Cultura: Alexandre Santini, gestor cultural, escritor e diretor de teatro, e Carol Proner, jurista e professora, discutem o legado de Roberto Alvim
Por Bruno Trezena, especial para os Jornalistas Livres
A reação ao anúncio do Prêmio Nacional das Artes, feito pelo ex-secretário Especial de Cultura do Governo Bolsonaro Roberto Alvim movimentou toda a sociedade brasileira. Com gestos e tons teatrais e que evocavam o pesadelo nazista, o vídeo sobre editais de fomento à Cultura fez com que Roberto Alvim encerrasse sua rápida passagem pela pasta de forma medíocre e vergonhosa.
Contudo, os editais ainda estão no radar do Governo para serem implementados. E os perigos destes editais, que apontam para uma lógica em que o Estado ditará o que é Cultura no país, são o objeto da entrevista com Alexandre Santini, gestor cultural, escritor e diretor do Teatro Popular Oscar Niemeyer, além de ex-diretor de cidadania e diversidade cultural do ministério da Cultura na gestão de Juca Ferreira (Governo Dilma), e Carol Proner, jurista, professora, escritora e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD. Confira:
Bruno Trezena: Como foi a repercussão do vídeo de Alvim no setor cultural?
Alexandre Santini: O vídeo é estarrecedor. O [agora ex] Secretário Especial de Cultura Roberto Alvim criou uma performance macabra, com tom, estética e conteúdo de inspiração nazista, que chocou não só o setor cultural mas a sociedade brasileira como um todo, que felizmente reagiu à altura da gravidade do episódio, em uma onda de repúdio generalizada que levou à demissão sumária de Alvim em poucas horas.
Mas o aparente desfecho não elimina a gravidade do vídeo, que ficará como um registro, um testemunho histórico do que é o pensamento e a visão de mundo que inspira o bolsonarismo e sua ação no campo da cultura. Alvim é, ou foi, diretor de Teatro, e certamente pensou na dramaturgia e encenação daquele pronunciamento, ladeado por uma cruz templária e pela bandeira nacional, a trilha sonora de Wagner, a fala lenta e compassiva, a paráfrase e por fim a citação textual do discurso de Joseph Goebbels. Em sua última performance institucional, Roberto Alvim cometeu um suicídio semiótico, ateando fogo em si mesmo como seus ídolos e mártires católicos, e sai da vida (pública) pela porta dos fundos da história.
Bruno Trezena: E os editais? O que deve acontecer com eles?
Alexandre Santini: É preciso que sejam cancelados. O próprio anúncio de um edital voltado a uma “arte conservadora” já fere o princípio da impessoalidade administrativa, já configura uma ilegalidade. Não cabe ao governo interferir no sentido do pensamento e da criação. Em nenhum momento dos últimos 30 anos de experiência democrática no Brasil isso aconteceu. É preciso que, além da demissão, os atos de ofício do ex-secretário especial de Cultura sejam cancelados, entre eles editais e nomeações. E Alvim deveria ainda responder perante a Justiça por apologia ao nazismo.
Bruno Trezena: Como foi sua experiência no MINC e a diferença deste Governo?
Alexandre Santini: Há um abismo entre as duas experiências e momentos históricos. O abismo em que o Brasil cai quando elege Bolsonaro. Cai a visão antropológica de Cultura, as três dimensões —simbólica, econômica e cidadã— das políticas culturais que influenciaram as políticas públicas no Brasil e no mundo a partir das bases estabelecidas pelos ex-ministros da Cultura Gilberto Gil e Juca Ferreira, durante os governos Lula. Foram quase 2 décadas de grande desenvolvimento cultural no Brasil, seja na área da cidadania e da diversidade cultural, seja em áreas de forte impacto econômico como o cinema e o audiovisual. A extinção do Ministério da Cultura no governo Bolsonaro já fala por si. Em apenas um ano, a Secretaria Especial de Cultura já esteve no Ministério da Cidadania, agora está no Turismo e especula-se que pode ir para o Ministério da Família. Iremos para o terceiro Secretário Especial de Cultura em um ano. Além da falta de gestão e competência técnica dos novos dirigentes nomeados, predominam pensamentos obscurantistas e grotescos, como vimos recentemente em manifestações dos presidentes da Funarte, da Fundação Palmares (também exonerado) e da Casa de Rui Barbosa. O governo Bolsonaro é um desastre para o setor cultural brasileiro.
