Jornalistas Livres

Tag: movimentos sociais

  • EXCLUSIVO: Estrutura do prédio Wilton Paes de Almeida propagou o fogo e causou desabamento

    EXCLUSIVO: Estrutura do prédio Wilton Paes de Almeida propagou o fogo e causou desabamento

    Por Patrícia Cornils, especial para os Jornalistas Livres

     

    Assim que se soube do incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, a imprensa paulista e nacional, a polícia e o Judiciário iniciaram uma caçada implacável a provas que permitissem jogar a culpa pela tragédia sobre os movimentos de moradia que ocupam edifícios abandonados do centro de São Paulo. O engenheiro Paulo Helene, diretor da PHD Engenharia e professor da Universidade de São Paulo, entretanto, trabalhando com uma equipe composta por 44 pessoas (engenheiros em carreiras de gestão pública, professores universitários e peritos, além de estudantes de engenharia), elaborou parecer que sustenta a tese de que o Wilton Paes de Almeida ruiu por características de seu projeto estrutural.

    Ao menos sete pessoas, inclusive crianças, perderam a vida naquele dia 1º de maio de 2018, o que serviu para aumentar os apetites sensacionalistas da grande imprensa. Mas, esfriados os ânimos, o parecer técnico assinado pelo engenheiro Helene, apresentado no último dia 1º de agosto no Instituto de Engenharia, tornou-se um alerta para os acusadores levianos.

    Construído na década de 60, o edifício Wilton Paes de Almeida foi apresentado como jóia modernista na cobertura da mídia. O que não se disse é que o prédio não incluía (nem nunca incluiu), medidas de segurança obrigatórias segundo a legislação atual, como a compartimentação (portas corta-fogo, paredes corta-fogo, espaços entre os andares, espaço entre edificações), para evitar que incêndios se alastrassem por partes diferentes do edifício. Também tinha uma planta assimétrica, em que a posição do centro de gravidade não coincidia com o centro de torção. E um ponto terrivelmente fraco: um de seus pilares era a parede de um fosso de elevadores, que não suportou o movimento de torção causado pelo calor gerado no incêndio. Ao se romper, foi um componente a menos a suportar o peso da estrutura. Este peso foi redistribuído por outros pilares, vigas e lajes do edifício que, também afetados pela torção, não aguentaram a carga extra, causando o desabamento.

    Muito técnico? Sim, era uma palestra para engenheiros e essa descrição já é uma simplificação das conclusões do Parecer, que tem 216 páginas e que está disponível neste link: (https://www.phd.eng.br/wp-content/uploads/2019/04/19.04.30ParecerCompletoPaesAlmeida.pdf). Mas sua conclusão é importante porque afeta milhares de outros prédios na cidade com problemas de projetos de infraestrutura e segurança contra incêndios elaborados antes de 1974. Naquele ano, um incêndio no Edifício Joelma causou a morte de 189 pessoas e levou a mudanças na legislação de normas de segurança para prédios. De acordo com matéria publicada pela Folha de S. Paulo em maio de 2018 (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/quase-metade-dos-predios-de-sp-sao-anteriores-as-regras-duras-anti-incendio.shtml), “a capital paulista tem 53 mil prédios, conforme consta na base de dados do IPTU de 2017, da Prefeitura de São Paulo. Destes, 24,7 mil foram construídos antes de 1974.” A proporção de construções antigas é grande no Centro de São Paulo — na Sé, 85% dos prédios são anteriores a 1974. Na República, 87%. Todos eles foram vistoriados e adequados ao que se aprendeu nas décadas de 70 e 80?

    Não.

    Na apresentação, Helene mostrou o retrato de um edifício na Avenida Rio Branco, vizinho ao Wilton Paes de Almeida, sem o que os técnicos chamam de “compartimentação vertical”. Toda a fachada é feita de vidro (“pele de vidro”) e a distância entre o fim da janela de um andar e o início da janela de outro andar não prevê a necessidade de evitar que labaredas se propaguem pelas janelas. Está lá, o prédio. Hoje. E não se trata de uma ocupação. “Eu mesmo vivo em um prédio assim”, disse Helene na palestra. “Um projeto do Mário Franco, de 1964, tremendo edifício, gosto muito dele, mas não tem porta corta-fogo, escada pressurizada. E moro no 20º andar.” O prédio de Helene recebeu uma ligação entre suas duas torres, para dar maior segurança aos moradores em caso de incêndio.

     

    Não são apenas prédios ocupados por movimentos de moradia que pegam fogo. O Edifício Grande Avenida, por exemplo, sofreu um incêndio em 1981 no qual 17 pessoas morreram e 53 ficaram feridas. Neste prédio, na Avenida Paulista, ficavam os escritórios da Construtora Figueiredo Ferraz, fundada por José Carlos de Figueiredo Ferraz, que foi secretário municipal de Obras (1957) e de Transportes (1968), além de prefeito de São Paulo (1971). O Wilton Paes de Almeida era uma estrutura de concreto armado, da mesma forma que outros que sofreram incêndios em São Paulo. O Andraus, em 1972, queimou por 240 minutos. O Joelma (1974) queimou por 390 minutos. O Grande Avenida queimou em 1969 e também em 1981 — desta vez por 280 minutos. Nenhum dos três desabou ou “colapsou”, como dizem os engenheiros. Os três foram recuperados e voltaram a ser usados. Já o Wilton Paes de Almeida colapsou completamente com apenas 80 minutos de fogo. Por quê?

     

    Edifícios projetados e construídos em concreto armado costumam resistir a incêndios. Podem se deteriorar, mas não caem. François Hennebique, patenteou o concreto armado em 1892, para substituir metais, alvenaria e madeira nas estruturas dos prédios. Seu slogan: “Chega de incêndios desastrosos”.

    No caso do Wilton Paes de Almeida, a equipe que participou do Parecer Técnico nem sequer conseguiu encontrar o projeto estrutural do prédio, apesar de pesquisas realizadas com a colaboração, inclusive, de profissionais contemporâneos de Roger Zmekhol — autor do projeto de arquitetura. A equipe considerou a possibilidade de Zmekhol ter feito o projeto estrutural. No entanto, a filha de Zmekhol, Denise Zmekhol, informa que todos os projetos do escritório de seu pai, formado na primeira turma da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde também lecionou até sua morte, em 1976, eram calculados por outros profissionais. [Este trecho foi corrigido dia 7 de agosto]. Outra possibilidade é que a construtora responsável pela obra, a Morse & Bierrenbach, fechada em 2000, tenha feito o projeto estrutural.

