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  • ‘Vamos criar distração’ VAZAJATO#parte21

    ‘Vamos criar distração’ VAZAJATO#parte21

    Do The Intercept Brasil

    O Procuradores da Lava Jato no Paraná programaram a divulgação da denúncia contra Luiz Inácio Lula da Silva no caso do sítio em Atibaia fazendo um cálculo corporativista e midiático. Em maio de 2017, eles decidiram publicar a acusação numa tentativa de distrair a população e a imprensa das críticas que atingiam Procuradoria-Geral da República na época, mostram discussões travadas em chats no aplicativo Telegram entregues ao Intercept por uma fonte anônima.

    À época, a equipe do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estava sob bombardeio por causa de um áudio vazado da colaboração premiada dos executivos do conglomerado JBS que atingia em cheio o presidente Michel Temer. Havia suspeitas de que o material havia sido editado. Meses depois, problemas mais graves – como o jogo duplo do procurador Marcelo Miller, que recebeu R$ 700 mil para orientar a JBS – levaram o próprio Janot a pedir que o acordo fosse rescindido.

    A denúncia do sítio já estava pronta para ser apresentada em 17 de maio de 2017, dia em que o jornal O Globo publicou reportagem acusando Temer de dar aval a Joesley para a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, do MDB. Diante da notícia, que caiu como uma bomba em Brasília, o coordenador das investigações no Paraná, Deltan Dallagnol, decidiu adiar o oferecimento e a divulgação da acusação contra Lula, inicialmente programadas para o dia seguinte.

    O perito Ricardo Molina, contratado pela defesa de Michel Temer, disse que o áudio da gravação da conversa de Joesley Batista com o então presidente era “vagabundo” e questionou sua autenticidade.

    Quatro dias depois, num domingo, a força-tarefa debatia no Telegram o tratamento dado pela imprensa ao áudio de Temer e Joesley. Peritos entrevistados ou contratados por veículos de comunicação identificaram cortes na gravação e apontaram que poderia ter havido edição do arquivo.

    A Lava Jato do Paraná, que não teve participação na delação da JBS, se preocupava: além de considerarem as falas de Temer inconclusivas do ponto de vista jurídico, os procuradores – que nunca lidaram bem com críticas da imprensa – se incomodavam com a repercussão das suspeitas de adulteração do material.

    Convencidos da integridade da gravação, os procuradores esperavam que viesse a público o quanto antes um laudo da Polícia Federal sobre o áudio. Foi durante essa discussão que Santos Lima expôs seu plano no grupo Filhos do Januario 1, restrito aos integrantes da força-tarefa: “Quem sabe não seja hora de soltar a denúncia do Lula. Assim criamos alguma coisa até o laudo”. Após seu chefe, Deltan Dallagnol, se certificar de que o plano poderia ser posto em prática, ele comemorou, no mesmo grupo: “Vamos criar distração e mostrar serviço”.

    A denúncia contra Lula foi apresentada à justiça e divulgada à imprensa no final da tarde do dia seguinte, dia 22.

    ‘ANUNCIARAM BATOM NA CUECA. E COM RELAÇÃO AO TEMER, NÃO TEM’

    COMO QUASE TODO O BRASIL, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná ficou sabendo do áudio em que Joesley Batista incriminava Michel Temer pela imprensa. Às 19h54 de 17 de maio, o procurador Athayde Costa enviou ao grupo de Telegram Filhos do Januario 1 o link da reportagem de O Globo. A informação abalou Brasília a tal ponto que forçou Temer a fazer um pronunciamento no dia seguinte para garantir, em seu português empolado, que não renunciaria à Presidência.

    Enquanto os procuradores da Lava Jato discutiam o vazamento, a procuradora Jerusa Viecili avisou aos colegas que a denúncia do sítio estava pronta para ser apresentada. Dallagnol, porém, avaliou que a acusação seria “engolida pelos novos fatos”, ou seja, os desdobramentos das revelações contra Temer.

    17 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

    Jerusa Viecili – 20:11:21 – pessoal, terminamos a denuncia do sitio. segue em anexo caso alguem quiera olhar. a ideia era protocolar amanha, mas devido aos novos acontecimentos …..
    Deltan Dallagnol – 20:11:26 – Por isso Janot me disse que não sabe se Raquel è nomeada pq não sabe se o presidente não vai cair
    Dallagnol – 20:11:38 – Esperar
    Dallagnol – 20:11:45 – Amanhã será engolida pelos novos fatos
    Dallagnol – 20:11:56 – E cá entre nós amanhã devemos ter surpresas
    Viecili – 20:11:56 – [anexo não encontrado]
    Viecili – 20:12:06 – [anexo não encontrado]
    Athayde Ribeiro Costa – 20:12:09 – Tem que ser segunda ou terca
    Viecili – 20:12:18 – sim, por isso podem olhar. pq eu nao aguento mais esse filho que não é meu! hehehehe
    Costa – 20:12:39 – É nosso
    Costa – 20:12:47 – E de todos

     

    As primeiras conversas dos procuradores sobre a delação da JBS revelam um clima de excitação. “To em êxtase aqui. Precisamos pensar em como canalizar isso pras 10 medidas”, escreveu Dallagnol em 17 de maio, no mesmo grupo, referindo-se ao projeto de medidas contra a corrupção capitaneado por ele.

    “Bem que poderia vir uma gravação do Gilmau junto né?!”, escreveu minutos mais tarde o procurador Roberson Pozzobon, em alusão ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, visto como um arqui-inimigo pela força-tarefa. O procurador Orlando Martello retrucou, pouco depois: “Defendo uma delação com temer ou Cunha para pegar Gilmar”.

    Passada a euforia inicial, no entanto, alguns procuradores começaram a expressar ceticismo sobre o real impacto do áudio contra Temer.

    19 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

    Carlos Fernando dos Santos Lima – 07:14:59 – Os áudios do Temer não são matadores, mas são bem melhores que eu imaginava.
    Santos Lima – 07:21:31 – E quanto a participação do Miller, ele até poderia negociar valores, mas tratar do escopo é algo inadmissível, pois é justamente aí que há a possibilidade de uso de informações privilegiadas. Houve ingenuidade em aceitar essa situação como se ela não fosse aparecer na imprensa.
    Santos Lima – 07:28:11 – [anexo não encontrado]
    Santos Lima – 07:28:52 – Júlio. Você que é especialista, conhece essa dupla sertaneja?
    Viecili – 07:31:41 – Problema foi que anunciaram batom na cueca. E com relação ao Temer, não tem.
    Viecili – 07:35:21 – Kkkkk desconheço; só apareceram nas paradas recentemente
    Santos Lima – 07:40:28 – Os diálogos são indefensaveis no contexto politico. Não há volta para o Temer. Ainda mais que a Globo não está aliviando como os jornais de São Paulo.
    Santos Lima – 07:40:33 – http://m.oantagonista.com/posts/exclusivo-a-integra-do-anexo-9
    Viecili – 07:44:22 – Sim. No contexto político. Mas com relação a crime, os áudios não são tão graves como anunciado.

     

    ‘AÍ MATA A REPERCUSSÃO’

    À MEDIDA QUE OS DIAS PASSAVAM, crescia a preocupação dos procuradores com questões que a força-tarefa considerava perigosas à imagem da Lava Jato. Uma delas era a situação delicada do ex-procurador Marcello Miller, que veio à tona no dia seguinte à reportagem de O Globo.

    A imprensa apontava que Miller, braço-direito de Janot na Lava Jato até o início de 2017, havia sido contratado pelo escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe, que trabalhava no acordo de leniência – a delação premiada de pessoas jurídicas – da JBS em outra operação, a Greenfield. À época, a PGR limitou-se a afirmar que Miller não participou das negociações da delação.

    A força-tarefa também se preocupava com as condições do acordo com a JBS, que previa, inicialmente, total imunidade aos delatores: eles não seriam denunciados criminalmente, ficariam livres da prisão e de tornozeleira eletrônica e poderiam se manter no comando das empresas. Dallagnol reportou aos colegas que apoiadores da Lava Jato consideraram “absurdo os batistas nos EUA rindo da nossa cara”, referindo-se aos irmãos Joesley e Wesley Batista, que deixaram o Brasil no mesmo dia em que fecharam a delação.

    O procurador Athayde Costa considerava que o Ministério Público estava “perdendo a guerra da comunicação” no caso da JBS. Concordando, Dallagnol angustiava-se com o silêncio de Janot, que não havia se manifestado publicamente desde a revelação de O Globo. Um trecho do diálogo entre os dois no Telegram mostra que Dallagnol tentou orientar o procurador-geral da República sobre como abafar a crise.