Bruno Trezena: Como combater esses ataques na Cultura por parte do Governo?
Alexandre Santini: A sociedade tem reagido fortemente a estes episódios, levando o governo a recuos e derrotas pontuais como esta. A sociedade civil organizada, as instituições, artistas, movimentos e coletivos se posicionam e têm capacidade de polarizar a opinião pública. Enquanto isso o povo segue sendo vilipendiado em seus direitos sociais, vide o caso na fila do INSS. Não são coisas isoladas, é tudo parte de um mesmo projeto.
As políticas culturais têm resistido, especialmente em âmbito local, em cidades e estados comprometidos com os avanços do setor cultural brasileiro nas últimas décadas. Experiências como a de Niterói, que hoje investe fortemente na cultura através de editais e fomenta a participação popular e descentralização dos equipamentos culturais; experiências importantes em cidades e estados do nordeste; a prefeitura de São Paulo está fazendo uma programação com espetáculos que sofreram boicotes ou cancelamentos em espaços e programas do governo federal. Há reação e vigilância por parte do setor cultural. Mas a demissão do Secretário Especial de Cultura não encerra o problema, ao contrário.
Quem coloca uma pessoa como Roberto Alvim neste cargo tinha noção de quem ele era e do que pensava. Seu posicionamento era conhecido antes de chegar à pasta. Ele estava lá por pensar essas coisas e não o contrário. E só saiu porque a repugnância ao seu pronunciamento foi praticamente unânime. Um presidente que homenageia um torturador como Carlos Alberto Brilhante Ustra não deve achar nada de mais nas diatribes do garoto Roberto Alvim. Só que dessa vez ele exagerou na dose, até para alguém como Bolsonaro. A sua loucura tem um método, e não reconhece limites. Quem lhe impõe limites (ainda) é a democracia e seu sistema de freios e contrapesos, as instituições, a sociedade civil organizada. Estamos de pé!
Bruno Trezena: Os editais anunciados por Alvim apresentam inconstitucionalidades?
Carol Proner: Não conhecemos a redação dos editais e, portanto, não dá pra saber com exatidão ainda. Fica a grande questão se o edital viola o princípio da impessoalidade ou se é um espelho do discurso feito pelo ex-secretário Roberto Alvim. De qualquer forma, é complicado imaginar que aquele que é responsável pelo edital possa fazer um anúncio com as finalidades do edital com aquele conteúdo propagado pelo vídeo. É praxe que todo Governo possa fomentar a arte e Cultura de seu país, desde que seja observado o princípio da impessoalidade. Sem sectarismo.
Bruno Trezena: Como a sociedade e as organizações podem reagir juridicamente?
Carol Proner: O MPF já foi acionado por advogados, a ABJD já se pronunciou, repudiando as palavras do ex-secretário, a OAB, a Confederação Israelita também repudiou, visto que o discurso plagiava palavras do ministro nazista alemão Joseph Goebbels. Houve reação de muitas entidades jurídicas. Ministros do Supremo também se manifestaram, como o presidente Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Todos têm que ver o edital para ver se reproduz o discurso absurdo do ex-secretário. E todos e todas que se sentiram ofendidos pelo discurso devem recorrer à Justiça também. Apologia ao ódio, contra direitos humanos, contra a humanidade (no caso, o Holocausto) devem ser combatidos. Não se pode aceitar passivamente isso tudo.
É, vivemos novamente o declínio dentro da área cultural. Em 1990, Fernando Collor de Mello extinguiu o Ministério da Cultura. Itamar Franco, em 92, reativou o MinC. Fernando Henrique Cardoso pouco fez em sua gestão. Com a chegada de Lula, Gilberto Gil e assessores capacitados elevaram a Cultura do nosso País em grandes saltos, como diria Antônio Carlos Rubim em seus textos. Em 2018, Michel Temer fechou o MinC, depois voltou atrás e reabriu. Nunca vi isso amigos! Agora, sob a regência de um governo populista semelhante ao de 1990, novamente o MinC foi enxugado, praticamente extinto e se tornou um agregado do Ministério da Cidadania junto com o Esporte, o que aliás, rende outra matéria rs.