    Três das lições aprendidas com a elaboração do parecer são que 1. estruturas de concreto mal projetadas podem ruir em incêndios, sim, mesmo que a duração seja curta; 2. que existem muitos prédios em situação similar em São Paulo, incluindo os legalmente habitados e os  abandonados. Incêndio, de novo, não é uma maldição das ocupações. E 3., que cabe aos proprietários a responsabilidade pela segurança dos edifícios, mas eles precisam ser fiscalizados. Uma das recomendações, básicas, é que sejam arquivados os projetos executivos estruturais ou projetos “como construído” — no momento de receber o Habite-se da Prefeitura.

    Helene deixou claro, em sua exposição, que o objetivo de todo este trabalho não é apontar “culpados”, mas entender o que houve. Deste entendimento fazem parte medidas a serem tomadas pelo poder público e pelos projetistas, construtores, proprietários e moradores dos prédios. A simples lista dos atores envolvidos permite dizer, também, que a responsabilidade pela segurança é compartilhada, ainda que de formas desiguais, por todos esses atores. E é um alerta para a imprensa que segue a cantilena fácil de agentes da polícia, de governos e do Judiciário paulistano, que acusam sempre o elo mais fraco da corrente, no caso, os movimentos de moradia. Se o objetivo de todos é ter edifícios mais seguros, não faz nenhum sentido voltar o olhar — e as acusações — exclusivamente a movimentos e pessoas que ocupam prédios abandonados por não ter onde morar.

    No parecer apresentado por Helene, há um manifesto do Instituto Brasileiro de Concreto (Ibracon) que fala dessas responsabilidades. Publicado em maio de 2018, o documento diz:

    “Qualquer edificação deve ser vistoriada periodicamente, como ocorre com outros bens de valor, como um automóvel ou um equipamento industrial, e deve ser alvo – automática e rotineiramente – de intervenções e modificações corretivas e de manutenção. Este acidente com vítimas fatais demonstra o descaso do Estado, proprietário do edifício, com seus imóveis e seus cidadãos, colocando em risco usuários e patrimônio, além de toda uma vizinhança, ameaçada com a falta de manutenção. (…)

    Para o Estado, o melhor seria implementar de imediato um programa de vistoria e diagnóstico desses edifícios públicos, seguido de eventual recuperação e retrofit, dando novos usos e mitigando a ocorrência de acidentes futuros.

    Uma ocupação regular, mal administrada e mal orientada é tão nefasta quanto uma ocupação irregular. Essa constatação significa que muitos condomínios e edifícios públicos acabam sofrendo, seja por desconhecimento, seja por omissão, alterações de carregamento e de segurança, que aceleram a degradação do edifício, potencializando os riscos de acidentes.”

    Destroços do prédio. No desabamento, fragmentos do edifício atingiram a igreja luterana que fica bem ao lado da construção sinistrada

     

  • Doria sendo Doria: Governo de São Paulo impede a realização de tradicional feira da reforma agrária

    Doria sendo Doria: Governo de São Paulo impede a realização de tradicional feira da reforma agrária

    A perseguição aos movimentos sociais segue a toda em tempos de bolsonarismo, e sem limites! Decisão do governo de São Paulo irá prejudicar centenas famílias, de diversas regiões, que se prepararam para vender seus produtos numa das mais importantes feiras da agricultura familiar do Brasil. Vale dizer que a agricultura familiar é responsável por 70% – segundo dados oficiais – do que chega à mesa do brasileiro, mas Dória decidiu dificultar um pouco mais a vida de trabalhadores e trabalhadoras rurais, como se não bastassem os mais de 13 milhões de desempregados pelo país.

    Há três anos, a Feira Nacional da Reforma Agrária  é realizada no Parque da Água Branca, em São Paulo-SP. Segundo os organizadores da feira, no ano passado cerca de 260 mil visitantes circularam pelas barraquinhas dos agricultores, e foram vendidos aproximadamente 420 toneladas de 1.500 produtos. Além de produtos oriundos da agricultura familiar, a feira costuma apresentar uma vasta programação de palestras, rodas de conversa, oficinas e apresentações culturais.

    A feira, que estava prevista para o mês de maio, foi adiada pelo MST para o início de agosto, em local ainda não definido. O adiamento foi provocado pela recusa do governo João Dória (PSDB) em liberar o Parque da Água Branca, na Zona Oeste da capital paulista, onde a feira vinha sendo realizada anualmente.

    Segundo João Paulo Rodrigues, da Coordenação Nacional do MST, o governo de São Paulo avisou em cima da hora que não iria autorizar a realização da feira, apesar do pedido para a utilização do espaço ter sido protocolado há quase um ano. Para Rodrigues, o adiamento da feira irá prejudicar os agricultores, que já haviam se programado para a venda de hortifrútis e carnes para maio.

    O MST avalia que a proibição tem a ver com o alinhamento do discurso político de Doria ao de Jair Bolsonaro (PSL), que por diversas vezes já demonstrou interesse em perseguir movimentos sociais de esquerda, inclusive usando a repressão violenta.

  • Caxias sobe a rampa do Palácio do Planalto com Bolsonaro

    Caxias sobe a rampa do Palácio do Planalto com Bolsonaro

    Por Caetano Manenti, na página Jornalismo em Pé

    O Brasil terá um militar como presidente depois de 34 anos. Será um retorno retumbante: à sombra do capitão Bolsonaro e do general Mourão, ao subir a rampa do Palácio do Planalto, dia primeiro de janeiro de 2019, estará o Marechal Duque de Caxias, o Patrono do Exército brasileiro. É isso que o presidente eleito fez questão de ressaltar, com especial ênfase, na noite em que foi eleito, diante da única pergunta que respondeu ao único jornalista que pôde se aproximar do grande vitorioso da eleição de 2018.

    – Durante a campanha, houve momentos de divisão entre os eleitores. Que palavras você daria agora para pacificar o país?, perguntou Paulo Renato Soares.

    – Não sou Caxias, mas sigo o exemplo deste grande herói brasileiro, vamos pacificar o Brasil! — respondeu Bolsonaro.

