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  • MTST vai ocupar a Câmara de São Paulo

    MTST vai ocupar a Câmara de São Paulo

    O MTST (Movimento Trabalhadores Sem Teto) se propõe a mais uma ocupação de peso em São Paulo, mas desta vez sem lonas, buscando uma construção coletiva para a câmara municipal da maior cidade do país. A chapa, formada por três mulheres negras do movimento, é um dos maiores desafios lançados depois de o coordenador nacional do movimento, Guilherme Boulos, ter saído pelo PSOL para a presidência, em 2018.

    Débora Pereira, Jussara Basso e Tuca (Valdirene Cardoso) formarão a chapa que vai ser lançada pelo PSOL. O anúncio de que pretendem concorrer aconteceu no Teatro Oficina, região central de São Paulo, no dia 11 de dezembro de 2019, e contou com a presença de Guilherme Boulos e Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL, entre outros.

    As três candidatas coordenam ocupações em diferentes regiões da cidade e, com isso, buscam trazer experiências de cada um desses espaços das “periferias de São Paulo que são, quase, municípios diferentes” e que, distantes e diversos, compõem a cidade. Cada uma trilhou um caminho diferente, mas chegaram até o MTST buscando encontrar sua casa. Ao que parece encontraram mais do que isso, como espaço para falar e serem ouvidas “nesse movimento que empodera mulheres”.

    Na cidade que tem hoje uma câmara municipal com 9 vereadoras entre 55 cadeiras, a chapa coletiva tem conceito similar à chapa coletiva estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo, (Alesp), a Bancada Ativista, formada hoje por vinte uma pessoas. A novidade da chapa proposta pelo MTST é que Débora, Jussara e Tuca são do movimento e buscam trazer “aquilo que a gente aprendeu dentro do MTST, todas as nossas lutas, é o que vamos procurar garantir para nosso povo. Não só o povo do MTST, como todo o povo comum, que luta. Todo o povo periférico, trabalhador”.

    A câmara tem sido, desde o começo dos mandatos atuais, em 2016, um espaço de forte apoio para o prefeito Bruno Covas (PSDB), que no final de 2018 conseguiu aprovar a reforma da previdência no município e tem visto diversos projetos seus aprovados  Dos 55 vereadores apenas nove são do PT e dois do PSOL.

     

    Quem são

    MTST vai ocupar a Câmara de São Paulo
    Débora Pereira durante ato no Teatro Oficina
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    DÉBORA

    “Meu primeiro contato com MTST foi em 2007. Em uma ocupação perto da casa dos meus pais, em uma região construída com mutirão. Meu pai foi ver como se organizava e depois de conhecer fiquei um tempo, mas depois me afastei. Já em 2012 eu resolvi entrar no movimento para fazer minha luta por moradia, na ocupação Novo Pinheirinho do Embu, que levou o nome por conta do massacre que aconteceu no despejo violento do Pinheirinho original, em São José dos Campos. Eu fui somente como acampada, na época eu trabalhava no E.C. Banespa como cozinheira e à noite eu fazia minha faculdade. Nessa ocupação, eu queria ser coordenadora, mas as condições não permitiram, porque tinha meu filho e as questões da faculdade. E algo me encantou muito nessa ocupação: eram as mulheres que tocavam, mulheres que cumpriam o papel da coordenação, mulheres que faziam assembleia. Eu fui com objetivo da moradia, mas fazíamos lutas diversas: lutávamos por vaga na creche para crianças da região, por melhoria de transporte e por melhoria de saúde. Isso me instigou, chamou minha atenção. Em todas as lutas que a gente foi, nessa ocupação, a gente saiu com alguma conquista, resultado. Isso me encantou no MTST. Eu queria muito, muito mesmo, entender direito o movimento. Em 2013 terminei minha faculdade e a gente foi ajudar uma galera em outra ocupação, na região do Campo Limpo, a ocupação Dona Deda. E decidi que queria ser coordenadora, nesse movimento que empodera mulheres. Antes de conhecer o MTST eu não falava, era travada. A gente vive numa sociedade que fala ‘lugar de voz, lugar de liderança, não é de mulher’ e nas rodas de conversa nas ocupações sempre o movimento empoderava isso. Hoje eu organizo a ocupação Marielle Vive, na zona norte. Essa ocupação é um grande orgulho, foi o povo que escolheu esse nome, já que a ocupação aconteceu pouco tempo depois da morte da Marielle e todo mundo estava muito revoltado. Escolhemos o nome porque Marielle seria o exemplo da luta para a gente. Uma mulher, mulher negra, que veio da periferia e lutava pela periferia. Que denunciava o genocídio, o massacre do povo negro. O povo todo clamou para que o nome fosse Marielle Vive, pra que a gente não deixasse cair no esquecimento a luta dela e que a ocupação fosse uma semente de Marielle.”

    Jussara Basso durante ato no Teatro Oficina
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    JUSSARA

    “Entrei no movimento buscando minha moradia, em 2012, na ocupação Novo Pinheirinho de Embu das Artes. E identifiquei com as propostas políticas do MTST e estou até hoje. Acho que o que me seduziu a permanecer foi essa construção coletiva, essa ideia de você fazer parte de algo muito maior do que você mesmo.”

    Tuca durante ato no Teatro Oficina
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    TUCA

    “Tenho 46 anos. Nasci em São Paulo. Sou de uma família de sete irmãos, comigo. Filhos de pais mineiros. Conheci o MTST em 2014 quando se instalou aqui em Itaquera a [ocupação] Copa do Povo. Em 2014 tivemos a conquista do terreno e lutamos ate hoje para a conquista da obra. Em 2 de junho de 2015 foi fundada a ocupação Dandara dos Palmares, no Jd Alto Alegre. Nisso fui até lá com companheiros e passamos a tocar aquela ocupação. Que já tem o empreendimento pronto, para ser entregue no próximo ano. Para 216 famílias.”

    O que é a mandata do MTST?

