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  • Remoção do óleo no litoral pernambucano ainda é no improviso

    Remoção do óleo no litoral pernambucano ainda é no improviso

    por Rodrigo Pires e Veetmano Prem

    O trabalho de remoção do óleo continua nas praias em Pernambuco. A região das praias de Itapuama e Xáreu são as mais afetadas e os esforços estão concentrados nesses locais, que ficam no município do Cabo de Santo Agostinho.


    A retirada é feita na maioria por voluntários que agora precisam ser cadastrados pela ONG Salve Maracaípe e pela Prefeitura do Cabo de Santo Agostinho, além de receber um pequeno treinamento para lidar com o composto que é altamente tóxico.

    Apesar da aparente organização, tudo ainda é muito no improviso para lidar com um material cancerígeno – município, forças armadas e população ainda tentam se entender no dia a dia. Varias pessoas que tiveram contato com o óleo já relataram ter tido dores de cabeça, crises de vômito e até falta de ar.

     

    O movimento nas praias caiu muito com a poluição que vem do mar. Quem mais sofre com isso são as pessoas que vivem do comércio praiano e dos frutos do mar, barraqueiros e pescadores tem que lidar com a incerteza do futuro, porque o movimento vem caindo substancialmente no local.

    “O movimento vem caindo desde domingo, você veja hoje, em pleno sábado com sol, na praia não tem ninguém, apenas os voluntários e o pessoal da ONG” Osimar Meira, comerciante na praia de Itapuama

     

     

     

     

     

    Maria José dos Prazeres e Osimar Meira, comerciantes na praia de Itapuama

    Maria José dos Prazeres e Osimar Meira são comerciantes há 20 anos no local e nunca presenciaram a escassez de clientes, nem em época de chuva. “O movimento vem caindo desde domingo, você veja hoje, em pleno sábado com sol, na praia não tem ninguém, apenas os voluntários e o pessoal da ONG”, relatou Osimar.

  • Para especialista, governo é intencionalmente omisso na contenção do óleo que atingiu o litoral do Nordeste

    Para especialista, governo é intencionalmente omisso na contenção do óleo que atingiu o litoral do Nordeste

    por Raíssa Ebrahim, em Marco Zero, para o VioMundo.

    “Estamos sendo feitos de tolos. Como veem manchas chegarem às praias e não acionam imagens dos satélites?”

     

     

     

    A frase resume a revolta de Yara Schaeffer Novelli, doutora e professora sênior da Universidade de São Paulo (USP), em relação ao vazamento de óleo que já é considerado o maior desastre ambiental do Nordeste.

    Ela foi a primeira perita judicial da primeira ação civil pública movida no Brasil por dano ambiental, em 1983, num rompimento de oleoduto da Petrobras na Baixada Santista.

    Naquela época, o Brasil tinha recém-publicado e regulamentado a Lei 6938, de 1981, da Política Nacional do Meio Ambiente.

    Desde então, leis, normas, protocolos, planos nacionais e experiências foram sendo acumulados.

    Marcos legais não faltam, mas eles não estão sendo cumpridos.

    O descaso e o silêncio do governo federal são ensurdecedores. A Marco Zero Conteúdoconversou por quase 1h ao telefone com a cientista, considerada umas das maiores conhecedoras do assunto no País e sócia-fundadora da ONG Instituto Bioma Brasil.

    “Nós (o Brasil) começamos com o pé errado. Mas, com todo esse tempo – as primeiras manchas de óleo apareceram em 30 de agosto –, para mim foi intencional não se envolver pessoas e grupos que poderiam definitivamente ter colaborado. Teríamos tudo para ter agido de forma organizada, legal e dentro das normas desde o primeiro momento em que se avistou óleo chegando às praias. Não precisa de muito, está tudo aí no Google”, avalia Yara, autora de mais de 100 artigos científicos e escritora ou organizadora de mais de 40 livros.

    A Lei 9.966, de 2000, estabelece o que deve ser feito em termos de prevenção, controle e fiscalização de poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional.

    São os princípios básicos a serem seguidos por todos os tipos de embarcações, portos, plataformas e instalações, nacionais ou estrangeiros, que estejam em águas brasileiras.

    “Está tudo lá, mastigado”, reforça.

