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  • Parlamento do Mercosul rechaça golpe de Estado na Bolívia

    Parlamento do Mercosul rechaça golpe de Estado na Bolívia

    Reunião do Parlamento do Mercosul teve como foco principal a situação política da Bolívia

    A 69ª Reunião do Parlamento do Mercosul, realizada no dia de ontem, 11/11,  em Montevidéu, aprovou  uma declaração rechaçando o golpe cívico-militar em curso na Bolívia “contra o governo democraticamente eleito do presidente Evo Morales”. No documento, parlamentares do Uruguai, Paraguai, Brasil e Argentina afirmam que o Parlasur “não reconhece qualquer regime surgido do Golpe de Estado”. E ainda condenam a “violência política extrema empregada por milícias privadas, com a cumplicidade de comandantes militares e policiais contra integrantes do governo e de seus familiares”.

    Assinada pelo presidente do Parlamento do Mercosul, Daniel Cggiani e pelo secretário Edgar Lugo, a resolução foi provada pela ampla maioria dos presentes, com 45 votos e apenas dois contra entre os presentes. O quórum do Parlasur é formado por um total de 116 parlamentares, 37 do Brasil, 43 da Argentina, 18 do Uruguai e 18 do Paraguai.

     

    Presidente do Parlasur, Daniel Caggiani: “Manifestação contundente combatendo o golpe”

    Trata-se de uma primeira manifestação contundente condenando e rejeitando o golpe no âmbito do Mercosul, afirmou Caggiani, deputado pelo MPP (Movimento de Participação Popular que integra a Frente Ampla no Uruguai). Em entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, afirma a importância de uma instituição do Mercosul reconhecer, como o fez o governo do Uruguai, o que houve na Bolívia como golpe, enquanto o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e da Argentina, Antônio Macri, declararam que se trata de renúncia, sem admitir o golpe de Estado. O documento reitera a adesão ao Protocolo de Ushuaia sobre o compromisso democrático no Mercosul ao Estado Plurinacional da Bolívia e República do Chile. Por último, o Parlamento encarrega a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Mercosul de receber denúncias de violações aos direitos humanos por parte do povo boliviano e das autoridades golpeadas e ameaçadas. Determina que a comissão mantenha a vigilância permanente para que essas pessoas “tenham seus direitos preservados e possam se asilar politicamente sem serem perseguidas pela ditadura”.

    Desde o Golpe de Estado, confirmado ao final da tarde de domingo, 10/11, o governo democrático da República Plurinacional da Bolívia recebeu três manifestações produzidas no Uruguai em defesa do Governo Evo Morales e do Estado Constitucional. A primeira veio do Governo do Uruguai, expedida pelo presidente Tabaré Vásquez ainda no domingo. Ontem, além da decisão do Parlamento do Mercosul, a Frente Ampla divulgou manifesto rechaçando o golpe e declarando solidariedade ao povo boliviano, a Evo Morales e aos membros do governo boliviano presos e ameaçados.

     

    Jornalistas Livres – Qual a importância dessa declaração no âmbito internacional e a quem ela representa?
    O Parlamento do Mercosul é a representação política do bloco onde não só se representam os estados como também os povos e a diversidade das forças políticas que integram os parlamentos. Portanto, essa resolução é muito importante porque expressa a vontade política nesse caso do corpo de representação parlamentar da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o que corresponde a quase 600 milhões de pessoas.

    Daniel Caggiani – Entre os quatro pontos da resolução, um é o que condena e ratifica que o que está acontecendo na Bolívia é um golpe civil e militar. Isso também é importante porque para o Mercosul, como assim o expressou o governo do Uruguai, na Bolívia há um golpe de Estado, enquanto o presidente do Brasil fala que não há golpe e na Argentina também se fez uma declaração dizendo que o presidente da Bolívia renunciou. Portanto, é a única instituição do Mercosul que se pronunciou claramente condenando e rejeitando o golpe.

    Jornalistas Livres – Além de afirmar que se trata de golpe, o que essa resolução oferece ao povo boliviano e às autoridades golpeadas da Bolívia?