    Tuca: “Tudo aquilo que a gente aprendeu dentro do MTST, todas as nossas lutas, é o que vamos procurara garantir para nosso povo. Não só o povo do MTST, como todo o povo comum, que luta. Todo o povo periférico, trabalhador. É o que a gente pretende buscar, fazer a mudança, dentro da câmara. Ocupando a câmara enquanto mulheres. MTST ocupando. Mostrar o valor que nós mulheres temos, nós do MTST, nós que lutamos. Até onde podemos chegar e revolucionar em cima disso tudo. É um mandato coletivo de mulheres, pra isso mesmo. A câmara não foi feita para as pessoas ficarem lá. Se aposentarem lá dentro, ocupando a bancada, sem ao menos darem os nossos direitos. Chegou a hora de a gente chegar lá e fazer essa mudança, com o mandato coletivo de mulheres. Estamos lá para ocupar, não para ocupar por um espaço de tempo indeterminado, mas sim pra fazer a mudança e renovação.”

    Jussara: “A principal ideia, principal bandeira, é a representatividade. A gente tem apenas nove mulheres vereadoras hoje na câmara. Nenhuma delas é negra. A principal experiência que surge de tudo isso é que nós três atuamos na construção coletiva. Na desconstrução dessa cultura de colocar a mulher em segundo plano na sociedade. A experiência de luta do MTST traz esse sentido do coletivo, da construção da unidade. Da solidariedade. O dialogar com a quebrada e saber o que rola e quais são as mazelas. Aquilo que dói na pele de quem mora do lado de cá. Isso é uma característica muito nova e principal. E retomar o trabalho de base, que foi abandonado por uma parte da esquerda, que é você estar nas bases, estar com as bases e, a partir disso, construir propostas de políticas que atendam reinvindicações que estão esquecidas. Você anda na quebrada e vê a falta de segurança e aqueles que deveriam garanti-la são os primeiros a oprimir, violentar e assassinar jovens. Você anda na quebrada e vê a falta de saneamento básico, de iluminação, de lazer, de cultura. Vê que a saúde pública está cada vez mais sucateada. Vê que as pessoas estão se virando como podem pra gerar renda para suas casas e que não existe uma política que realmente incentive isso. Tem muita coisa para fazer. Muita coisa. E ouvir as pessoas vai trazer elementos para a construção de políticas públicas muito efetivas e potentes. Eu acredito que, sinceramente, ocupar a câmara vem no sentido de ocupar a política com consciência. Consciência social – é isso que significa. Imagino que seja muito necessário que, no debate eleitoral de 2020, a gente traga muita qualidade a discussão sobre esse avanço neoliberal, que vem retirando direitos. E esse avanço de uma direita radical que persegue o pobre, o preto, o favelado, a mulher, o homossexual. A gente precisa ser a resistência dentro dos espaços institucionais. É um grande desafio, sem dúvida, mas acho que tudo que a gente construiu até aqui, enquanto MTST, vai ser uma ferramenta importante pra dentro da instituição.”

    Débora: “O que as pessoas podem esperar é que haverá vereadoras que, de fato, vão representar os seus interesses. A gente sabe que a luta não vai ser fácil, mas estando lá dentro vamos dar voz ao povo da periferia, vamos pontuar as dificuldades e trazer melhorias para a periferia, porque na maioria das vezes grande partes dos políticos que estão lá, não estão para representar o interesse da maioria do povo da periferia. Estão lá para representar interesses individuais ou de uma minoria. Se a gente chegar lá, com certeza, na câmara vai ter voz da periferia. Vai ter voz dos sem teto. Vai ter voz das mulheres. Vai ter voz do povo negro.”

    Projetos

    Débora: “Existem questões que são diferentes e outras que são iguais. As questões da violência policial contra a periferia e de falta de creche são iguais. Mas, conversando entre nós três, percebemos que outras questões manifestam-se de forma diferente. Por exemplo. Na zona leste e norte temos um problema sobre algumas escolas que estão sendo fechadas por conta do argumento de não ter demanda e a gente que mora na região sabe que tem muita demanda. Muitas pessoas que tinham escola do lado de sua casa estão tendo que procurar escola em lugares mais distantes, por conta do fechamento. Outra coisa que é muito forte na zona norte é a questão da saúde, da falta de médicos ou cada dia um médico diferente, além de remédios faltando, da falta de saúde voltada para mulher ou conseguir consultas especializadas. A infraestrutura também é outra falta grave. Na sul, a Ju pode comentar melhor, a questão muito forte na luta da mobilidade e o trânsito para chegar ao centro. Não é que na Norte não exista essa luta, mas sem tanta força. E na Leste, pelo que já escutei da Tu, tem muito da questão da saúde e fechamento de escola. O legal de serem três regiões diferentes é que as lutas que têm em comum a gente pode pegar as experiências de uma região para a gente tentar aprender e nos fortalecer. Ver que a gente vive numa mesma cidade, com regiões diferentes e vários problemas diferentes.”

    Tuca: “O contraponto agora é o olhar da periferia, trazendo as pautas da periferia pra cidade. Como a da saúde, educação, transporte e segurança. Esse é nosso ponto de vista, trazer as pautas periféricas enquanto MTST.”