    A lei mostra desde o que deve ser feito quando se registram as primeiras aparições de óleo, como classificar, controlar, prevenir e transportar as substâncias, incluindo marcos legais de infrações e punições, além de elencar quem são os responsáveis pelo cumprimento.

    A legislação, porém, não está sendo cumprida.

    Foi necessário que o problema se espalhasse assustadoramente para que, só no último sábado (7) – quase 40 dias depois dos primeiros registros –, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) determinasse que a Polícia Federal e a Marinha investigassem as causas e as responsabilidades do que, com atraso, passou a ser considerado um crime ambiental de grandes proporções.

    As ações de mitigação e prevenção estão sendo realizadas num trabalho de formiguinha, que muitas vezes envolve mais o ativismo do que o cumprimento governamental.

    Nada deveria ter sigilo, explica Yara: “o próprio Plano Nacional de Contingência diz que imprensa tem que ser comunicada e que é para haver reuniões diárias e divulgações de tudo que está acontecendo. Eu fico pasma, esse é o adjetivo que configura o que estou sentindo no momento”, lamenta.

    A professora explica que a Lei 9.966 também atribuiu ao Ministério do Meio Ambiente a responsabilidade na identificação, localização e definição dos limites das áreas ecologicamente sensíveis à poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas.

    Em 2008, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabeleceu que esse mapeamento deveria ser representado pelas chamadas Cartas SAO (Cartas de Sensibilidade Ambiental a Derramamentos de Óleo).

    A maior parte das bacias nordestinas são mapeadas: Ceará e Potiguar (Rio Grande do Norte), em 2004; Sul da Bahia, em 2013; Sergipe-Alagoas/Pernambuco-Paraíba, em 2013; e Pará-Maranhão/Barreirinhas, em 2017.

    Essas cartas se juntam à Lei 9.966. Mas isso também não aconteceu, e agora o vazamento já atingiu mais de 2 mil quilômetros de costa.

    “As Cartas SAO identificam a sensibilidade ambiental que deve ser protegida, os recursos biológicos sensíveis ao óleo. Está tudo lá, cheio de figurinhas, mapa, bichos, atividades socioeconômicas que podem vir a ser prejudicadas”, frisa Yara.

    Isso significa, portanto, que o governo federal deveria estar protegendo o que já está mapeado e usando imagens de satélite para prevenção, para saber onde colocar as barreiras de contenção e absorção.

    “O Porto de Suape, por exemplo, é obrigado a ter essas barreiras. O mesmo vale para a Petrobras no Recôncavo Baiano. E onde elas estão?”, questiona a professora.

    “Até palha de coqueiro poderia ter sido colocada na praia”, diz ela para provar mais uma vez o quão absurda é a situação.

    A Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) do Governo de Sergipe, que declarou situação de emergência e onde o óleo já atingiu a foz do Rio São Francisco, informou que a Petrobras não tem mais disponíveis as boias absorventes que seriam enviadas para conter as manchas de óleo no Rio Vaza Barris, em Aracaju.

    O estado precisará investir R$ 100 mil na compra dos equipamentos.

    Como se não bastassem a Lei 9966 e as Cartas SAO, ainda existe um Plano Nacional de Contingência, de 2012, que prevê as medidas a serem tomadas pelo governo diante de grandes vazamentos de petróleo no mar e que deveria ter sido ativado desde o início para evitar que problemas maiores acontecessem.

    Na época em que foi anunciado, período ainda de início da exploração do pré-sal, o plano tinha um orçamento de R$ 1 bilhão, uma espécie de seguro que funciona apenas em caso de grandes acidentes, nos quais os responsáveis não são identificados imediatamente.

    “Será possível que não fizeram nada disso? Eu uma idosa de 76 anos fico sabendo disso e o seu ministro do meio ambiente não sabe? Porque ele não perguntou aos técnicos do ministério, Ibama, ICMBio, que são competentes? E isso eu afirmo e assino embaixo”, ironiza Yara.

    “Começo a desconfiar que existe uma ordem superior para que não se manifestem. Essa mudez total, esse silêncio, só podem ser orquestrados. O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) se calou, mas eles têm oceanógrafos físicos e pessoal especializado em estudo de imagens de satélite de primeira qualidade”.

    No início de agosto, o diretor Ricardo Galvão foi exonerado do Inpe depois que Bolsonaro contestou os dados sobre o monitoramento do desmatamento da Amazônia.

