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  • Os negócios da fé e o militarismo nas eleições municipais: o futuro-presente das esquerdas

    Os negócios da fé e o militarismo nas eleições municipais: o futuro-presente das esquerdas

    Em nossa contribução ao livro Do Fake ao Fato (des)atualizando Bolsonaro procuramos usar as palavras “atualizados” e “obsoletos”, entrecruzando-as com as definições clássicas de direita e esquerda, para compreender a base bolsonarista. Esse cruzamento pareceu-nos útil para entender a relação desses eleitores com o tempo, como atualizados de direita e de esquerda; e obsoletos de direita e de esquerda. É partindo dessa compreensão teórica que aqui nos perguntamos: Como reagir ao crescimento vertiginoso de candidaturas evangélicas e militares em nossas últimas eleições?

    Mayra Marques, Mateus Pereira, Valdei Araujo, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana

    Frente a um tempo agitado e marcado pela chamada destruição criativa, somos levados a nos compreender como atualizados ou obsoletos em um ambiente hostil que parece nos cobrar um preço sempre mais alto pelo simples direito de existir. Essa sensação é parte do que temos chamado de atualismo, uma ideologia hegemônica que avalia e divide as pessoas por seu grau de atualização. O sujeito atualizado pode ser no máximo um surfista que tenta se equilibrar nas ondas de atualização e teme a todo momento se afogar em um oceano de coisas, comportamentos, linguagens e tecnologias consideradas obsoletas. Nessa metáfora, a história é um profundo oceano de esquecimento no qual estamos ameaçados de afundar.

    O sujeito rotulado de obsoleto existe com a contínua sensação de sua incapacidade de sobreviver à próxima onda de atualização. Não por acaso, o vocabulário da extinção é continuamente invocado para caracterizá-lo: ele é o peixe fora d’água ou o dinossauro que se recusa a desaparecer. Atualizado e obsoleto são as duas condições que a ideologia atualista reserva aos humanos, atribuindo valor exclusivo ao estar atualizado. O atualismo pretende nos convencer que apenas o que é atual merece existir. Essa ameaça existencial do atualismo produz ansiedades e ressentimentos que são amplamente explorados pela direita. Curiosamente, a mesma direita que patrocina a visão de um mundo em que apenas os mais fortes (atualizados) merecem viver, tem sido exitosa em capitalizar com o medo de extinção de setores dos grupos sociais que se enxergam como  maiorias. Neste grupo, os militares e religiosos conservadores se destacam.

     Comecemos por relembrar um fato ocorrido na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2020, que em decorrência da pandemia de Covid-19, aconteceu de forma remota. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro fez um discurso no qual, dentre várias informações distorcidas, fazia “um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”[1] e encerrou a sua fala afirmando que “o Brasil é um país cristão e conservador e tem na família sua base”. Nota-se que o esforço em manter os laços com a comunidade cristã, em especial a evangélica, não foi algo que se restringiu aos palanques eleitorais; assegurar este importante apoio é uma constante de Bolsonaro, mesmo estando há quase dois anos na presidência: após vetar o projeto de lei que pretendia perdoar as dívidas das igrejas, Bolsonaro declarou, no Twitter, que ele mesmo derrubaria seu próprio veto, caso fosse um senador ou deputado[2]. Desta forma, mesmo quando parece não agir em favor das igrejas, o presidente reforça a sua imagem como um defensor e propagador da religião cristã.

    Alguns meses antes da Assembleia da ONU, a Deutsche Welle noticiou que muitos pastores apoiavam o discurso de Bolsonaro, que diminuía a gravidade da Covid-19 e defendia a reabertura do comércio, e mantinham suas igrejas abertas, embora a maioria dos fiéis preferisse ficar em casa[3]. Para Edir Macedo, quem nada teme não precisa se preocupar com o vírus; já, para Valdemiro Santiago, a doença seria uma vingança divina. O primeiro é um bispo evangélico fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e proprietário de uma das maiores emissoras de televisão do Brasil, a Rede Record, enquanto o segundo é fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus e possui um programa na Rede Bandeirantes. Além do fato de ambos possuírem fortunas dignas de serem relatadas na Revista Forbes e de possuírem programas religiosos na TV aberta, outro fato os une: os dois têm o apoio a Bolsonaro.[4]

    O atual presidente foi eleito com grande adesão do eleitorado evangélico. Cerca de um terço da população brasileira é de alguma denominação evangélica, dentre os quais 42% ajudaram a eleger Bolsonaro[5]. Embora seja católico, o atual presidente, que até então era apenas um capitão “excêntrico” que defendia o lobby corporativo dos militares, foi batizado pelas mãos do pastor e deputado Everaldo Dias, em 2016, no rio Jordão, e costuma frequentar cultos com sua esposa na Igreja Batista. Seu lema de campanha “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, assim como o combate a pautas progressistas, como a legalização do aborto e o casamento homo-afetivo, fizeram com que muitos pastores o apoiassem e aconselhassem seus fiéis a votarem nesse candidato.

    É bom destacar que o discurso de Bolsonaro nem sempre manteve essa ênfase na religião: entre 2004 e 2012, por exemplo, os seus temas principais eram o anticomunismo e o favoritismo ao militarismo, mas, a partir de 2013, ao se aproximar do então presidente da Comissão de Direitos Humanos, o pastor Marcos Feliciano, ele passou a ter mais contato com a “Bancada Evangélica”, incluindo aspectos religiosos às suas falas. Marcos Feliciano, pastor da igreja neo-pentecostal Catedral do Avivamento e vice-líder do governo no Congresso, e Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foram incluídos entre seus principais conselheiros.

    A Frente Parlamentar Evangélica, popularmente conhecida como Bancada da Bíblia, compõe parte considerável do Parlamento: dos 594 parlamentares, 203 pertencem ao grupo, sendo 195 deputados e oito senadores, o que significa mais de 30%. Os partidos que têm maior adesão a esta frente são: o Partido Social Liberal (PSL), Partido Social Democrático (PSD), Republicanos, Partido Liberal (PL), Progressistas (PP) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), embora haja representantes de diversos outros partidos, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT) . Em 2019, a Frente Parlamentar Evangélica foi considerada, pelo “Estadão”, a bancada mais governista dos últimos cinco mandatos presidenciais, pois 90% dos seus votos foram a favor do governo . Após a saída de Bolsonaro e seus filhos do PSL, houve a tentativa de criar o partido Aliança pelo Brasil, que fracassou. Assim, a ex-mulher do presidente, e seus filhos, Carlos e Flávio Bolsonaro, se filiaram aos Republicanos, partido que contém 24 parlamentares na Frente Parlamentar Evangélica. Jair Bolsonaro segue sem partido, mas não seria de se espantar que ele também se filiasse ao Republicanos, pois além deste partido ser um dos mais presentes na Bancada Evangélica, também é o partido do atual prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus.