    Jussara: “Existe uma diversidade nas periferias de São Paulo que são, quase, municípios diferentes. Não dá pra você pautar a periferia de São Paulo, sem singularidade. É muito diferente. As pautas de reivindicações basicamente são as mesmas. Mas as pautas prioritárias dessas regiões diferem. Se pegamos o extremo sul, já mais pro Jd Ângela, é muito forte o debate sobre a mobilidade urbana, lá tem um afunilamento do trânsito local, na estrada do M’Boi Mirim que liga, inclusive, as cidades da região metropolitana (Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra) ao município de São Paulo e a região central. Por outro lado, é uma região extremamente populosa, com a necessidade de transporte público muito grande o que causa problemas gravíssimos. São debates muito antigos, como a duplicação da M’Boi e as remoções necessárias para essa duplicação, já que famílias inteiras vão perder suas casas e precisam ser indenizadas. Outro debate antigo, como o Metrô JD Angela, e as remoções necessárias para a ampliação necessária da linha Lilás do Metrô. E se você for para a zona leste o debate é muito grande sobre os fechamentos dos cursos noturnos das escolas. Houve uma mobilização muito grande dos estudantes, nesse sentido. Lá também é crescente a discussão sobre saúde pública, sendo uma região superpopulosa. Já na região norte você tem outras caraterísticas de debate, que também traz as suas prioridades mais locais. As companheiras vão poder trazer elementos que eu não tenho acúmulo suficiente. Mas você percebe que existe essa diversidade e mesmo aqui na sul, onde moro, você tem três extremos (Grajaú, Jd Angela e Macedônia, que está no limite da cidade, o que traz mais carências porque o poder público não alcança os limites municipais). A cidade de São Paulo tem uma diversidade de debates e necessidades muito grande e de prioridades. A gente precisa trazer essa pluralidade para dentro do institucional. Os vereadores, os políticos de carreira, essas pessoas que estão sentadas há décadas na cadeira do poder público, elegem a sua região, seu curral eleitoral, e ali eles fazem políticas de acordo com seu eleitorado, mas sem atender toda a população local. E só se pautam no período eleitoral, depois esquecem. Outra questão é o orçamento que vem das emendas parlamentares e muitas vezes é destinada para um grupo específico e não atende a população. Precisamos, realmente, democratizar a política. Para além da candidatura do companheiro Guilherme Boulos, ano passado, essa nova candidatura, esse novo período eleitoral traz pra nós a possibilidade de trazer pra pessoas, claramente, o que é o cargo, quais são as competências do cargo.”

    Como vai ser a pauta da moradia e a relação com o MTST?

    Tuca: “Isso vai depender de nós mesmos, MTST, enquanto ocupação lá dentro da câmara. Tudo vai depender de nós. A influência vai ser muito forte e positiva. Vai fortalecer mais ainda os movimentos sociais, não só o MTST. Estaremos lá por todos.”

    Débora: “No nosso programa político uma das pautas principais vai ser a questão da moradia. A gente está vivendo uma situação em que não existem mais políticas habitacionais. O foco na nossa mandata vai ser a questão de moradia”

    Jussara: “O município lançou agora uma proposta de COHAB faixa 1, que vai seguir os mesmos métodos do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), no sentido de produzir habitação no município. Uma grande questão é pautar as leis de zoneamento, como temos áreas municipais que podem se tornar ZEIS [Zonas Especiais de Interesse Social], que podem atender a moradia popular. Existem famílias cadastradas há mais de trinta anos e nunca foram atendidas. Você precisa produzir habitação de acordo com o déficit. Também a questão do número de imóveis na cidade que permanecem vazios e precisam ser discutidos – de que forma a gente consegue estabelecer políticas públicas de combate à especulação imobiliária para que tenha casa para quem precisa de casa? A população de baixa renda precisa acessar os espaços centrais da cidade. Entrar na discussão do direito à cidade é de extrema importância. O exemplo do que aconteceu em Paraisópolis, aquilo que aconteceu com aqueles jovens, está ligado a essa ausência de acesso. Um transporte caro que as pessoas não conseguem acessar a cultura, o lazer, que estão mais presentes na região central. Assim procuram da forma que podem morar, se divertir, estudar, trabalhar. Essa mandata não pode e não vai ser um mecanismo exclusivo do MTST, mas sim um mecanismo de discussão de todas as políticas necessárias para atender todas as pessoas que precisam de políticas sociais. É de fundamental importância que a gente tenha interlocução com diversos movimentos, com diversos personagens que atuam no sentido de trazer mais direitos para as pessoas.”

    As futuras candidatas durante ato no Teatro Oficina
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
  • Justiça de São Paulo concede liberdade a Carmen Silva

    Justiça de São Paulo concede liberdade a Carmen Silva

    O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concedeu, nessa quinta (3), habeas corpus para a coordenadora do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), Carmen Silva Ferreira. Carmen teve sua prisão decretada em 6 de agosto. A decisão estabelece, também, algumas medidas cautelares alternativas à prisão.

    Para Francisco Queiroz, advogado de Carmen, “é uma importante vitória neste percurso que será trilhado para provar a inocência de Carmen”.

    Preta Ferreira e Sidney Ferreira, também do MSTC, seguem encarcerados há mais de cem dias, em razão do mesmo processo. Os advogados de deles aguardam o julgamento do habeas corpus e esperam, também, um resultado favorável.

    Entenda o caso

    Em 11 de julho de 2019, o Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou 19 integrantes de diferentes movimentos de luta por moradia. Na denúncia, assinada pelo promotor de Justiça criminal Cassio Roberto Conserino, o grupo é acusado de associação criminosa e extorsão.

    Quinze dias antes, em 24 junho, quatro dos indiciados foram presos provisoriamente. Sidney Ferreira e Preta Ferreira, do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), e Edinalva Silva Ferreira e Angélica dos Santos Lima, do Movimento de Moradia Para Todos (MMPT). Quatro dias depois, as prisões foram convertidas para preventivas (por tempo indeterminado).

    O inquérito é um desdobramento da investigação do desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, em maio de 2018. O prédio era ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) e abrigava aproximadamente 150 famílias. Nenhum dos ativistas detidos em junho deste ano tem relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados pelos movimentos de moradia prestaram auxílio às famílias desabrigadas.

    A denúncia

    A denúncia apresentada pelo Ministério Público, com base no inquérito policial, aponta o recebimento de uma carta denúncia como motivação inicial da investigação. O site Jornalistas Livres revelou que o documento era cópia de texto que circulava em redes de extrema direita, sem qualquer correlação com moradores de ocupações.

    Em 6 de agosto, a juíza Erika Soares de Azevedo Mascarenhas, da 6ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, acolheu a denúncia do Ministério Público e fez novos pedidos de prisão preventiva para outras nove pessoas, dentre elas Liliane Ferreira, Adriana Ferreira e Carmen Silva, todas do MSTC.

    Tomando por verdade frágeis testemunhos colhidos durante o inquérito e usando expressões como “ganância desvairada”, “ambição desmedida” e ”egoísmo excessivo”, a juíza acredita haver um conluio de movimentos, a que chama de “poder paralelo”, com o objetivo de extorquir a população.