    20 de maio de 2017 – Chat privado

    Deltan Dallagnol – 15:50:31 – Caro segue o que postei mais cedo para mais de 100 colegas. Conte comigo e com a FT.
    Dallagnol – 15:50:32 – Caros a FTLJ não participou dos acordos e ficamos sabendo com a matéria do globo, como todos. É fácil quem não está na mesa de negociacao criticar. Há muitas peculiaridades no caso que justificam os termos do acordo. A questão é utilitária. Esse acordo entregou mais de 1800 políticos; o presidente da república e alguém que poderia ser o próximo, com provas bastante consistentes de ilícitos graves. Como creio que a PGR esclarecerá em breve, Miller não atuou no acordo, nem mesmo a empresa Trench, que só trabalha na leniencia, que é conduzida pela Greenfield e ainda não foi fechada. Está começando, como outras vezes, uma intensa guerra de comunicação. A imunidade é justificável, mas será um desafio na área da comunicação. A PGR conta com nosso apoio nesse contexto porque temos plena confiança na correção do procedimento e no interresse público envolvido na celebração dos acordos como feitos, considerando inclusive as peculiaridade do ambiente de negociação, feita com empresários que não tinham sequer condenações ou um ambiente adverso muito claro. Lembremos que o mais importante agora são as reformas que poderão romper com um sistema político apodrecido e as revelações desse acordo poderão contribuir muito nessa direção, se soubermos canalizar a indignação para o ponto certo, que é a podridão do sistema e a necessidade de mudanças.
    Dallagnol – 15:50:41 – Na minha opinião, precisamos focar em esclarecer os seguintes pontos em redes sociais e entrevistas: 1) Falsa estabilidade não justifica mantermos corruptos de estimação e crises intermitentes decorrerão da omissão em enfrentar esse mal. 2) A gravação é regular – tem a matéria da Folha que postei. Quanto à edição, há análises periciais com resultado pendente, mas tudo indica que confirma a ausência de edições. 3) Miller não atuou nos acordos feitos. 4) A excepcionalidade dos benefícios se justifica pela excepcionalidade das circunstâncias, pela exclusividade do que foi entregue, pela força dos fatos e provas, pela pela ausência de condenações e disposição em correr riscos na ação controlada. 5) A podridão revelada justifica priorizar a reforma anticorrupção. O ideal é que a PGR tome a frente nisso. Esse caso é um desafio pelo prisma da comunicação, com a máquina de marketeiros profissionais e duvidas naturais e legítimas da população.
    Dallagnol – 15:51:17 – Eu creio que um pronunciamento seu em vídeo ou exclusiva no JN seria muito pertinente e daria o tom para nós todos.

     

    Janot não respondeu naquele sábado, mas fez uma declaração, pela primeira vez desde a eclosão do escândalo, horas após as mensagens de Dallagnol. O Procurador-geral enviou ao STF uma manifestação afirmando que o áudio contra Temer “não contém qualquer mácula que comprometa a essência do diálogo”.

    A angústia em Curitiba, contudo, não foi aplacada. Assim, no domingo à noite, Santos Lima apareceu com a ideia salvadora.

    21 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

    Carlos Fernando dos Santos Lima – 20:02:26 – Quem sabe não seja hora de soltar a denúncia do Lula. Assim criamos alguma coisa até o laudo.
    Deltan Dallagnol – 21:03:14 – Acho que a hora tá ficando boa tb. Vou checar se tem operação em BSB, que se tiver vai roubar toda a atenção

     

    A resposta de Dallagnol mostra que os procuradores queriam garantir que não haveria, na Lava Jato de Brasília, uma operação – prisões ou buscas e apreensões contra investigados, por exemplo – que disputasse a atenção da imprensa com a acusação contra o ex-presidente.

    No minuto seguinte, ele enviou uma mensagem a outro grupo de Telegram, o Conexão Bsb – CWB, e consultou os colegas da PGR sobre a agenda da semana seguinte.

    21 de maio de 2017 – Conexão Bsb – CWB

    Deltan Dallagnol – 21:04:26 – SB, estamos querendo soltar a nova denúncia do Lula que sairia semana passada, mas seguramos. Contudo, se tiver festa de Vcs aí, ela será engolida por novos fatos… Vc pode me orientar quanto a alguma data nesta semana? Meu receio é soltarmos num dia e no seguinte ter operação, pq aí mata a repercussão
    Sérgio Bruno – 21:24:03 – Sem operações previstas para esta semana
    Dallagnol – 21:39:18 – Obrigado!

     

    Com o sinal verde de Brasília, Dallagnol retornou ao grupo da força-tarefa no Paraná e deu a notícia.

    21 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

    Dallagnol – 21:39:51 – Nesta semana não tem op de BSB (mantenham aqui óbvio). Da pra soltar a den Lula Cf acharmos melhor
    Jerusa Viecili – 21:40:51 – Faremos o release amanha
    Santos Lima – 21:45:18 – Vamos criar distração e mostrar serviço.

     

    AS REVIRAVOLTAS SOBRE A DELAÇÃO DA JBS, no entanto, estavam apenas começando. No início de setembro de 2017, após os delatores entregarem novos materiais em complementação ao acordo já homologado, Janot anunciou que a PGR iria rever as delações de Joesley, do diretor de relações institucionais da JBS, Ricardo Saud, e do advogado da empresa, Francisco de Assis e Silva.

    O motivo: em meio à nova remessa de arquivos entregues à PGR, a JBS incluiu a gravação de uma conversa em que Joesley e Saud falam sobre a atuação alinhada da holding com Marcello Miller durante a negociação da delação.

    11 de outubro: Um dia após ser preso, Joesley Batista deixa sede da Polícia Federal em São Paulo rumo a Brasília.

    A situação de todos os envolvidos deteriorou-se rapidamente. Em dez dias, Joesley e Saud foram presos e viram seus acordos de delação serem cancelados por Janot. A rescisão dos contratos ocorreu em 14 de setembro, mesma data em que a PGR fez a segunda denúncia contra Temer com base na colaboração da JBS. Meses depois, em fevereiro de 2018, o executivo Wesley Batista e o advogado Francisco de Assis e Silva também perderiam os benefícios da delação.

    Miller, por sua vez, acabaria denunciado em junho de 2018 por ter aceitado R$ 700 mil da JBS para orientar os delatores durante as negociações. O processo contra ele, que corre na Justiça Federal de Brasília, foi trancado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em 17 de setembro. A Quarta Turma do tribunal acatou um pedido da defesa de Miller, que apontou “inépcia” na denúncia do Ministério Público.

    A perícia da PF sobre o áudio, revelada mais de um mês depois que Lula foi denunciado no caso do sítio, identificou cortes, mas descartou adulteração na gravação. O conteúdo dela foi usado na denúncia que a PGR faria contra Temer e seu ex-assessor, Rodrigo Rocha Loures, em 26 de junho de 2017.

    Lula foi condenado a 12 anos e 11 meses de prisão no processo do sítio de Atibaia pela juíza Gabriela Hardt, em fevereiro de 2019. Ela admitiu ter partido de uma sentença do antecessor, Sergio Moro. O petista espera o julgamento de seu recurso na segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

    Já os delatores da JBS aguardam, até hoje, que o STF decida se vai homologar a rescisão de suas colaborações, como pediu Rodrigo Janot. No último dia 9, pouco antes de encerrar seu mandato à frente da PGR, Raquel Dodge enviou um pedido ao STF para que priorize o julgamento do caso.

     

    QUESTIONADO PELO INTERCEPT SOBRE O CASO, o Ministério Público Federal do Paraná disse que “quando nenhuma questão legal (como a existência de prazo ou risco de prescrição) ou razão de interesse público determina o momento de apresentação de uma denúncia ou manifestação, a força-tarefa ouve a equipe de comunicação quanto ao melhor momento para sua divulgação”.

    Um dos mentores da estratégia, o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima foi consultado separadamente porque não integra mais os quadros do MPF, já que aposentou-se em março deste ano. No entanto, ele não respondeu aos contatos do Intercept. O espaço está aberto para os comentários dele, que serão acrescentados se forem enviados.

    A Procuradoria-geral da República também foi procurada para comentar o tema, mas informou que não irá se manifestar.

     

     

  • O lugar de Temer na história do Brasil

    O lugar de Temer na história do Brasil

     

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Michel Temer está se despedindo do Palácio do Jaburu. Pois sim, apesar do grande esforço para ser presidente, mesmo sem voto, Temer não quis morar no Palácio do Planalto. Ficou com medo dos fantasmas, dizem as boas línguas. Deve ser um lugar com energia carregada mesmo.

    Resta saber qual será o destino de Temer: a cadeia ou algum cargo no governo de Jair Bolsonaro. Só o tempo dirá. O que dá pra fazer agora é tentar entender os impactos do governo de Michel Temer na sociedade brasileira.

    Qual é o lugar de Michel Temer na história do Brasil?

    Foram apenas dois anos e meio de governo. Mas como a cronologia não é ciência exata, nesses dois anos e meio cabem 70 anos de história, da longa história de um projeto desenvolvimentista por muito tempo fracassado e que, finalmente, se sagrou vitorioso. Temer foi o arquiteto dessa vitória.

    Mas que projeto desenvolvimentista é esse?

    Vamos lá, à velha e boa síntese histórica, que sempre ajuda a orientar as ideias.

    O “Brasil Moderno” nasceu na década de 1930, quando uma revolução administrativa foi realizada no período que aprendemos a chamar de “Era Vargas”. Essa revolução transformou o Estado, o poder público, no agente idealizador e organizador do desenvolvimento nacional. Isso não quer dizer que em períodos anteriores não existiram experiências de centralização política e administrativa. O Estado brasileiro não nasceu em 1930, é claro. O protagonismo do governo central já tinha se manifestado antes, mas nada comparado ao que começou a acontecer depois da chegada do grupo político chefiado por Getúlio Vargas ao poder.