    Santinho da campanha de Crivella

    Crivella busca a reeleição no pleito deste ano e, para isso, tentou uma aliança com a ala bolsonarista do antigo partido do presidente, o PSL. No entanto, o partido preferiu não se associar ao atual prefeito do Rio devido ao seu suposto envolvimento em um esquema de corrupção. Mesmo assim, Crivella optou por uma candidata a vice-prefeita bastante simbólica, pois tem duas características que podem ser bastante atrativas para os apoiadores do presidente: ela é militar e católica. Enquanto o catolicismo da tenente-coronel Andrea Firmo pode arrebanhar votos de mais cristãos, englobando os católicos, ela ainda tem uma carreira militar digna de nota: ela foi a primeira mulher a comandar uma base da ONU na África. Assim, essa candidatura tem tudo para agradar as duas principais alas do bolsonarismo.

    Segundo um levantamento feito pelo Observatório das Eleições, o número de candidatos a prefeito, com títulos militares, aumentou em mais de 300% desde 2016, enquanto o aumento no número de vereadores que seguiram a mesma “estratégia” foi de 56%. Embora o crescimento da porcentagem de candidatos com títulos religiosos tenha sido menor, ele ainda existe: mais de 10% dos candidatos a prefeitos e mais de 40% dos candidatos a vereador[6].Os partidos que lideram este crescimento são os mais próximos a Bolsonaro: o PSL é o partido com mais candidatos militares, enquanto o Republicanos é o partido com mais candidatos religiosos. Os gráficos abaixo mostram que os eleitores conservadores terão muitas possibilidades de escolha em 2020:

    Fonte: Observatório das Eleições

    O antropólogo Juliano Spyer identifica uma transição religiosa no país: caso o número de evangélicos continue crescendo no ritmo que estamos assistindo, até 2032 eles serão maioria. Para o antropólogo, uma das razões fundamentais para este crescimento é o papel que muitas igrejas desempenham como uma espécie de “bem-estar social informal”, promovendo uma melhora na qualidade de vida de muitas pessoas pobres que o Estado não consegue promover de forma satisfatória[7]. Ainda que seja uma explicação insuficiente, ela ajuda a explicar o crescimento que assistimos, já que seria preciso, inclusive, construir distinções entre igrejas propriamente ditas de corporações disfarçadas de igrejas.

     E é preciso lembrar que há personalidades políticas que também são evangélicas, mas com tendências progressistas, como Benedita da Silva e Marina Silva, mas com posicionamentos bastante diferentes dos de Bolsonaro e seus seguidores. Já, em relação aos militares, é possível trazer políticos relacionados à segurança pública para o campo progressista, como mostram as candidaturas, bastante contestadas, por militantes e filiados, de Denice Santiago, ex-major da PM, como candidata à prefeitura em Salvador pelo PT; e do ex-coronel da PM e católico praticante, Ibis Pereira, como candidato a vice-prefeito no Rio de Janeiro pelo PSOL. Oportunidade para dizermos que a esquerda também pensa em segurança pública? Talvez.

    De todo modo, o nosso ponto é que no interior da nossa tipologia, entre atualizados e obsoletos, a hierarquia superior, entre militares e evangélicos, tende a ser mais atualizada, ao passo que a “base” tende a ser classificada e algumas vezes se considerar obsoleta frente aos valores que se apresentam como atualizados. Assim, um dos desafios do campo progressista passa, obviamente, por criar pontes e conquistar parte dos setores atualizados e obsoletos desses segmentos, em especial, os últimos, pois como vimos acima os pastores-políticos atualizados são hábeis em mudar de lado, caso o vento mude. Considerar estas pessoas como líderes religiosos é não entender o principal de suas atuações, justamente a dissolução das fronteiras entre política, religião, entretenimento e negócios.

    No entanto, parece que só o campo progressista pode atuar em vantagem em um aspecto. Essas duas possibilidades existenciais, atualizados e obsoletos, parecem cegas para os verdadeiros operadores do atualismo, as grandes empresas e corporações que monopolizam o novo mercado de dados, o que Shoshana Zuboff, em The Age of Surveillance Capitalism, chamou de “capitalistas da vigilância”: “A combinação entre conhecimento e liberdade funciona para acelerar a assimetria de poder entre os capitalistas da vigilância [Google, Facebook, Amazon etc] e as sociedades nas quais eles operam. Este ciclo será quebrado apenas quando reconhecermos como cidadãos, sociedades, e mesmo como civilização, que os capitalistas da vigilância sabem demais para se qualificarem para a liberdade”.

    Em outras palavras, queremos dizer que no Brasil o capitalismo de vigilância adquire uma “cor local” quando percebemos que há uma aliança tática entre as grandes corporações do capitalismo de vigilância com outras duas corporações e seus líderes atualizados: a militar e a evangélica, não excluindo aqui certo conservadorismo católico. E essa aliança constrói guerras culturais de atualização bastante específicas e estranhas a uma parte considerável do campo progressista, pois está assentado em discursos, práticas e tradições que pensávamos superadas. 

    Mateus Pereira, Mayra Marques e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Mayra Marques é doutoranda em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e aos grupo Proprietas pelo apoio e interlocução neste projeto.


    [1] https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos/2020/discurso-do-presidente-da-republica-jair-bolsonaro-na-abertura-da-75a-assembleia-geral-da-organizacao-das-nacoes-unidas-onu

    [2] https://www.camara.leg.br/noticias/692461-deputados-criticam-tweet-de-bolsonaro-sobre-veto-a-isencao-de-tributo-a-igrejas

    [3] https://www.dw.com/pt-br/evang%C3%A9licos-fazem-coro-com-bolsonaro-e-negam-riscos-do-coronav%C3%ADrus/a-53000050

    [4] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/pastores-se-destacam-entre-lideres-que-orbitam-governo-de-bolsonaro.shtml

    [5] https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2018/10/07/interna_internacional,994989/quem-sao-os-eleitores-de-bolsonaro.shtml

    [6] https://noticias.uol.com.br/colunas/observatorio-das-eleicoes/2020/09/30/aumentam-as-mencoes-a-titulos-militares-e-religiosos-nas-urnas-em-2020.htm

    [7] https://www.dw.com/pt-br/igrejas-evang%C3%A9licas-s%C3%A3o-estado-de-bem-estar-social-informal/a-55208669

  • URGENTE: Por uma Frente Ampla para evitar que Bolsonaro nos leve para o abismo

    URGENTE: Por uma Frente Ampla para evitar que Bolsonaro nos leve para o abismo

    Por Humberto Mesquita*

     

     

    Não sei por onde começar! Pelo Corona Vírus ou pelo Demônio que está vomitando monstruosidades contra o povo brasileiro? Pela capacidade de destruir dessa maldita pandemia ou pela desenfreada ação de um grupo cujo líder foi eleito por milhões de desinformados —inocentes ou não.

    Mas os dois fatores se unem num mesmo objetivo que é a destruição. Comecemos então pelo vírus que foi menosprezado pelo outro “vírus”.

    O Brasil tinha tudo para se livrar da peste, porque ela não chegou de surpresa aqui. Ela começou na China, ainda em janeiro, se espalhou pela Europa em fevereiro e deu sinais claros de que chegaria aqui tão furiosa como lá.