    Foi constituída uma equipe de defesa para atuar em favor dos integrantes do MSTC. Os advogados Augusto Arruda Botelho, Allyne Andrade e Silva e Beto Vasconcelos cuidam da defesa de Preta Ferreira. Liliane Ferreira e Adriana Ferreira serão defendidas pelos advogados Pierpaolo Cruz Bottini, Igor Sant’Anna Tamasauskas e Tiago Sousa Rocha. Amanda Santos Cayres cuidará do caso de Sidney Ferreira. Theo Dias e Francisco Queiroz advogam por Carmen Silva.

     

  • Quem é Carmen Silva, a líder dos sem-teto que a (in)Justiça quer prender

    Quem é Carmen Silva, a líder dos sem-teto que a (in)Justiça quer prender

    Por Patrícia Zaidan e Martha Raquel, especial para os Jornalistas Livres

     

    Quem desconfia de Carmen Silva Ferreira  – baiana, 59 anos, mãe de 8 filhos, retirante que dormiu nas ruas de São Paulo no início dos anos 1990 e tornou-se líder do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC) – pode entender melhor esta mulher ouvindo personalidades importantes que a viram transitando no Congresso Nacional, em gabinetes de juízes, prefeitos e governadores, falando em audiências públicas, universidades, unidades do Sesc…

    Ela é conhecida por levar reivindicações e apresentar soluções criativas em todos os lugares onde são tomadas decisões que afetam o povo sem endereço e sem visibilidade. Para além da injusta e desnecessária decretação de sua prisão, em 24 de junho, sob acusações de extorsão e envolvimento com bando criminoso, Carmen, como explicam os entrevistados desta reportagem, é uma brasileira rara e imprescindível para a sociedade. Já ganhou inúmeros prêmios, entre eles o da Federação Nacional de Arquitetos e Urbanistas (pela petulância em devolver vida a prédios abandonados no coração da capital paulista); o de melhor atriz, por Era O Hotel Cambridge, dirigido por Eliane Caffé, que conta a história da ocupação do hotel dos anos 1950, o Prêmio APCA e mais outros nos festivais do Rio de Janeiro, San Sebastián e Rotterdam.

    Mas o melhor de Carmen, dizem os 16 especialistas ouvidos pelos Jornalistas Livres, está na audaciosa metodologia que desenvolveu para reduzir o déficit habitacional da cidade e gerir ocupações. Uma delas, a Ocupação 9 de Julho, serve também de palco para o exercício da cidadania e a discussão da democracia – considerando que democracia só pode existir a partir de uma cidade oxigenada e em equilíbrio, pois é nela que as pessoas pulsam, se expressam e se organizam.

    Carmen sabe que há muito a fazer até zerar a demanda de quase 1 milhão de cidadãos em busca de 358 mil lares na capital. A conta poderia fechar mais rapidamente se no centro expandido, por exemplo, fossem aproveitados os 700 imóveis privados que se deterioram e devem IPTU há décadas, e as centenas de prédios da União, do Estado e do Município igualmente imundos, sob risco de ruir e descumprindo a “função social da propriedade”, conforme exigência da própria Constituição Brasileira. A baiana já tirou quase 3 mil pessoas de moradias subnormais e dos baixos de viadutos, promovendo ao mesmo tempo inclusão social, bem-estar, acesso à saúde, cultura, escola… São ações que, ao final, têm impactado positivamente o cotidiano da cidade inteira.

    Mas seus atos também incomodam. Ao prenderem de forma ilegal dois filhos de Carmen (a cantora e produtora cultural Preta Ferreira e o educador Sidney Ferreira, que tiveram o pedido de Habeas Corpus negado e seguem presos há 13 dias), o que queriam, na verdade, era atingir a líder. Perseguida no inquérito policial que repete denúncias infundadas, das quais foi inocentada no ano passado, ela não está sozinha. Neste grave momento, 16 pessoas de destaque na sociedade, com quem Carmen construiu relações de respeito e fraternidade, falam também do seu caráter e do seu empenho pessoal. O que eles revelam:

     

     

    Amigos descrevem Carmen Silva Ferreira
    Fernando Chucre

    Fernando Chucre, secretário municipal de Urbanismo e Licenciamento da gestão Bruno Covas e ex-secretário de Habitação da administração João Dória:

    “Nos últimos meses, há um grande esforço da prefeitura para requalificar a área central de São Paulo. Existem projetos estratégicos; entre eles os de habitação são essenciais. Levar famílias para viver ali, onde tem inúmeras atividades de dia e nada à noite, talvez seja o mais relevante para a requalificação. Outra observação: no centro estão os empregos. Fazer casas nas extremidades da cidade pode ser mais barato, mas não inclui o custo com escolas, saúde e transporte. E o cidadão tem que gastar duas horas para chegar ao trabalho e duas para voltar. Há terrenos desocupados e inúmeros prédios não utilizados que deveriam ser destinados à moradia de 350 mil pessoas.

    Ao assumir a Habitação, chamei os movimentos para conhecer as demandas, ver o que podia e o que não podia ser feito. Conheci Carmen Silva neste momento. Continuamente, ela fazia a defesa das pautas da habitação. É uma mulher extremamente segura e envolvida com o movimento que administra. No incêndio do prédio Wilton Paes, no Paissandu [em 1º de maio de 2018], a prefeitura montou um grupo de mediação de conflitos e visitou todas as ocupações [no centro há cerca de 70 prédios habitados por 4 mil famílias. O Wilton Paes pertencia à União e esteve abandonado por 17 anos até ser ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), que não mantém nenhuma proximidade e nada tem a ver com o MSTC de Carmen, como ela já declarou algumas vezes]. Entre os mediadores, atuavam técnicos da prefeitura em segurança, assistência social, saúde, além de acadêmicos e representantes dos moradores. Eles encontraram diferentes situações: havia lideranças que tinham compromisso e alguma articulação para moradia definitiva, entre os quais Carmen se destacava. Havia também casos de polícia.

    O movimento de Carmen conseguiu o retrofit [reforma de imóvel antigo] para o Hotel Cambridge [com financiamento da Caixa Econômica Federal, dentro do programa Minha Casa Minha Vida-Entidades, a obra segue sob severas e constantes fiscalizações do poder público. Com Carmen sempre à frente]. O empreendimento deve ficar pronto em breve. Eu tenho muito respeito por ela.

