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    Ilusionismo

    Qual foi o rombo nas contas do governo em 2016? Todos os jornais estampam: R$ 155,8 bilhões. Rombo recorde, realçam. Aceitemos, por enquanto, que esse seja o déficit verdadeiro.

    Qual foi o déficit da Previdência Social em 2016? Faltaram R$152 bilhões para fechar as contas feitas pelo INSS.

    Responda rápido: de quem é a culpa pelo rombo? Não há dúvida que todos responderiam que a culpa é da previdência. E rapidamente acrescentariam que a previdência e a assistência social no Brasil são excessivamente bondosas, perdulárias, sustentadoras de vagabundos, dilapidadoras das contas nacionais….

    Bem, às vezes os raciocínios são feitos com essa rapidez exatamente para iludir os apressados.

    Vamos por partes?

    Onde está a parte do governo nesse rombo da previdência? Simplesmente não está!

    Quando instituíram o modelo atual de seguridade social no Brasil, em 1988, previram impostos para ajudar a custear os gastos com a saúde, a assistência social e a previdência. Nessa conta, esse “déficit” de R$ 152 bi, só tem as contribuições dos trabalhadores e dos empregadores. Os impostos, Cofins, CSLL e outros, criados justamente para financiar a seguridade social, não entram no cálculo desse rombo. Claro que tinha que dar déficit, não acha?

    Desconsiderar as receitas desses impostos, criados para financiar a seguridade social e, ainda por cima, chamar o resultado negativo de déficit tem um nome: ilusionismo. Querem nos passar a perna. Se formos convencidos de que, realmente, a previdência é esbanjadora e está levando o país para o buraco, aceitaremos mais docilmente a retirada de direitos que eles estão tramando, não acha?

    Mas então da onde veio o rombo nas contas do governo?

    Em primeiro lugar, é preciso dizer que o déficit do governo foi R$ 563 bilhões e, não R$ 155,8. É que o gasto com os juros que o governo paga para quem empresta dinheiro para ele fica escondido. Mais uma manobra para gente não perceber, que o governo gasta quase três vezes mais com juros do que com a previdência. Ficar chamando de déficit primário ou déficit nominal é só um jeito de esconder que R$ 407 bilhões saíram dos cofres do governo para bolsos superendinheirados, sob a forma de juros da dívida pública. Mas eles insistem em fazer a gente acreditar que o problema é a previdência.

    Pior de tudo é que os benefícios aos aposentados urbanos, aposentados rurais e assistenciais entram na economia, fazem a economia girar. Quase 70% dos beneficiários recebem um salário-mínimo ou menos. Essas pessoas consomem o que recebem. Aqueles R$ 407 bilhões recebidos de juros não entram no fluxo da economia, são reemprestados para o governo. Os super-ricos não precisam gastar essa dinheirama em comida, aluguel e transporte.

    Temos que juntar nessa análise o fato que com a recessão, fortemente aprofundada pela crise política e pela incerteza pós-golpe, todos os impostos tiveram arrecadação menor, porque se o PIB cai, todos pagam menos impostos. Assim caíram as arrecadações do governo com o Imposto sobre Importação, o Imposto de Renda, o Imposto sobre Produtos Industrializados, o Imposto sobre Operações Financeiras, assim como caíram as Contribuições para o Financiamento da Seguridade e sobre o Lucro Líquido, bem como a própria receita previdenciária.

    Quanto caíram todos eles, em conjunto, nos últimos anos? Bem, se tomarmos o ano de 2013, veremos que a arrecadação de todos esses impostos totalizou R$ 1.462 bilhões. Isso mesmo: o governo arrecadou quase um trilhão e meio de reais nesse ano. Em 2016, por outro lado, a arrecadação ficou em R$ 1.314. Qual foi a diferença? Praticamente R$ 150 bilhões. Bingo! Aí está a razão do déficit: com a recessão a economia deixou de gerar R$ 150 bilhões de impostos.

    A arrecadação de impostos cai R$ 150 bilhões e querem nos convencer que a culpa do rombo nas contas do governo é dos aposentados que recebem muito e se aposentam muito cedo?