    Mas, o Brasil como os Estados Unidos, ambos governados por idiotas, menosprezaram a sanha devastadora do novo vírus. “Era um simples resfriado” gritaram os dois. E se mostraram presentes em espaços públicos como a desafiar a pandemia. O resultado veio em março e hoje estamos assistindo a uma verdadeira hecatombe, a um massacre de milhares de brasileiros, seja dos castelos ou dos barracos.

    Desprezo pela Ciência e pela vida

    E o “asno” que governa o Brasil, investindo-se da condição de ditador, isolando-se até mesmo do seu “I love you Trump”, que reconheceu seu erro,  continua a minimizar o vírus, pregando receituário negado pela ciência, e  condenando  a solução médica do isolamento. Para coroar suas arbitrariedades demitiu o Ministro Mandeta, da Saúde, nomeou outro médico, Nelson Teich, que não suportou mais do que 29 dias no cargo e se demitiu.

    Junto com esses, o demônio já havia demitido o Sérgio Moro porque queria interferir nos rumos da Policia Federal, “para proteger a família e amigos”. Sérgio Moro também escolheu o momento para se desentender com ele, quando percebeu que seu “patrão” não lhe presentearia  mais com uma  vaga no STF, depois de  já ter recebido de presente, por serviços prestados durante as eleições presidenciais, o Ministério da Justiça.

    O “chefe”, aos gritos de que “quem manda aqui sou eu”, ou que “ministro que não seguir minha cartilha vai para a rua”, entrou definitivamente em cena para desafiar a tudo e a todos. Fez manifestações contra Congresso, contra STF, pregou um novo AI-5, xingou jornalistas, pouco se importando com as consequências de seus atos, porque acredita que tem a guarda dos militares que o rodeiam.

    Formou-se uma contraposição, constituída pela Rede Globo de Televisão, pelos novos desafetos do “rei Bolsonero” e pelo “herói Sergio Moro”.

    Agora, surgiu um novo ator que é o empresário Paulo Marinho, um homem que foi muito próximo do Bozo e seus filhos, com denúncias contundentes contra ele, os filhos e membros da Policia Federal.

    Num momento como esse, ninguém pode se colocar como única oposição

    A Frente Ampla, no passado, foi formada por Carlos Lacerda, Jango Goulart e  Juscelino Kubitschek,  independente de ideologias.  “Diretas Já” teve em seu bojo Lula, Ulysses Guimarães, FHC, Tancredo Neves, Orestes Quércia, entre outros, com as mais variadas tendências políticas. Tanto na Frente como nas Diretas existia um inimigo comum.

    Hoje nós temos um inimigo comum, e não vejo razão para não se unirem outra vez, o Lula de ontem e o Lula de hoje, com FHC, o governador Dória, Flavio Dino, Boulos, Ciro Gomes, e todas as forças que se opõem a esse governo semi-ditatorial que aliciou os militares para tentar dar o golpe definitivo na democracia e implantar, possivelmente, a mais sangrenta ditadura.

    Está faltando reação: a sociedade civil precisa se engajar nessa luta.

    OAB, ABI, entidades ligadas à cultura, sindicatos, associações de classe, membros do Congresso Nacional e do Judiciário precisam sair dessa modorra e enfrentar o inimigo. Somos todos covardes, esperando um milagre que não acontecerá se as forças vivas dessa nação não se manifestarem. Hoje o que estamos vendo são notas vazias de repúdio, nada mais do que isso.

    Nem o povo pode ir às ruas por conta dessa maldita Covid-19, que mesmo menosprezada pelo “grande vírus” tem sido, neste caso, sua aliada. As multidões não podem protestar pelas ruas.

    Como a única maneira de se manifestar em protesto, atualmente, é o panelaço, o povo tem se debruçado sobre o parapeito das janelas. Tudo nos incomoda, tudo nos aflige e nossas armas limitam-se ao som estridente, mas passageiro, dos panelaços que também não bolem com a estrutura criada por esse verdadeiro anticristo.

    “Deus, salve o Brasil”, suplicamos.  Mas não adianta. Deus não é mais brasileiro. Só a Frente Ampla pode livrar o País do pior.

     

    *Humberto Mesquita é jornalista e escritor, repórter e apresentador de debates na TV.

     

  • OS MAUS MILITARES E OS PÉSSIMOS CIVIS

    OS MAUS MILITARES E OS PÉSSIMOS CIVIS

     

    ARTIGO

    Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

     

    Sob olhares complacentes de muitos civis, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) vai assumindo, cada dia mais, a sua face militarizada. Como se não bastassem o presidente e seu vice serem militares, são militares também os integrantes da “cozinha” do Palácio do Planalto – Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos. Além disso, 2.500 outros ocupantes de cargos no atual governo são militares ou seus parentes.

    Com o pedido de demissão do ministro da Saúde, Nelson Teich, até esse cargo, em plena pandemia de coronavírus, passa a ser exercido, interinamente, por um general, Eduardo Pazuello. Sua missão, ao que parece, será autorizar o uso da controvertida substância cloroquina no tratamento de pacientes com o covid-19, na contramão do que recomendam as autoridades da área de saúde de quase todos os países e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Oficialmente, o Brasil é uma democracia, com as “instituições funcionando”, como fazem questão de dizer civis e militares que apoiam o governo. Em que pese isso não ser a expressão da verdade, pois as instituições não funcionam para todos (o ex-presidente Lula que o diga) a pergunta que deve ser feita é: mantida a situação atual, por quanto tempo mais as instituições ainda funcionarão?

    Apesar de todos os problemas que tem criado para o Brasil e para os brasileiros, Bolsonaro continua contando com o apoio do que se pode definir como “maus militares” e “péssimos civis”, pessoas que não levam em conta os interesses da maioria da população e nem mesmo os chamados interesses nacionais. Vale dizer: os interesses efetivamente brasileiros num mundo em rápida e profunda transformação.
    “Mau militar” era como Ernesto Geisel, penúltimo general a ocupar a presidência da República
    após o golpe de 1964, definia o capitão reformado Bolsonaro. Já “péssimos civis” ou
    “vivandeiras de quartel” foram termos cunhados pela imprensa na década de 1950, para se
    referir aos políticos que viviam pedindo a intervenção militar contra governos legitimamente
    eleitos como os de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Em meados de 1960, a mesma
    denominação foi utilizada para os civis que “clamavam” para que os militares impedissem “a
    comunização do Brasil”, diante das Reformas de Base propostas pelo presidente João Goulart.

    Devidamente repaginadas “as vivandeiras” reapareceram em 2016 e se mantém em plena
    atividade nos dias atuais.

    TINTURA ESCURA

    O governo Geisel (1974-1978) deu início à descompressão política ou, como preferia dizer o seu ministro da Justiça, Petrônio Portela, à “abertura lenta, gradual e segura”. Geisel percebeu que não havia como manter a “panela de pressão” tampada, devido à recessão, à crise econômica internacional, provocada pelo segundo choque do petróleo, e ao desgaste dos próprios militares no poder, incluindo aí fartas acusações de corrupção.

