causa por largo e intensivo uso do cartão corporativo em despesas pessoais”, disse, embora a Justiça do Trabalho exija sigilo sobre os motivos de demissões por justa causa, como destaca o advogado Ricardo Régis Ribeiro, que move as ações trabalhistas de André – uma pela reversão da justa causa e outra por danos morais.
    Segundo André, seu chefe estava ciente de que teria ocorrido “um equívoco” no uso do cartão e estava sendo descontado em folha pela dívida quando foi demitido. A notícia de que ele teria gasto 6 mil reais em uma conhecida casa de prostituição no Rio de Janeiro – em uma única ocasião – também “vazou” para imprensa. Segundo uma fonte ouvida pela Pública André costumava frequentar a casa com conhecimento da chefia para levar “convidados” da Vale – basicamente sindicalistas mineiros a quem a companhia queria “agradar”.
    Ao ser indagada mais de quatro meses depois (10/09) se queria comentar o assunto e qual tinha sido o resultado da auditoria, a assessoria de imprensa da Vale respondeu apenas: “O resultado da auditoria, como já explicamos em outras oportunidades, quando concluído  será ou foi entregue  (grifo meu) ao Conselho de Administração, a quem a área se reporta”.
    Quanto à empresa Network, que segundo o denuncianteera responsável pela investigação de funcionários e dos  “inimigos” da Vale  em geral, utilizando os expedientes citados na denúncia, o diretor Marcelo Ricardo Roza disse, em junho deste ano,quando a Pública já apurava o caso, que a empresa não poderia detalhar os serviços prestados à Vale “por cláusulas de confidencialidade do contrato”,que lhe rende entre 180 e 400 mil reais por mês, de acordo com os demonstrativos das notas fiscais. Avisado no dia 9 de setembro de que a reportagem da Pública dispunha de novos documentos, Ricardo, em viagem, chegou a confirmar uma entrevista a ser feita nos dias 10 ou 11 de setembro por skype, que acabou não se concretizando
    Na entrevista concedida em junho, o dono da Network confirmou que André Almeida era o gestor do contrato da Vale mas se preocupou em negar peremptoriamente as interceptações telefônicas, a quebra de sigilo bancário e o acesso a dados protegidos do governo federal no Infoseg – que centraliza as informações criminais dos órgãos de segurança do país e só pode ser acessado por eles – e da Receita Federal, todos esses crimes federais pela legislação brasileira. Mas, embora não tenha confirmado a investigação dos movimentos sociais, disse que esse tipo de trabalho não constava das proibições éticas de sua empresa porque não era delito penal.
    Para minha surpresa, ele tinha razão.

