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  • CUCA, O TÉCNICO DO SÃO PAULO, FOI CONDENADO POR ESTUPRO NA SUÍÇA

    CUCA, O TÉCNICO DO SÃO PAULO, FOI CONDENADO POR ESTUPRO NA SUÍÇA

    Cuca, atual técnico do São Paulo, foi preso e condenado na Suíça, pelo estupro de uma menina de 13 anos
    Cuca, atual técnico do São Paulo, foi preso e condenado na Suíça, pelo estupro de uma menina de 13 anos

    Em julho de 1987, durante excursão do Grêmio à Europa, os jogadores Cuca (atual técnico do São Paulo), Henrique, Fernando e Eduardo foram presos em Berna, na Suíça, acusados de estuprar uma menina de apenas 13 anos.

    Eles ficaram 28 dias detidos. Dois anos depois, foram condenados pela Justiça daquele país, mas cumpriram a pena em liberdade.

    Jornalistas Livres republicam hoje texto produzido originalmente para o jornal feminista “Mulherio”,  que surgiu em 1982 e resistiu até 1989. A reportagem veio a público em outubro de 1987, na edição 33 do “Mulherio”, que tinha a poeta Adélia Prado na capa.

    As autoras do texto, as professoras e antropólogas Mirian Grossi e Carmen Rial, fazem uma impressionante descrição da recepção de torcedores aos jogadores acusados de estupro na Suíça, quando de sua chegada ao Aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre. A cena é digna de aparecer no filme Dogville (2003), do cineasta dinamarquês Lars Von Trier. Só que, em vez de alegoria sinistra da crueldade, tratava-se da vida real.

    Em 2014, Bolsonaro afirmou, na Câmara e em entrevista a jornal, que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada porque ele a considerava “muito feia” e porque ela “não faz” seu “tipo”.

    O texto das antropólogas, que neste ano completa 32 anos, é de uma atualidade perturbadora quando menciona o papel da grande imprensa na narrativa sobre o estupro-estupradores-futebol . E precisa ser relido, nestes tempos de criminalização da mulher que denuncia:

     

    Página 3 do Jornal Mulherio, de 1987
    Página 3 do Jornal Mulherio, de outubro de 1987 — veja abaixo a reportagem completa do jornal “Mulherio”
    Página 4 do Jornal Mulherio, de outubro de 1987
    Página 4 do Jornal Mulherio, de outubro de 1987
  • “A lei é para todos”

    “A lei é para todos”

     Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA

    “A lei é para todos”. É com esse mantra, repetido à exaustão, que a mídia hegemônica tenta justificar a prisão de Lula.

    É assim que a fábrica de narrativas do golpe neoliberal tenta legitimar a prisão, em um processo para lá de controverso, da maior liderança popular que o Brasil já teve.

    Mas a realidade é arisca e o povo de burro tem nada não.

    Como justificar a prisão de Lula se Aécio Neves está livre, leve e solto?

    Sim, Aécio Neves está solto, mesmo tendo recebido dinheiro de frigorífico, mesmo sendo flagrado em áudio planejando assassinato e aprontando todo tipo travessuras.

    As pessoas perguntam em tudo quanto é canto: e o Aécio? Tá solto por quê? Como pode tá solto?

    O departamento de jornalismo da rede globo, liderado por Ali Kamel, já identificou o problema e já inventou a sua narrativa.

    É essa narrativa, os seus desdobramentos e a sua relação com o golpe neoliberal em curso no Brasil o abacaxi que tento descascar neste ensaio.

    Vamos devagar, despacito, que o abacaxi é cascudo.

    Acompanhado de seus cupinchas, Ali Kamel, em um primeiro momento, usou a não prisão de Aécio Neves para atacar o “foro privilegiado”.

    Essa talvez tenha sido a última serventia de Aécio Neves ao golpe que ele ajudou a parir lá em 2014: simbolizar a dimensão nefasta do “foro privilegiado”.