    O início da abertura valeu a Geisel (1907-1996) o adjetivo de “comunista” por parte de seu ministro do Exército, general Sílvio Frota. Frota, aliás, fez uma lista à la marcathismo, onde denunciava a “presença de 100 comunistas no governo”. Geisel, por sua vez, agiu rápido e em uma verdadeira ação de guerra, demitiu Frota, antes que ele pudesse esboçar qualquer reação. Detalhe: o chefe de gabinete do general Frota era um jovem militar de nome Augusto Heleno.
    Geisel pode ser entendido como um dos últimos militares a se preocupar com o
    desenvolvimento autônomo do Brasil, ao elaborar e colocar em prática o II Plano Nacional de Desenvolvimento. Ele instituiu o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool), de modo a diversificar a nossa matriz energética. Deu início à construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, em parceria com o Paraguai. Assinou acordo com a Bolívia para que ela ofertasse gás ao Brasil e ainda firmou um acordo nuclear com a então Alemanha Ocidental. Era o Brasil assumindo o seu tamanho e a sua importância no mundo e deixando de lado a subserviência aos Estados Unidos.
    Em entrevista concedida aos pesquisadores Maria Celina D’Araújo e Celso de Castro, em 1993,
    publicada em livro pela Fundação Getúlio Vargas, Geisel afirmou que os “militares devem ficar
    fora da política partidária, mas não da política em geral.” Segundo ele, todo político que
    começa a se “exacerbar em suas ambições logo imagina uma revolução a cargo das Forças
    Armadas”. Não por acaso, Geisel é um nome nada querido entre os militares que estão hoje
    no poder.
    Não é por acaso também que os documentos liberados pelo governo dos Estados Unidos
    sobre o período da ditadura no Brasil (1964-1985) apontam apenas ele como tendo sido
    conivente com torturas e repressão política. Convenientemente, esses documentos ignoram o
    mais repressor desse ciclo de generais-presidentes, Emílio Garrastazu Médici.

    Em recente artigo publicado no “Estado de S. Paulo”, diário conservador paulistano, o vice-
    presidente Hamilton Mourão tentou colocar-se como um estadista e sutilmente distanciar-se
    de Bolsonaro. Para alguns, seu artigo, de cunho nitidamente autoritário, pode ser entendido
    como um esboço de programa de governo, para a eventualidade de impeachment de
    Bolsonaro. Mas Mourão não conseguiu nem uma coisa e nem outra. Ele apenas confirmou a
    avaliação de que não há diferença entre os dois, exceto o tom mais escuro da tintura que usa
    nos cabelos.

    RONDON E GÓIS MONTEIRO

    Como oficial de patente inferior, o capitão reformado Bolsonaro não fez o curso de Estado
    Maior das Forças Armadas, na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, chegando no máximo a ser
    um professor de educação física. Talvez isso o tenha levado a votações menos alinhadas com
    os interesses privativistas e estadunidenses nos 27 anos em que esteve na Câmara dos
    Deputados, como integrante do “baixo clero”. Situação que se alterou completamente ao
    chegar ao poder e rodear-se de grupos, seja na política, na economia (que ele diz não entender
    nada) e também em se tratando das relações exteriores, que passaram a se pautar pela
    cartilha do Tio Sam.
    Os militares sempre estiveram presentes na história do Brasil, desde os primórdios da própria
    República (proclamada por eles), passando por movimentos como o Tenentismo, a Coluna
    Prestes, a Revolução de 1930, o golpe de 1964 e a luta armada contra a ditadura militar entre
    1968 e 1974. Diferentemente de agora, amplos setores militares tiveram, ao longo da história,
    grande preocupação com o desenvolvimento econômico e social brasileiro e estiveram à
    frente de importantes projetos e lutas nesse sentido.
    Desses militares, talvez o nome mais conhecido seja o do marechal Cândido Mariano Rondon
    (1865-1958), que se notabilizou como o primeiro presidente do Conselho Nacional de Proteção
    aos Índios e um dos criadores do Parque Nacional do Xingu, ao lado dos irmãos Villas-Boas e
    de Darcy Ribeiro. Em 1956, em sua homenagem, o território de Guaporé passou a denominar-
    se Rondônia. Se estivesse vivo, Rondon estaria indignado com o tratamento que o governo
    Bolsonaro vem dispensando aos índios e com o desmatamento e destruição da floresta
    Amazônica.
    Ainda na primeira metade do século passado, nomes como os do coronel Mário Travassos
    (1891-1973) e o do general Pedro de Góis Monteiro (1880-1956) se destacaram como
    formuladores de importantes medidas para os interesses brasileiros. É de Travassos o livro

    “Projeção Continental do Brasil”, um dos primeiros estudos sobre geopolítica feitos no país.
    Sua maior contribuição, no entanto, foi ter introduzido o conhecimento científico na formação
    de oficiais do Exército brasileiro, capacitando-os a entender os problemas e desafios do país e
    do mundo. Esse tipo de ensino foi suprimido das academias militares depois do golpe de 1964.
    Já o general Góis Monteiro merece ser lembrado pela enorme contribuição que deu para a
    condução da diplomacia e da política externa brasileira, especialmente no que diz respeito às
    críticas ao imperialismo das grandes potências e à necessidade de o Brasil se organizar para
    não ficar a mercê desses interesses. Góis Monteiro antecipou, em décadas, problemas
    atualíssimos, como os graves riscos do governo brasileiro ser subalterno aos Estados Unidos,
    como é o caso de Bolsonaro.
    Durante o período compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o golpe de 1964,
    não havia um pensamento monolítico tanto em termos de formação quanto na visão de
    mundo dos oficiais das Forças Armadas brasileiras, o que possibilitava o debate, muito distante
    da ordem unida que passou a vigorar nas décadas seguintes.

    O PETRÓLEO E O SUBMARINO

    Antes de 1964, ainda estavam presentes as lições desses e de outros grandes militares. Lições
    nas quais certamente se inspirou o marechal Júlio Horta Barbosa (1881-1965), presidente do
    Conselho Nacional do Petróleo, ao assinalar, por exemplo, que “pesquisa, lavra e refinação do
    petróleo constituem as partes de um todo, cuja posse assegura poder econômico e poder
    político”. Horta Barbosa notabilizou-se como um dos principais defensores do monopólio
    estatal do petróleo e um dos expoentes da campanha “O Petróleo é nosso”, uma das maiores
    já realizadas no país. Na época, o Brasil discutia a necessidade de se instituir esse monopólio e
    a criação de uma empresa para o setor, que viria ser a Petrobras.
    Outros generais, como José Pessoa (1885-1959), que comandou a Escola Militar do Realengo,
    tinha posição semelhante no que diz respeito ao desastre que seria para o Brasil entregar aos
    trustes estrangeiros a exploração e o aproveitamento das nossas riquezas minerais. Em
    meados do século passado já era sabido que o Brasil possuía enormes reservas de urânio e
    nióbio, o que gerava a cobiça internacional.
    Por isso, o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva (1889-1976) buscou implementar um
    programa nuclear para o Brasil, no que encontrou fortíssima oposição dos Estados Unidos. A
    título de exemplo, os Estados Unidos propuseram à Organização das Nações Unidas (ONU) o
    Plano Baruch, que previa a internacionalização de minérios radioativos que ficariam sob a