    Naquele mesmo momento, do outro lado de um aparelho de televisão, diversas lideranças do movimento negro pelo Brasil afora sentiram um frio na espinha ao ouvir o nome de Caxias. Sabiam que Bolsonaro estava mandando um recado.

    Ao escolher o Marechal como seu referencial político, as histórias de Caxias — e as disputas de narrativas que se mantêm sobre sua figura — voltam a ser relevantes para o Brasil mesmo quase 140 anos além de sua morte. Qual Caxias e qual pacificação Bolsonaro evoca?

    Militares x movimento negro: uma noite de maio de 1988

    Luis Alves de Lima e Silva, o marechal Duque de Caxias, é um homem dos anos 1800, mas será um caso de 1988, já no fim do século XX, que servirá de introdução para esta história.

    Diversos grupos do movimento negro do Rio de Janeiro organizaram, para a semana em que se completariam 100 anos da abolição da escravidão no Brasil, uma imensa marcha na avenida Presidente Vargas, no centro do Rio. Em vez de celebração, uma manifestação para denunciar o que chamavam de Farsa da Abolição e criticar o racismo no Brasil. Aquela noite foi um marco na história do movimento negro carioca e brasileiro, que se expandia com a abertura política. A ideia era percorrer a avenida desde a igreja da Candelária até o busto de Zumbi dos Palmares.

     

    Movimento Negro faz Marcha contra a Farsa da Abolição em maio de 1988 — Arquivo: Januário Garica, foto retirada de www.projetomemoria.art.br

    Mas o Exército simplesmente não permitiu! Alguns apontaram aquela como a maior repressão desde o fim da ditadura. Milhares de militares impediram a marcha de passar ao lado do Panteão de Caxias, uma monumental construção que recebe os restos mortais do Marechal e avança sobre a avenida Presidente Vargas, bem em frente ao Palácio Duque de Caxias, onde hoje encontra-se o Comando Militar do Leste. A desculpa dos militares para tamanho autoritarismo era de que os manifestantes pretendiam atacar a homenagem ao militar, uma enorme estátua que galopa sobre a avenida.

    Não há qualquer prova de que havia esse plano. E as imagens e áudios do ato indicam que essa intenção de fato não existia. O desejo era marchar pacificamente até o busto de Zumbi. Mas por que esse medo, então? Segundo artigo do historiador Rodrigo Bueno de Abreu, a desconfiança se dava, entre outras coisas, porque figuras como Frei Davi (militante do movimento) defendiam uma revisão da história brasileira “no sentido de derrubar os “falsos heróis” e substituí-los pelos “verdadeiros””.

    Documentário mostra detalhas da Marcha contra a Farsa da Abolição

    Sobre uma cartilha elaborada por uma comissão de padres e religiosos negros, em 1987, editada pela editora Vozes, Frei Davi disse o seguinte:

    “Na cartilha, nós estávamos propondo derrubar todos os falsos heróis e colocar no lugar os verdadeiros heróis. E elencávamos como um dos principais falsos heróis da história do Brasil o Duque de Caxias. E propúnhamos, portanto, derrubar todas as estátuas do Caxias do Brasil e colocar no lugar Zumbi dos Palmares”.

    Estação Duque de Caxias do VLT X Movimento Negro: uma disputa de 2018

    30 anos depois da Marcha da Farsa da Abolição, o nome e a memória de Caxias seguem em disputa no centro do Rio neste fim de 2018. A linha 3 do Veículo Leve sobre Trilhos está sendo construída em direção à Central do Brasil. A obra passa por cima da história dos negros do Rio de Janeiro — mais especificamente, sobre o que foi o Cemitério dos Pretos-Novos de Santa Rita, local dedicado a enterrar escravos recém-chegados à cidade entre a década de 20 e 70 dos anos 1700. A situação preocupou alguns grupos do movimento negro da cidade. Uma comissão foi criada para cobrar da Prefeitura do Rio e do VLT, que já construiu os trilhos sobre o cemitério, ações para valorizar ali, no percurso, a história da cultura negra da cidade.

    Uma dessas ações sugeridas foi a de dar às estações do VLT nomes ligados à história negra da cidade. O VLT não aderiu à ideia e defendeu que as estações deveriam obedecer a nomenclatura do local onde estão. Assim, a estação em frente ao Panteão de Caxias se chamaria, pois, Estação Duque de Caxias!

    — Perguntamos o nome das Estações. Nos responderam: “Estação perto da Central Duque de Caxias, mais a frente Camerino, mais a frente Santa Rita”. Nós dissemos “não queremos esses nomes! Principalmente Duque de Caxias, racista, assassino, esse nunca!” — disse um dos líderes da comissão, em audiência para debater a questão.

     

    Linha 3 do VLT passa por cima do antigo cemitério dos Preto-Novos de Santa Rita. Movimentos negros não admitem a instalação da Estação Caxias

    Como descrever Caxias de uma maneira objetiva?

    Luis Alves de Lima e Silva nasceu em 1803, nas proximidades do Rio de Janeiro. Cresceu no centro do Rio, onde seu pai, também militar, morava. Por ali, ainda jovem militar, também serviu nos quartéis da região — um deles, virou o Palácio Duque de Caxias, onde está seu Panteão.

    Ele foi o único homem a receber o título de Duque durante o Império do Brasil. Caxias foi protagonista de diversos momentos marcantes da política brasileira dos anos 1800. Ele debelou rebeliões por diversas partes do Brasil no período Regencial (1831–1840) e foi homem fiel ao reinado de Pedro II (1840–1889).

    Esteve na Bahia (1823), no Maranhão (Balaiada,1838–1841), em Minas e São Paulo (Revoltas Liberais, 1842) e no Rio Grande do Sul (Farroupilha, 1835–1845). Além de um líder militar nos campos de batalha, Caxias atuava como negociador em muitas das discussões. Era firme contra quem enfrentava o projeto imperial, que tinha como objetivos principais a integração do território sob uma monarquia católica, o centralismo político e a conservação da base social e econômica escravocrata. Tudo justamente num período em que a escravidão era duramente enfrentada em quase todas partes do planeta.