    Sei bem que em tempos de criminalização da política, essa discussão é muito difícil, muito difícil mesmo. Mas precisamos enfrentá-la, pois está aqui, exatamente aqui, o núcleo duro do projeto institucional do golpe neoliberal: fragilizar a democracia, colocando-a de joelhos diante de um sistema de justiça que já mostrou ser facilmente pautado pelo império da comunicação.

    Não que o sistema de justiça seja uma mera marionete nas mãos da mídia hegemônica. Dizer isso significaria apresentar uma leitura míope da crise que desconsiderara os recentes conflitos travados entre os juízes e a imprensa, envolvendo o auxílio moradia e outros privilégios funcionais que o sistema de justiça serve numa bandeja de prata aos seus servidores.

    O que estou querendo dizer é que o sistema de justiça tem seus interesses corporativos, que se manifestam na defesa de benefícios e gordas pensões que oneram as contas públicas e, por isso, contrariam o projeto neoliberal.

    O neoliberalismo quer um Estado leve, enxuto, barato.

    Deu curto-circuito na bolsa de valores? Chama o Estado pra limpar a sujeita!

    O Estado precisa estar pronto, saudável, com contas equilibradas.

    O objetivo central do golpe está aqui: adaptar o Estado brasileiro aos interesses do rentismo. Pra isso, é necessário esvaziar a função social do Estado, tal como foi prevista na Constituição de 1988.

    O golpe não foi contra Dilma, não foi contra Lula, não foi contra o PT.

    O golpe é contra o contrato social e político da Nova República, que instituiu o Estado como agente provedor de direitos sociais.

    O neoliberal quer o Estado mínimo, mas só para os pobres.

    Para o rentista, o Estado deve ser máximo. O rentista não gosta da insegurança do mercado. O rentista gosta mesmo é do capitalismo sem riscos. O rentismo reúne o pior de dois mundos: a rapina burguesa e o ócio aristocrata.

    O rentismo, com seu desprezo pelos investimentos na cadeia produtiva, é o verdadeiro inimigo de todos nós, inclusive do sistema de justiça.

    Mas mesmo assim, mesmo com esse conflito potencial, a aliança entre a mídia hegemônica e o sistema de justiça continua sendo a força motora do golpe. A mídia hegemônica tem grande capacidade de pautar o comportamento dos magistrados, como demonstram a atuação de personagens como Joaquim Barbosa, Sérgio Moro, Carmem Lúcia e Luís Roberto Barroso.

    Todos eles, de alguma forma, trabalham com os dois olhos na “opinião pública”. O problema é que “opinião pública”, como bem lembrou Gilmar Mendes, nada mais é que “opinião publicada”, é aquilo que a imprensa hegemônica, dona do monopólio da informação, diz ser a opinião pública. Tempos estranhos esses em que Gilmar Mendes se transforma em referência.

    Enfim. Retomando o fio.

    O argumento de que Aécio Neves não foi preso por conta do “foro privilegiado” é falacioso em diversos aspectos e traduz o interesse do golpe neoliberal em tutelar a soberania popular.

    Explico.

    1°) O termo correto não é “foro privilegiado”, mas, sim, “prerrogativa de foro”. Não se trata de mera nomenclatura. No imaginário da população, o termo “foro privilegiado” está associado à impunidade, à blindagem a uma classe política corrupta.

    Chamar a “prerrogativa de foro” de “foro privilegiado” é uma estratégia para jogar a população contra a classe política, para fazer o povo negar a sua própria soberania. Pois é isso que acontece quando negamos a política: abrimos mão de nossa soberania e assinamos um contrato de servidão voluntária.

    O instituto da prerrogativa de foro não significa impunidade, mas, sim, uma garantia fundamental para a democracia moderna representativa, que é fundada na premissa de que a soberania pertence ao povo e é exercida pelo voto.

    O político eleito, portanto, representa a soberania de uma parcela da sociedade relevante o suficiente para se fazer representar por um mandato público.

    A prerrogativa de foro tem o objetivo de proteger esse mandado do arbítrio do sistema de justiça, que é constituído por servidores que não são eleitos, que não representam a soberania popular.