    guarda de um organismo da própria ONU sobre o qual os EUA tinham total ascendência. Como
    representante do Brasil na ONU, Álvaro Alberto conseguiu derrotar a proposta.
    Os esforços de Álvaro Alberto foram retomados recentemente por outro almirante, Othon
    Luiz Pinheiro, que presidiu a estatal Eletronuclear até 2015. Criada como subsidiária da
    Eletrobras, ela tinha, entre suas funções, construir o primeiro submarino nacional movido a
    propulsão nuclear, fundamental para patrulhar a extensa costa brasileira, a “Amazônia azul”,
    como a Marinha define o território marítimo brasileiro, cuja área corresponde à superfície da
    floresta Amazônica. Othon Luiz pagou caro pela “audácia”, ao ser preso e condenado, por
    suposta corrupção, em uma operação desdobramento da Lava Jato.
    O “crime” de Othon Pinheiro, em última instância, teria sido não fazer concorrência e nem ter
    dado a devida publicidade a compras de material para o projeto do submarino nuclear
    brasileiro, que se tornava mais necessário ainda depois da descoberta do pré-sal. No caso,
    cabe a pergunta que a mídia corporativa brasileira não fez: qual país no mundo divulga edital
    de concorrência para a realização de projetos estratégicos ligados à segurança nacional?

    OS CIVIS SEMPRE CONSPIRARAM

    A tradição de políticos, empresários e intelectuais conservadores e liberais baterem às portas dos quartéis é longa no Brasil. Ela se faz presente em governos de cunho popular, sempre tachados de “esquerdistas”. Foi assim que Getúlio Vargas, logo após instituir o monopólio estatal do petróleo e criar a Petrobras, enfrentou uma campanha difamatória de tal porte (o “Mar de lama”) que acabou pondo fim à vida com um tiro no peito. Foi assim também que, em duas oportunidades, antes de tomar posse e próximo ao fim de seu mandato, Juscelino Kubitschek teve que enfrentar o golpismo de militares insuflados por civis da UDN.
    A primeira dessas tentativas aconteceu com a Revolta de Jacareacanga, que estava diretamente ligada às eleições de 1955 ganhas por ele e João Goulart. A dupla, que fazia parte da chapa PSD-PTB, havia vencido os políticos da UDN, à qual se ligava parte dos oficiais da Aeronáutica. Esses oficiais não aceitavam o resultado das eleições e foram contidos pelo então ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott (1894-1984). A Revolta de Jacareacanga durou 19 dias e teve lugar no sul do Pará.
    Já a Revolta de Aragarças, que eclodiu no início de dezembro de 1959, começou a ser articulada dois anos antes. O objetivo era bombardear os Palácios de Laranjeiras e do Catete, no Rio de Janeiro. Alguns de seus integrantes tinham participado de Jacareacanga e o objetivo, como sempre, era afastar do poder “políticos corruptos e comprometidos com o comunismo internacional”.

    Ela contou com a participação de militares da Aeronáutica e do Exército, mas durou apenas 36 horas. Seus líderes, depois de rumarem de avião para a cidade de Aragarças, em Goiás, fugiram para países vizinhos, só retornando ao Brasil no governo de Jânio Quadros.
    Mais uma vez, coube ao general Lott derrotar os golpistas.
    As principais características de Lott eram o legalismo e a profunda convicção democrática.
    Características que incomodavam os militares que participaram do golpe de 1964. Seu enterro,
    em 1984, um ano antes da saída do general João Figueiredo do poder, não teve condecorações
    marciais ou honras de mérito militar, mas contou com a presença de Leonel Brizola, então
    governador do Rio de Janeiro, que decretou luto oficial pela perda de tão importante
    personagem da história brasileira.
    Como comprova René Dreifuss no monumental livro “1964, a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe”, as “vivandeiras” de quartel nunca deixaram de conspirar com os militares para derrubar governos dos quais discordavam e não conseguiam vencer pelo voto. A UDN, no período compreendido entre 1946 e 1964, não ganhou uma única eleição presidencial. Recentemente, o caso que mais se assemelha é o do PSDB que, igualmente cansado de perder eleições, deu início, através de seu candidato derrotado em 2014, Aécio Neves, ao golpismo que acabou por derrubar Dilma Rousseff.
    Dreifuss relata, com riqueza de detalhes, como se deu a articulação entre civis no pré-1964. Além de baterem às portas dos quartéis, civis como os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, esse último também um poderoso banqueiro, mobilizaram dezenas de grandes empresários, ruralistas, donos da mídia e intelectuais com o objetivo de derrubarem Goulart. A articulação contava com o apoio dos Estados Unidos.
    O então maior magnata da mídia brasileira, Assis Chateaubriand, dono dos Diários e Emissoras Associados, abriu todas as baterias de seus jornais, emissoras de rádio, de televisão e da maior revista da época, o Cruzeiro, contra Goulart. Roberto Marinho ainda não possuía televisão, mas garantiu todo o espaço de seu jornal e da rádio Globo para que Carlos Lacerda e quem mais quisesse atacar Goulart.
    Recursos desses empresários e também de Washington financiaram entidades como o
    Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto Brasileiro de Estudos Políticos
    (IPES). A atuação do IBAD influenciou as eleições para o Congresso Nacional, onde inúmeros
    parlamentares conservadores tiveram suas campanhas bancadas por ele.

    Já o IPES produziu parte do material de propaganda contra Goulart veiculado como notícia em
    jornais, rádios e até no cinema, em um popular informativo semanal que antecedia a exibição
    dos filmes. Nos dias atuais, quem mais se assemelha ao IPES é o Instituto Millenium, um think
    tank sediado no Rio de Janeiro, que se propõe a promover “valores e princípios de uma
    sociedade livre, baseados no direito de propriedade e no livre mercado”.

    DE BRAÇOS DADOS

    Nos 21 anos em que durou o regime militar no Brasil, maus soldados e péssimos civis
    estiveram de braços dados. O economista Roberto Campos, por exemplo, foi o primeiro
    ministro do Planejamento no governo Castelo Branco. Seu alinhamento aos interesses dos
    Estados Unidos era tamanho que seu apelido se tornou “Bob Fields”. No governo Bolsonaro,
    seu neto, que tem o mesmo nome, preside o Banco Central.
    Já o híbrido de militar e político, Juracy Magalhães, foi nomeado também no governo de
    Castelo Branco como embaixador brasileiro nos Estados Unidos. É dele a tristemente célebre
    frase “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Frase que antes do chanceler
    terra-planista de Bolsonaro, Ernesto Araújo, fazia corar de vergonha os nossos diplomatas.

    A relação dos péssimos políticos – fisiológicos e integrantes das bancadas do Boi, da Bíblia e da
    Bala – é enorme. Há quatro anos, eles estiveram na linha de frente na ferrenha oposição e na
    derrubada da presidente Dilma Rousseff, num golpe travestido de impeachment.