     

    Pintura que retrata o Massacre dos Porongos, que dilacerou os Lanceiros Negros, guerreiros negros da Revolução Farroupilha

    Com a vitória do império sobre as revoltas provinciais, seja as populares, como no Maranhão, ou elitistas, como no Rio Grande do Sul, Dom Pedro II foi entronizado imperador do Brasil aos 14 anos, em 1840. Caxias viraria então um especial aliado do imperador, um líder do Partido Conservador. Foi presidente da província do Rio Grande do Sul, ministro da Guerra, presidente do Conselho de Ministros, participou de diversos gabinetes imperiais. Como deputado e senador, colaborou para a instalação de um hegemônico poder dos conservadores, projeto político conhecido como Saquarema, que lançou bases de diversas atividades do Brasil-Nação, como o ensino, as referências de pensamento e uma instituição de crescente ascendência, o Exército Nacional. Caxias era sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, primeira e mais importante instituição da historiografia brasileira.

    Caxias, já mais velho, é também protagonista das mais volumosas operações militares no estrangeiro. Ele, que já havia lutado na Guerra Cisplatina (1825–1828), região da Argentina e Uruguai, foi fundamental também na Guerra do Paraguai (1864–1870). O Brasil saiu vitorioso das guerras após marchar sobre Assunção, e Caxias ganhou em importância. Ele morreu extremamente rico em 1880, com muitas terras e, possivelmente, ainda com muitos escravos.

    O Império caiu em 1889, mas a figura de Caxias será eternizada durante a República de inúmeras maneiras. Ruas, avenidas, praças, prédios, cédulas de dinheiro, no ensino da história: Caxias se tornou aquilo que poucos brasileiros conseguiram, um herói nacional.

    Em 1949, no governo do militar Eurico Gaspar Dutra, os restos mortais de Caxias e de sua esposa deixaram o cemitério do Catumbi em direção ao Panteão de Caxias, instalado no lugar mais prestigiado na República, na recém-inaugurada avenida Presidente Vargas, ao lado da Central do Brasil, centro pulsante da Era Vargas.

    Em 1962, na antessala do golpe militar, o Exército consagrou Caxias como o Patrono do Exército. Durante os 21 anos de governos militares, a história desse “gigante do civismo brasileiro” — predicado que está no título da obra de Paulino Jacques (1980) — será valorizada pelos militares como conteúdo obrigatório da disciplina de Educação Moral e Cívica.

    Versões sobre Caxias I: a de Bolsonaro

    A introdução deste livro de Paulino, que rodou as escolas do Brasil, expõe contundentemente quem é Caxias para este projeto de memória, que agora Bolsonaro assina embaixo.

    “Não se forja uma nação sem muita vitalidade e espiritualidade. (…) Uma grande nação nasce do espírito de um povo que sabe querer e desejar com vigor. A construção de uma grande pátria é verdadeira obra de arte, que consiste em obter, pelos mais variados recursos, a união nacional, união forjadora das grandes nações. Neste sentido, a lição pacificadora de Duque de Caxias, que, reunindo todas as virtudes civis e militares, fortaleceu a unidade nacional, é o melhor caminho para realizarmos um Brasil grande e forte.

    (…) O insigne (ilustra) Marechal Duque de Caxias, durante mais de meio século, brandiu o gládio (espada) para convencer e harmonizar brasileiros inconformados, tanto quanto para submeter e amparar estrangeiros irredentos”.

    A narrativa de um homem duro, viril, um pacificador da espada, capaz de “convencer e harmonizar brasileiros inconformados” se espalha pelo país. Na biografia resumida oficial do Exército, Duque de Caxias é figura de destaque de pretensos acordos de paz, como no caso do “Poncho Verde” na Revolução Farroupilha. “Pois, com justa razão, proclamam Caxias não só Conselheiro da Paz, senão também o Pacificador do Brasil — epíteto perpetuado em venera nobilitante”.

    A ver pelas declarações de Bolsonaro, a versão que o presidente eleito corrobora é esta: Caxias é o militar dos militares que, através da espada, “convenceu” e “submeteu” “inconformados e irredentos” para “pacificar” o país.

    Versões sobre Caxias II: a versão dos irredentos

    Irredento surge no dicionário como aquele que não foi redimido, aquele que não conseguiu redimir. São muitos que não aceitaram as condições, as mortes, as prisões e a escravização durante os mais 60 anos de luta contra o império brasileiro e, portanto, contra Duque de Caxias. Contar mortos em guerra nunca foi algo fácil, mas nos anos de 1800 eram ainda mais difícil. De toda forma, a contabilidade de mortos nas missões de Caxias impressiona: centenas de milhares na Guerra do Paraguai, dezenas de milhares nas revoluções populares do norte do país e mais alguns milhares na Revolução Farroupilha.

    Entre revoltas populares e elitistas, a diferença do tratamento dos exércitos de Caxias impressiona. Enquanto era implacável contra escravos e outras classes inferiorizadas, mantinha diálogo muito mais cortês com as elites. Notícia do Jornal do Comércio de 1838 registra que Caxias trabalhou também na captura de escravos, atividade que era dividida entre privados e militares durante o segundo império.

    O jornalista e historiador Juremir Machado é um dos mais dedicados à revisão da história da Revolução Farroupilha e, portanto, da figura de Caxias. Ele garante que a Caxias não cabe a memória de um pacificador.

    “Caxias não foi um pacificador. Historicamente falando, ele não foi um pacificador. Ele teve um papel importante como homem conservador que era, ligado à alta esfera política do período regencial. Caxias teve um papel de sufocador as rebeliões nas províncias. Teve um triste papel, a bem da verdade, no Maranhão, onde asfixiou a Balaiada. Ali era uma revolta popular, absolutamente popular. Nesta situação o que se tem é um Caxias absolutamente a serviço — não da pacificação — mas do sufocamento. Claro, se pode entender isso como pacificação na medida que não sobrou muita gente para discordar.

    Na Farroupilha, ele teve um papel com alguma diferença. Ele veio para sufocar a Revolução, trabalhou muitas vezes com os mesmos métodos da Balaiada, e ele atingiu o seu objetivo. Mas no Rio Grande do Sul, uma revolução da elite, foi preciso fazer concessões ao final. Não houve um tratado de paz, como se diz muitas vezes, mas o Império aceitou algumas concessões de anistiar os principais líderes. Caxias pegou mais leve. Mas de pacificador ele não teve nada.

     

    Detalhe do quadro Batalha do Avaí, óleo de Pedro Américo sobre um dos últimos episódios

    Na Guerra do Paraguai, ele foi um ás da negociação, mas também um militar responsável por asfixiar movimentos de insurreição e de sedição. Assim, por ter vencido, colaborou para a unidade da nação, mas não no sentido de pacificação, a não ser pela pacificação pela eliminação. Foram milhares de mortos”, disse, em entrevista, Juremir.