    Daniel Caggiani – Ela adquire importância porque também já se ocupa da integridade das pessoas que estão sendo perseguidas, dos familiares dos parlamentares, do presidente, do vice-presidente, que também estão sendo perseguidos. Faz uma denúncia internacional e também propõe que a Comissão dos Direitos Humanos, tanto no âmbito especializado dos parlamentares, os assuntos que fazem a preservação e a defesa dos direitos humanos estabeleça um contato institucional que possa funcionar na Bolívia com a finalidade de fazer uma missão de controle e monitoramento, principalmente para preservar os direitos das vítimas e também para aquelas pessoas que queiram ser exiladas politicamente não sejam perseguidas pela ditadura.

     

    Conteúdo da Declaração:

    Artigo1. Rechaçar o Golpe Cívico-militar em curso no Estado Plurinacional da Bolívia contra o governo democraticamente eleito do presidente Evo Morales, bem como a estratégia de extrema violência política implementada por milícias privadas com a cumplicidade de comandantes militares e policiais contra membros do governo e suas famílias.

    Artigo 2. Realizar um chamado à comunidade internacional para pedir a proteção da vida do presidente Evo Morales e dos integrantes dos poderes executivo, legislativo e governos locais, bem como de seus familiares, diante da onda de violência deflagrada pelos promotores do Golpe de Estado.

    Artigo 3. Declara não reconhecer qualquer regime surgido do Golpe de Estado e reitera seu total respaldo à vigência do Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático no Mercosul, o Estado Plurinacional da Bolívia e a República do Chile.

    Artigo 4. Encarregar a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Parlamento do Mercosur de realizar o acompanhamento permanente da situação, informando-a ao Parlamento do Mercosur e, caso seja necessário, estabelecer-se como um espaço institucional para receber as queixas de violações dos direitos humanos, e lidar com elas no âmbito deste colapso da ordem democrática.

    Declaração Parlasuur decl-64-2019

    PARLAMENTARES DO MERCOSUL DISCURSAM CONTRA GOLPE DE ESTADO

    “Acabamos aprovar no a declaração de rechaço ao golpe na Bolívia. A carta teve 45 votos favoráveis e denunciou o golpe de Estado, onda de violência política extrema, com violações de direitos humanos, que se instaurou no país e que põe em perigo milhares de bolivianos”. Fernanda Melcchiona, deputada federal do PSOL, representando o Brasil no Parlasur, em seu twitter.

     

    Frente a ruptura institucional do Estado Plurinacional da Bolívia, a Frente Ampla:

     

     

    1 – Manifesta sua total condena ao golpe de Estado consumado na Bolívia por meio dos grupos opositores violentos, apesar do anúncio efetuado pelo presidente Evo Morales de chamar a um novo processo eleitoral a partir do informe que resultou da missão eleitoral da Organização dos Estados Americanos.
    2 – Rejeita os atos de violência e destruição de edifícios públicos, como também as ameaças e perseguição política a funcionários do governo boliviano e representações diplomáticas estrangeiras.
    3 – Expressa a sua solidariedade com o irmão povo boliviano e exorta a respeitar a institucionalidade e a democracia, assim também como a defesa dos direitos humanos, o respeito à vida e à integridade das pessoas.
    4- Manifesta o seu apoio à posição do governo uruguaio expressado no seu comunicado de prensa No 121/19.
    5 – Faz um chamado urgente para que se realize um novo processo eleitoral garantindo uma saída pacífica e democrática, sem interferência estrangeira, onde o próprio povo boliviano possa escolher seu governo de acordo com sua Constituição, restabelecendo imediatamente a plena vigência do Estado de Direito.
    Tradução: Letícia Ibaldo

    O governo uruguaio manifesta sua consternação com o colapso do estado de direito produzido no Estado Plurinacional da Bolívia, que forçou o presidente Evo Morales a sair do poder e mergulhou o país no caos e na violência.

    O Uruguai considera que não há argumento para que eles possam justificar esses atos, em especial tendo anunciado algumas horas antes o presidente Morales sua intenção de convocar novas eleições, com base no relatório produzido pela missão eleitoral da Organização dos Estados Americanos.

    O governo uruguaio faz um apelo urgente a todos os atores bolivianos para que cessem os atos de violência e que o processo eleitoral seja realizdo de acordo com as disposições da Constituição e das Leis do Estado Plurinacional da Bolívia, restaurando imediatamente o Estado Direito e respeitando plenamente os direitos humanos e civis de todos os habitantes e, em particular, a inviolabilidade das representações diplomáticas estrangeiras e de seus funcionários.