    Desses, os nomes de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer,
    vice-presidente de Dilma, e do juiz e até poucas semanas atrás, ministro da Justiça de
    Bolsonaro, Sérgio Moro, talvez sejam os mais emblemáticos. Cunha só deu início ao processo
    de impeachment contra Dilma, porque ela não aceitou pedir que o PT “aliviasse a barra para
    ele” em um processo na Comissão de Justiça do Legislativo. Acusado em vários processos de
    corrupção, Cunha foi afastado da presidência da Câmara e perdeu o mandato. Condenado a
    mais de 15 anos, recentemente teve a prisão preventiva substituída pela domiciliar, por estar no grupo de
    risco da pandemia do covid-19.
    Michel Temer integrou a articulação do golpe contra Dilma. Também ele tentou chantagear a presidente sob o argumento de que se ela aceitasse colocar em prática o plano “Estrada para o futuro”, o oposto de tudo o que defendia o PT para vencer a crise que então se esboçava, não haveria problema. Antes, Temer certificou-se de que teria o apoio dos militares, valendo-se do      descontentamento que sabia existir entre os de farda e a presidente que instituiu a Comissão Nacional da Verdade, para apurar graves violações de direitos humanos acontecidas no Brasil entre 1946 e 1988.
    A Comissão da Verdade, como ficou conhecida, durou pouco mais de três anos, tempo suficiente para deixar parte dos militares de cabelo em pé. Ao contrário de outros países da América do Sul, que também enfrentaram ditaduras brutais, como Argentina e Chile, aqui o pacto que viabilizou a transição democrática anistiou a todos, torturados e torturadores, impossibilitando que muitos militares fossem julgados por crimes que cometeram nos “anos de chumbo”.

    Foi a partir da Comissão da Verdade, no entanto, que o Brasil ficou sabendo que entre os próprios militares houve muita resistência às atrocidades cometidas. Em duas décadas de ditadura, o regime perseguiu, prendeu ou torturou 6.591 militares. Essa informação sem dúvida incomodou e, mais uma vez, maus soldados e péssimos civis
    estavam juntos na deposição de uma presidente legitimamente eleita.

    Não foi por acaso que o então deputado Jair Bolsonaro, ao votar pela abertura do processo de
    impeachment contra Dilma, o fez prestando homenagem ao torturador coronel Brilhante
    Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército, um dos mais atuantes órgãos na repressão política
    durante a ditadura. Mesmo já reformado, Ustra continuou politicamente ativo nos clubes
    militares, na defesa da ditadura e nas críticas anticomunistas.

    MORO, O PIOR

    De todos os péssimos civis, o que recentemente mais danos políticos e econômicos trouxe ao país foi Moro. Como juiz de primeira instância responsável pela Operação Lava Jato, ele cometeu barbaridades jurídicas para incriminar, sem provas, o ex-presidente Lula (casos do Triplex e do sítio em Atibaia) e tirá-lo da eleição de 2018. Some-se a isso que, em nome do “combate à corrupção”, destruiu a indústria brasileira, jogou milhões de trabalhadores no desemprego e o país na dependência tecnológica de outras nações.

    A Lava Jato também possibilitou o acesso de representantes estadunidenses à gestão de empresas como a Petrobras e a Odebrecht que, além de ilegal, desdobrou-se em multas milionárias e conhecimento, pelos concorrentes, de seus planos estratégicos. Para quem assistiu ao filme Snowden (2016) do premiado diretor estadunidense Oliver Stone, as escutas que órgãos de inteligência dos Estados Unidos fizeram em várias partes do mundo, inclusive aqui, espionando a própria Dilma e os contratos que estavam sendo elaborados para a exploração do pré-sal brasileiro, fazem parte dessa lógica.

    O resultado do combate à corrupção apresentado pela Lava Jato é pífio. O que não impediu a mídia corporativa brasileira, TV Globo à frente, de tentar transformar Moro em “herói no combate à corrupção.” Moro saiu do governo Bolsonaro, depois de compactuar por 16 meses com todas as ilegalidades e absurdos que o presidente e filhos praticaram. Mas sair do governo não significa deixar a política, como alerta o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, para quem “Moro é o candidato dos Estados Unidos à presidência do Brasil”.

    Maus soldados e péssimos políticos, antes unidos na eleição de Bolsonaro, começam a se
    dividir. Em que pese a inércia do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) que continua se recusando a colocar em pauta a penca de pedidos de impeachment contra Bolsonaro, parte dos integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) está se movendo.
    Bolsonaro, cada vez mais enrascado, em queda acelerada junto à opinião pública e à frente
    de um governo que o mundo considera um perigo, corre atrás dos políticos do Centrão e do apoio da caserna na tentativa de barrar um possível processo de impeachment. Cargos
    começam a ser distribuído a rodo para esses senhores.
    O Plano de Desenvolvimento que o general Braga Neto, para alguns o “presidente operacional do Brasil”, anunciou para a retomada do crescimento, quando a pandemia amainar, está fadado ao fracasso. O capital internacional sumiu e o pouco que sobrou do empresariado brasileiro não se arriscará num cenário de enorme incerteza. Se o Estado não assumir a retomada da economia, o Brasil não terá futuro. Só que isso, para desespero dos péssimos políticos e dos maus militares, é muito parecido com a agenda que o PT colocou em prática nos anos que governou e com o projeto de “Plano para o Brasil” que Lula acaba de lançar.
    Os péssimos políticos só admitem mudanças para que tudo continue como está. Tanto que criticam Bolsonaro, mas cobrem de elogios a agenda ultraliberal colocada em prática pelo seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Os maus militares também estão com Bolsonaro, mas não falta até entre eles quem já admita que “o presidente está causando confusão em demasia”. Enquanto isso, os cidadãos indignados, em quarentena por causa do covid-19, não saem das janelas e gritam cada vez mais alto e forte, de todos os cantos do Brasil: “Fora Bolsonaro”.
    Como sabia Geisel, tentar tampar a panela, numa situação dessas, não surtirá efeito.

     

  • Militares que assassinaram homens com 80 tiros são soltos

    Militares que assassinaram homens com 80 tiros são soltos

    O Supremo Tribunal Militar (STM) votou ontem o Habeas Corpus (HC) dos nove atiradores que mataram Evaldo dos Santos Rosa e Luciano Macedo com 80 tiros em Guadalupe, Rio de Janeiro. Os nove soldados estavam presos preventivamente e são acusados homicídio qualificado e por omitirem assistência às vítimas.

    Os nove soldados realizavam uma blitz rodoviária no dia 7 de abril e alvejaram o carro do músico Evaldo com 80 tiros, dentre os 200 que dispararam a esmo. Também acabaram por acertar o lixeiro Luciano. Fazem parte do comboio mais três soldados que não foram presos preventivamente, sendo dois motoristas e um soldado que não atirou. Todos os militares fazem parte do 1º Batalhão de Infantaria Motorizada.