    ESPIONADOS BUSCAM INVESTIGAÇÃO FEDERAL

    Charles Trocate, da coordenação nacional do MST no Pará, é uma pedra no sapato da Vale em Parauapebas, município que sedia as minas mais promissoras da companhia, na Floresta de Carajás. Ele é um dos articuladores do assentamento Palmares II, que ocupa áreas próximas aos trilhos da Estrada de Ferro Carajás. “Nesses últimos anos, Parauapebas é um campo de disputa da luta pela terra e da luta da mineração”, define Trocate.
    Por isso ele não se supreendeu com as notícias de que tem sido espionada pela Vale, fato que já conhecia por experiência própria, diz, lembrando, por exemplo, um episódio ocorrido no final de 2007, quando depois de uma duradoura interrupção da ferrovia por cerca de 300 integrantes do movimento, cerca de 60 agentes da Vale se misturaram aos manifestantes se fazendo passar por funcionários da prefeitura de Parauapebas, por jornalistas e até por membros do movimento. “Não houve inquérito da Polícia Federal em campo. Os informantes da Vale no Pará juntaram todas as peças que eles tinham e entregaram à Polícia Federal dizendo quem é quem na organização, na direção do MST com fotografias, filmes e imagens”, afirma o ativista.
    Também a rede Justiça nos Trilhos desconfiava da espionagem da Vale, embora tenham, sim, se surpreendido com a infiltração de agentes no movimento: na rede e entre os quilombolas, segundo os documentos no MPF-RJ. “Ficamos muito tristes com essa atitude da Vale”, diz o padre Dario que como Danilo Chammas era um dos “atores políticos” monitorados pela empresa via Network.
    Diante das revelações do ex-gerente de segurança ao MPF, o MST e o movimento Justiça nos Trilhos foram a Brasília no dia 28 de maio para levar aos órgãos governamentais um dossiê contendo as denúncias de espionagem contra a Vale. Uma comissão formada pelos dois movimentos e entidades internacionais entregou o documento à Presidência da República, ao Ministério da Justiça, à Secretaria Especial de Direitos Humanos, à Procuradoria Geral da República, à Procuradoria Geral do Trabalho, à direção geral da Abin, às presidências da Câmara e do Senado e à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado.
    “Os interesses da empresa significam o controle da própria sociedade. Parece que esse tipo de atuação é parte da estratégia empresarial”, afirma o deputado federal Chico Alencar, do PSOL-RJ, que montou uma Comissão de Direitos Humanos e Minorias – “paralela e informal” – na Câmara dos Deputados depois de se desentender com o presidente da comissão oficial: o pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Foi pra ele que os movimentos entregaram o dossiê na Câmara. “A Vale não tem nenhuma autorização judicial para fazer isso e não é um ente público de fiscalização e controle. Fere o direito democrático das pessoas se reunirem, se manifestarem e estabelece um controle social completamente ilícito, ilegal”, afirma.
    A senadora Ana Rita (PT-ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, diz que encaminhou a denúncia dos movimentos ao Ministério da Justiça: “Eles trouxeram um documento farto, com muitas informações e aí solicitamos ao Ministério da Justiça que atuasse no sentido de verificar isso”. Ana Rita também revelou que a comissão realizará uma audiência pública sobre o assunto, que deve acontecer no final deste mês ou na primeira quinzena de outubro, sendo que o Ministério da Justiça e a PF serão convidados a participar. “Nenhuma instituição, nem pública, nem privada pode fazer isso, a não ser a Polícia Federal. Isso deixa os trabalhadores muito intranquilos, porque eles deixam de saber se as pessoas com quem eles estão se relacionando são realmente confiáveis ou não, então fere, inclusive o relacionamento profissional. Na minha opinião, o principal direito humano atingido é o direito de organização das pessoas”, resume.
    Em contato com a Pública, a assessoria de imprensa da Procuradoria Geral do Trabalho informou que entrou em contato com o coordenador de Liberdade Sindical (o órgão se divide em oito coordenadorias temáticas) e que ele não tinha conhecimento sobre o assunto. A assessoria informou ainda que iria apurar nas outras sete coordenadorias, mas não o fez a tempo do fechamento da reportagem. A Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada ao gabinete da Presidência da República, informou que recebeu o dossiê com as denúncias de espionagem e o encaminhou ao Ministério Público Federal para investigação. No entanto, a assessoria não informou para qual procurador o documento foi enviado, nem o teor da denúncia feita ao MPF.
    Já a Procuradoria Geral da República afirmou que não encontrou nenhuma denúncia ou informação relacionada ao dossiê na ouvidoria do órgão. Até o fechamento da reportagem, o Ministério da Justiça não informou à Pública se recebeu o dossiê com as denúncias de espionagem da Vale.
  • Lado Norte do País:  aqui também tem Rep!

    Lado Norte do País: aqui também tem Rep!

    Fotografia e texto por Isis Meideiros, para os Jornalistas Livres

    Revisão por Henrique F. Marques

    O Hip hop é um gênero musical de uma subcultura iniciada durante a década de 1970, em comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas de Nova Iorque. O criador do movimento, Afrika Bambaataa, estabeleceu quatro elementos essenciais na cultura Hip Hop: o Rap, o DJing, Breakdance e o Graffiti.
    RAP* em inglês significa “Rhythm And Poetry”, mas ao traduzirmos para o português, utilizamos a palavra REP*, “Ritmo E Poesia”.