Em virtude dessas ações que embalaram as mídias nas últimas semanas, dialoguei com artistas e produtores, estudiosos, lideranças, agentes públicos e ex-agentes públicos, que são trabalhadores da cultura dentro dos seus segmentos assim como eu, talvez você, e outros amigos, para entender o que os mesmos pensam, cada um com seu posicionamento sobre os últimos ocorridos.
Carlos Kotte é captador de recursos e contato publicitário. Por telefone, disse acreditar que o que vem ocorrendo com o setor é uma falta de comprometimento com os brasileiros e os trabalhadores da área.
“A Cultura assim como qualquer atividade econômica, é potencialmente geradora de empregos, e sem uma pasta de governo própria, milhares de pessoas que nem artistas são certamente perderão seus postos de trabalho também. O que me consola é que no futuro a política novamente terá de ter novos desdobramentos, com outra posição ideológica”.
Alfredo Manevy é doutor em Audiovisual pela Universidade São Paulo e atualmente, é docente e pesquisador especialista em Gestão Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atuou como Presidente da SP Cine; Secretario Executivo e Secretário de Políticas Culturais do MinC e, Secretario Adjunto da Cultura no município de São Paulo. Sobre o que ocorre na política atual, Manevy afirma:
“A cultura e arte são áreas em que o Brasil é internacionalmente reconhecido pela sua criatividade e diversidade. Acabar com o Ministério da Cultura, responsável pelas políticas públicas culturais do país, é uma decisão que vai na contramão das democracias civilizadas. É o MinC quem implanta, por exemplo, bibliotecas públicas em cidades que não as possuem. São os valores básicos do iluminismo que estão sendo jogados fora. Bolsonaro e Paulo Guedes não compreendem sequer que a cultura está entre as 10 economias do mundo, e trazem como velha novidade a indústria poluente de commodities (soja e boi) que vem derrubando e queimando as florestas indiscriminadamente. Tirar a cultura do rol de prioridades nacionais é passaporte seguro para atrasar o patamar educacional do país, justamente no momento em que a sociedade deveria estar alfabetizada e mais preparada para o Século XXI, em temas como tolerância, convivência e democracia”.
Foto: Alfredo Manevy (Fonte: Vanhoni)
Fernando AC é graduado em História; mestre em Ciência Política e Professor de Política. Atualmente também é membro do Conselho Gestor do Fundo Municipal de Cultura, da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, no município de São José dos Campos. Com relação à pauta, o mesmo diz:
“Acredito que a incorporação da Cultura ao Ministério da Cidadania, demonstra a incapacidade deste governo em dialogar, mas principalmente expõe o enfraquecimento das políticas públicas para o setor e atenção aos valores culturais que formam uma nação. O aniquilamento do MinC só denota o obscurantismo deste governo, que conseguiu disseminar a ideia de que as leis de incentivo tiram os recursos de hospitais e escolas”.
Ricardo Alexino é graduado em Comunicação Social; mestre em Ciências da Comunicação; doutor em Ciências da Comunicação. Atuou como diretor da Rádio Universitária da Universidade Estadual Paulista (UNESP) entre 2005 a 2008. É atualmente Professor Associado/Livre-docente da Universidade de São Paulo. Em uma conversa muito interessante. O Dr. Prof. Alexino está na África, e em um bate papo rico em detalhes, deu suas considerações sobre a extinção do MINC e sobre o cenário político atual no qual atravessamos no geral.
“Considero que o atual governo que assumiu a presidência é inominável. Não é da direita e tampouco neoliberal. Não se consegue ter uma identificação precisa para as suas tendências. Parece uma seita, constituída por pessoas desequilibradas emocionalmente e com baixa capacidade intelectual. Esse governo é marcado por ignorância dos processos históricos, políticos e culturais. Nessa perspectiva três alvos principais nesse processo, por parte desse governo, seriam a Cultura, a Educação e a Ciência, mesmo porque, dar destaque a essas áreas explicitaria a própria ignorância.”