     

    Amigos descrevem Carmen Silva Ferreira
    José Armênio de Brito Cruz

    José Armênio de Brito Cruz, presidente da SP Urbanismo, empresa de administração indireta da prefeitura paulistana:

    “Podemos não fazer a mesma ação. Mas Carmen e eu estamos caminhando com objetivos iguais, na mesma direção. Na primeira vez que nos vimos, eu presidia o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). O Cambridge começava a se institucionalizar. Carmen dedica a vida a isso, com atitude republicana na organização dos que precisam de uma casa – no Brasil são 6 milhões de famílias nessa situação. Ela transitou muito bem em todas as administrações municipais nas últimas décadas. Tem uma visão bastante madura, enfrenta o problema de moradia sem viés político. Há líderes que colocam siglas partidárias acima da reivindicação. Carmen não gera demandas de infraestrutura e defende a ideia de que a cidade fica melhor estruturada com todos morando onde os equipamentos públicos já funcionam. Essa idéia é muito mais inteligente do que ocupar uma área rural e tentar colocar lá o que as pessoas precisam para sobreviver. São Paulo tem, em média, 100 habitantes por hectare; Paris, 275. É um assunto de economia urbana, de diversidade populacional e de otimização dos recursos disponíveis. Carmen enxerga isso e contribui para atingir esse planejamento urbano tão necessário.”

     

    Amigos descrevem Carmen Silva Ferreira
    Philip Yang

    Philip Yang, fundador do Instituto Urbem, empresário do setor de petróleo, gás, mineração e energia, mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School, serviu como diplomata brasileiro em Genebra, Pequim e Washington:

    “Eu dava uma palestra no Insper [instituto de ensino e pesquisa, com cursos de graduação, pós-graduação e educação executiva] quando notei Carmen na sala. Ela daria uma aula depois da minha, e disse que havia chegado mais cedo para me ouvir. Eu fiquei para assistir à aula dela, e aceitei o convite para conhecer a Ocupação 9 de Julho. É preciso separar o que é legítimo do ilegítimo. Com este propósito, eu já andava visitando ocupações. Carmen atua numa lacuna da sociedade, em um modelo parecido com o da Enterprise Community [organismo sem fins lucrativos sediado em Columbia, Maryland, que constrói habitações acessíveis nos Estados Unidos para famílias de baixa renda]. Essa organização tem um braço de financiamento e outro de gestão – algo que as empresas sociais brasileiras ainda não conseguiram, e que Carmen maneja muito bem. Ela vem desenvolvendo uma metodologia que não tem paralelo na cadeia econômica do país. Seu sucesso está baseado na busca de financiamento, gestão territorial, predial e de pessoas. Ela ainda responde pela administração comunitária da obra de recuperação do imóvel. Botar na cadeia pessoas como Carmen é um retrocesso enorme na construção dessa metodologia que não está presente em nenhuma organização brasileira. Trata-se de um trabalho de enorme distância de outros que praticam extorsão, traficam drogas, cometem delitos graves. Criminalizar, prender movimentos como o dela é jogar fora a água suja com o bebê junto.”

     

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    Cássia Naves Fellet

    Cássia Maria Andreucci Naves Fellet, psicanalista, pesquisadora do Instituto de Estudos Brasileiros, da USP, trabalha em uma tese de mestrado sobre saúde mental nas ocupações organizadas:

    “Eu me apresentei a ela como pesquisadora. Imediatamente Carmen afirmou que as assembleias do movimento eram às quintas, deu o endereço, e disse que eu fosse também participar da reunião da coordenação, às segundas. Nunca havia me visto. Podia não querer que um profissional estranho observasse o seu trabalho. Mas tem uma percepção rápida das coisas e muita sagacidade. Carmen não fez uma universidade, porém intui a resposta possível em contextos difíceis. Sua resposta a eles é sempre no sentido de fazer render proveito e benefícios para o coletivo. Ela tem uma ambição grande, de levar junto as pessoas que, com ela, sobreviveram à situação de vida precária. Com sua capacidade, podia estar trabalhando em qualquer tipo de negócio, dirigindo uma empresa na iniciativa privada. Gosta de aprender com quem ela se relaciona. Usa muito bem sua prodigiosa memória e seu raciocínio em conversas com autoridades. Por isso não as teme. Filha de um militar, muito disciplinada e obstinada, conseguiu fazer sua trajetória apesar dos dramas. Enfrentou a opressão do pai e do marido possessivo, sofreu muito ao deixar os filhos na Bahia até o dia que conseguiu trazer todos para São Paulo. Por tudo isso, percebe rápido as brechas que aparecem. Entra por elas e decide logo para onde seguir. Poderia ter ficado mais fechada e protegida pelo pessoal do movimento, mas sabe que não deve nada a ninguém. Ao contrário, é a sociedade que deve a ela. Por isso é arrojada, não se intimida nem se põe submissa a nenhuma personalidade que esteja no poder. Está muito consciente da dívida que a história tem com ela e com as outras pessoas de origem semelhante.”

     

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    Paulo Tavares

    Paulo Tavares, co-curador da Bienal de Arquitetura de Chicago:

    “Convidamos Carmen para mostrar na Bienal de Chicago [a maior exposição de arquitetura das Américas, que acontece em setembro] como funciona a Ocupação 9 de Julho. Ela estará entre acadêmicos de relevância internacional. A escolha ocorreu depois que estivemos em São Paulo, em 2018, com o objetivo de pesquisar e definir o que levar à mostra. Fizemos um workshop na Ocupação e notamos que se tratava de uma das experiências contemporâneas mais significativas de habitação social e reforma urbana inclusiva. Não só no Brasil, mas no mundo. Isso pesou para que nossa equipe curatorial incluísse o MSTC como participante, e ele terá lá um pavilhão. Na ocupação estão 121 famílias, cerca de 400 pessoas morando de forma adequada, com serviços educacionais, oficinas de artesanato e capacitação profissional. Carmen é uma das entrevistadas no livro que lançaremos pela editora da Universidade de Columbia. Há alguns meses, publicamos uma carta aberta para somar esforços na defesa da Ocupação, que está sob a ameaça de despejo [em abril, após um longo processo, o edifício localizado numa das áreas centrais mais cobiçadas por especuladores imobiliários, passou a ser propriedade do Instituto de Previdência Municipal de São Paulo]. O despejo não pode acontecer. O impacto sobre as famílias seria gravíssimo.”