    Tradução: Letícia Ibaldo

     

  • Voltar ao mundo? Argentina entre o FMI e o abismo

    Voltar ao mundo? Argentina entre o FMI e o abismo

    por Coletivo Passarinho

    O eixo discursivo central da campanha eleitoral de Mauricio Macri para a presidência foi “voltar ao mundo”. Era hora de superar o atraso e o isolamento da era Kirchner, aproveitar o grande potencial humano e produtivo da Argentina e produzir reformas capazes de reinserir o país na economia mundial. Nas falas televisivas dos apoiadores do então candidato dizia-se com frequência que a Argentina precisava voltar a ser um país normal. E um país normal, para a elite argentina, bem como para parte significativa de sua classe média, é um país em que se pode comprar e vender dólares sem restrições.

    Vencidas as eleições, o novo mandatário tratou de colocar em prática seu choque “modernizador”: abriu o país às importações, liberou o controle cambiário sobre o valor do dólar, derrogou tributos sobre a exportação do trigo, milho e soja e reduziu impostos sobre automóveis, motos e embarcações de luxo, quase sempre importados. Aproveitou a boa recepção à sua vitória nas economias do centro do capitalismo, que viram aí uma oportunidade de iniciar a virada no tabuleiro, com auspícios de uma derrocada em série dos governos populares da região, para alçar voos maiores. Em dezembro do ano passado, Buenos Aires sediou a 11ª Reunião Ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC). No final deste ano, presidirá a Cúpula do G20, a reunião das vinte economias mais ricas do planeta, que terá o tema “construindo consenso para um desenvolvimento equitativo e sustentável”.

    Por debaixo desse véu modernizador, o mundo volta à Argentina sob outra forma, arcaica. No dia 8 de maio, diante da desvalorização galopante do peso argentino, da ineficácia da alta dos juros e da venda sucessiva de reservas para conter a subida do dólar, em pronunciamento oficial, o presidente declarou que decidiu iniciar diálogo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para “fortalecer este programa de crescimento e desenvolvimento”. A euforia dá lugar ao pesadelo, como no filme de terror Escape From Tomorow, em que um pai leva a família de viagem para a Disney sem revelar que foi demitido.

    O outro lado do conto de fadas é um país empobrecido (ao menos para suas vastas maiorias) e que, desde que Macri assumiu, somente agudizou seus problemas estruturais. O setor exportador de soja e minérios aumentou consideravelmente a sua rentabilidade. O setor financeiro obteve ganhos fabulosos com o empréstimo de dinheiro ao Estado a juros exorbitantes. A bicicleta financeira consistente na compra e venda sucessiva das Letras do Banco Central (Lebac) já no ano passado atingia 26% de juros (El país, 23/06/2017). Para o setor produtivo industrial quase nada chegou neste contexto de plena abertura aos investidores. Já para a massa trabalhadora restou o aumento do desemprego, a desindustrialização, a redução do valor real dos salários e o aumento brutal das tarifas de serviços públicos.

    Em termos macroeconômicos os desequilíbrios somente se acentuaram: a abertura econômica gerou mais dependência. O governo impulsionou forte processo de endividamento externo dando um passo atrás no caminho de redução da dívida ocorrido durante o período kirchnerista. O déficit de conta corrente alcançou 5% do PIB, superando os 2,8% de 2015 e os registros da década de 1990. A avalanche importadora, em um cenário de abertura comercial, provocou a elevação do déficit de comércio exterior para o nível mais elevado dos últimos 40 anos. Ao contrário dos tão sonhados investimentos produtivos incrementou-se a fuga de capitais, e ainda se tentou amenizar o déficit pelo aumento da dívida externa.

    O macrismo e seu leque de aliados chamaram as reformas implementadas até agora de “gradualistas”. Avançaram com a reforma previdenciária, com uma reforma tributária com caráter regressivo e têm na agenda uma reforma trabalhista de propósito flexibilizador e precarizador. O remédio do ajuste, no entanto, nunca é suficiente. A morte iminente do paciente, em vez de colocar em questão o próprio tratamento, para os financistas de plantão é sempre uma oportunidade para legitimar um aumento da dose. Por isso, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil sob a presidência de FHC, ao falar da crise argentina diz que “hoje as opções são fazer mais rápido este ajuste, que sempre esteve entre os objetivos do governo, ou ter problemas muito mais sérios” (Ámbito Financiero, 14/05/2015). O retorno ao FMI serve, portanto, para pôr fim ao “gradualismo” e substituí-lo pelo choque descarado, legitimando um incremento da austeridade.