    Onde tem governo existe oposição. Sempre foi assim. No mesmo tempo em que o projeto getulista ganhava contornos mais nítidos, surgiu outro projeto de desenvolvimento, um projeto rival.

    Esse outro projeto, representado por um partido político chamado UDN, propunha que o desenvolvimento do Brasil deveria ser organizado e estimulado pelo mercado nacional e internacional, pela iniciativa privada. Na época, esse projeto ficou conhecido como “entreguista”. Pra usar uma linguagem mais sóbria, vou chamá-lo aqui de “privatista”.

    Importante mesmo é saber que desde então a história brasileira é movida pelo conflito entre esses dois projetos de desenvolvimento. De um lado, o desenvolvimento tutelado pelo Estado. Do outro lado, o desenvolvimento impulsionado pelas forças mercado.

    A UDN, liderada por um sujeito chamado Carlos Lacerda, fez o que podia (e o que não podia) pra derrotar o projeto estatista, hegemônico na década de 1950.

    A UDN Tentou inviabilizar o segundo governo de Getúlio, que começo em 1951 e terminou de forma trágica em 1954.

    A UDN tentou impedir a posse de Juscelino Kubitschek, tentou governar junto com Jânio Quadros.

    A UDN ajudou a tocar fogo no país durante o governo de João Goulart e acabou se associando aos militares, com a expectativa de chegar ao poder através de um golpe de Estado.

    A UDN deu com os burros n’água. Os militares assumiram em 1964 e Carlos Lacerda saiu corrido do Brasil. Foi mordido pela cobra que ajudou a alimentar.

    No geral, a agenda de desenvolvimento efetivada pela ditadura militar esteve mais perto do projeto estatista do que do projeto privatista. Os anos passaram e as coisas mudaram. No final da década de 1980, os defensores do mercado encontraram um novo amor: Fernando Collor de Melo.

    Collor falava em diminuir o Estado, em atacar os privilégios do funcionalismo público, em combater a corrupção. Era o caçador dos marajás. Por trás do discurso, estava o velho projeto de entregar o desenvolvimento nacional ao controle das forças do mercado. Não deu certo. Ainda não foi dessa vez.

    Fernando Henrique Cardoso subiu a rampa em 1995, levando junto o projeto privatista. Agora vai? Será que foi?

    Foi até foi, mas foi bem mais ou menos.

    A coisa andou, o projeto privatista conseguiu algumas vitórias, entre elas a aprovação da Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000, no finalzinho da era FHC. A LRF trouxe uma novidade: agora, o Estado não teria mais poderes plenos para investir, para estimular o desenvolvimento nacional. O investimento ficaria limitado ao “equilíbrio das contas públicas”. Foi uma vitória do projeto privatista, sem dúvida. Mas foi pouco. A LRF e meia dúzia de privatizações. Os tucanos não entregaram tudo que prometeram.

    Fernando Henrique Cardoso prometeu acabar com a Era Vargas e refundar o Estado brasileiro. Não conseguiu. Tentou, mas não conseguiu.

    Chega 2003 e é a vez de Lula subir a rampa.

    Apesar de ter mantido parte da cultura administrativa formulada por FHC, os governos do PT brecaram o projeto privatista. O Estado voltou a ser o tutor do desenvolvimento nacional. Isso é especialmente verdadeiro para os governos de Dilma Rousseff, muito menos tolerantes com as ambições do mercado que os governos de Lula. Dilma é herdeira direta do projeto desenvolvimentista getulista, que chegou a ela através do filtro do brizolismo. Dilma jogou duro, talvez até demais.

    Dilma levou à ideia de que cabe ao Estado conduzir o progresso da nação ao limite do exagero, segundo alguns.

    Não à toa, o golpe parlamentar de 2016 se travestiu de impeachment usando exatamente a Lei da Responsabilidade Fiscal. Aconteceram ali dois golpes: o golpe óbvio se deu pelo afastamento da presidenta eleita sem comprovação de crime de responsabilidade. O golpe simbólico se manifestou no pretexto, que foi um ataque ao projeto estatista. É como se as forças do mercado, avalistas do golpe estivessem dizendo: o Estado não pode mais tutelar a economia. Se o ciclo é de crise, o Estado deve obedecer a tendência do mercado.

    O golpe parlamentar de 2016 criminalizou o movimento anticíclico do Estado brasileiro. Essa foi uma vitória do projeto privatista. Não parou por aí.

    Michel Temer conseguiu fazer em dois anos e meio o que os militares não fizeram (ou não quiseram fazer) em 21 anos, o que FHC não conseguiu fazer em oito anos.

    Michel Temer refundou o Estado moderno brasileiro. Temer, o refundador!

    Somente um governo não eleito e comandado por um político extremamente habilidoso e experiente poderia chegar tão longe, conseguiria fazer tanto e em tão pouco tempo. Isso não é um elogio, que fique claro.

    A PEC 55 (a PEC dos Gastos ou a PEC do Fim do Mundo) é o símbolo dessa refundação.

    Temer terminou o que FHC começou. A PEC 55 é a complementação da Lei da Responsabilidade Fiscal. Agora, o Estado está subordinado ao mercado por 20 anos. Não é mais o interesse público que condiciona o investimento do Estado, mas, sim, os limites dados pelo crescimento do mercado. O projeto privatista, finalmente, venceu.

    Mas ainda existia o risco das eleições de 2018. Ah, as eleições. O projeto privatista é escaldado com esse papo de eleição. Sempre perdeu muito mais do que ganhou. Historicamente, as urnas rejeitaram o projeto privatista.

    O projeto privatista deu um jeito para contornar o problema, um jeito engenhoso, habilidoso. Nem precisou recorrer à baioneta e à farda verde oliva. A formalidade democrática foi mantida, a formalidade.

    Primeiro, o candidato favorito, o principal antagonista do projeto privatista, foi impedido de concorrer. A expectativa era o retorno dos tucanos. Não foi possível. Sobrou Bolsonaro. O projeto privatista topou o risco.

    Depois, a discussão moral foi trazida para o centro do debate eleitoral. Corrupção pra cá, kit gay pra lá, mamadeira erótica acolá. Não houve confronto entre projetos. O segundo turno passou sem que sequer um debate acontecesse. Nenhum debate!

    A língua de Paulo Guedes coçou. Ele começou a falar. Foi silenciado. Bolsonaro foi eleito sem dizer como pretende governar o Brasil. Qualquer um minimamente atento sabe como Bolsonaro pretende governar o Brasil.

    Bolsonaro pretende seguir a trilha aberta por Temer.

    Temer é o refundador do Estado brasileiro. É este o lugar que ele ocupa na história do Brasil. Bolsonaro é figura secundária e tem a única função de manter o que foi feito, de evitar retrocessos. Pra isso, o PT precisa ser destruído. Lula deve morrer preso, mudo e longe de qualquer palanque.

    Bolsonaro vai se contentar com esse lugar secundário? Vai aceitar ser um mero coadjuvante? Ou ele vai se deixar levar pela histeria ideológica e moralista, tentando imprimir sua marca pessoal nessa “nova era”? Será Bolsonaro um presente de grego para o projeto privatista, como foram Jânio Quadros e Collor?

    A ver o que acontece. Só dá pra escrever história se for do passado.

     

  • A Ópera dos Canalhas

    A Ópera dos Canalhas

     

    Il vino si fa con l’uva
    Ditado italiano

    O liberalismo conseguiu fazer conviver no Brasil o discurso liberal e a escravidão. O romantismo dos discursos liberais destoava da realidade da qual se falava. Todas as rebeliões dos liberais no Brasil nenhuma teve por fundamento a liberdade. Pura canalhice. Os liberais brasileiros no século XIX usaram e abusaram do discurso sobre a liberdade, justificando suas condutas de transformar pessoas em mercadoria. Enfim, o discurso liberal das oligarquias bacharelescas justificou no século XIX a escravidão.

    No Brasil do século XXI, magistrados da alta oligarquia bacharelesca do Judiciário se utilizam da teoria do domínio do fato para justificar a seu bel prazer o combate à corrupção [1]. Pura canalhice! O brio da Toga oculta um objetivo político inconfessável: destruir o PT e afirmar a desfaçatez persecutória ao ex-Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2017, o caso exemplar da aplicação desvirtuada da teoria do domínio do fato é a sentença de um juiz da Vara Federal de Curitiba condenando o ex-presidente Lula a mais de nove anos de prisão. Paulo Nogueira Batista Jr. sintetizou o absurdo da sentença condenatória. Disse ele:

    “O ex-presidente foi condenado em primeira instância por crime de corrupção passiva. Ora, para caracterizar tal crime, parece que há pelo menos dois requisitos indispensáveis. Primeiro, comprovar o recebimento pelo corrupto de um favor ou benefício. No caso, o tríplex em Guarujá. Segundo, comprovar que o acusado se valeu de um cargo para prestar alguma contrapartida ao corruptor, no caso a OAS. Quanto ao primeiro aspecto, o juiz reconhece que não tem provas de que o tríplex pertence ou tenha pertencido a Lula. Alega, entretanto, que o ex-presidente era ‘proprietário de fato’. O juiz comprova a “propriedade de fato”? Comprovou-se o uso frequente do imóvel por Lula e seus familiares? Não. O que se alega simplesmente são uma ou duas visitas de Lula e dona Marisa ao tríplex. Uma, talvez duas visitas. Parece caricatura, mas não é. Quanto ao segundo aspecto, como o juiz comprova a contrapartida? Não precisa comprovar. A sentença alega: ‘Basta para a configuração que os pagamentos sejam realizados em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam’. Atos de ofício indeterminados. A citação é literal”. (Paulo Nogueira Batista Jr., “Ponto Paragrafo”. In: https://oglobo.globo.com/opiniao/ponto-paragrafo-21613089, Acesso em 23/07/2017).