    O historiador Rodrigo Perez Oliveira, da Universidade Federal da Bahia, é mais um que contesta a figura de Caxias como pacificador. Ele utiliza o trabalho da historiadora Adriana Barreto “Duque de Caxias — o homem por trás do monumento” para descrever a carreira de Caxias como de “muita violência”.

    “A pacificação é um tipo de memória que positiva essa figura. Mas há outras perspectivas. Havia um projeto de nação, cuja base produtiva era a escravidão, com vínculos com a Igreja Católica e coordenada a partir do Rio de Janeiro. Caxias era o braço militar deste projeto de nação Saquarema. Mas no período regencial, pelo Brasil, se viram muitas rebeliões provinciais com projetos de nação alternativos, muitos de teor separatista. Então o que foi a pacificação? Foi Duque de Caxias indo a campo e sufocando na violência essas revoltas. A pacificação foi um processo violentíssimo, de imposição de um projeto de nação, de uma monarquia católica e escravocrata, controlada pelo Rio de Janeiro, contra outros projetos alternativos que questionavam esse stablishment.

    Quando o Bolsonaro evoca Caxias, essa memória é seletiva, como toda memória é. Ele está mobilizando uma alegoria de um país dividido rachado, entre petistas e antipetistas, e ele está se propondo a ser um pacificador. Mas os desdobramentos dessa alegoria podem ser cruéis e muito perigosos. Porque Caxias “pacificou”, entre aspas, na violência, na intensa violência. E eu não acho que o Bolsonaro esteja longe disso” disse, também em entrevista, Rodrigo Perez.

    Juremir Machado, em “História Regional da Infâmia — O destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras”, destaca a violência de Caxias ao final da campanha no Maranhão.

    Ao final da balaiada, a insurreição negra que desbaratou no Maranhão, onde ganhou título de nobreza e nome de Caxias, Lima e Silva exprimiu-se claramente em relatório: “Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados, todos os chefes foram mortos, presos ou enviados para fora da província… Se calcularmos em mil os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o numero dos capturados e aprisionados durante o meu governo passante de quatro mil, e para mais de três mil os que reduzidos à fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação do decreto de anistia, temos pelo menos oito mil rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos que com as nossas tropas lutaram, e dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: toda esta província o sabe”.

    A pacificação que Bolsonaro é com ou sem banho de sangue incluído?

    O que aflige as populações irredentas, que não querem simplesmente se redimir às decisões do governo Bolsonaro é que, como Caxias, Bolsonaro promete ser implacável. Em pronunciamento uma semana antes das eleições, o então candidato subiu o tom e disse que iria “varrer do mapa esses bandidos vermelhos”. O recado era direcionado ao PT e aos maiores movimentos sociais do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e o Movimentos dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

    Longe de ser apenas uma disputa por perspectivas de história sobre um personagem da nossa história, o debate, em toda sua complexidade, expõe um país rachado entre aqueles que acreditam — ou dizem acreditar — que haverá uma “pacificação” do Brasil através da espada e aqueles que não irão tolerar que, em nome de uma “pacificação”, um banho de sangue negro, pobre e indígena ocorra no país.

    Nesta semana, no Panteão de Caxias, as opiniões dos apressados pedestres variavam, é claro. Enquanto a maioria admitia não saber quem foi Caxias, os eleitores do Bolsonaro mantinham confiança no presidente eleito:

    — Eu sou mais linha dura, sabe? Acho que tem que botar ordem, assim como fez Caxias, como fizeram no regime militar e como Bolsonaro vai fazer.

    Outros, oposição a Bolsonaro, desconfiavam. Trocavam as épocas, mas sabiam o que queriam dizer.

    — O Bolsonaro é bicho muito ruim. Elogia torturadores da ditadura. Caxias é mais um! Não aceita grupos rivais! Sou contra!

  • Indígenas na mira

    Indígenas na mira

    Desde o golpe de 2016, tem aumentado a violência contra minorias, grupos étnicos e identitários. À deposição de Dilma Rousseff, com o subsequente desprestígio de pastas como Direitos Humanos, seguiu-se a campanha política do presidente eleito ameaçando diretamente os indígenas, quilombolas, negros, mulheres, LGBT+ e os ativistas que trabalham essas temáticas. Mesmo sem ainda ter assumido a presidência, essas ameaças já fazem vítimas nessas comunidades através de partidários, militantes e milicianos que incorporaram o discurso fascista. E a tendência é piorar, como mostram o recém lançado relatório do Conselho Indigenista Missionário – CIMI sobre o ano de 2017 e matéria da Empresa Brasileira de Comunicação, também com informações do CIMI, da última quarta-feira.

    Confira abaixo as matérias na íntegra:

    27/09/2018

    Relatório Cimi: violência contra os povos indígenas no Brasil tem aumento sistêmico e contínuo

    O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2017, publicado anualmente pelo Cimi, constata aumento em 14 dos 19 tipos de violência sistematizados; apropriação das terras indígenas é um dos principais vetores da violência

    (Relatório completo disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2018/09/Relatorio-violencia-contra-povos-indigenas_2017-Cimi.pdf)

    Houve um aumento no número de casos em 14 dos 19 tipos de violência sistematizados no Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2017, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).Em três tipos de violência foram registrados a mesma quantidade de casos que no ano anterior; e apenas em dois tipos de violência houve menos casos registrados que em 2016. No entanto, estes dois dados são parciais e podem ser maiores, conforme reconhece a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

    As informações sistematizadas evidenciam que continua dramática a quantidade de registros de suicídio (128 casos), assassinato (110 casos), mortalidade na infância (702 casos) e das violações relacionadas ao direito à terra tradicional e à proteção delas.

    “Esta edição do Relatório explicita uma realidade de absoluta insegurança jurídica no que tange aos direitos individuais e coletivos dos povos indígenas no país. Para piorar, os Três Poderes do Estado têm sido cúmplices da pressão sobre o território, que pretende permitir a exploração de seus recursos naturais, e resulta em violência nas aldeias”, explica Roberto Liebgott, coordenador do Regional Sul do Cimi e um dos organizadores da publicação.