    “Como alguém vê as manchas chegarem às praias e não aciona as imagens dos satélites? Elas dizem onde as manchas estavam ontem, onde estavam antes de ontem… Elas estão aí para isso. Acho impossível não terem feito. Se alguém foi impedido de divulgar, isso é muito sério”, levanta a professora.

    “Estou realmente abismada e aborrecida. Estamos passando para os brasileiros que ouvem essas notícias há mais de um mês que a gente pagas aos pesquisadores que não sabem dizer nada. Não posso ver uma coisa dessas e não reagir. Temos obrigação legal e cidadã de tentar contribuir e colaborar. Fomos financiados a vida inteira pra fazer uma devolutiva para sociedade”, comenta a cientista da USP.

    Durante a conversa, Yara também comentou que a ação da Marinha de notificar 30 navios de 10 países após a triagem das manchas de óleo é “uma tremenda confusão”.

    O navio pode ser de uma país e ter bandeira registrada em outro.

    Existem os chamados “países de conveniência”, como por exemplo, a Libéria, pouco exigentes em relação às condições das embarcações.

    Tanto que algumas delas não têm permissão para entrar em portos europeus, mas entram em portos da América Latina.

    Isto significa que a embarcação não necessariamente tem a bandeira do país do armador.

    Na avaliação de Yara, sem nenhuma imagem para dizer como esse óleo está se deslocando, fica complicado chegar a alguma conclusão.

    “Não vimos a análise do óleo para dizer de onde ele é. Todo óleo tem uma assinatura. Ninguém mostrou nada”.

    “É tragicômico” um presidente do Brasil, que tem nomes internacionais de cientistas, “falar em quase certezas”.

    “Você já viu alguém estar quase grávido?”, ironiza Yara.

    “Já vi áreas costeiras em São Paulo impactadas por óleo, é bem diferente dessa quantidade que está chegando ao Nordeste. E imaginar que esse óleo sofreu intemperismo e já mudou muito… Essa mancha quando foi exposta pela primeira vez na superfície do mar, era enorme. Ela vai secando, se dissolvendo na coluna d’água, perdendo componentes, grudando mais e diminuindo o tamanho da mancha”, ensina.

    Se esse óleo realmente tiver sido despejado em alto-mar, a recomendação era que se tivesse usado tensoativos, como se fossem detergentes que dissolvem o material.

    Mas agora que o material está na costa, essa ação não é recomendada, porque podem fazer mal aos seres humanos, à fauna e à flora.

    A curto prazo, os danos já estão sendo conhecidos: tartarugas mortas, filhotes que não estão podendo ser chegar ao mar nos locais de desova, redes de pesca e corais sujos de óleo.

    Os tratores que estão sendo usados para a limpeza das praias estão levando uma camada considerável de areia da superfície onde há muita vida, isso sem contar com a compressão da areia.

    “Isso é uma perda muito grande. Há animais, crustáceos pequenos, larvas e outros organismos vivos importantes para o início da cadeia alimentar”, mostra Yara.

    Eles são inclusive alimentos para as aves que se deslocam do hemisfério norte para cá para se alimentar na época de inverno.

    As algas sujas de óleo tendem a ir para o fundo do mar e lá se decomporem.

    “Muita coisa é irreversível, um efeito crônico de longo prazo”.

    Universidades diferentes, hipóteses diferentes

    Se o professor de Oceanografia da UFPE Marcus Silva informou ter descoberto que o óleo teria sido derramado por um navio a 50 quilômetros da costa, entre os litorais de Pernambuco e Paraíba, cientistas do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) sugerem que o óleo que atinge nove estados do Nordeste pode ter sido lançado ao mar em águas internacionais, a até mil quilômetros do litoral brasileiro.

    Em Salvador, a equipe da Universidade Federal da Bahia (UFBA) confirmou que o petróleo encontrado nas praias nordestinas teria origem venezuelana.

    O óleo analisado usado no estudo foi coletado nas costas sergipana e baiana em parceria com a Universidade Federal de Sergipe (UFS) e a Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).

  • BACURAU NOS DEU UMA MÁ NOTÍCIA

    BACURAU NOS DEU UMA MÁ NOTÍCIA

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Bacurau, filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, lançado no circuito brasileiro neste ano de 2019.