“Em relação à extinção do Ministério da Cultura fica explícito o que é valor para esse governo. Minimizar a Cultura expõem os valores essenciais para esse governo, em que os aspectos culturais são acessórios. Qualquer país que pensa em seu desenvolvimento histórico-social-político valoriza a Cultura. Isso porque não é possível abordar qualquer aspecto sem pensar a Cultura. A Cultura desenvolve qualquer nação. Mesmo os regimes autocráticos e autoritários, como o Nazismo alemão, valorizaram a Cultura. De forma enviesada, mas valorizaram, mesmo para reforçar as suas ideologias. Esse governo tem forte tendência teocrática e isso interfere muito em seus posicionamentos. Como não tem a inflexão intelectual para pensar a Cultura em formas transversais, não consegue nem pensar a Cultura na perspectiva religiosa, base em que se ancora, apesar do Brasil ser constitucionalmente um país laico. Somente posso lamentar que esse homem, que chegou à Presidência, seja governante de um país; que tenha composto um ministério tão “surreal”, com pessoas equivocadas e que tenha extinto não apenas o MinC, mas também o Ministério do Trabalho e tenha modificado outros ministérios. Sem dúvida, a extinção do Ministério da Cultura deixará muitos trabalhadores da área sem trabalho. Também vários projetos culturais serão, provavelmente, extintos ou deixados de lado. Isso implica uma gama muito grande (museus, teatros, pontos de cultura, festivais, atividades culturais, cinema, Educação e muitos outros setores). Inclusive há o projeto de acabar com instituições como o Sesc, que desenvolve produção cultural significativa no Brasil. O propósito é a redução drástica de verbas. Não sei o que pensar da situação atual do Brasil e, tão pouco, o que pode levar uma população a votar em indivíduo como esse. Neste momento, estou na África do Sul, na Cidade do Cabo, e somente regresso em Junho deste ano. Além de desenvolver pesquisa aqui, foi à forma que encontrei (e foi sincrônica) de me manter longe desse momento trágico na história do país. Talvez a sombra que Jung tanto comenta, tomou conta do Brasil”.
Foto: Ricardo Alexino (Fonte: Fuvestibular)
Jai Mahal é radialista na Rádio Cultura Brasil AM (São Paulo) e músico do projeto “Jai Mahal e os Pacíficos da Ilha”. Segundo o radialista, o governo extinguiu o MinC porque os trabalhadores da cultura são, em sua maioria, articuladores e formadores de opiniões, o que é contra os interesses deste atual governo. Mahal também crê, que foi a única maneira que conseguiram pensar para sufocar (calar) a classe artística.
Alcemir Palma, graduado em Ciências Sociais pela PUC/SP e que já atuou pela SMC- Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; foi Assessor Parlamentar (ALESP); Diretor de Eventos da Fundação Cultural José Maria de Abreu, no município de Jacareí; Diretor Presidente da FCCR – Fundação Cultural Cassiano Ricardo (SJC) e Diretor de Cultura e Patrimônio Histórico da Prefeitura de Pindamonhangaba. Atualmente é Secretario de Cultura e Turismo de Pindamonhangaba também quis dar sua opinião. Palma foi detalhista: “Primeiro que é uma visão reducionista de que diminuindo Ministérios, o Estado será mais eficiente. Segundo, que o grau de importância da Cultura para o desenvolvimento humano deixa de estar no mesmo patamar de outras áreas. Quando havia Ministério, já era difícil, agora mais ainda. Não podemos negar o papel fundamental do Estado no fomento e articulação dos vários setores da Cultura para que possamos ter um país que respeite todas as expressões de nossa diversidade cultural.
“Com a extinção do MinC, isso pode virar um efeito cascata. Estados e municípios podem também adotar o fim de suas secretarias. É importante destacar que a indicação de um órgão gestor específico para a cultura está no Sistema Nacional de Cultura, que desde de 2012, faz parte de nossa Constituição. Em nível nacional, estamos na verdade indo na contramão dos avanços em políticas culturais que tivemos até agora. Como sensibilizar um município a ter sua própria Secretaria, se no Governo Federal faz-se o contrário?”
“A Lei Rouanet também precisa ser alterada. O projeto Procultura está engavetado no Congresso. Foi fruto de muitas discussões e visava, entre outras ações, fortalecer o Fundo Nacional de Cultura e descentralizar o valor destinado à renúncia fiscal. Este deveria ser o caminho da mudança. Mas o que atualmente falam sobre a Lei, não procede, como por exemplo que “financia só artistas de esquerda”, ou seja, passam uma visão de um possível tratamento ideológico. São necessárias tais alterações, inclusive todos os benefícios que ela já proporciona”, diz Palma.