     

    Amigos descrevem Carmen Silva Ferreira
    Ermínia Maricato

    Ermínia Maricato, arquiteta, urbanista, professora, pesquisadora e fundadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). Defende a reforma urbana no país, participou da criação do Ministério das Cidades e integra o comitê nacional do BR-Cidades:

    “No Brasil só se fala em parcerias para o setor privado lucrar, como é o caso das Parcerias público-privadas, as PPPs. Poderíamos vislumbrar a Parceria público-social. Com Carmen, por exemplo, em uma dessas relações. Mais de 85% da população brasileira mora nas cidades, e elas ainda não superaram as suas desigualdades históricas. Isso precisa ser repensado urgentemente. Carmen faz isso. Ela tem uma capacidade de administração rara. Por meio de uma taxa razoável [fixada em 200 reais mensais, com a possibilidade de acréscimos, decididos em assembleias de moradores, quando ocorrem emergências ou necessidade de reparos], consegue enfrentar as despesas de condomínio, segurança e manutenção preventiva. Propicia moradia para gente que jamais teria meios de morar no centro.A cidade, ao contrário, exclui a população pobre e a joga nas mãos do crime organizado. É ele que está loteando as áreas de proteção dos mananciais, atraindo gente para os extremos, caso de Parelheiros, ao Sul, e da Cantareira, ao Norte. Os prejuízos atingem a todos nós, uma vez que essa ocupação desordenada contamina e torna imprópria a água que bebemos. Em vez de olhar preconceituosamente para pessoas como Carmen, devíamos perceber que elas têm solução para oferecer. Ela tem uma autoridade que pouca gente na gestão pública apresenta. Segura o crime organizado fora das ocupações. É uma heroína. Um dia, perguntei ‘Como você consegue isolar a ocupação do crime organizado, que está tomando conta da cidade?’ E Carmen respondeu: ‘Eu falo mais alto, e eles me respeitam. Não entram nas nossas ocupações’. Então, por que não tomar uma pessoa como esta como parceira na gestão de uma cidade tão complicada?”

     

    Amigos descrevem Carmen Silva Ferreira
    Vinicius Andrade

    Vinicius Andrade, arquiteto, urbanista, professor da Escola de Cidade, é responsável pelo projeto de reforma da fachada da Ocupação 9 de julho:

    Muitos prédios do centro oferecem riscos para a segurança, estão se desmanchando sobre a cabeça das pessoas. Carmen me chamou para projetar a recuperação da fachada do edifício da 9 de Julho, que é do arquiteto Jayme Fonseca Rodrigues, inaugurado em 1943, foi sede do INSS e tem 14 pavimentos concebidos para atividades de escritório. O reboco há muito tempo vinha se quebrando e caindo. Estamos criando uma solução contemporânea, uma segunda fachada elegante e que funcionará como proteção mecânica para o reboco não demandar manutenção nos próximos 50 anos. Eu atendi ao chamado de Carmen porque reconheço que ela é parte da solução do problema habitacional, vai no sentido oposto da desastrosa política das PPPs e dos projetos que, como o Minha Casa Minha Vida que, de forma distorcida e ineficiente, acabaram produzindo o isolamento das pessoas ao colocá-las longe de onde a cidade verdadeiramente acontece. Carmen é inovadora, forma lideranças, educa crianças que vão replicar o modelo em outras situações.”

     

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    Darci Frigo

    Darci Frigo, advogado, ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, coordenador da Plataforma de DHesca Brasil, que defende direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais:

    “No incêndio do edifício Wilton Paes começou a perseguição à Carmen [embora ela não tenha nenhuma ligação com o movimento que mantinha o prédio que desabou deixando mais de cem famílias desabrigadas]. Ao longo da minha carreira, vi inúmeras vezes processos semelhantes, de criminalização da luta social. Sempre buscam desmoralizar as ações como meio de destruir a reputação das lideranças populares. De antemão, em uma visão de seletividade penal, tentam tirar da legalidade um trabalho como o dela. Carmen circula no poder público para garantir direitos da população sem-teto. Nunca se aproximou para fazer nenhum tipo de proposta que a beneficiasse pessoalmente. Nunca a vi buscar algo para proveito próprio. É, em Brasília, conhecida como líder que defende minorias.

     

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    Renato Cymbalista

    Renato Cymbalista, professor de História do Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da USP, presidente do Instituto Pólis, que trabalha na construção de cidades sustentáveis e democráticas. Dirige o Fundo Imobiliário Comunitário para Aluguel (Fica):

    “O que considero interessante é a troca de experiências que Carmen promove. Ela abre a ocupação para a vizinhança e diminui a segregação ao reunir ali artistas, jornalistas, ativistas, estudantes, organizações que levam eventos de cultura, gastronomia, saúde. A ocupação se mostra menos como o lugar de enfrentamento e mais de articulação e interlocução, até mesmo com quem o movimento não concorda completamente. Carmen tem convicções políticas definidas, mas se dispõe a dialogar com todos os setores. Temos agendas comuns e a ideia de que não iremos longe se deixarmos a cidade ser negociada sob as leis do mercado e da propriedade privada.”

     

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    Augusto de Arruda Botelho

    Augusto de Arruda Botelho, advogado, especialista em direito penal:

    “Decidi participar da defesa da senhora Carmen Silva pela injustiça que o processo significa. As denúncias são muito semelhantes às respondidas por ela anteriormente. Algumas testemunhas de acusação, inclusive, depuseram no processo no qual Carmen foi absolvida [em 2018]. O Ministério Público havia tentado a prisão preventiva na primeira e na segunda instâncias. Na época, a prisão foi considerada absolutamente desnecessária, o que reforça a desnecessidade da prisão decretada hoje. Se a detenção não ocorreu quando havia um processo criminal, muito menos deve acontecer agora, pois não há sequer uma acusação formal.