    Ele complementa sua avaliação: “além disso, especialmente a bancada ruralista tem atuado no sentido de garantir todas as condições para que um novo processo de esbulho das terras tradicionais seja consolidado no país. Ou seja, através do estrangulamento das terras indígenas por diversos vetores, o que se pretende, de fato, é usurpar as terras dos povos originários deste país”.

    https://www.facebook.com/conselhoindigenistamissionario/videos/325042118074071/

    Neste sentido, chama atenção o consolidado aumento nos três tipos de “violência contra o patrimônio”, que formam o primeiro capítulo do Relatório: omissão e morosidade na regularização de terras (847 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (20 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (96 casos registrados).

    Observa-se um significativo aumento no que concerne às invasões; ao roubo de bens naturais, como madeira e minérios; caça e pesca ilegais; contaminação do solo e da água por agrotóxicos; e incêndios, dentre outras ações criminosas. No ano anterior, 2016, haviam sido registrados 59 casos – houve, portanto, um aumento de 62% em 2017.

    Além da violação dos direitos dos povos em relação ao usufruto exclusivo do seu território e dos bens nele contidos, estes crimes são agravados pelo fato de, recorrentemente, junto com eles também ocorrer intimidações, ameaças e, muitas vezes, ações físicas violentas contra os indígenas, como ataques às comunidades.

    Este é o caso do povo Karipuna, em Rondônia. Quase extintos na época dos primeiros contatos com a sociedade não indígena, nos anos de 1970, os Karipuna não podem caminhar livremente pelo seu território, homologado em 1998. Além do aprofundamento da invasão da Terra Indígena Karipuna desde 2015 para o roubo de madeira, a grilagem e o loteamento são outros crimes que vêm sendo, insistentemente, denunciados pelo povo aos órgãos do Estado brasileiro e até mesmo na Organização das Nações Unidas (ONU).

    O Cimi constatou que o governo do presidente Michel Temer não homologou nenhuma terra indígena em 2017. Este fato o coloca como o presidente com o pior desempenho neste quesito, ultrapassando em muito Dilma Rousseff – que era quem, com média anual de 5,25 homologações, ocupava a pior posição entre os presidentes do Brasil desde a retomada da democracia, em 1985. No ano passado, o Ministério da Justiça assinou apenas duas Portarias Declaratórias e a Fundação Nacional do Índio (Funai) identificou seis terras como sendo de ocupação tradicional indígena.

    Das 1.306 terras reivindicadas pelos povos indígenas no Brasil, um total de 847 terras (o que representa 64%) apresenta alguma pendência do Estado para a finalização do processo demarcatório e o registro como território tradicional indígena na Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Destas 847, um volume de 537 terras (63%) não teve ainda nenhuma providência adotada pelo Estado. Considerando que a Constituição Federal de 1988 determinou a demarcação de todas as terras indígenas do Brasil até 1993, fica evidente uma completa omissão do Executivo no cumprimento desta sua obrigação constitucional.

    Contra a pessoa

    Em relação à “violência contra a pessoa”, houve um agravamento da situação registrada em sete dos nove tipos avaliados: tentativa de assassinato (27 casos), homicídio culposo (19 casos), ameaça de morte (14), ameaças várias (18), lesões corporais dolosas (12), racismo e discriminação étnico cultural (18) e violência sexual (16). Em relação ao abuso de poder, houve o registro de 8 casos, mesma quantidade de 2016.

    Em 2017 foram registrados 110 casos de assassinato de indígenas, oito a menos que os registrados em 2016. Cabe ressaltar que a própria Sesai reconhece que este dado é parcial, já que ainda pode receber a notificação de novos assassinatos. Desse modo, fica evidente que a situação real em relação ao assassinato de indígenas pode ser ainda mais grave.

    Os três estados que tiveram o maior número de assassinatos registrados foram Roraima (33), Amazonas (28) e Mato Grosso do Sul (17). Estes dados fornecidos pela Sesai sobre “óbitos resultados de agressões” não permitem análises mais aprofundadas, já que não há informações sobre a faixa etária e o povo das vítimas e nem as circunstâncias destes assassinatos.

    Dentre os casos de violência contra a pessoa, destacamos o massacre ocorrido contra o povo Akroá-Gamella, no Maranhão, no dia 30 de abril de 2017, quando um grupo de aproximadamente 200 pessoas atacou severamente a comunidade indígena que vem, desde 2015, retomando áreas de seu território tradicional. No ataque, 22 Gamella foram feridos, sendo que dois deles foram baleados e outros dois tiveram suas mãos decepadas. Os outros Gamella sofreram severos golpes de facão, pedradas e pauladas.

    Apesar do ataque ter sido convocado através de um programa em uma rádio local e de carros de som nas ruas de municípios no entorno da área de ocupação dos Akroá-Gamella, os órgãos do Estado nada fizeram para evitar esta ação violenta. Indígenas afirmam que policiais teriam, inclusive, assistido a violência e culpado os Gamella pela situação.

    Devido ao processo de intensificação da luta pela terra ancestral, as lideranças deste povo vêm sendo ameaçadas e criminalizadas e a comunidade como um todo tem sido hostilizada e sofrido violências físicas e simbólicas em diversos lugares, como hospitais, onde não recebem atendimentos médicos, e escolas; além de terem suas lavouras incendiadas, dentre outras ações preconceituosas.

    Omissão do poder público

    Com base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi também obteve da Sesai dados parciais de suicídio e mortalidade indígena na infância. Dos 128 casos de suicídio registrados pela Sesai em 2017 em todo o país (22 a mais que em 2016), os estados que apresentaram as maiores ocorrências foram Amazonas (54 casos) e Mato Grosso do Sul (31 casos).

    Em relação à mortalidade de crianças de 0 a 5 anos, dos 702 casos registrados, 236 ocorreram no Amazonas, 107 no Mato Grosso e 103 em Roraima. Cabe ressaltar que, assim como os dados de assassinato, as informações da Sesai sobre os registros relativos a suicídio e mortalidade na infância são parciais e estão sujeitas a atualizações. Ou seja, estes dados podem ser ainda mais graves.

    Os registros do Cimi em relação à desassistência na área de saúde (42) e desassistência geral (42) em 2017 tiveram a mesma quantidade de casos que em 2016. Já em relação à morte por desassistência à saúde (8 casos), disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (10 casos) e desassistência na área de educação escolar indígena (41 casos) houve um aumento dos registros.