    Essa proteção, entretanto, não se dá pela impunidade. O político eleito pode, e deve, ser processado e julgado, mas apenas pela corte que, ao menos em teoria, é a mais qualificada da justiça brasileira: o Supremo Tribunal Federal, cujos ministros são escolhidos pelo presidente da República, que é eleito, que representa a soberania popular.

    É como se a escolha dos ministros do STF pela instituição Presidência da República significasse a transferência da soberania popular.

    O povo escolhe o presidente. O presidente escolhe os ministros. Logo, o povo também escolhe os ministros.

    Segundo a prerrogativa de foro, somente esses ministros, cuja autoridade também deriva da soberania popular, são legítimos para julgar os políticos eleitos.

    O conceito “prerrogativa de foro” faz todo sentido.

    Sem a prerrogativa de foro qualquer juiz de primeira instância teria poder para desestabilizar o mandato que a soberania popular emprestou ao político eleito.

    Entendem o risco que isso significa?

    Um exemplo pra ilustrar meu argumento, para que não saiam por aí dizendo que estou defendendo político corrupto:

    Uma liderança de bairro, oposição às forças políticas dominantes naquela localidade, consegue vencer as eleições e ocupar um mandato como deputado (a) no Legislativo estadual.

    Sem a prerrogativa de foro pra proteger o mandato dessa liderança, um juiz de primeira instância, na vara local, alinhado com os caciques derrotados, poderia constranger o representante da soberania popular.

    Ou seja, bastaria apenas um juiz, um único juiz mal intencionado, para processar a liderança eleita pela coletividade. A democracia ficaria fragilizada e nas mãos de um poder sobre o qual a soberania popular não tem nenhuma interferência.

    2°) É mentira dizer que o senador Aécio Neves não foi processado e condenado por causa do instituto da prerrogativa de foro.

    O mesmo STF que lavou as mãos quando permitiu que o Senado desse a última palavra no processo contra Aécio Neves, autorizou a prisão do senador Delcídio do Amaral, do Partido dos Trabalhadores, em pleno exercício do mandato.

    Entendem? Aécio e Delcídio, como senadores da República, tinham a mesma prerrogativa de foro, o mesmo direito de serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

    O Supremo Tribunal Federal julgou e condenou Delcídio do Amaral, que teve seu mandato cassado pelos seus colegas, no plenário do Senado da República.

    O mesmo STF escolheu não processar Aécio Neves, que teve seu mandato preservado, também no Senado da República.

    O próprio Aécio Neves votou pela cassação de Delcídio do Amaral. O cinismo no Brasil parece não ter limites.

    Ou seja, o STF, por uma decisão política, escolheu não processar Aécio Neves.

    O problema não está na prerrogativa de foro. O problema está no STF, que se tornou o principal avalista do golpe neoliberal, um golpe que tem o objetivo de perseguir todas as lideranças e partidos políticos que de alguma forma possam atrapalhar o desmonte do Estado brasileiro.

    Pra concluir, adianto aquela que será a próxima narrativa mobilizada pela mídia hegemônica para tentar justificar a prisão do presidente Lula. O golpe neoliberal não fecha sem a total destruição política do presidente Lula.

    Aécio Neves será preso!

    Com isso, o golpe neoliberal agradará a todos.

    Agradará aos justiceiros que sairão por aí gritando “A lei é pra todos!”.

    Agradará também a esquerda, que se sentirá vingada ao ver o candidato derrotado nas eleições de 2014, o mesmo que ajudou a desestabilizar o país, sendo devorado pelo monstro que alimentou.

    Uns e outros comemorarão como tolos, pois Aécio Neves já não serve pra nada. É um defunto político. É um boi magro que o vaqueiro experiente entrega às piranhas para conseguir atravessar o rio, são e salvo com o restante do rebanho.

    Ao entregar Aécio Neves para ser comido, o golpe neoliberal estará protegendo a sua vaca sagrada, o único tucano que tem alguma viabilidade eleitoral: Geraldo Alckmin, o Santo!

    Esse aí é privilegiado, com foro ou sem foro. Em Alckmin, nenhum juiz relará um dedo sequer.