Foto: Alcemir Palma (Fonte: Portal R3)
Efrén Colombani é especializado em Teatro Brasileiro e possui MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão. É servidor público de carreira do Estado de São Paulo, já tendo atuado como técnico das Comissões Especializadas do extinto Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas; Assessoria de Artes Cênicas e Comissão Estadual de Teatro; foi Diretor de Produção do Núcleo de Teledramaturgia da TV Cultura e Diretor Técnico do ProAC ICMS. Atualmente exerce o cargo de Executivo Público na atual Secretaria da Cultura e Economia Criativa, no departamento de Gêneros e Etnias. Seu ponto de vista também é pessimista:
“Não vejo prós. Considero a extinção um danoso retrocesso. Além de tudo é simbólico e pode gerar um efeito cascata em estados e municípios. A cultura é direito fundamental. É da maior importância na construção e valorização de nossa identidade, de nossa cidadania e juntamente com a educação formam um binômio fundamental no processo de desenvolvimento social. Ainda que ao longo de sua vida tenha ficado esvaziado e com uma redução orçamentária significativa, a integridade e fortalecimento institucional deveriam ser mantidos para melhor execução das políticas públicas. O MinC necessitava capilaridade. Como uma Secretaria, creio que deve perder autonomia para definir seu orçamento e que programas devem ser ou não criados. Ele precisa de uma estrutura adequada para promover o acesso aos bens e serviços culturais, para formular, planejar, implementar e avaliar as políticas culturais de incentivo, de fomento às artes, de preservação do patrimônio cultural e de promoção e valorização da diversidade cultural brasileira. Mais do que uma conquista setorial de artistas, produtores, gestores e fazedores de artes e culturas, o Ministério da Cultura foi uma conquista da sociedade e do povo brasileiro”.
“A cultura para além de sua dimensão simbólica e social impacta positivamente a nossa economia, gerando emprego e renda. Como já é sabido, o setor cultural gera 2,7% do PIB e mais de um milhão de empregos diretos, atingindo mais de duzentas mil empresas e instituições públicas e privadas. Tendo em vista outros setores da economia brasileira são números muito relevantes. É importante considerar também que com relação à tão injustamente atacada Lei Rouanet, foram divulgados estudos que apontam que a cada real investido, retorna R$ 1,59 para a economia do país”.
Dorberto Carvalho é graduado em Letras pela Universidade São Paulo. É ator, diretor e dramaturgo e, atual Presidente do SATED-SP. Sobre o episódio, ele comenta: “É lamentável porque se configura como mais uma ação deliberada contra a produção e o acesso à cultura no Brasil, a despeito do que já havia sido feito o Governo Temer voltando atrás e mantendo o MINC, que pouco ou quase de nada relevante fez pela cultura no Brasil. Penso que ter um Ministério da Cultura num Governo Bolsonaro pouco valeria, até mesmo como vitória simbólica. O governo Bolsonaro afeta negativamente os trabalhadores da classe que atuam no setor cultural e os demais trabalhadores brasileiros. Nesse momento não há como salvar o setor cultural isoladamente sem estratégias conjuntas com todos os trabalhadores.”
“A extinção do MinC afeta tanto os trabalhadores do setor quanto todas as outras ações propostas pelo governo Bolsonaro. Esse governo se utiliza de estratégias muito eficazes e não podemos gastar munição atirando contra todos os pratos lançados. O Movimento Cultural irá resistir e avançar se tivermos nossa própria estratégia e não ficarmos sendo pautados pelo governo a todo momento”.