    O Relatório do Cimi traz ainda análises sobre a atual conjuntura política e sobre alguns temas específicos, como a ameaça ao futuro dos povos isolados (que evitam contato com a sociedade não indígena); a inconstitucionalidade do Parecer 001, da Advocacia-Geral da União – que, assim como o Marco Temporal, fundamenta as novas formas de esbulho possessório; o orçamento das políticas indigenistas; e a necessidade do Estado implementar reparações para os povos indígenas que sofreram, e continuam a sofrer, violência e violação de seus direitos, como é o caso dos Karipuna.

    Em seu artigo de apresentação do Relatório, o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, avalia que: “com Temer no comando do Executivo federal, os agressores se sentiram mais seguros para cometer seus crimes. A invasão e o esbulho possessório alastraram-se como pólvora sobre os territórios e ameaçam a sobrevivência de muitos povos, inclusive os isolados. Está claro que o Brasil foi tomado de assalto, feito refém de interesses privados da elite agrária, ‘agraciada’ com novas ‘capitanias hereditárias’, que são distribuídas em troca da morte dos povos que habitam os territórios”.

    Artigo original disponível em: https://cimi.org.br/2018/09/relatorio-cimi-violencia-contra-os-povos-indigenas-no-brasil-tem-aumento-sistemico-e-continuo/

     

    Comunidades indígenas denunciam ao menos quatro ataques em MS e PE

    Publicado em 30/10/2018 – 13:40

    Por Alex Rodrigues – Repórter da Agência Brasil Brasília

    Ao menos dois ataques intimidatórios a comunidades indígenas foram registrados, nos últimos dias, em Mato Grosso do Sul e em Pernambuco. Autoridades e a Fundação Nacional do Índio (Funai) confirmam o registro. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) informa ter recebido relatos de outras duas ações violentas em Mato Grosso do Sul. Os atos envolveram uso de armas de fogo, balas de borracha, além de atearem fogo a uma escola e um posto de saúde. Não há registros de mortes, mas de feridos.

    De acordo com os relatos, os ataques ocorreram entre a madrugada do último domingo (28) e esta segunda-feira (29). O caso mais violento, confirmado pela Funai, foi contra moradores da aldeia Bororó, uma das várias existentes no interior da Reserva Indígena Dourados. Localizada no perímetro urbano, a Reserva de Dourados é a área indígena de maior concentração populacional étnica do país, com cerca de 13 mil habitantes distribuídos por uma área de cerca de 3 mil hectares (cada hectare corresponde às medidas aproximadas de um campo de futebol oficial).

    Índios guarani-kaiowá da aldeia Bororó relataram a missionários do Cimi que, na madrugada do último domingo, foram surpreendidos pelo ataque de um grupo composto por índios de outras comunidades e não-índios. Os agressores se aproximaram da aldeia em caminhonetes e com um trator. Alguns deles dispararam contra o grupo. Além de pelo menos quatro feridos com balas de borracha, dois jovens foram atingidos por projéteis de armas de fogo. Uma das vítimas, que levou um tiro na perna, foi atendida no Hospital da Vida e já teve alta. Por medo, um outro indígena também baleado na perna não quis ser socorrido fora da aldeia e, de acordo com um missionário do Cimi, continuava com a bala alojada até a tarde de ontem.

    A secretaria estadual de Justiça e Segurança Pública informou que a Polícia Civil instaurou procedimento para apurar o caso, mas antecipou à Agência Brasil que “as informações preliminares dão conta de que houve um possível conflito entre indígenas”. No entanto, missionários do Cimi que pediram para não ter seus nomes divulgados por questões de segurança pessoal classificaram a manifestação como “precipitada”.

    “Ela [a secretaria] não leva em conta a complexidade da situação local, inclusive a situação de vulnerabilidade das comunidades que vivem na área e em seu entorno. Uma situação que obriga muitos índios a se sujeitarem a interesses maiores”, comentou um dos missionários do Cimi, lembrando que muitos índios trabalham para fazendeiros da região. Segundo os missionários, isso acontece porque o “confinamento” das comunidades em meio à área urbana e áreas de plantio as impede de desenvolver atividades tradicionais necessárias à manutenção de seu crescimento populacional.

    “Parte deste conflito interno se deve à grave situação local, uma situação de crise humanitária. Houve um ataque, pessoas foram baleadas e quem os atacou deve ser identificado e levado à Justiça. O risco é considerar isso única e exclusivamente como um conflito interno, como já aconteceu antes”, destacou um dos missionários, revelando que, há cerca de um mês, a mesma aldeia já tinha sido atacada. Parte das fotos que circularam nas redes sociais nas últimas horas são do ataque anterior, segundo este missionário.

    A Polícia Federal informou à Agência Brasil que foi acionada pela Polícia Militar estadual na manhã de segunda-feira, esteve no local do conflito, mas, até o momento, não localizou ninguém, nem foi procurada por nenhuma vítima ou testemunha.

    Posto de Saúde incendiado em comunidade de Jatobá (Pernambuco)

    “Bárbarie”

    Em Pernambuco, uma escola e um Posto de Saúde da Família de uma aldeia foram incendiados na madrugada de ontem. Os dois prédios públicos funcionavam na aldeia Bem Querer de Baixo, uma área de conflito entre índios e posseiros não-índios no interior da Terra Indígena dos Pankararus, localizada no município de Jatobá.

    Segundo a comunidade, o fogo destruiu documentos, equipamentos e comprometeu quase que integralmente a estrutura das duas construções. A equipe médica do posto de saúde fazia cerca de 500 atendimentos mensais. “Pouca coisa se salvou”, informam representantes da comunidade em uma página na internet, pedindo investigação e punição aos responsáveis. “O momento pede cautela e calma. As investigações estão acontecendo, o local foi isolado pela polícia e, em breve, teremos mais notícias.”

    Em nota, a prefeitura de Jatobá confirma que os prédios foram “praticamente 100% destruídos e o prejuízo é incalculável”. E acrescenta que o “ato de vandalismo criminoso” prejudica a toda a comunidade, “que ficará carente por vários meses, sem atendimento médico e escolar”. As polícias Militar e Civil foram acionadas e a Polícia Científica inspecionava a área no início da tarde.

    Intimidação

    Ainda de acordo com os missionários do Cimi, índios de outras duas comunidades de Mato Grosso do Sul denunciaram ter sido alvo de ações intimidatórias no fim de semana. Em Caarapó, no sudoeste do estado, os indígenas afirmam ter presenciado caminhonetes rondando a terra indígena com homens exibindo armas e gritando, o que os levou a acionar a Funai e o Cimi.