    Nas últimas semanas, a bolha da oposição civilizada e intelectualizada ao bolsonarismo não falou em outra coisa. Bacurau pra cá e Bacurau pra lá. O barulho se justifica. O filme é uma obra prima, imperdível, provocador.

    Uma breve síntese do enredo. Se você ainda não assistiu Bacurau, pode continuar lendo mesmo assim. Deixe se levar por essa histeria anti-spoiler não. Você consegue ser maior que isso.

    Tudo se passa em uma cidade fictícia localizada no oeste de Pernambuco. Arranjados com o prefeito da região e com apoio logístico de brasileiros do sul, um grupo de gringos resolve ir caçar gente no sertão do nordeste brasileiro. É o tesão estadunidense pela arma, pelo tiro, pela caça esportiva. Só que ao invés de irem caçar elefante na África, os gringos vieram ao Brasil matar pessoas.

    Acontece que a comunidade, que já contava com um sistema de autoproteção relativamente organizado (milícias), consegue se defender. Os gringos são mortos, têm suas cabeças cortadas e expostas em praça pública, sob os cliques dos smartphones e tablets dos moradores locais.

    Vi na blogsfera das redes sociais pelo menos três reações diferentes ao filme:

    1°) Alguns receberam Bacurau com animação e entusiasmo, acreditando se tratar de um convite à resistência armada “dos de baixo”. Essa interpretação foi inspirada pela velha fetichização do povo que certa esquerda ainda insiste em endossar, fazendo dos pobres uma espécie de bom selvagem rousseauniano. Pobres armados seriam capazes de construir o reino da justiça, de realizar a utopia na terra. Como se pobres fossem sempre virtuosos e jamais violentassem outros pobres, como se os “pobres” constituíssem grupo coeso e irmanado pela comunhão da experiência de pobreza. É de um marxismo de anteontem.

    2°) Outros criticaram o filme exatamente pelos mesmos motivos que arrancaram aplausos do primeiro grupo. Bacurau seria um elogio à violência popular, o que poderia incitar comportamentos violentos na sociedade civil. É uma leitura inadequadamente literal que não foi capaz de captar o implícito tão valorizado nas obras do Kleber Mendonça Filho. Lembro que isso aconteceu também com Aquarius, lido erradamente como uma crítica à gentrificação das grandes capitais brasileiras. Aquarius ironiza as prioridades da classe média.

    3°) Também houve aqueles que se incomodaram com aquilo que acreditaram ser a caricaturização do nordeste e do seu povo, como se Bacuarau evocasse a simbologia do Arraial de Canudos. Não acho que essa seja uma questão central para o filme. De fato, o que estava em tela era uma comunidade do nordeste, mas poderia ser uma favela do Rio de Janeiro ou uma tribo indígena da Amazônia e o argumento não seria prejudicado. O único momento do filme que o enredo joga com as dicotomias nordeste X sudeste/ sertão X litoral é quando os gringos debocham do casal de cariocas que reivindicam o estatuto de uma brasilidade superior pelo simples fato de que nasceram numa região “mais rica” do Brasil. Os gringos dizem “vocês não são brancos” e depois, simplesmente, matam o casal carioca, do mesmo jeito como estavam matando os moradores de Bacurau. Ou seja, para os gringos, somos todos mestiços, estamos todos na vala comum. É um momento interessante na economia interna da narrativa, mas curto, ligeiro e de importância secundária.

    Penso mesmo que a discussão fundamental levantada pelo filme é outra.

    Bacurau é a distopia neoliberal brasileira, é a caricatura do Estado Mínimo manifestado nos trópicos.

    Uma comunidade completamente abandonada pelo poder público que aprendeu a resolver seus problemas com suas próprias estratégias, o que vai desde a organização de milícias até a autonomia para decidir comer alimento estragado ou usar medicamento tarja preta sem prescrição médica. É a ideia de liberdade liberal levada ao nível do grotesco.

    Bacurau é palco para uma guerra travada entre particulares. A violência é potência afrodisíaca. Em algum momento das quase duas horas de filme, todos gozaram. Os gringos gozaram quando matavam brasileiros reduzidos à condição de animais. Os moradores da Bacurau gozaram quando mataram os gringos.

    O público gozava quando um gringo tombava, tendo sua cabeça estourada e seu corpo esfaqueado.

    Assisti Bacurau numa sala localizada dentro de um dos Campus da universidade onde trabalho. Em tese, o público é formado por pessoas progressistas, de esquerda e que não votaram em Jair Bolsonaro nas eleições do ano passado.