     

     

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    Nabil Bonduki

    Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP:

    “Eu estava lá quando o prédio do INSS foi ocupado pela primeira vez há cerca de 20 anos. Conheci Carmen nesta situação. [O local chegou a ser desocupado e voltou às mãos do MSTC em 2016]. Vi o que era aquele edifício e no que ele se transformou, agora habitado por mais de cem famílias. A Carmen não apenas conduz o movimento; ela é esse movimento. Como liderança, cresceu muito ao longo desse tempo. Desenvolveu uma visão ampla da cidade e daquilo que um cidadão pode fazer para melhorar a vida dos seus semelhantes. Não é mais uma liderança que está mudando o conceito de moradia. Carmen está lutando por uma cidade melhor, com qualidade de vida estendida a todos nós.

     

     

     

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    Lizete Maria Rubano

    Lizete Maria Rubano, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, participa do conselho nacional do BR-Cidades:

    “Foi uma cena lindíssima. Carmen estava muito à vontade apresentando a experiência da ocupação do Hotel Cambridge na universidade Mackenzie. Os jovens estudantes encheram a plateia. Eles levantavam a mão e perguntavam: ‘No que a gente pode ajudar? O que a gente pode fazer para atuar nas ocupações?’ Ela respondeu: ‘Olha, na hora que descobri que arquiteto e urbanista fazem canalização de água e instalação elétrica, entendi que vocês podem ajudar em tudo isso e muito mais’. Eles ficaram felizes ao perceber que seriam muito bem-recebidos. O grande aprendizado da universidade com os movimentos sociais é que se pode fazer habitação de muita qualidade sob gestão da população e com apoio do Estado. O mínimo suporte dado por ele, no sentido de possibilitar e viabilizar essa experiência, representa um avanço na política habitacional.”

     

    André Czitrom

    André Czitrom, empresário.

    “A empresa da qual sou sócio, a Magik JC, trabalha no centro, onde conheci Carmen. Produzimos edifícios dentro do programa Minha Casa Minha Vida em terrenos vizinhos ou próximos de onde os movimentos por moradia atuam. Lembro que uma vez ela visitou um de nossos empreendimentos e, pouco tempo depois, eu retribuí a visita. Já dividimos mesas de debate sobre a dificuldade de produzir habitação de qualidade e bem localizada, que continua sendo nosso desafio. Ela compreende a importância e a força do mercado, por isso o vê como parceiro estratégico, com quem vale a pena unir forças. É uma das poucas lideranças com capacidade de dialogar com funcionários públicos, com a iniciativa privada e até com aqueles que discordam de sua atuação. Ela realiza a partir das ideias que surgem. Reúne experiência prática e fundamental para aprendermos a desenvolver saídas mais acessíveis para toda a população.”

     

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    Eugênia Gonzaga

    Eugênia Gonzaga, procuradora federal, presidente da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos:

    “Não como convidada, mas como cidadã fui ao festival O Povo Pode, realizado na Ocupação 9 de Julho [o evento, em setembro de 2018, contou com shows, intervenções artísticas e discussões sobre democracia]. Carmen me mostrou tudo. Percebi o cuidado que tem para que o movimento não seja deturpado, para que o ambiente seja positivo e para que aquela população seja assistida em educação e saúde [a Unidade Básica de Saúde-República atua dentro da ocupação, vacina crianças e adultos, faz prevenção de violência doméstica e gravidez precoce]. Soube que ela busca e consegue parcerias com o Ministério das Cidades e as Secretarias de Habitação do Estado e do Município com atitude republicana. Do contrário, não as obteria. E interage com outras iniciativas de cidadania. Ajudou a divulgar a Caminhada do Silêncio, que realizamos no Parque Ibirapuera [dia 31 de março passado, para lembrar e refletir sobre os que morreram enquanto lutavam pela redemocratização do país]. Reunimos dez mil pessoas. Carmen estava presente.”

     

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    Frei Alvaci Mendes da Luz

    Frei Alvaci Mendes da Luz, pároco da igreja de São Francisco, reitor do Santuário São Francisco, responsável pelo trabalho da Pastoral da Criança na Ocupação 9 de Julho:

    “Há 2 anos iniciamos um trabalho da Pastoral da Criança na região central. Nosso território está cercado por prédios ocupados. Entramos em vários deles. Os líderes sinceros e preocupados querem que as pessoas tenham um lugar digno para morar, um endereço físico para informar quando procuram emprego. Eles foram receptivos ao nosso trabalho. Os voluntários da igreja vão, conversam com famílias, acompanham gestantes, crianças, mulheres em aleitamento. Carmen facilita muito a ação. Na Ocupação 9 de Julho, que tem um espaço mais generoso, realizamos programações de férias. Levamos crianças de outras ocupações para brincar lá e praticar atividades, como pintura. Também levamos as da 9 de Julho para momentos de lazer na Ocupação José Bonifácio. Eu descrevo Carmen como uma mulher com espírito de liderança. É uma líder nata. Também incisiva e dura, mas é necessário. Em um lugar que reúne muita gente, pessoas de diferentes raízes e temperamentos, é preciso, muitas vezes, ser rigoroso e assertivo.”

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    Carla Caffé

    Carla Caffé, diretora de arte do filme Era o Hotel Cambridge, arquiteta, urbanista, professora da Escola da Cidade:

    “O encontro da Escola da Cidade com os movimentos de moradia tornou-se uma forma dinâmica de sair dos muros, interagir com o campo, pesquisar as pessoas que buscam soluções para os vazios urbanos, para a falta de mobilidade de quem trabalha no centro e quer viver ali onde tem hospital, metrô, cinema, lazer… Trocamos muitas experiências com as ocupações e acabamos escolhendo a Ocupação que funcionava no antigo Hotel Cambridge, do MSTC, para fazer o filme. Tinha tudo o que precisávamos: Carmen já havia entrado com os moradores e tirado toneladas de entulhos, caiado as paredes. Ela se tornou a estrela do filme. Para as imagens, era ótima a circulação das escadas abertas, a existência da biblioteca, do lugar para capoeira, a cozinha para fazer o pão, as costureiras produzindo camisetas e bandeiras. A comunidade se resolvia bem: em um prédio alto, sem elevador, quem morava no 11º andar não precisava descer até a rua para comprar xampu, óleo, miojo. Tudo era vendido por ali mesmo. Refugiados viviam no prédio. Depois de passar por todo processo protocolar, eles, em geral, se perdem sem apoio de qualquer organização, muito menos do Estado brasileiro. Quem abraça esse exército de pessoas desesperadas por qualidade de vida é o movimento de moradia. Criou-se um poder muito grande de transformação no Cambridge. E para isso uma liderança, com gestão colaborativa, foi fundamental. O filme ganhou prêmios, rendeu muito prazer. Para os alunos da Escola da Cidade as pesquisas nas ocupações foram, e segue sendo, um aprendizado vivo de como se preparar para os novos tempos, desenvolvendo uma inteligência social, uma inteligência compartilhada para pensar a cidade.