    Dia 08 de abril aconteceu mais uma edição do “Rep e Poesia no Monte” na comunidade Monte das Oliveiras, periferia da zona norte de Manaus.
    O evento acontece desde 2016, quando o músico independente, ‘Denny Vira Lata’, decidiu organizar espaços que agregassem arte e cultura nas periferias da cidade com um único objetivo: utilizar do rep e da poesia pra despertar a comunidade para o pensamento revolucionário!

    Denny Vira Lata”, idealizador do “Rep e Poesia no Monte”, na cidade de Manaus. Foto: Arquivo Pessoal

    A idéia de Denny era promover eventos uma vez por mês integrando literatura marginal e tradicional dentro das periferias da cidade. Segundo ele, o foco principal da iniciativa é utilizar da poesia e do rep crítico e engajado pra dar visibilidade aos artistas dentro de suas próprias comunidades para que possam também conquistar independência para se sustentarem da arte, já que a maioria sempre viu isso como algo impossível.  Desde então os eventos acontecem sem nenhum apoio institucional, mas contam com o apoio de alguns comerciantes da região.

    Dessa vez, o evento contou com ajuda da Lan House da comunidade, que garantiu a divulgação patrocinando xerox dos panfletos, flyers enquanto o próprio Denny garantiu a produção das faixas que foram colocadas na entrada da rua e no campo de areia da comunidade. O som chegou emprestado pelo amigo, o outro cedeu o local que diariamente funciona como uma lanchonete e o estúdio de tatuagem de outro amigo da comunidade doou três tatuagens pra usarem na rifa para arrecadar uma ganinha à mais pra cobrir os gastos. Tudo pronto. Um a um ia chegando no cair da tarde pra ver os grafiteiros já pintando os muros da vizinha enquanto o som já rolava nas caixas convidando a comunidade à chegar mais.

    Nessa edição se apresentou a Banda Musicato, o grupo de rap ‘Código da Rua MC’s’, o mano ‘K2d’ com a batalha de rep e o próprio ‘Denny Vira Lata’. A cada nova apresentação fui descobrindo vários talentos escondidos naqueles montes tão pouco (re)conhecidos. Um deles iniciou no microfone fazendo uma crítica social aqui, o outro questionou o esquecimento do Norte no mapa do Brasil, o outro veio debochando do fato do mundo achar que o Amazonas só tem índio, logo mais o tema eram as eleições de 2018… A cada nova temática eu ia me surpreendendo com o nível de debate daqueles moleques tão novos e tão antenados com a realidade. Como fazer o mundo conhecê-los? Minha cabeça ia fazendo voltas.

    Thiago Gomes, conhecido como ‘Zoio’, é um graffiteiro amazonense que também apresentou seu trabalho no evento da comunidade. Natural de Autazes(baixo Amazonas), estampa seu trabalho em Manaus há 18 anos como forma de crítica à sociedade.  Por toda cidade de Manaus é possível ver seus personagens ‘zumbis’ pelos muros. “Identifiquei-me com o estilo Zumbi, pois foi uma maneira de me expressar para a sociedade em forma de protesto. Critico a decadência do proletariado, prontamente escravo do sistema capitalista em que vivemos nesse país. Represento o zumbi de várias formas, sejam animais ou pessoas, e principalmente pessoas públicas, para externar o meu repúdio com a desumanização mecânica da sociedade.” Desabafa ele.
    “Eu gostaria que o Brasil conhecesse o meu trabalho, pois é voltado para a militância, independente da cultura hip-hop, meu objetivo é externar meu repúdio à luta de classes.” Completa.

    Thiago Gomes, conhecido como ‘Zoio’, é um artista amazonense. Fotos: Arquivo Pessoal

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Vitor Collares, conhecido como ‘K2d’ apresenta a batalha de rima Fotos: Isis Medeiros

     

     

    Me surpreendi muito com a apresentação do Vitor Collares, conhecido dentro do hip hop como K2d, um moleque novo de 19 anos da comunidade de Jorge Teixeira, zona leste de Manaus, que há 5 anos já vem demonstrando que tem muito potencial pra ir mais longe. Conversamos um tempo e ele mostrou sua indignação com o momento político atual do Brasil e questionou o esquecimento da cultura do Norte, incomodado com o fato do país pouco saber sobre o que eles tem produzido por lá.