Fábio Riani Costa Perinotto é graduado em Pedagogia Plena (UNESP) e atualmente especializa-se em Cultura: Plano e Ação, na Escola das Artes da Universidade de São Paulo. Atuou como Gerente de Coordenação Cultural e Gerente de Fomento e Formação Cultural, na Fundação Cultural José Maria de Abreu, no município de Jacareí. Atualmente é Assessor na mesma Fundação Cultural. Sobre a extinção da pasta exclusiva ao setor cultural, Fábio comenta: “Um perigoso sinal para que talvez alguns Estados e Municípios também abram mão de seus órgãos gestores de cultura de primeiro escalão. O Sistema Nacional de Cultura, por exemplo, é hoje parte integrante da nossa Constituição Federal Brasileira no Art.216-A, e nele consta que caberia ao Ministério da Cultura – órgão coordenador do Sistema Nacional de Cultura – fomentar a ampliação da adesão dos entes federados ao SNC e acompanhar a implantação dos sistemas em todos os municípios e estados brasileiros, além do Distrito Federal. O Sistema é Lei, é Constitucional. E mais uma vez a Constituição não é respeitada. O Sistema é basicamente constituído de no mínimo o órgão gestor de cultura e seu “CPF” (Conselho e Conferências, Plano Decenal, Fundo de Cultura). O Sistema Nacional, desde a sua criação, contribuiu para que muitos municípios reorganizassem suas linhas de fomento e financiamento e crédito tendo Fundos e/ou outras leis de incentivo, de modo a contribuir no alcance de metas contidas nos Planos que por serem decenais teriam as priorizações em longos, médios e curtos prazos; e tanto os Editais locais de acesso às verbas e recursos, quanto o planejamento de prioridades frente às demandas tendo maior e melhor acomodamento e sugestões por parte da sociedade civil via participação social. Ou seja, contribuindo na superação da cultura política de a política cultural não ser mais só a de repasse de grana por balcão para quem é “amigo do rei” – e assim tendo maior regramento, transparência e fiscalização, republicanismo e democracia. Neste momento o que tem me preocupado é a possibilidade do efeito cascata e municípios também regredirem não tendo mais a Cultura nos seus primeiros escalões das tomadas de decisões sobre os destinos das suas cidades.”
“Não vejo prós no rebaixamento do posto político da Cultura. Há muitas manifestações e expressões tanto artísticas quanto culturais que não são entretenimento, principalmente destaco aqui as culturas populares e tradicionais, e as quais os subsídios e repasses via recursos públicos são o que as mantêm vivas e ativas. E não é tanto dinheiro quanto há, por exemplo, no perdão público da dívida de planos privados de saúde. Acaba sendo bem menos que incentivos e isenções fiscais destinadas às indústrias automobilísticas também, dentre outros exemplos possíveis de se mencionar. E assim como qualquer área ou setor, a maioria das pessoas trabalhadoras que vivem de seus ramos de atuação não são as que têm grande repercussão e visibilidade – nas artes e culturas não é diferente”.
Para Perinotto, a única e forte diferença é que: “neste nosso ramo de trabalho e atuação carregamos a inovação, a criticidade e a criatividade com sensibilidades próprias das Artes, junto com os costumes, as tradições, as identidades, os valores e os patrimônios das Culturas. Um país que não prioriza a ampla diversidade das Artes e Culturas que o compõe não se reconhece e se fragmenta, não se agrega como pluralidade de nações que se coexistem em seu território federal”.
Foto: Yaskara Manzini na Comissão de Frente da X9 Paulistana (Créditos: Bruno Falconeri)
Yaskara Manzini (55 anos) é mestre e doutora em Artes pela UNICAMP, leciona para jovens na ETEC de Artes em São Paulo; é professora na Fundação das Artes de São Caetano do Sul e, é a Coreógrafa da Escola de Samba X9 Paulistana. Sobre o que vem acontecendo não só com o cenário cultural mas com o tudo, sua visão foi direta:
“Vivemos no retrocesso. O impacto da extinção do MinC provavelmente será negativa, principalmente para os Estados e Municípios que não possuem políticas específicas para o setor. Os mais prejudicados deverão ser os artistas da cena popular e experimental, cuja produção é simbólica e por vezes não comercial. Também há de se pensar como será o impacto deste ato nas grandes festas nacionais como Carnaval, que além de empregar milhares de pessoas, gera dinheiro através do Turismo tanto no Rio de Janeiro, Salvador, quanto em São Paulo”.
Além disto, segundo ela, “há a questão dos investimentos em Educação estarem congelados nos próximos dezoito anos (PEC 241) e a Cultura ficou vinculada ao Ministério da Educação. Muito provavelmente não haverá verba para investimento na Cultura. Dói na alma não ver ou projetar perspectivas interessantes para o setor em nível federal, pois uma Nação que não reflete e investe em suas práticas simbólicas, artísticas, patrimoniais, não possui “como dizem os mais antigos no samba” o fundamento, e sem fundamento não somos nada, não temos identidade. Mas talvez, quem sabe, seja este mesmo o plano do atual governo”.