    O ativismo judicial a serviço da direita brasileira tornou-se protagonista da cena política brasileira pelo menos desde o dito “Escândalo do Mensalão” (2005). O Poder Judiciário brasileiro tem protagonizado pelo menos nos últimos 12 anos, o tenor da Ópera dos Canalhas que tomaram de assalta a República Federativa do Brasil. Como diria Lévy-Strauss: Tristes Trópicos.

    Um detalhe: utilizamos canalha não como ofensa pessoal, mas como característica de uma conduta moral atávica da classe dominante brasileira e seus aliados de “classe mélia” bacharéis e pseudoilustrados, que, de modo cínico, justificam seus interesses particularistas de serviçais históricos da oligarquia dominante dizendo combater pelo interesse geral. No Dicionário Houaiss existe uma longa (e precisa) definição do verbete “canalha”. Vejamos:

    Canalha. 1. relativo a ou próprio de pessoa vil, reles. 2 que ou aquele que é infame, vil, abjeto; velhaco • 3 conjunto de pessoas infames, abjetas, desprezíveis. Etimologicamente a palavra canalha deriva do italiano canaglia, tendo sido utilizado mesmo antes do ano de 1338. A palavra deriva. de cane ‘cão’ + suf. coletivo e depreciativo -aglia. Nesse caso, significa “conjunto de pessoas desprezíveis’ ou ainda, ‘pessoa malvada’. Como sinônimos e variações temos: abjeto, acanalhado, baixo, bocório, cafajeste, chulo, desbriado, desgraçado, desonroso, desprezível, escroto, espurco, feio, ignóbil, ignominioso, imundo, incorreto, indecoroso, indigno, infame, inominável, inqualificável, intolerável, mal-afamado, mariola, mesquinho, miserável, mísero, moleque, mucufa, obnóxio, odioso, ordinário, pangarave, patife, pífio, pulha, rebaixado, reles, ribaldo, sacana, sem-vergonha, soez, sórdido, sujo, terrulento, torpe, tratante, tratista, velhaco, vergonhoso, vil, vilão. Ver também como sinonímia de pulha, rale e súcia.

    Abertura

    Assistimos pelo menos nos últimos doze anos uma tremenda ofensiva de frações da burguesia neoliberal brasileira ligadas ao polo hegemônico do imperialismo norte-americano, o mesmo que apoiou a ditadura militar e os governos de direita na América do Sul. Ás vésperas da eleição de 2006, produziu-se nos laboratórios da media de direita o “Escândalo do Mensalão”. O objetivo latente da media neoliberal articulada com frações da oligarquia bacharelesca do alto Judiciário era criar um clima politico e social para derrotar Lula nas eleições de 2006 e impedir a sua reeleição. Era preciso inovar na fundamentação jurídica para condenar a cúpula do PT e o próprio Presidente Lula acusando-os de corrupção. Deste modo, utilizou-se com deturpada criatividade, a teoria do Domínio do Fato, adequando-o ao ativismo judicial da direita brasileira.

    No Brasil, fez-se uma mistura à brasileira da teoria do domínio do fato com a Razão Cínica, que não é novidade na cena brasileira, pelo menos desde o século XIX (a vanguarda do atraso civilizatório da terra brasilis deveria impressionar e fascinar, por exemplo, o filósofo alemão Peter Slotedijik, autor de “Crítica da Razão Cínica” que, se fosse brasileiro, teria incluído em seus cinismos cardinais, o cinismo judiciário).

    Entretanto, em 2006, o tiro saiu pela culatra: a articulação juridico-midiática do Escândalo do Mensalão fracassou no seu intento político, pois Lula foi reeleito, derrotando o candidato do PSDB, José Serra. Entretanto, a ofensiva juridico-midiática contra o PT e suas lideranças politicas prosseguiu, encarcerando importantes quadros da estratégia de poder petista (p. exemplo, o ex-ministro José Dirceu).

    Foi notável a habilidade política de Lula em lidar com o poder oligárquico brasileiro, dividindo-o e algumas vezes, confundindo-se com ele. A partir de 2007, após reeleger-se para a Presidência da República, Lula aproximou-se do PMDB de Michel Temer buscando criar uma maioria política capaz de avançar no projeto reformista do PT (o emblema do lulismo, “reformismo sem reformas” ou “reformismo fraco”, como diria André Singer). Imbuído de pragmatismo politico intrínseco à inteligência sindical de Lula, o lulismo “confundiu-se” com a banda fisiológica da oligarquia brasileira (o PMDB de Michel Temer) visando isolar a direita neoliberal aliada aos interesses do Departamento de Estado norte-americano.

    O governo Lula enfrentou com sucesso os impactos imediatos da crise financeira de 2008 no Brasil. O sucesso da economia brasileira e os programas sociais com transferência de renda, tal como o Bolsa Família, impulsionou sua popularidade. O Escândalo do Mensalão e a acusação de corrupção contra o PT, cruzada ideológica levada a cabo pela mídia neoliberal e a oligarquia bacharelesca liberal do alto Judiciário brasileiro, não impediu que Lula elegesse sua candidata a Presidência da República em 2010 – Dilma Rousseff pelo PT, tendo como vice-presidente Michel Temer, do PMDB. Lula cumpriu o acordo feito com o “cacique” peemedebista Michel Temer logo após as eleições de 2006, indicando-o como “sombra” de Dilma Rousseff. Entretanto, como iremos ver, o pragmatismo do lulismo levaria o PT a pagar um alto preço político mais tarde.

    O sucesso da empreitada do PT levada a cabo por Dilma Rousseff foi bruscamente interrompida com a conjuntura da economia mundial aberta pela crise do capitalismo global que chegou ao Brasil na primeira metade da década de 2010. A desaceleração da China (2013) e a queda dos preços das commodities (2014), além de erros pontuais na política macroeconômica conduzida pelo Ministro Mantega no primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014), contribuíram para uma das maiores crise da economia brasileira dos últimos tempos.

    O Ministro da Fazenda de Dilma errou ao manter a apreciação do real em detrimento da indústria nacional (embora a redução da inflação no começo do governo Dilma, tenha aberto espaço para que o câmbio fosse desvalorizado sem que isso implicasse rompimento da meta de inflação, a politica de desindustrialização se manteve); ao adotar uma politica de benefícios fiscais para o empresariado brasileiro iludindo-se com a perspectiva de que eles voltassem a investir (os benefícios fiscais concedidos pelo governo Dilma Rousseff, de 2011 até 2015, passaram de 408 bilhões de reais!); e ao conter preços das tarifas dos serviços públicos (por exemplo, petróleo e energia elétrica) como estratégia para manter a inflação na Meta. Além disso, a rendição em 2013 à politica do Banco Central, que diante da retomada inflacionária voltou a aumentar juros num cenário de flagrante desaceleração da economia. Entretanto, os erros de condução macroeconômica e a profunda inabilidade política de Dilma Rousseff diante do desmoronamento da arquitetura política do lulista (dissenções no PMDB e rompimento do PSB), indicavam algo mais profundo: os limites do neodesenvolvimentismo diante da crise estrutural do capitalismo brasileiro.

    Presto Agitato

    A luta de classes num cenário de avanço da crise da economia e inquietação social, polarizou esquerda e direita no seio da sociedade brasileira. A manipulação midiática da TV Globo e redes afins e a ofensiva jurídica com a nova operação “desmonta PT” – a Operação Lava Jato – iniciada em 2014, ano da eleição para a Presidência da República, criou um clima de guerra às vésperas da eleição de 2014.

    Por um lado, a alta classe média hegemonizada pela mídia neoliberal de direita foi as ruas contra o governo Dilma. Desde 2013, o ano das jornadas de julho, a rebelião do precariado que se tornou a revolta da “classe média” coxinha, movimentos sociais – MBL, Vem Pra Rua, Revoltados On-Line – financiados pelo empresariado brasileiro – e provavelmente com dólares – aproveitaram a crise político-moral no País para instalar nas ruas a pauta da direita brasileira. A baixa “classe média” inquieta pela proletarização – parte dela sob inspiração de ideologias “esquerdistas” sedentas da luta de classes e pregando a luta pelo socialismo – também insurgiu-se como oposição contra o governo Dilma confundindo-se objetivamente com a demanda politica da direita reacionária.

    Apesar dos desvarios à direita e à esquerda da “classe média” brasileira, a nova classe trabalhadora (que Lula errou ao denominá-la “nova classe média”), a classe operária organizada e o subproletariado – beneficiários dos Programas Sociais – conseguiram reeleger por uma pequena margem de votos, Dilma Rousseff em 2014, derrotando o candidato do PSDB, Aécio Neves. Foi uma vitória de Pirro. Mais uma vez, Lula, cabo eleitoral de Dilma, demonstrou sua notável força política de líder popular. A nova derrota politica da direita brasileira – a terceira derrota eleitoral em pouco mais de dez anos! – seria inaceitável para o bloco no poder da oligarquia brasileira. O bloco de poder recomposto no Brasil não deixaria impune o atrevimento da esquerda petista.