    “Os temas que eu gosto de cantar nas minhas músicas são as desigualdades no movimento hip hop e das regiões do Brasil.  Também falo do pré-conceito e das minhas crenças sobre a religião cristã.” Revelou o menino. “O Brasil precisa saber que o Norte não e só índio, nós temos sim a cultura indígena mas não é só isso, aqui nós temos nossas produções. Aqui a gente sabe tudo que acontece no Brasil, a gente vê tudo que eles fazem, mas eles não veem o que a gente faz aqui, aqui tem muita gente foda, mas aqui não temos valor. Os caras da cena do rep do resto do Brasil não entendem sobre rep de verdade porque a maioria diz que rep é união, mas isso tudo é hipocrisia mano! Eu vejo eles aceitarem sul, leste, oeste e esquece do norte, tá ligado, mano? Aqui no Norte o rep sempre teve vivo mano! Você já ouviu falar em Isaac Mesquita, Igor Muniz e Vitor Xamã? Questionou K2d sobre o apagamento dos artistas do Norte.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Batalha de rima com apresentação de K2d. Fotos: Isis Medeiros

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Quando procurei Denny – organizador do evento, para conversar sobre a diferença dos movimentos de arte e cultura que acontecem no Norte, ele me explicou que os saraus de poesia que já acontecem em Manaus ainda não atingem a periferia e explicou: “Eles se tornaram em encontro academicista, na maioria das vezes um debate social só dentro das universidades. Esse discurso não atinge o traficante que está na esquina vendendo droga e o maluco novinho que tá fumando um. É preciso levar esses debates pra dentro da periferia, já que a periferia não está dentro da universidade pra adquirir esse conhecimento, e é lá na quebrada que precisa acontecer um ação libertária.” Justificou ele.

    ‘Lucka Brasil’, vocalista da banda “Código da Rua MC’s” Fotos: Isis Medeiros

     

     

     

     

     

     

     

     

    Os grupos iam se apresentando enquanto nós continuávamos informalmente a conversa. “A galera do hip hop e das batalhas por exemplo, quase não se adere às lutas de causa sociais, acham que manifestação é perda de tempo. “Eu mesmo acho que os movimentos sociais são muito engessados, muito acadêmicos, não agregam diretamente para a periferia. Acho que aqui ninguém tem interesse de ouvir essas coisas chatas como eles falam não! Nós da quebrada precisamos mostrar, mais do que falar, a gente tem capacidade de chegar no cenário nacional, tem uma movimentação que pode fazer muito, mas a gente precisa de espaço pra mostrar isso na prática.”  Criticou o idealizador do evento.

    Quando eu perguntei sobre o que era a revolução que ele dizia, ele me explicou: “A gente precisa deixar de achar que é normal viver numa situação tão desigual. A periferia tem que deixar de pensar que é assim mesmo. Temos um governo que rouba pra caramba e a gente acha que é normal. Tá errado! A periferia precisa acreditar que a gente tem que ser igual de verdade. A moçada da periferia precisa se conscientizar das coisas, entender que a gente não escolhe a nossa classe e a nossa posição social. (…)  No dia em que a gente não mais aceitar as coisas como são, nós vamos querer mudar as coisas, nesse dia a gente vai conseguir tomar os rumos de uma revolução.”

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Batalha de rima. Fotos: Isis Medeiros

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Sem muitas interrupções, ele continuou explicando do que se tratava tal revolução: “Despertar a consciência é só o começo da revolução! Depois da consciência é ir pro confronto. Às vezes vamos precisar ir pra rua manifestar, às vezes vamos precisar enfrentar a polícia, aguentar a repressão, ir preso e depois voltar pro mesmo lugar! A gente precisar ir pro enfrentamento intelectual pra discutirmos sobre nossos direitos com o policial, por exemplo. A gente precisa saber confrontar verbalmente pra não sermos mais injustiçados com o abuso de poder deles. A maioria não tem preparo intelectual pra debater com a polícia sobre os nossos direitos e acaba só sendo reprimido injustamente.” Desabafou Denny.