    Por outro lado, a consciência do significado do pedido de resgate na Argentina não é pequena. O FMI apoiou o programa econômico ortodoxo e regressivo da última ditadura militar. Foi protagonista direto dos planos massivos de privatização e desregulação da era Menem, na década de 1990, apoiando o programa de convertibilidade que estabeleceu a paridade entre o dólar e o peso. Programa este que culminou com a crise econômica e social sem precedentes de dezembro de 2001. No início de 2002, 25% dos argentinos estavam desempregados e o índice de pobreza chegava a quase 60%.

    Agora, o FMI vem ao resgate de um governo neoliberal cujos altos postos são formados, sobretudo, por CEOs: ex-diretores executivos de grandes empresas, muitos deles oriundos do setor financeiro e bancário. A chamada “porta giratória” entre setor privado e setor público é, na atual gestão, mais vigente do que nunca. Os dirigentes, formados em sua maioria em universidades norte-americanas ou em universidades particulares de elite na Argentina, tem pouca conexão com seu próprio país. Mais do que isso: tem pouco do seu patrimônio pessoal nessas terras. O ministro da fazenda, Nicolas Dujovne, possui 88,25% dos seus bens declarados no exterior. O presidente do Banco Central, Federico Sturzenegger, 70,04% (La Nación, 22/08/2017). São eles, junto com o presidente Maurício Macri, envolvido no escândalo das offshores descobertas no caso Panamá Papers, que querem convencer a população de que um novo empréstimo com o fundo dará proteção ao país.

    No entanto, um recente informe do Centro de Estudios de Opinión Pública (CEOP) aponta que 77% dos argentinos são contra o pedido de empréstimo ao FMI. Ao contrário do que gostariam alguns ideólogos do mercado e do governo, a população não esquece que o desastre de 2001 veio depois de anos de ingerência direta e de aplicação das políticas do FMI. Não por acaso, os colunistas econômicos do establishment não deixam de apontar para os riscos de uma nova explosão “populista”. E para mostrar que Macri não está sozinho neste processo de aprofundamento da inserção subordinada da Argentina na economia-mundo, Trump, Merkel y Rajoy não tardaram em deixar claro o apoio às medidas do governo.

    O próprio Ministro da Fazenda argentino já admitiu que o país terá mais inflação e menos crescimento (La Nación, 14/05/2018). A última terça-feira (15) foi considerada o dia D, pois venciam 30 bilhões de dólares em Letras do Banco Central (Lebacs). O perigo imediato de forte desvalorização cambiária decorrente da não renovação das Lebacs e consequente corrida ao dólar pode ser controlado. O Banco Central Argentino, além de ofertar 5 bilhões de dólares pelo segundo dia consecutivo, emitiu dívida com a oferta de novos títulos do tesouro. Ainda que o governo tenha conseguido controlar o cenário, o problema de fundo permanece. “As Lebac são uma bola de neve que se chuta para frente” (Izquierda Diario, 15/05/2018). Cedo ou tarde, o caminho do endividamento, fracassa.

    Após reunião ministerial na segunda-feira (16), o chefe de gabinete, Marcos Peña, esclareceu a nova linha política: chegar a um grande acordo nacional com o objetivo de reduzir o déficit fiscal, sendo que o marco para tal acordo é o orçamento de 2019. Disse, ainda, que o caminho é o correto, mas é preciso acelerá-lo (La Nación, 15/05/2018).
    O caminho já é conhecido e os resultados também: ajuste sobre o povo, aumento das desigualdades, desmonte do Estado e mais recessão. Economiza-se para diminuir o déficit e “honrar” os compromissos com o setor financeiro. A ação indutora do Estado como impulsor da atividade econômica vai às favas. A economia encolhe e a arrecadação tributária diminui. Resultado final: todo ajuste é insuficiente, demandando ainda mais ajuste. E o país navega na catástrofe social, que é narrada pelos cínicos de plantão como um mal necessário.

    Resta saber por quanto tempo a narrativa vendida pela imprensa que apoia o governo vai sustentar o discurso que é desmentido no cotidiano da população argentina. Nesta quarta, pelo menos duas mobilizações contra o FMI estão convocadas, uma no Obelisco e, outra, no Ministério de Economia. Amanhã, várias organizações convocam uma manifestação na Praça de Maio. A pressão ao governo argentino aumenta e vem de todos os lados.