    Presto Bruscamente

    A arquitetura política do lulismo construída em 2006 desmoronou-se mesmo antes da eleição de Dilma Rousseff. O projeto neodesenvolvimentista do PT estava condenado. Em 2014, Lula, Dilma e o PT ganharam no voto popular, mas perderam efetivamente na correlação de força no interior da sociedade política e do aparelho de Estado, incluindo Parlamento e os estamentos da Procuradoria-Geral da República, Ministério Público Federal, Polícia Federal e o alto Poder Judiciário (elite política de classe média de extração oligárquico-bacharelesca sob hegemonia liberal).

    O Congresso Nacional, eleito em 2014, tinha dentro de si uma composição-bomba, financiada pelo grande capital e articulada em bancadas para fechar com a pauta empresarial da direita conservadora. A conspiração efetiva pelo “desmonte do Brasil” vinha, pelo menos desde 2013. A burguesia brasileira de extração colonial-escravista, diante da crise profunda do capitalismo brasileiro, no calor do Golpe em processo, expressou-se em 2015 por meio do Programa do PMDB – “Ponte para o Futuro” – que sinalizava, logo após Dilma ser reeleita, para a necessidade de uma nova ofensiva neoliberal no Brasil. O Golpe era uma crônica de uma morte anunciada.

    Eleita em 2014, com o PT sob fogo cruzado da Operação Lava Jato e sem maioria política no Congresso Nacional (a arquitetura de alianças política do lulismo tinha implodido – a burguesia não queria mais o PT!), e diante do aprofundamento da crise da economia brasileira – caos da economia criada pelo empresariado nacional, capitaneado pela FIESP e CNI – Dilma cometeu erros cruciais na resistência politica: por exemplo, iludiu-se (?) indicando Joaquim Levy, homem do Bradesco, para o Ministério da Fazenda acreditando que pudesse acalmar a burguesia rentista que comanda o bloco no poder recomposto. Outro erro politico: manteve como Ministro da Justiça, o débil José Eduardo Cardoso que, com seu republicanismo venal, assistiu impassível movimentações do golpismo nas barbas da Polícia Federal; indicou para a Procuradoria-Geral da República, Rodrigo Janot, homem do corporativismo do Ministério Público Federal, outro articulador passivo do golpe de 2016; e manteve como articular politico o insosso Aluízio Mercadante. Enfim, contra canalhas o republicanismo, além de ineficaz, é burro. Em 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff seria destituída por impeachment num ritual macabro de venalidade parlamentar nunca antes visto na história desse país.

    Teoria do Domínio do Fato e a Razão Cínica

    A Operação Lava Jato, nascida em 2014, e que hoje acusa e condena o ex-Presidente Lula é personagem principal da Ópera dos Canalhas, o processo do Golpe de 2016 que propiciou que uma quadrilha de bandidos profissionais da política, tomassem de assalto o Parlamento brasileiro e o Palácio do Planalto. A Operação Lava Jato é o baixo-barítono que acompanha o alto Judiciário como barítono do Golpe parlamentar-juridico de 2016. Como tenores e contratenores temos o Congresso Nacional. O contralto, mezzo-soprano e soprano são compostos pelos postos-chaves do aparelho de Estado no Brasil (STF, Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, Mídia neoliberal hegemônica). Em 2017, após a canaglia destituir inconstitucionalmente a Presidenta Dilma Rousseff (PT) e empossar o Vice-presidente Michel Temer (PMDB) como Presidente da República, digladiam-se entre si para ver quem dá prosseguimento ao desmonte da Nação e a espoliação dos direitos do provo brasileiro.

    O exercício de memória história torna-se fundamental para nos fazer lembra que vinho é feito de uva, assim como a digna Justiça que condena Lula é a mesma que foi colaborou (e colabora) com os desdobramentos da Ópera dos Canalhas, utilizando com desfaçatez da Teoria do Domínio do Fato, artifício jurídico perigosíssimo nas mãos de oportunistas de plantão da alta estratégia política conspiratória credenciada pela CIA e Departamento de Estado norte-americano.

    No Brasil, a teoria do domínio de fato foi temperada no bom ecletismo culinário tupiniquim, pela Razão Cínica que crassa na pós-política da hipermadoria senil. O choque de capitalismo de FHC, Lula e Dilma produziram cidadãos reclusos em seu narcisismo, armados de cinismo até a alma.

    Os juristas da Toga oligárquica brasileira apenas expressam a cultura de “classe média” pós-ditadura militar. O medo do povo produz monstros. O advento da razão cínica na hipermodernidade senil anuncia um aprofundamento das mistificações constitutivas do sistema ideológico do capital – política e ideologia jurídica, impondo profundas limitações ao modo tradicional de operar o Estado democrático de direito. Como se sabe, tais mistificações apareciam como inerentes à realidade social burguesa, como condição necessária para que ela própria se reproduza.

    Contudo, como bem observou Slavov Zizek, a compreensão da ideologia nessa forma clássica pressupunha, segundo ele, que os agentes comprometidos diretamente na prática utilitária, assim como os analistas superficiais dos acontecimentos econômicos, desconhecessem os pressupostos objetivos de suas crenças. Disse ele que a melhor expressão dessa inocência por ignorância fora fornecida pelo próprio Marx quando declarara nas páginas de “O Capital”, sobre a redução do trabalho concreto ao abstrato, que ela ocorria realmente por meio das práticas sociais cotidianas dos agentes econômicos – e porque não, jurídico-políticos -, mas que “eles não sabem, mas o fazem”.” (ZIZEK, Slavov. “Eles não sabem o que fazem: O sublime objeto da ideologia”, Zahar Editores, 1992)

    Entretanto, Zizek concorda com Peter Sloterdijik (“Crítica da Razão Cínica”, Estação Liberdade, 2012) que o funcionamento da ideologia se tornara cínico. Segundo ele, “o sujeito cínico tem perfeita ciência da distância entre a máscara ideológica e a realidade social, mas, apesar disso, contínua a insistir na máscara”. [o grifo é nosso] Portanto, o filósofo Sloterdijk, num acesso de sinceridade cruel, propusera uma mudança na fórmula expressiva da ideologia: ao invés de afirmar que “eles não sabem, mas o fazem”, ter-se-ia de proferir que “eles sabem muito bem, mas fazem assim mesmo”. Enfim, a elite togada brasileira que utiliza a teoria do domínio do fato para perseguir lideranças políticas de esquerda, tal como o ex-Presidente Lula, sabe muito bem o que faz e faz assim mesmo.

    Voltemos à questão inicial do nosso artigo: a elite oligárquica bacharelesca do alto Poder Judiciário no Brasil possui impressa em seu DNA de extração colonial-escravista, medos e preconceitos atávicos contra o povo e seus representantes políticos. A burguesia canalha brasileira e sua “classe média” herdaram do passado lúgubre da formação histórica do Brasil, o estigma do sentido da colonização (vide Caio Prado Jr.). Isto não é nenhuma novidade. Desde 1964 vislumbramos os desvarios da miséria brasileira nos golpes nosso de cada dia (lembram da operação midiática da TV Globo contra Lula nas eleições para Presidência da República em 1989?). Os canalhas apostam no Alzheimer nacional: a doença degenerativa da memória pública que assola o povo brasileiro.

    A magistral “Ópera dos Canalhas” que se encena diante dos olhos perplexos da Inteligência brasileira prossegue fazendo a nova (e insana) revolução burguesa no Brasil – revolução e contrarrevolução. Os canalhas se digladiam entre si. Na politica da Triste República, a grotesca aliança pós-trágica entre mídia neoliberal, burguesia rentista, classe média imbecilizada e povo inquietamente sonolento (que o lulismo na sua era dourada embalou com o canto do consumo e meritocracia) parece levar o País para a convulsão social.

    2018 é a incógnita da Incógnita. Como ato grotesco da Ópera dos Canalhas, a condenação de Lula por uma sentença histriônica que o condena em provas, pois se utiliza, com sua Razão Cínica, do artifício jurídico da teoria do domínio do fato, apenas compõe mais um ato de desvario da elite barítona de Toga do pobre capitalismo brasileiro rumo ao abismo histórico.

    [1] A teoria do domínio do fato foi criada por Hans Welzel em 1939 e desenvolvida pelo jurista Claus Roxin, em sua obra Täterschaft und Tatherrschaft de 1963, fazendo com que ganhasse a projeção na Europa e na América Latina. Como desdobramento dessa teoria, entende-se que uma pessoa que tenha autoridade direta e imediata sobre um agente ou grupo de agentes que prática ilicitude, em situação ou contexto de que tenha conhecimento ou necessariamente devesse tê-lo, essa autoridade pode ser responsabilizada pela infração do mesmo modo que os autores imediatos. Tal entendimento se choca com o princípio da presunção da inocência, segundo o qual, todos são inocentes, até que se prove sua culpabilidade. Isto porque, segundo a teoria do domínio do fato, para que a autoria seja comprovada, basta a dedução lógica e a responsabilização objetiva, supervalorizando-se os indícios. Ela foi utilizada pela primeira vez no Brasil, no julgamento do “Escândalo do Mensalão”, para condenar José Dirceu, alegando-se que ele deveria ter conhecimento dos fatos criminosos devido ao alto cargo que ocupava no momento do escândalo, além de os crimes terem sido aparentemente perpetrados por subordinados diretos seus. Entretanto, conforme declarou o próprio jurista Claus Roxin, a decisão de praticar o crime “precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido”.