    No pedido de HC a defesa alega que a prisão preventiva foi feita “sem indicar que tipo fato ou atos estariam ou teriam realizado os Pacientes, capazes de impedir suas liberdades provisórias” além de pedir que a condenação se dê após o trânsito em julgado por terem “supostamente, disparado arma de fogo contra veículo particular, vindo a atingir civis, levando a óbito um civil e causando lesões em outro civil”.

    Dentre os quinze ministros que compõem o STM a maioria votou pela soltura, entre eles o relator, e apenas a ministra Maria Elizabeth Rocha votou pela manutenção das prisões. O presisidente só vota em caso de empate.

    O Ministro Lácio Mário de Barros Góes, que atuava como relator, afirmou que “atualmente, o cerceamento da liberdade dos Pacientes não mais se sustenta, notadamente porque os mesmos permanecem presos desde os fatos”. Ele também afirma que “a manutenção da custodia assumiria, certamente, contornos de pré-julgamento da ação penal e indevida antecipação de sanção”.

    O ministro Francisco Joseli Parente Camelo se referiu ao assassinato como “fatídico incidente” e começou seu voto lembrando o lema militar “missão dada é missão comprida”, depois de justificou que ação dos militares se deu em um contexto no qual os nove atiradores “cumpriam missão de natureza militar e, como humanos que são, em situação adversa estão sujeitos a cometerem equívocos e, até mesmo, excessos”. Para votar em favor à liberação dos atiradores ele se apegou à presunção de inocência e afirmou que “nada leva a crer que a concessão da liberdade provisória possa trazer algum risco no seio da sociedade”.

    Manifestação por conta do assassinato, Av Paulista. Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Já a ministra Maria Elizabeth Rocha votou pela continuidade da prisão, uma vez que entendeu haver na ação dos militares uma “desproporção de forças” e ter caracterizado a ação como “lamentável”. Ela também afirmou que “foi engendrado um esquema para escamotear a verdade. Daí o perigo de colocar em liberdade os envolvidos e estes novamente buscarem manipular as investigações” se referindo ao fato dos nove envolvidos terem forjados cenas para justificar a ação em um primeiro momento, não qual afirmaram que foram alvo de disparos.

    O Caso

    No dia 7 de abril de 2019, durante uma patrulha realizada pelo exército o carro do músico Evaldo dos Santos Rosa foi alvo de um ataque por parte dos soldados. Dentro do carro estavam a mulher de Evaldo, seu filho, seu sogro e uma amiga do casal. Os militares que dispararam 80 tiros em direção ao carro, não prestaram socorro e abandonaram o local.

    Evaldo morreu no mesmo dia e Luciano Macedo, que passava próximo ao carro no momento dos tiros, morreu em decorrência do ataque alguns dias depois, no hospital.

    Manifestação por conta do assassinato, Av Paulista. Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    A primeira justificativa dos militares foi acusar a família, que naquela tarde de domingo se dirigia para um chá de bebê, de terem atirado contra o comboio. Posteriormente mudaram de versão, afirmado que confundiram o carro com outro veículo que estaria sendo procurando na região.

     

  • O que os militares querem?

    O que os militares querem?

     

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Aroeira

     

    Não é de hoje que os militares representam uma força relevante no plano político nacional. Na história do Brasil , as Forças Armadas foram protagonistas nos momentos de crise institucional, sempre promovendo uma pacificação conservadora, violenta e autoritária.

    Isso não quer dizer que nessas experiências históricas os militares tenham tido completo controle da situação, que não tenham negociado ou dividido poder com os políticos civis. Erram os que acreditam que os militares têm poder absoluto. Erram também aqueles que acham que quando atuam na política as Forças Armadas são simples marionetes manipuladas pelas elites políticas civis. Aqui, como acontece quase sempre, o ideal está no meio termo.

    Hoje, essa discussão é mais que necessária.

    Dos 22 ministérios do governo de Jair Bolsonaro, oito estão ocupados por miliares, sem contar os cargos de segundo e terceiro escalões e, é claro, o presidente e o vice-presidente, ambos oficiais reformados do Exército.

    O que os militares estão querendo?

    As Forças Armadas possuem um projeto de Brasil, uma doutrina de desenvolvimento nacional? Ou se trata, apenas, de ocupar posições de poder e defender interesses corporativos? Será que eles querem uma revanche, uma vingança contra os governantes civis que durante a IV República produziram uma memória nacional hostil às Forças Armadas? Ou tudo isso junto?

    É difícil saber, pois dessa vez as Forças Armadas não escreveram sequer um manifesto, um documento programático, dizendo com clareza o que pretendem fazer.

    Em 1889, foram os militares que deram cabo à Monarquia. A crise do regime já se arrastava desde o final da década de 1870. Existia desde 1873 um Partido Republicano influente e ativo na propaganda política. Porém, na hora H, foi o Exército quem jogou a pá de cal no velho regime e expulsou a família real do Brasil. O projeto de nação era dado pela filosofia positivista e pregava a modernização autoritária através da urbanização e da industrialização. O projeto estava claro, havia sido escrito, principalmente pelos cadetes, aspirantes a oficiais que estudavam na Escola Militar da Praia Vermelha.

    Depois de muitos conflitos, os militares perderam o controle da República, em meados da década de 1890. As oligarquias civis, os fazendeiros exportadores de café, tomaram o poder. Os militares voltaram à arena política na década de 1920, com uma agenda parecida com a de seus antecessores positivistas: moralização das instituições, modernização autoritária, urbanização e industrialização. Tudo claramente formulado em manifestos e textos doutrinários escritos pelos oficiais de baixa patente, chamados genericamente de “Tenentes”.

    Nos anos 1960 um elemento novo veio se somar ao projeto de nação defendido pelos militares: o anticomunismo, sistematizado na doutrina de Segurança Nacional, desenvolvida na Escola Superior de Guerra, a ESG.

    As Forças Armadas estão novamente no poder, mas falta uma formulação clara do que querem, do que desejam para o país. Por isso, só nos resta seguir pelas veredas dos pronunciamentos isolados, das entrevistas. Três são os militares que representam as Forças Armadas dentro do atual governo: o vice-presidente Hamilton Mourão, o general Alberto Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo e o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional.

    E Jair Bolsonaro?    

    A passagem de Jair Bolsonaro pelo Exército foi controversa e atravessada por polêmicas. Reformado prematuramente por motivos até hoje mal explicados, Bolsonaro não chegou às altas patentes e acabou se tornando um político profissional, ficando quase 30 anos no Congresso Nacional. Bolsonaro passou mais tempo na política do que no Exército.

    Diferente são os casos de Hamilton Mourão, Alberto Santos Cruz e Augusto Heleno. Os três atingiram o generalato, tendo carreira longa e condecorada, possuindo no currículo o comando de forças brasileiras em países como Angola e Haiti.

    Entre os militares que compõem o governo, Mourão, Santos Cruz e Heleno são os que mais aparecem, os que mais falam à imprensa. Sempre usando tom médio, com roupas sóbrias, os três generais se apresentam como moderados e nacionalistas, com o claro objetivo de destoar da agressividade e do radicalismo que marcam a imagem pública de Jair Bolsonaro. Há cálculo político aqui e a clara demonstração de que Bolsonaro não tem a plena confiança da cúpula das Forças Armadas.