    Bacurau nos fez gemer de prazer a cada gota de sangue de gringo derramada.

    Se alguém tentasse chamar o público à racionalidade (ninguém tentou), perigava ouvir: “Tá com pena do gringo? Leva pra casa!”.

    Bacurau usou o registro ficcional para produzir verossimilhança a partir do absurdo. Ao fazê-lo nos deu uma péssima notícia: temos a violência como gramática comum e todos nós, bem lá no fundo, somos um pouquinho Bolsonaro.

  • Após percorrer 38 cidades em um ano, fotógrafo lança livro sobre o Mais Médicos: ‘é um manifesto humanista’, diz

    Após percorrer 38 cidades em um ano, fotógrafo lança livro sobre o Mais Médicos: ‘é um manifesto humanista’, diz

    Via: Opera Mundi em 2016

    É um manifesto humanista, mais do que um livro de fotografia. É assim que Araquém Alcântara, um de nossos maiores fotógrafos de natureza — ele prefere ser chamado de fotógrafo brasileiro — qualifica a última publicação que lançou. O livro Mais Médicos é um registro do programa do governo federal que levou mais de 18 mil médicos a 4 mil municípios do País. “Eu queria ir a esses lugares onde o Estado está chegando pela primeira vez”, conta Alcântara, em seu escritório na Vila Olímpia, zona oeste de São Paulo. “Eu sei como é, minha infância foi assim. Meus pais, analfabetos, nunca foram a médico nenhum”.

    Foto: Araquém Alcantara

    Segundo o texto de apresentação do livro, escrito pelo ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro, cerca de 63 milhões de brasileiros passaram, somente agora com o Mais Médicos, a contar com a atuação de equipes de Saúde da Família com a presença de médicos, que garantem 80% dos problemas de saúde da população antes que se tornem graves.

    Alcântara percorreu 19 estados e 38 cidades durante um ano. Foi a lugares ermos, onde nunca havia tido a presença de um médico. “As comunidades se sentem brasileiras, amparadas pelo Estado. É impressionante, você vê a presença do Estado — que é o que falta no Brasil. Foi nesse aspecto que eu quis fazer esse ensaio, para registrar essa transformação no País”. A logística da viagem foi bancada pelo governo federal.

    O fotógrafo tem 46 anos de profissão e já publicou 49 livros, mas ainda vibra com cada imagem ao folhear sua última publicação: “Olha esse índio, olha esse peitoral, isso é África total! Esse é meu País! Um Brasil que ainda não foi descoberto, em 2015!”.

    Araquém vai pinçando algumas histórias, como a da médica cubana que descobriu que o foco de esquistossomose em Igreja Nova, Alagoas, era causado pelos canais de irrigação dos arrozais. Ou então a do paciente velhinho, em Manaus, vítima de hanseníase, sem uma das pernas e com os dedos das mãos atrofiados. Apaixonado pela médica cubana que o atende, escreve diversos poemas em sua homenagem.

    Foto: Araquém Alcantara

    Na Ilha do Marajó, no Pará, uma médica cubana faz as vezes de assistente social e conselheira. Diante de um bebê nascido com paralisia e uma mãe viciada em drogas, reuniu a família, redistribuiu as tarefas e delegou ao tio a responsabilidade de tratar da doença do sobrinho.

    O roteiro de Araquém não ficou apenas na floresta. No Rio de Janeiro, o fotógrafo se encontrou com o médico João Marcelo Goulart, neto do ex-presidente João Goulart, que trabalha na favela da Rocinha. “Teve todo um esquema para liberar a nossa entrada. Passamos por vários caras armados, são os donos do pedaço. Triste”. Na favela, foram à casa de uma mulher que, em surto de esquizofrenia, matou a facadas o marido.

    “A importância do Mais Médicos é essa: o velhinho cruza com o médico na rua, toca nele e diz: está dando resultado o tratamento. É o contato direito, ter ali o porto seguro”, diz Alcântara.

    As fotografias do livro serão expostas em diversas mostras, dentre elas uma em Havana, Cuba, e outra em Genebra, Suíça, na sede da Organização Mundial de Saúde

    Publicado originalmente pela Revista Brasileiros.