    * Giovanni Alves (giovannialves@uol.com.br) é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da RET (Rede de Estudos do Trabalho) – www.estudosdotrabalho.org ; e do Projeto Tela Crítica/CineTrabalho (www.telacritica.org).. É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais “O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000)”, “Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório” (Boitempo Editorial, 2011), “Dimensões da Precarização do trabalho” (Ed. Praxis, 2013), “Trabalho e neodesenvolvimentismo” (Ed. Praxis, 2014) e “Labirintos do labor” (Ed. Praxis, 2017, no prelo). E-mail: giovanni.alves@uol.com.br. Home-page: www.giovannialves.org

    Notas

    1 Esse artigo do professor Giovanni Alves foi originalmente publicado em: http://editorapraxis.com.br/a-opera-dos-canalhas/

    2 Essa matéria recebeu o selo 019-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:

    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario

  • O Parentesco de Pedro Parente é com o PSDB

    O Parentesco de Pedro Parente é com o PSDB

    Pedro Parente e o modo como geriu a Petrobras têm no DNA a ideologia entreguista de Serra, Doria, Alckmin, Goldman. FHC e partidários do PSDB em geral. Lembremos das privatizações das telefônicas, das empresas de energia elétrica, dos bancos estaduais e muitas outras empresas que acabaram em mãos estrangeiras. Para quem não leu, é fortemente recomendado o livro Privataria Tucana. Lembremos que tirar a obrigatoriedade da Petrobras estar nas associações para explorar o pré-sal foi o primeiro projeto de Serra após o golpe.

    Não foi somente a reação à política de preços de Parente que o derrubou. Sua entrega de ativos da Petrobras a empresas estrangeiras, sua determinação de reduzir o refino e importar derivados, sua determinação de não mais privilegiar conteúdo nacional em suas compras, enfim seu modo privado de gerir uma empresa pública fez proliferar uma oposição contra ele que atingiu o auge com a greve dos caminhoneiros. Muito do apoio conferido aos caminhoneiros teve origem na indignação com as medidas de Parente de entregar ativos da empresa e nossas reservas de petróleo ao controle estrangeiro. Nem mesmo a autoritária decisão do Tribunal Superior do Trabalho de impedir a greve dos petroleiros foi capaz de estancar sua sangria do presidente da maior empresa brasileira.

    Os blocos dominantes, a elite econômica brasileira e a elite estrangeira com interesses no Brasil, estão em franca disputa pelo poder no nosso país. Sem candidato que consiga assumir a hegemonia da classe, o que assistimos é um jogo com derrotas impostas aos mais diversos atores. Temer e seus aliados eram o alvo preferido. Até chegarmos a essa derrota fragorosa do PSDB.

    Não podemos descartar a possibilidade de se reconstituir um pacto com conteúdo semelhante àquele estabelecido na Constituição de 1988. A luta política está aí para quem é de luta.

  • A Globo e sua fábrica de narrativas

    A Globo e sua fábrica de narrativas

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Al Margen

    Venho utilizando o termo “fábrica de narrativas” para tratar da atuação da grande imprensa na crise brasileira contemporânea. Talvez este seja um dos aspectos mais importantes da crise: nunca antes na história do Brasil a imprensa foi player tão relevante no jogo político.

    Isso não significa poder absoluto de manipulação. As pessoas não são gado. O público não é rebanho que simplesmente segue a toada da narrativa midiática. É certo que a imprensa hegemônica tenta pautar a opinião pública, conduzir a crise, mas sua eficiência é limitada. É essa tensão entre tentativas e limites o tema deste ensaio.

    Acho mesmo que a imagem da “fábrica” nos ajuda a compreender a atuação dos conglomerados midiáticos na conjuntura da crise. Uma fábrica precisa ser gerenciada, organizada a partir de um centro administrativo comprometido com a realização de um determinado projeto.

    O projeto da grande imprensa brasileira está claro, desde o início da crise: legitimar na opinião pública a agenda desenvolvimentista neoliberal, marcada pelo desmonte do Estado e pela entrega da tutela do desenvolvimento nacional ao controle das forças do mercado.

    Quando falo em “grande imprensa brasileira” estou me referindo, naturalmente, à Rede Globo. Há outros veículos, com suas especificidades. Mas no geral é a Rede Globo quem dá o tom, quem gerencia a fábrica de narrativas.

    Não quero dizer que a Rede Globo, em si, tenha compromisso moral com o neoliberalismo. A Globo não tem moral própria, não tem projeto próprio. A Globo tem clientes.

    Hoje, no Brasil e no mundo, não existe cliente mais valioso que o neoliberalismo, representado pelos grupos que pretendem varrer o Estado de Bem-Estar Social do mapa ocidental.

    Pois sim, leitor e leitora: a crise não é só brasileira.

    O Brasil até pode ser o principal laboratório da ofensiva neoliberal contra o Estado, mas a crise tá longe de ser uma exclusividade nossa.

    O investimento da Rede Globo na defesa da agenda neoliberal é tão intenso que está modificando uma antiga prática da empresa. Antes, o núcleo do entretenimento era relativamente independente do núcleo do jornalismo. As agendas eram diferentes.

    As novelas da Globo, por exemplo, contribuíram bastante para a ampliação dos direitos civis no Brasil, especialmente no que se refere aos direitos de mulheres, de pretos e pretas e da comunidade LGBT. Ou seja, se o departamento de jornalismo da emissora é historicamente conservador e alinhado com as agendas econômicas e políticas do grande capital, o departamento de entretenimento sempre foi relativamente progressista.

    Não que exista propriamente uma contradição entre os interesses políticos e econômicos do grande capital e os valores progressistas ligados ao plano do comportamento e comprometidos com o princípio da “liberdade do corpo”. Cada vez mais, o capitalismo busca a leveza e o distensionamento das relações sociais, o que sugere a superação de opressões que restringem mercados e atrapalham os negócios, como é o caso do machismo, da homofobia e do racismo. Mas não é desse capitalismo leve que quero falar, não aqui, não agora.

    Quero mostrar como o núcleo do jornalismo vem, cada vez mais, utilizando o núcleo do entretenimento para defender as reformas neoliberais que estão desmontando o Estado brasileiro.

    Acontece que o projeto defendido pela fábrica de narrativas tem um grande adversário: o imaginário da população brasileira, que é atravessado pela ideia de que cabe ao Estado prover direitos sociais e tutelar o desenvolvimento nacional.

    Temos, então, a seguinte situação: de um lado está o projeto neoliberal, que apesar de ter tomado de assalto o Poder Executivo e partes consideráveis do Poder Legislativo e do Sistema de Justiça, não conta com o apoio da maioria da população. Do outro lado, o imaginário popular, que depositando suas expectativas de direitos sociais no Estado, resiste à ofensiva neoliberal.

    O Partido dos Trabalhadores ainda é predileto dos brasileiros. Se for candidato, Lula será eleito, talvez no primeiro turno. Chamo isso de resistência.

    A defesa da Rede Globo das reformas neoliberais propostas pelo governo de Michel Temer é um bom termômetro para medirmos a real capacidade da mídia hegemônica em pautar a opinião pública. Muitas vezes, essa capacidade é superestimada.

    Até aqui, foram três as principais reformas: A PEC 241, (também conhecida como a “PEC dos gastos”), a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência.

    Nos três casos, a Rede Globo mobilizou toda a sua estrutura, incluindo o núcleo do entretenimento, para manipular a opinião pública e garantir apoio popular à agenda reformista. Os programas da grade matutina mostram claramente esse esforço.

    Por partes, um passo de cada vez:

    • A PEC 241

    Entre agosto e dezembro de 2016, nos dias e meses seguintes ao golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff, o governo de Michel Temer vivia o apogeu de sua vitalidade política. Temer não foi eleito pela opinião pública. Temer foi eleito pelo Congresso Nacional. Por isso, seu governo nasce marcado pela combinação entre a rejeição popular e o apoio parlamentar. Michel Temer entendeu perfeitamente que o Congresso era tudo que tinha.

    A PEC dos gastos foi a primeira grande agenda política de Michel Temer e representa uma mudança nos fundamentos conceituais do Estado brasileiro. Trata-se da restrição do poder de investimento do Estado, ou seja, o Estado deixa de ser soberano para planejar políticas públicas e cumprir seu papel civilizatório. Com a aprovação da PEC, a ação do Estado passa a estar subordinada ao crescimento econômico, ao mercado.

    Na prática, a PEC criminaliza os movimentos anticíclicos do Estado. Ou em outras palavras: em momentos de recessão, de crise, o Estado não tem mais instrumentos legais para contrariar a crise, para fomentar desenvolvimento. O poder, portanto, está no mercado e não no Estado.

    A PEC 241 significa uma ofensiva contra o principal fundamento do imaginário político do Brasil moderno, que desde os anos 1930 define o Estado como o centro de planejamento do desenvolvimento nacional. Até aqui, esse imaginário não tinha sido contrariado, nem pelos militares, nem pelos tucanos.