    Em entrevista concedida em 6 de janeiro de 2019 ao jornalista Valdo Cruz (Rede Globo), Santos Cruz afirmou que “não cabe ao governo interferir na atuação das ONGS, mas apenas zelar pelo bom uso do dinheiro público”. Ao se referir a movimentos sociais históricos como o MST e o MTST, o ministro-general foi muito cuidadoso nos adjetivos e chegou a destacar a “importância social dessas organizações, que devem ter sua livre atuação garantida por um governo democrático”.

    Desde dezembro de 2018, Augusto Heleno critica a fusão Embraer-Boeing, afirmando que os termos acordados não são os ideais para o Brasil. Nas críticas, Heleno fala em “soberania nacional”, em “estratégia de desenvolvimento”, o que sugere que ele não concorda com o entreguismo que vem sendo praticado pelo governo.

    São inúmeras as entrevistas em que Mourão desautoriza Jair Bolsonaro, sempre tentando se mostrar mais tolerante e moderado, como quem pretende ser uma alternativa de poder palatável a gregos e troianos.

    Durante o período em que exerceu interinamente a Presidência da República, em janeiro de 2019, Mourão se mostrou publicamente contrário a medidas que foram amplamente defendidas pelo núcleo familiar do governo de Jair Bolsonaro. O ponto central da discórdia foi relativo à mudança da embaixada brasileira em Israel. Em entrevista concedida à “Folha de São Paulo” em 30 de janeiro de 2019, Mourão, confrontando o presidente da República, garantiu que a embaixada não será transferida de Tel Aviv para Jerusalém.

    E isso sem contar as declarações em favor dos direitos das mulheres e ao aborto seguro e legal.

    Em 7 de fevereiro de 2019, Mourão, mais uma vez contrariando Jair Bolsonaro, recebeu em sua agenda oficial a CUT para discutir o projeto de Reforma da Previdência. Não é exagero dizer que nunca antes na história do Brasil um vice-presidente foi tão pouco discreto como é o general Mourão, para o desespero de Olavo de Carvalho e da família presidencial.

    O distanciamento entre Hamilton Mourão e o núcleo duro do governo de Jair Bolsonaro ficou ainda mais claro em 25 de fevereiro de 2019, quando o vice-presidente representou o governo brasileiro no “Encontro do Grupo de Lima”, onde foi discutida a questão da intervenção na Venezuela.

    Desautorizando explicitamente o chanceler Ernesto Araújo (escolhido a dedo por Bolsonaro), Mourão afastou a possibilidade de intervenção brasileira no país vizinho, com um categórico “nada de aventura na Venezuela”.

    Termino este texto sem responder a pergunta inicial. Não dá pra saber com clareza o que as Forças Armadas querem. Não há nenhum programa escrito, nenhum manifesto à nação. Dá pra saber que estão querendo algo e que têm em Alberto Santos Cruz, Augusto Heleno e Hamilton Mourão suas principais lideranças.

    Quando descobrirmos o que eles querem, talvez já será tarde demais.

     

  • Geisel e Figueiredo operaram pessoalmente na execução de inimigos do regime

    Geisel e Figueiredo operaram pessoalmente na execução de inimigos do regime

    O texto a seguir foi publicado nas redes sociais por Matias Spektor, professor da Fundação Getúlio Vargas:

    Este é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa.

    É um relato da CIA sobre reunião de março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, presidente da República recém-empossado, e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI).

    O grupo informa a Geisel da execução sumária de 104 pessoas no CIE durante o governo Médici, e pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo governo. Geisel explicita sua relutância e pede tempo para pensar. No dia seguinte, Geisel dá luz verde a Figueiredo para seguir com a política, mas impõe duas condições. Primeiro, “apenas subversivos perigosos” deveriam ser executados. Segundo, o CIE não mataria a esmo: o Palácio do Planalto, na figura de Figueiredo, teria de aprovar cada decisão, caso a caso.

    De tudo o que já vi, é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos. Colegas que sabem mais do que eu sobre o tema, é isso? E a pergunta que fica: quem era o informante da CIA?

    O relato da CIA foi endereçado a Henry Kissinger, então secretário de Estado. Kissinger montou uma política intensa de aproximação diplomática com Geisel.

    A transcrição online do documento está no link abaixo, mas o original está depositado em Central Intelligence Agency, Office of the Director of Central Intelligence, Job 80M01048A: Subject Files, Box 1, Folder 29: B–10: Brazil. Secret; [handling restriction not declassified].

    Você pode lê-lo aqui em inglês.

    Costuma-se dizer que Geisel foi uma espécie de “ditador esclarecido”, que conteve a “tigrada linha dura”, começou a “abertura política” e amenizou os rigores do regime militar brasileiro. Mas a descoberta do documento de 1974 desmonta essa  narrativa sobre Geisel, construída principalmente pelo jornalista Elio Gaspari, ao longo de seus livros “A Ditadura Envergonhada”, “A Ditadura Escancarada”, “A Ditadura Derrotada”, “A Ditadura Encurralada”, “A Ditadura Acabada”…

    A descoberta do documento de 1974 prova que Geisel não conteve a tigrada. Ele mesmo era o tigre, que comandou a execução sumária dos principais inimigos do regime.

     

    Segue a tradução do memorando da CIA a Kisinger sobre a execução sumária de presos no governo Geisel:

    “Relações Exteriores dos Estados Unidos, 1969–1976, Volume E – 11, Parte 2, Documentos sobre a América do Sul, 1973–1976

    1. Memorando do Diretor de Inteligência Central Colby ao Secretário de Estado Kissinger

    Washington, 11 de abril de 1974.

    Assunto

    Decisão do Presidente do Brasil, Ernesto Geisel, de continuar a execução sumária de subversivos perigosos sob certas condições

    1. [1 parágrafo (7 linhas) não desclassificado]

    2. Em 30 de março de 1974, o presidente brasileiro Ernesto Geisel reuniu-se com o general Milton Tavares de Souza (chamado General Milton) e com o general Confúcio Danton de Paula Avelino, respectivamente o chefe do Centro de Inteligência do Exército (CIE) que estava deixando o cargo e aquele que estava assumindo. Também esteve presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI).

    3. O General Milton, quem mais falou, delineou o trabalho do CIE contra o alvo subversivo interno durante a administração do ex-presidente Emilio Garrastazu Médici. Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e disse que métodos extra-legais devem continuar a ser empregados contra subversivos perigosos. A este respeito, o General Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pela CIE durante o último ano, aproximadamente. Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade.

    4. O Presidente, que comentou sobre os aspectos sérios e potencialmente prejudiciais desta política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre sua continuidade. Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O Presidente e o General Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral do CIE será coordenado pelo General Figueiredo.

    5. [1 parágrafo (12½ linhas) não desclassificado]

    6. Uma cópia deste memorando será disponibilizada ao Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. [1½ linhas não desclassificadas] Nenhuma distribuição adicional está sendo feita.

    W. E. Colby”