  • Eu vi e vivi esse Nordeste

    Eu vi e vivi esse Nordeste

    por Adelaide Ivánova, publicado em suas redes sociais

    o ódio ao nordeste é tao grande, e tao descarado, que o rapper paulista critica o PT por abandonar a periferia e todo mundo aplaude (inclusive bozonarou aplaudiu); a colunista gaúcha critica o PT pelos crimes no xingu e todo mundo aplaude; mas xs nordestinos podem falar mil vezes das suas experiências com o PT (sejam elas positivas ou negativas) que isso nunca é levado em conta na mesma medida.

    a tragédia no xingu não é maior nem menor, nem mais nem menos importante que as secas no sertão, que geraram não apenas milhões de mortes mas uma onda de migração interna forçada sem precedentes na história do brasil. foi um governo de um tal de PT que diminuiu essa migração interna forçada, no sentido de que gerou, na região, possibilidade de emprego e investimentos, e as pessoas não precisavam mais deixar o nordeste e ir pro sudeste para conseguir um trabalho. em 2009, não somente paramos de deixar o nordeste, como houve uma onda de retorno. pernambuco teve a maior taxa de retorno de imigrantes. mas disso, dessa parte boa (e de todas as outras coisas maravilhosas que o governo de lula fez pelo NE), ninguém quer falar. afinal, é no nordeste.

    o genocídio do povo preto não se dá apenas na ZL de são paulo, não. aliás, a região sudeste tem a MENOR taxa de morte da juventude negra. a região nordeste é a região que mais mata a juventude negra no país. os indicadores sociais no nordeste mudara radicalmente, mas a violência contra esse grupo continua crescendo assustadoramente no nordeste. isso o PT não parou. mas disso ninguém quer falar. afinal, é no nordeste.

    se o PT tivesse feito em são paulo o que fez pelo nordeste, o ódio ao PT não seria esse. mas o nordeste pode continuar afundando na merda, na seca, na fome, na filariose, na cólera que pra vocês ia dar na mesma. os nordestinos podem continuar sendo assassinados, que pra vocês o que importa é o que acontece em SP. porque vocês estão cagando pro nordeste do brasil. vocês também não estão preocupados com o xingu, na boa. o nordeste pra vocês é trancoso e o norte é alter do chão.

    não perdi meu tempo escrevendo esse textao pathetico pra incentivar uma olimpíada dos oprimidos, pra dizer que o PT acertou em tudo. estou dizendo, apenas, que essa dupla moral, esse ar de superioridade política, são obscenos. toda vez que um sulista/sudestino diz que o PT devia fazer uma autocrítica por causa da corrupção, ou por causa da amazônia; quando eliane brum diz “voto no pt pra que conserte a merda que fez”; é como se passassem uma borracha nos séculos de fome, morte e abandono que o nordeste foi forçado a viver e que só o PT quis parar. eu vi e vivi esse nordeste. não foi numa entrevista que ouvi falar dele, não.

    boa noite.

  • Deixe-me ir, preciso Anddad…

     

    O que mais me preocupa nessas eleições é o domínio da irracionalidade diante de uma escolha tão importante. E para que essa irracionalidade se concretizasse, o ódio foi vendido em massa na cara da população, que consome todos os dias um excesso de espelho do modelo americano imperialista, que há muito nos subjuga.

    Vivemos no país da melhor música do mundo, onde se ouve de norte a sul música americana em todas as lojas. Nas boates, nas salas de espera, nas festas. Uma chatice. Uma espécie de estrangeirisse em todos os lugares. É a trilha oficial da academia, quem aguenta? E junto com isso vem o lixo dos games de guerra, a indução à violência em todos os canais abertos a toda pobre inocente criancinha brasileira.

    A educação pela superação para vencer o outro, ser melhor do que o outro, ser o único, avança a cada dia. “Colégio São Sicrano, seu filho em primeiro lugar no vestibular!” Acontece que esse vencedor terá 799 inimigos ali, porque são 800 alunos. O que é isso, o tempo inteiro melhor do que o outro? A cultura da vantagem: pessoas compram o que não querem por causa da vantagem e começam a consumir o que escolheram só por causa da vantagem. “Comprei cinco latas de salsicha, estava na promoção”. Mas você gosta? “Agora eu gosto, né? Saio ganhando”. É tudo meio torto.