    Nem os militares, nem os governos de Fernando Henrique Cardoso, chegaram tão longe quanto Michel Temer.

    Uma mudança desse tamanho precisa cortejar a opinião pública. Não que o apoio popular seja imprescindível para a aprovação do projeto, já que a PEC foi aprovada no Congresso e sancionada pelo Palácio do Planalto sem nenhum tipo de consulta.

    Mas todos sabemos que não existe golpe que dure pra sempre. Em algum momento, teremos eleições no Brasil e a manutenção da obra do golpe depende do apoio popular. Não se faz política apenas no palácio. Em algum momento, as ruas serão chamadas, serão ouvidas.

    Nas semanas que envolveram a tramitação da PEC 241, o programa de “Bem Estar” apresentou uma série de matérias que tematizaram a “saúde financeira das famílias”. A mensagem era clara: se uma família não pode gastar mais do que ganha, o Estado também não pode.

    A narrativa midiática implodiu as diferenças que distinguem a família do Estado. A família, núcleo social privado sem nenhum compromisso com o bem comum, se tornou equivalente ao Estado, organização institucional responsável pela manutenção do marco civilizatório.

    É como se ao limitar a capacidade de investimento do Estado, o golpe neoliberal estivesse agindo como um pai zeloso que cuida das finanças da família.

     

    • A Reforma Trabalhista

    A reforma trabalhista também violentou outro fundamento do imaginário político brasileiro: a vinculação entre cidadania e o trabalho formal.

    Durante décadas, o trabalhador formal, com carteira assinada, foi definido como o modelo ideal de cidadão. Esse princípio alimentou práticas de violência contra grupos que por estarem excluídos do trabalho formal eram tratados como “vadios” pelas forças policiais do Estado.

    Teve perseguição ao samba, às religiões de matriz africana. Perseguição aos pobres em geral. Mas a ideia do trabalho formal como exercício de cidadania se consolidou no imaginário político brasileiro.

    A reforma trabalhista, ao “flexibilizar” as leis trabalhistas, atacou o trabalho formal, violentou a cidadania, tal como ela é pensada no Brasil há mais de 70 anos. Temos aqui assunto muito sério e o golpe neoliberal sabe disso. A fábrica de narrativas sabe disso.

    A Reforma Trabalhista tramitou entre maio e julho de 2017. Nesse período, o programa “Encontro com Fátima Bernardes” investiu no culto ao empreendedorismo, trazendo à cena, prioritariamente, empreendedoras mulheres, periféricas e negras. A fábrica sabe o que faz.

    A direção da fábrica sabe que o empoderamento de mulheres, negras e periféricas é uma agenda social relevante. O empreendedorismo dessas mulheres foi tratado como uma estratégia de empoderamento, de libertação.

    Libertação de quem? De qual algoz?

    O patrão, personificando o trabalho formal, foi pintado como o algoz.

    “Quando trabalhava de carteira assinada, eu não tinha tempo nem pra levar minha filha ao médico”, disse a empreendedora em reportagem exibida no horário nobre da programação matutina da principal emissora de TV do Brasil.

    O trabalho formal, nesse sentido, deixa de ser representado como fundamento da cidadania para se tornar uma experiência de opressão.

    E a libertação? Se daria pela rebelião dos trabalhadores? Pela divisão dos lucros? Por relações de trabalho mais humanas?

    É claro que não!

    A libertação é individual, no melhor estilo liberal, e se dá pela abolição do trabalho formal.

    Cada um que seja livre para resolver seus problemas. Livre para levar a filha ao médico na hora que bem entender. Livre para ficar sem assistência social em situação de doença. Livre para não receber 13° salário. Livre para ser demitido sem nenhum tipo de garantia;

    Liberdade é uma palavrinha safada e perigosa. Inspira cuidados.

    • A Reforma da Previdência

    É aqui que podemos observar claramente os limites da manipulação. A Reforma da Previdência é a menina dos olhos do golpe neoliberal. É a única reforma que não foi aprovada.

    Por que?

    Porque a opinião pública está resistindo, não está se deixando manipular. Aposentadoria, INSS, é coisa sagrada para os brasileiros e brasileiras. No ano de eleição, nenhum deputado quis colocar sua assinatura em projeto tão polêmico.

    De fato, a Reforma da Previdência subiu no telhado, foi derrotada. Mas não dá pra dizer que faltou empenho da fábrica de narrativas. A Rede Globo tentou, em todos os lugares, em todos os programas da sua grade, convencer os brasileiras e brasileiras de que é bom trabalhar na terceira idade.

    O Programa da Ana Maria Braga, o programa da Fátima Bernardes, o “Bem Estar”, todos eles passaram os últimos meses de 2017 e os primeiros meses de 2018 defendendo a Reforma da Previdência. Eram velhos e velhas por toda parte. Atrizes e atores idosos cozinhando com a Ana Maria Braga, fazendo exercícios físicos no “Bem Estar”, contando para a Fátima Bernardes como suas vidas sexuais são ativas.

    Não basta o esforço do núcleo de jornalismo. Para passar a Reforma da Previdência não dá pra contar apenas com a Miriam Leitão. Só o economês não é suficiente. Carece de usar toda a estrutura da fábrica.

    A fábrica tentou fazer sua parte.

    A fábrica tentou convencer os brasileiros e brasileiros que acordam às 6 de manhã, que enfrentam duas horas de transporte público, que trabalham até às 17 e voltam pra casa, depois de mais duas horas sacolejando nos trens, ônibus e metrôs, que na velhice eles serão tão saudáveis e ativos como Lima Duarte, Fernanda Montenegro e Natália Grimberg.

    O povo não é burro. De burro, o povo não tem nada.

    Os esforços foram intensos. A fábrica trabalhou bastante. Mas não teve êxito. Todas as pesquisas mostravam que a opinião pública não apoiava a reforma da previdência. Aí, o governo golpista tentou uma saída honrosa, inventando uma intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

    Enfim, o que quis dizer neste ensaio é algo relativamente simples, que pode ser facilmente observador por qualquer um com olhar mais atento para a realidade da crise: a grande imprensa brasileira, a fábrica de narrativa do golpe neoliberal, tenta manipular a opinião pública.

    Tenta, mas não consegue, ou pelo menos não consegue como gostaria. Mas a fábrica é insistente e continua tentando em cada um dos seus produtos, até mesmo naqueles programas bonitinhos, aparentemente despretensiosos e inocentes. Não existe inocência na fábrica.

    A fábrica apostou todas as suas fichas no golpe. Não dá pra voltar atrás.

    Os motores da fábrica estão girando até mesmo quando uma petista, mulher, negra e periférica é laureada campeã de reality show. Pra ser eficiente, a manipulação precisa estar camuflada. A fábrica precisa ser vista como uma empresa de comunicação democrática e aberta a todas as opiniões políticas.

    Tão achando que é paranoia, né? Tão achando que é viagem? Que é teoria da conspiração?

    Ah leitor, ah leitora.. não sejam ingênuos.

    Não existe golpe de Estado sem conspiração. E para que aconteça uma conspiração, para que aconteça um golpe, basta apenas que pessoas muito poderosas estejam dispostas a conspirar.

     

  • Desde o século XIX que “intervenção militar” é prática frequente no Brasil

    Desde o século XIX que “intervenção militar” é prática frequente no Brasil

    Ensaio de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    Aqui neste ensaio, quero apresentar uma síntese das intervenções militares que ao longo da história republicana desestabilizaram o sistema político brasileiro. Meu objetivo principal é utilizar este exercício de história comparada para mostrar as especificidades da atual intervenção, dessa que está acontecendo no Rio de Janeiro. O conhecimento histórico é sempre útil à vida.

    Bom, começo meu exercício de síntese histórica em 1889, com a proclamação da República.

    A intervenção militar liderada pelo Marechal Deodoro da Fonseca que em 15 de novembro de 1889 destituiu o gabinete ministerial chefiado pelo Visconde de Ouro Preto a princípio não era um golpe militar republicano. A intervenção somente se tornou um golpe militar republicano no dia seguinte, quando o Imperador D. Pedro II convidou o político gaúcho Silveira Martins para ser o novo chefe de governo.

    Ao que parece, Silveira Martins era um desafeto pessoal de Deodoro da Fonseca, que, contrariado, cedeu ao assédio de republicanos civis como Quintino Bocaiuva. De republicano, Deodoro não tinha nada, muito pelo contrário, pois ele devotava grande respeito ao velho Imperador. O que aconteceu naquela tarde de 15 de novembro foi o desfecho de uma década de conflitos.

    Parte do oficialato do Exército e os políticos civis brigaram durante toda a década de 1880, num ciclo de conflitos que costumamos chamar de “questão militar”. Os militares se achavam moralmente superiores aos políticos civis, já que poucos anos antes tinham “salvado a pátria” na Guerra do Paraguai. Já os políticos civis, como sempre acontece, tinham medo dos militares, pois sabem como é, né? Mílico quando se mete a fazer política sempre vem armado.