    Quando perguntei para eles quais são os planos futuros do “Rep e poesia no Monte”, ele disse que a meta é transformar o evento em um festival para unir saraus de poesia e rep e fazer algo semelhante aos SLAM’s de poesia que já acontecem em outras capitais. “Eu sei que o processo não é rápido, mas também não precisa ser à passos de tartaruga. É preciso cativar, atrair a galera da periferia para nossos eventos e eles começarem a despertar para uma visão mais ampla e mais crítica de uma porrada de fatores, aí sim vamos transformar a realidade das periferias.” Concluiu.

    “Mulheres In Rima”

    Outra iniciativa poderosa é da artista Cida Ariporia, que desde 2003 usa o Hip Hop como instrumento de transformação social na comunidade Mutirão, zona norte de Manaus.

    Cida Ariporia, compõe o coletivo ‘Mulheres in Rima’, mulheres do hip hop de Manaus. Foto: Arquivo Pessoal

    O bairro onde vive e atua é um celeiro de talentos da cultura Hip Hop, o segundo pólo da cidade. O objetivo do HipHop para ela é salvar vidas, trazer melhorias para a comunidade, principalmente para a juventude. Desde o princípio ela se despertou para as lutas por direitos das mulheres, enfrentamento e empoderamento através do feminismo e ajudou a trazer esses elementos para a cultura do Hip Hop.

    Cida é precursora de inúmeras iniciativas envolvendo mulheres para fazer o debate da luta por direito e visibilidade. Organizou os primeiros encontros regionais de graffiti e de skate feminino de Manaus, além de fundar o primeiro coletivo organizado de mulheres do Hip Hop, composto por grafiteiras, djs, anarko feministas, mc’s e bgirls. Fundou junto com outras mulheres um grupo de rap feminino chamado “Mulheres em Rima” que trabalha o empoderamento feminino através das musicas. Desde então vem fazendo inúmeros eventos, rodas de conversas e iniciativas para contribuir com o empoderamento de outras mulheres e falar da realidade através da música e cultura.

    Sobre a visibilidade da cultura do norte do país, Cida defende: “Quero que o restante do país nos veja como protagonistas e não como coadjuvantes, porque temos pluralidade de cultura. Produzimos arte e cultura que tem história e valoriza tanto os povos originários do Brasil quanto a população negra, da periferia. Gostaria que não nos taxassem de inferiores, porque as oportunidades pra nós são mais difíceis.”

    Grupo de rep ‘Código da Rua MC’s’ – Aqui também tem REP! Foto: Isis Medeiros

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Pra quem quer conhecer um pouco das produções do rap no Norte e Nordeste, pode ouvir:

    Disco de Denny Vira Lata

    soundcloud.com/rimologiamanauara

    Norte e Nordeste
    A.L.M.A Part: Victor Xamã & Diomedes Chinaski – Flores Artificiais https://www.youtube.com/watch?v=U4RRfI-JRvA

    Manaus e Pernambuco
    Matheus Coringa & Baco Exu do Blues – $port$ujo
    https://www.youtube.com/watch?v=-dVfyZ3oG5s

    Manaus

    Cypher Sinais do Norte – [ T4F Gang: Willis, Yumi, B.onin, Caipora, K2D Clover]
    https://www.youtube.com/watch?v=x-hLgXEU-jc

    Encontro das Águas (Victor Xamã)
    https://www.youtube.com/watch?v=FJQvqXv8cmg

    Os monstro que chama de norte (Victor Xamã)

    https://www.youtube.com/watch?v=VMyEUwnt0aQ

     

    Hey Joe (Victor Xamã)

    https://www.youtube.com/watch?v=N49ZQiBcfqc

    Daluz – Marejando
    https://www.youtube.com/watch?v=30AKcR8oqr8

    “ARKAIca” [Igor Muniz Part. Ian Lecter]
    https://www.youtube.com/watch?v=i36dXH21Arg

    “Rep e Poesia no Monte” na comunidade Monte das Oliveiras, periferia da zona norte de Manaus. Foto: Isis Medeiros