     

    LEIA TAMBÉM:

    EXCLUSIVO: Prisão de lideranças do movimento de moradia é conluio entre promotores e policiais

     

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    https://medium.com/jornalistas-livres/manual-pr%C3%A1tico-sobre-como-transformar-sonhos-em-pesadelos-2b84206c53be

    Carmen, mãe de Preta, líderes de sem-teto: por que nos querem presas

     

  • O MTST É GENTE ARRANCANDO A VIDA COM AS MÃOS

    O MTST É GENTE ARRANCANDO A VIDA COM AS MÃOS

    Em pleno 2017, período que deveria ser democrático no país, os sem-teto enfrentaram a censura que proibiu Caetano Veloso de realizar um show no acampamento do MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, na última segunda (30), mas isso não tirou a coragem dessa gente que já na madrugada da terça (31), enfrentou 23 km de caminhada, quase 10 horas de asfalto, calçadas, buracos, sol, chuva, frio e calor pra reivindicar moradia ao governador Geraldo Alckmin.

    Alckmin não deve dar a menor importância para isso. E conversando com amigos sobre a admiração que tenho pelo MTST, me veio à mente a canção Linha de Montagem, de Chico Buarque, que diz:

    “Eu não sei bem o que seja/Mas sei que seja o que será/O que será que será que se veja/Vai passar por lá”

    estrofes que descrevem a importância dos mais de 100 mil trabalhadores sem-teto terem ido pressionar o Estado, por um direito fundamental: a moradia. Eles passaram bonito por diversas avenidas e ruas de São Paulo. De chão em chão, de casa em casa, de prédio em prédio, dos mais simples aos mais luxuosos, muita gente aplaudiu, filmou, fotografou e gritou junto em apoio ao movimento. Coisa rara de se ver em tempos de golpe. Eu senti até alguma empatia dos ricos com os mais pobres, de novo, coisa rara de se ver.

    Cada rosto mostrava uma história de vida sofrida. Eu me orgulho de ter aprendido mais um pouco sobre o que é vida com aquela gente. E quero lembrar que quando Caetano Veloso deixou o acampamento do MTST, depois de proibido de cantar, ele declarou que sua canção “Gente” seria dedicada aquele povo. Acho que essa é uma verdade absoluta, pois na caminhada, vi aquela gente “arrancando a vida com a mão”, a vontade daquele povo de chegar ao QG de Alckmin era tanta, que era como se estivessem arrancando, com as mãos, dos poderosos, a vida que tem direito. A vida é o teto e o teto é a vida.

    Mais uma vez, em anos de experiência no Jornalismo, as desigualdades sociais apareceram nuas e cruas para mim. Diferenças injustas, pra refletir sobre o que a classe média e as elites burguesas pensam que estão fazendo nesse Brasil. E a canção de Caetano voltou pra cabeça, e percebi que há um ponto dela que naquele momento não tem nada a ver com a realidade: “Gente quer comer/Gente que ser feliz” e eu me perguntava: como eles vão conseguir isso? Eu ficava tomada de revolta e tristeza, pois no que depender de “gente” como Alckmin, esses irmãos estão perdidos.

    Minhas penas não aguentaram fazer a caminhada toda a pé. Não aguentei porque não sou de “couro grosso” igual ao Povo Sem Medo, admito. Tenho muito para aprender e viver ainda com eles. Por isso, num dado momento, pedi carona num daqueles caminhões de som e dali tive uma visão privilegiada, afetiva e extremamente emocionante.

    A visão de uma massa vermelha fez meus olhos derrubarem lágrimas que eu nem percebi que estavam caído. Um jornalista da Telesur, olhou para mim e sorriu. Na minha cabeça, a massa se tornou um grande coração pulsante, vibrante. De cima, muitos olhavam para a câmera que eu carregava, eles sorriam, brincavam, cantavam como se 23 km de cansaço não fossem nada perto da história de luta de cada um deles.

    Alckmin tem um Palácio para morar, trabalhar, os sem-teto tem lona levantada com madeira, em chão rústico, de mato, de rua, então, na triunfal chegada ao QG do governador, chamado ironicamente de ‘Palácio dos Bandeirantes’, eu desabei de emoção. O coração vermelho de gente, que eu avistava no trajeto da caminhada, levou vida aquela imponente construção.

    Alckmin não recebeu o MTST

    Embora Alckmin não tenha recebido os sem-teto, ele mandou representantes: Rodrigo Garcia, secretário de habitação e Samuel Moreira, Chefe da Casa Civil. A conversa foi dura e teve quase 3 horas de duração.

    Depois de quase 10 horas de caminhada, os sem-teto mereciam mais sensibilidade. Mas porque esperar isso de alguém que vive em Palácio? Não faz sentido. Uma reunião ficou agendada para o próximo 10 de novembro. Jogaram a responsabilidade da discussão por política de moradia pra frente. Empurraram com a barriga? Não sabemos.

    No dia 10 de novembro, o MTST quer respostas. Eles querem que um cadastro das pessoas que estão na Ocupação em São Bernardo do Campo seja realizado. Desejam também uma solução que busque encontrar terrenos que estão sem função social, para as pessoas serem contemplados com moradia digna e o compromisso para evitar uma reintegração de posse violenta no terreno no ABC paulista.

    Linha de Montagem, de Chico Buarque, foi lançada num show 1º de Maio (álbum) em 1980.

    “Gente”, canção de Caetano Veloso, foi lançada em 1977