E por falar em Carnaval, neste último dia 14 de janeiro, o Prefeito Bruno Covas (São Paulo) pronunciou oficialmente o novo Secretario de Cultura do Município, o produtor cultural Alê Youssef (responsável por um dos maiores blocos de rua da cidade de São Paulo, o Acadêmicos do Baixa Augusta). Vamos lembrar que em entrevista à CBN em Dezembro de 2018, Youssef deu uma cutucada nos governantes. Em nota, após aceitar a indicação, ele afirmou: “Em 2018, a Cultura ficou sob ataque gerado por uma polarização nunca antes vista. Diversos artistas foram acusados de coisas absurdas, através de fake news. Fomos todos chamados de vagabundos e desocupados. Passado o calor eleitoral, pesquisas mostraram que a Cultura gera muito emprego, renda e oportunidades no Brasil”. Agora, é preciso acompanhar as ações do novo Secretário de Cultura, já que em suas produções, o ativismo é utilizado de maneira muito incisiva. Uma pergunta não quer se calar: Alê Youssef será uma resistência dentro do PSDB?
Humberto Meratti é produtor cultural e de eventos, ativista, e ama escrever porque fala muiiiito com todo mundo.
Em sua página no Facebook, o secretário-executivo do Ministério da Cultura, João Brant, publicou um balanço das ações que vinham sendo conduzidas pela pasta nos últimos meses. Brant fazia parte da equipe desde fevereiro de 2015, e demonstra bastante preocupação com a continuidade das políticas públicas construídas até agora para o setor.
Eis que se dá o fim de um ciclo, a partir de um golpe político (mal) travestido de ação legal. Muita coisa pra dizer, mas neste momento faço um registro. Nos últimos 15 dias, o Ministério da Cultura arrematou vários processos que vinha conduzindo nos últimos meses. Aqui vai a parte principal:
Políticas de Estado para a Música – políticas para a economia da música, com R$ 100 milhões em crédito via FAT (com o Ministério do Trabalho)
IN Direitos Autorais no Digital – garantindo a gestão coletiva no digital, de forma que os players internacionais como Apple, Spotify etc. remunerem os autores brasileiros de forma justa
IN Direitos Autorais Audiovisual – para garantir que as produções audiovisuais reconheçam e remunerem adequadamente os autores e artistas musicais
Consolidação e apresentação das propostas do MinC para o ProCultura, que pode substituir a Lei Rouanet
Filhos do Brasil – lançamento da campanha da Palmares contra intolerância religiosa
Participação direta nos textos finais dos decretos de regulamentação do Marco Civil da Internet, Patrimônio Genético e do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil
Cinemateca Brasileira – lançamento de edital para qualificação de OS para a Cinemateca, regularização de oito acervos históricos (Glauber Rocha, Canal 100, Atlântida, entre outros)
Lançamento da TEIA – encontro nacional dos pontos de cultura
acordo com o Banco do Brasil na área de museus
Posse dos colegiados do Conselho Nacional de Políticas Culturais
Consolidação e apresentação do Programa de Cultura das Olimpíadas, e formalização da equipe de direção responsável
Lançamento da Biblioteca Digital Luso Brasileira, iniciativa da Biblioteca Nacional
Consolidação parcial da nova Política Nacional das Artes
Lançamento do Programa Nacional Formação Artística e Cultural
Novas regras para o Vale Cultura
Acordos de Cooperação Técnica com MEC (consolidando a parceria na área de cultura e educação), MJ (com um programa de formação artística voltado ao sistema prisional) e CGU (para ampliar ações de transparência)
Várias ações voltadas para a simplificação, desburocratização e descriminalização das entidades culturais:
Novas regras para os pontos de cultura (nova IN Cultura Viva)
Novas regras para a análise de prestação de contas na Rouanet, inclusive do passivo de 12 mil processos.
reavaliação do passivo de convênios a partir das regras de desburocratização do MROSC
Saímos de cabeça erguida, mas com a revolta de quem assiste ao trabalho de uma Presidenta eleita ser interrompido por um golpe político. Seguiremos na trincheira da área cultural, na resistência pela continuidade do Ministério da Cultura e pelo seguimento das políticas públicas do setor. Ainda quero escrever um textinho de balanço e agradecimento, mas não posso deixar de agradecer de cara a confiança e o apoio total recebidos do ministro Juca Ferreira. Vai ter luta, estejamos juntos. João Brant, secretário-executivo do Ministério da Cultura.
Brasília – O ministro da Cultura, Juca Ferreira lança a campanha Filhos do Brasil, contra a intolerância religiosa (Antonio Cruz/Agência Brasil)