    É importante destacar que nesse período o Exército tinha duas agendas corporativas: a busca por mais prestígio institucional, e, pra isso, os militares frequentemente evocavam memórias da Guerra do Paraguai, representando a si mesmos como messias da nação. A outra agenda consistia num projeto político inspirado na filosofia positivista, que seduzia uma parcela mais jovem dos oficiais do Exército, liderados por um sujeito chamado Benjamin Constant.

    Saltamos trinta anos, chegamos na década de 1920 e encontramos mais uma vez os militares em conflito com os políticos civis, novamente atuando como um ator de desestabilização do sistema político.

    Temos aqui o movimento que aprendemos a chamar de Tenentismo.

    A bibliografia especializada já desmatou uma Amazônia inteira problematizando a natureza do movimento e a origem social dos militares envolvidos, quase todos jovens oficiais, chamados na época de “tenentes”. Fundamental para o argumento que estou desenvolvendo é que os tenentes afirmavam que o sistema político da época (a Primeira República) era corrupto e se diziam os moralizadores da nação.

    Acabou que em 1929 aconteceu uma racha no pacto oligárquico que então governava o Brasil e os tenentes emprestaram suas armas ao movimento político que ficou conhecido como “Aliança Liberal”. Era um movimento bastante plural. Vários grupos reunidos.

    O que reunia essa gente toda era a existência de um inimigo em comum: o Partido Republicano Paulista, a principal força política da Primeira República.

    Foi assim que a aliança liberal apresentou a candidatura de Getúlio Vargas às eleições de 1930. Na época a eleição era toda zoada, não tinha justiça eleitoral, os votos eram abertos. Getúlio acabou perdendo, mas não aceitou a derrota e a aliança liberal tomou o poder na marra, contando com o apoio de parte dos tenentes.

    Mais um salto e pousamos em meados da década de 1960, em mais uma intervenção militar na política.

    Desde 1949 existia no Brasil uma instituição chamada Escola Superior de Guerra, dedicada aos “altos estudos políticos e estratégicos” que funcionava como centro de formulação de uma doutrina político-militar. Numa cena internacional marcada pela polarização ideológica da Guerra Fria, essa doutrina ganhou contornos anticomunistas.

    Isso fez com que ao longo da década de 1950, uma parte considerável do oficialato militar tenha se aproximado da UDN. É que nesse momento, a UDN, sob a liderança do político fluminense Carlos Lacerda, tornou-se a principal porta-voz do anticomunismo no sistema político-partidário brasileiro.

    Desde o final do Estado Novo, em 1945, a UDN construía sua identidade política em oposição ao trabalhismo getulista, que no começo tinha uma relação muito conflituosa com os comunistas. Porém, quando, já nos anos 1950, ficou claro que João Goulart herdaria o capital político de Getúlio, aconteceu uma importante mudança na ideologia trabalhista, que passou a ter vínculos mais estreitos com os comunistas.

    Basta lembrar que na época o PCB estava na ilegalidade e o PTB contribuía para a “lavagem ideológica” dos políticos comunistas, que disputavam as eleições pela legenda trabalhista, mas na prática representavam os interesses do partido comunista. Isso não quer dizer que Jango e o PTB fossem comunistas. Quer dizer apenas que mantiveram uma relação de intenso diálogo com o comunismo brasileiro. Brigaram muito também.

    Nos anos 1950, portanto, a UDN tornou-se a representação do anticomunismo e do anti-trabalhismo, o que atraiu quadros importantes do oficialato das forças armadas, que estavam sendo formados na ESG, numa doutrina anticomunista.

    Quando o governo do Presidente João Goulart propôs o programa das “reformas de base”, a ação foi considerada ousada demais por essa aliança UDN/Militares e interpretada como um prelúdio para revolução comunista no Brasil. O golpe civil-militar de 1964, então, teve o saneamento ideológico do sistema político como primeiro objetivo, o que na prática significava tirar lideranças trabalhistas e comunistas do jogo.

    Depois do golpe, a aliança entre a UDN e os militares fez água e o próprio Carlos Lacerda sentiu o coturno dos milicos no lombo. Pra utilizar as palavras de Dom Casmurro: “Que a terra lhe seja leve”.

    Resumindo o que foi dito até aqui:

    Tivemos três intervenções militares efetivas na política brasileira ao longo da história republicana: a intervenção que proclamou a República nos anos 1880, a intervenção que ajudou a derrubar a Primeira República na década de 1920 e a intervenção que golpeou a República Popular em meados dos anos 1960. Cada uma dessas intervenções possui suas singularidades, mas acho que não é loucura afirmar a existência de um certo padrão, caracterizado por três aspectos: a presença de uma doutrina militar inspirando os milicos, a presença de um projeto específico para as forças armadas e a intervenção sendo efetivada contra o governo instituído.

    Nenhum destes três elementos podem ser encontrados na atual intervenção do governo federal na segurança pública do Rio de Janeiro, porque, simplesmente, não se trata de uma intervenção militar. Isso não quer dizer que a ação do governo golpista seja legítima, pois nada que um governo golpista faça pode ser considerado legítimo.

    É natural que 21 anos de ditadura traumatizem uma sociedade, mas precisamos parar de ler 2018 com a lente de 1964. São duas experiências completamente diferentes. O Brasil não está sob intervenção militar, tampouco vive uma ditadura militar. Trata-se de uma intervenção organizada pelo poder instituído, que convocou os militares, que não possuem doutrina e nem projeto corporativo.

    Não, definitivamente não; não temos no Brasil de hoje uma intervenção militar, para o desgosto das viúvas da ditadura e para a desilusão da esquerda romântica, que idealizando a “resistência” parece sonhar com uma ditadura para chamar de sua. É que nos últimos trinta anos a vida foi muito chata, monótona.

    Fato mesmo é que o Brasil vive sob o governo de um presidente golpista que usurpou o poder num golpe de Estado efetivado pela aliança entre parte do sistema político, setores do Judiciário e a mídia hegemônica, com o apoio, é claro, do neoliberalismo internacional.

    Desde que chegou ao poder, Michel Temer só fez se defender das denúncias de corrupção e atacar o Estado brasileiro, que há oitenta anos é um agente provedor de direitos sociais para os setores mais vulneráveis da nossa população.

    É certo que não aconteceram grandes mobilizações contra o golpe e contra o governo ilegítimo de Temer, mas todas as pesquisas de opinião mostram o golpista como o presidente mais impopular e odiado da história do Brasil. Isso é um sinal de que as pessoas estão reagindo ao golpe, à sua maneira, mas estão reagindo.

    Sem apoio popular, com seu capital político desgastado após as duas denúncias apresentadas por Rodrigo Janot, Michel Temer se agarrou à agenda da reforma da previdência, que é a menina dos olhos do neoliberalismo nacional e internacional.

    Conforme o tempo foi passando e as eleições se aproximando, a aprovação da reforma da previdência foi se tornando um projeto cada vez mais improvável, eu diria até mesmo impossível. Aposentadoria e seguridade social são elementos sagrados no imaginário do povo brasileiro. Nenhum parlamentar quer colocar sua assinatura num projeto tão impopular nas vésperas das eleições.

    Temer se tornou, com isso, um cadáver político, apodrecendo em praça pública. A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro foi uma ousada cartada de Michel Temer, buscando uma agenda positiva que vitaminasse seu final de governo. Como a segurança pública é percebida por parte considerável da sociedade brasileira como o grande o problema da nação, o faro político de Temer identificou facilmente o tema com mais potencial para a tal agenda positiva.

    Como o Rio de Janeiro é a capital mais famosa do país, o “tambor do Brasil”, as terras fluminenses foram escolhidas como palco para a encenação política, ainda que quando comparadas com outros Estados não apresentem os piores índices de segurança pública.

    É que o interesse do governo golpista não é resolver o problema da segurança pública. O objetivo é fortalecer Michel Temer para as eleições, visando uma candidatura com alguma viabilidade ou, no mínimo, transformá-lo num cabo eleitoral relevante. Não acredito que a farsa da intervenção terá o efeito desejado. O tempo é curto e a impopularidade de Temer é muito alta.

    Pra concluir, o que estou querendo dizer é:

    É mais importante para o campo progressista brasileiro pensar com cuidado os impactos políticos dessa intervenção federal no Rio de Janeiro do que ficar remoendo antigos traumas, falando em intervenção militar e em ditadura militar.

    Talvez estejamos diante do tema mais espinhoso dos últimos anos. Não precisa ser um gênio pra saber que a intervenção é uma farsa e que não resolverá o problema. Mas ainda assim, com todas essas ressalvas, não podemos ignorar que a população está assustada, acuada, desesperada e que tanques e homens de verde armados nas ruas aumentam a sensação de segurança. Não estou falando que essa sensação seja correta. Só estou dizendo que ela existe e que não podemos desconsiderar o que as pessoas pensam e sentem. Não se faz política sem povo.

    Não dá pra, simplesmente, sair por aí dizendo “somos contra a intervenção”. Esse debate precisa ser feito com muito cuidado. Por isso, é importante entender, à luz da história do Brasil, que não se trata de uma intervenção militar, que não vivemos uma ditadura militar. Hoje, temos outros problemas, tão graves quanto. Hoje, estamos vivendo sob um golpe de Estado que está tentando se reinventar para as eleições. É isso que precisamos mostrar pra nossa gente. É esse lobo em pele de cordeiro que precisamos desnudar.

     Desde o século XIX que “intervenção militar” é prática frequente na história do Brasil.