    A área de Caarapó reivindicada pelos indígenas está em disputa há anos. Em 2016, cerca de 300 índios ocuparam uma área de 490 hectares que afirmam ter pertencido aos seus antepassados. Dias depois, homens armados e encapuzados atacaram o local e incendiaram todos os pertences indígenas. Um índio morreu, cinco foram baleados e ao menos outros seis foram feridos. Procurada, a Funai informou não ter registro do ataque.

    O segundo caso divulgado pelo Cimi teria ocorrido em Miranda, na aldeia Passarinho, uma das existentes no interior da Terra Indígena Pilad Rebua. A Funai também disse não ter sido comunicada a respeito.

    Edição: Denise Griesinger
  • Do Lamento ao Movimento

    Do Lamento ao Movimento

    Artigo de Alfredina Nery e Cecília Figueira

     

    “(…) Uma flor nasceu na rua! (…) Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio” (Drummond em Antologia Poética. 12ª edição. RJ: J. Olympio, 1978, p.14 a 16 )

     

    O impedimento da presidente eleita democraticamente, Dilma Rousseff, fez parte de um golpe em 2016, que vinha se desenhando, há mais tempo. O golpe resultou em perdas de conquistas trabalhistas fundamentais, em extinção de verbas para as políticas públicas, em desmandos autoritários que contou com a aliança entre executivo, legislativo, judiciário e mídia tradicional, enfim um verdadeiro desmonte do país.

    Para o enfrentamento de tal situação, a despeito de alguns acreditarem que o “povo estava inerte”, pessoas, grupos, coletivos do campo progressista, muitos com histórias de militâncias variadas, criaram os mais diferentes espaços de luta e de resistência, pelo Brasil afora.

    O “Flores pela Democracia” foi constituído neste contexto a partir de uma preocupação do grupo com a necessidade de  uma mudança de ação política e de linguagem com a população. Para quê, o que e como falar com as pessoas que transitam pela cidade grande sobre o que está acontecendo no nosso país?

    Nossa ação busca contatos com a população, em locais públicos de grande afluência de pessoas, como entradas e saídas de metrôs, praças e em atos e manifestações de movimentos sociais, partidos progressistas que denunciam e resistem contra o golpe.

    A intencionalidade do ato se traduz num olho no olho, numa escuta interessada sobre o que as pessoas têm a dizer e nós também, tendo as flores com gravetos e papel crepom, vermelhas e brancas, preferencialmente, como panfletos de abordagem e da ideia de “se fazer junto”, no tempo curto dos passantes.

    Alguns acabam por entrar no coletivo por se identificarem com a proposta, percebendo a diferença entre “fazer flor como artesanato” e “fazer flor como ato político” num contexto de luta pela democracia brasileira em que a resistência, tanto faz crítica como anuncia possibilidades necessárias da participação popular, para constituir um país democrático, de direitos para todos.

    Assim, nos atos do “Flores pela Democracia”, panfletos em linguagem simples e explicativos da conjuntura que estamos vivendo e flores são distribuídas e confeccionadas, tanto pelas integrantes do coletivo, quanto pelos participantes que aceitam o convite e disponibilizam-se a aprender, a conversar sobre o papel da política na vida e na atualidade brasileira, especialmente.  Um tema que está sempre presente nestas conversas e na panfletagem que diz respeito às diferenças entre o Brasil de antes e depois do golpe e como cada um de nós está vivendo. Um grande mote das conversas é a questão da prisão do ex-presidente Lula e da luta pela sua liberdade, por ser injusta e arbitrária, uma vez que seus governos foram os que mais trabalharam pela diminuição das desigualdades sociais, econômicas e educacionais no país, além de sua liderança política nacional e internacionalmente.  LULA LIVRE!!!!!

    Outra questão que tem sido abordada é a importância de não abrirmos mão de nossas conquistas e de nossa esperança! Especialmente nestes tempos que antecedem as eleições, a importância do voto consciente para cargos do executivo e do legislativo. Não votar em candidatos que defendem as reformas do Temer, ver de que lado estão, o que defendem. Defendem a democracia, os direitos e conquistas dos trabalhadores, um país digno e justo para todos e soberano?

    Realizamos ações com coletivos Resistência na Cultura, Quarteirão da Saúde, Linhas de Sampa e outros. Em cada ato político novas adesões e simpatias. Novos ramos de “Flores pela Democracia e por Lula Livre” surgiram no Rio de Janeiro e em Brasília. Segundo uma nova participante “nossa ação política está sendo bem sucedida, pois é uma forma delicada e respeitosa de lutar pela democracia em contraposição à simples distribuição de panfletos e falas que, muitas vezes, podem ser invasivas e de mão única. A flor representa um gesto empático, um ponto positivo para o sucesso da nossa empreitada”.

    Nossa ação desperta reações diversas: negação de conversa e de receber a flor, alguns expressam agressividade, muitos se sentem acolhidos e identificados em seu grito calado por tudo que estamos passando.

    Sempre buscamos um jeito de “cavar” espaços. O coletivo “Flores pela Democracia” é uma das formas de sairmos do “Lamento para o Movimento”. A conjuntura exige acionarmos nossa criatividade, reacender nosso compromisso político de transformação do país, acionar o nosso motor da militância política indignada com todos os retrocessos e injustiças que estamos vivendo.

  • Celebração 56 anos da morte de João Pedro Teixeira

    Celebração 56 anos da morte de João Pedro Teixeira

     

    Segundo Genaro Ieno, no último sábado dia 07 de abril à tarde, no Memorial das Ligas e Lutas Camponesas da Paraíba, na comunidade Barra de Antas, Sapé, Paraíba. Celebração pelos mártires da luta pela terra, no 56 anos do assassinato de João Pedro Teixeira, o Cabra Marcado para Morrer. No enterro de João Pedro Teixeira, em 1962, Raimundo Asfora, deputado estadual na PB, falou: “Não estamos enterrando este homem. O estamos plantando. Assim foi.

     

     

     

    Elizabeth Teixeira, companheira de João Pedro, mulher em destaque na foto acima, está com 94 anos. Mulher marcada para viver.

    Hoje prenderam Lula. Haveremos de semeá-lo. Assim será.