    O desprezo por si, pelo que se come, o desprezo pelo outro que é potencialmente aquele que eu vou vencer, e por isso é que se vende nos EUA armamento a todo momento e o povo dispõe de balas, de armas de fogo expostas e vendidas ao lado das balas de chupar no cinema. Socorro! Não se pode vender arma sem vender o ódio. Estamos experimentando uma civilidade que não quer pensar além da capa, e tudo que lhe é contrário não existe, é mentira, é fake news. Um mundo irreal, onde é preciso criar uma paranoia para justificá-lo.

    Estamos experimentando o resultado de uma negligência e uma irresponsabilidade que o nosso jornalismo sofreu nos últimos tempos. Em especial na história mais recente do país, onde há omissão dos muitos dos que narram a informação e deixaram-se contaminar pela teoria e prática da polarização política do país, pela uniformidade da informação, e de nos deixar ausentes de uma avaliação crítica do nosso tempo com mais independência.

    Parece que a população está com raiva, parece que fomos mordidos por uns cachorros bravos. Peraí, mas ao mesmo tempo, as mulheres se reuniram em 37 cidades brasileiras e não se registrou nenhuma briga. Não estou puxando sardinha para o nosso lado não, meninas. Mas pode fazer sentido: à mulher foi dada uma educação onde a sensibilidade, o gosto pelas coisas pequenas e delicadas e, principalmente, pelas tarefas de doação, como amamentar, carregar criança dentro da barriga, cozinhar com ela no colo, cuidar do outro, coisa que toda mulher aprende e o homem não. Talvez culturalmente tenhamos mesmo a boa  possibilidade de produzir a paz.

    Por isso também agora pulsa em mim uma certeza de que, ainda que a critiquemos, a democracia ainda é o melhor sistema político encontrado para respeitar a diversidade dos seres e a liberdade do pensamento. É ela que quero garantir nesse primeiro turno. É ela que está ameaçada. O projeto de país que me atrai não pode ser mais excludente do que esse já é, nem mais homicida e violento. A cidadania avançou, nós caminhamos para respeitar o jeito de ser de cada um, sem racismo, sem homofobia, sem tudo o que não presta, tudo que vem pela via da intolerância.

    No país que eu quero o Estado não é grande nem pequeno. É do tamanho do seu povo. Estado mínimo para mim é povo mínimo. Eu pago meus impostos e quero receber por ele: saúde, segurança, educação e cultura. Simples assim. E mais, no meu sonho, os bens de um tempo devem pertencer a todos daquela comunidade, no caso a grande comunidade brasileira. Não quero mais do só olhar para o MEU próprio umbigo, a segurança do MEU condomínio, do colégio do MEU filho, o seguro do MEU carro. Esse negócio de pouca gente ter tudo e muita gente ter pouco ou nada não parece que nos levará a alguma espécie de paz.

    Fui criada na ditadura, a infância passei sob ela. E não era bonito ser criança e ver a tensão dos pais com seus filhos estudantes adolescentes em perigo, cantores sendo presos, intelectuais silenciados. A impressão que se tinha, mais tarde confirmei, era de que os presos eram inocentes. Muita gente morreu, muita gente foi torturada. E o Brasil paga até hoje um custo alto por esta interrupção muito violenta num país de Darcy Ribeiro e Paulo Freire, para citar dois. A ditadura não foi uma revolução, nem um movimento. A ditadura foi, sobretudo, um misto de ignorância e covardia. Foi sério. As cabeças cortadas, os exílios que foram impostos a inteligentes brasileiros, tudo isso faz falta no país que hoje somos. 

    Ando todo tempo pelo Brasil, e em São Paulo um taxista me disse: “Comprei essa autonomia e minha casa no governo Lula e o Haddad que era nosso ministro da Educação, bicho inteligente, mandou construir entre três cidades lá do Ceará, com distância de 11 km uma da outra, uma universidade e uma escola politécnica. Hoje meus sobrinhos não precisam sair do Nordeste para ser taxista aqui em São Paulo; são professores, estão na universidade”. Então, meus amores, este é o Brasil que eu quero. Um país de todos. E confio nele, pois tem uma juventude negra, aliás, uma juventude excluída que entrou nas universidades e vai votar certamente por uma educação para todos. Não vou esperar o segundo turno para ter certeza da minha vontade. Fico com o povo. Voto com o povo. Sou povo. Domingo já vou de Haddad!