    Nota

    1 A nota para a imprensa, do Banco Central, sobre a política fiscal está em: http://www.bcb.gov.br/htms/notecon3-p.asp

    2 A Análise da Arrecadação das Receitas Federais está em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/relatorios-do-resultado-da-arrecadacao/arrecadacao-2016/dezembro2016/analise-mensal-dez-2016.pdf

    3 O Resultado do Regime Geral de Previdência Social está em: http://www.previdencia.gov.br/wp-content/uploads/2017/01/Resultado-do-RGPS-2016-12-urbano-rural_web-VF-1.pdf

    4 Notícia do Ministério da Fazenda comemorando que “O Governo Central apresenta resultado primário melhor do que a meta para 2016”. A meta era RS 170 bilhões de déficit e o rombo primário foi “somente” R$ 155! Veja aqui: http://www.fazenda.gov.br/noticias/2017/janeiro/governo-central-apresenta-resultado-primario-melhor-do-que-a-meta-para-2016

  • É a ambição do capital que não cabe no orçamento do governo

    É a ambição do capital que não cabe no orçamento do governo

     

    A Constituição de um país protege seus cidadãos ao determinar as normas, que a maioria escolheu, para funcionamento de sua sociedade. Nossa Constituição de 1988 conferiu alguns direitos ao povo brasileiro, especialmente aos mais pobres, que antes não existiam. Por isso é chamada de Constituição cidadã. Converteu em cidadãos e cidadãs e acolheu inúmeros brasileiros antes relegados à sua própria sorte.

    Os governos dos Fernandos, Collor e Henrique, relutaram em fazer cumprir tudo aquilo que a Constituição determinava. Alegavam que o Congresso deveria regulamentar certos direitos à população. O capítulo, por exemplo, da assistência social, que determinava que deficientes e idosos em condição de pobreza têm direito a um salário mínimo mensal, só foi realmente implantado em toda sua dimensão a partir do governo Lula.

    Os constituintes, sabendo que o governo gastaria mais com esses direitos, buscaram formas de arrecadação para que houvesse dinheiro para custeá-los. A COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social, entre outras contribuições e impostos, foi criada exatamente para carrear recursos para os benefícios da Assistência Social e da Previdência Social.

    Mas acontece que recursos com destinação prevista na Constituição muitas vezes são desviados para outros fins.

    É isso que promove a recém aprovada DRU – Desvinculação de Receitas da União. E somos obrigados a ouvir o tempo todo, nos meios tradicionais de comunicação, que o déficit da previdência é enorme. Ao passo que se somarmos todos os recursos destinados à Seguridade Social, como determina a Constituição de 1988, sem desviar nenhum recurso para outro fim, concluiremos que a Previdência é superavitária.

    Aprovar uma emenda constitucional que reduz os gastos com saúde e educação, equivale a anular todas as lutas populares, desde a ditadura até agora, para estabelecer regras na Constituição para uso do dinheiro do povo. E, pior, quem está tentando anular as conquistas do povo brasileiro, não têm a legitimidade do voto para proceder essas mudança.

    Os eleitores brasileiros nunca votariam nos cortes de direitos que os golpistas estão tramando. Não há hipótese de isso acontecer. Só há dois modos de um governo brasileiro destroçar a Constituição de 1988: os eleitores serem enganados ou, através de um golpe, retirar o direito de povo brasileiro de eleger seus governantes. E é isso que estamos assistindo. Um programa econômico e social que não recebeu os votos dos brasileiros está sendo implantado.

    Não devemos nos iludir, o que não cabe no orçamento do governo federal é a ambição do capital, a ambição da elite empresarial e política desse país. Os direitos à saúde, à educação, à seguridade social cabem muito bem.

    Todos especialistas sérios afirmam que a saúde no Brasil é subfinanciada, mais recursos são necessários para subir a qualidade do SUS – Sistema Único de Saúde. Cortar recursos, como determina a PEC 241, representa que bilhões de reais passarão a ser destinados a hospitais e a planos de saúde privados. O SUS, que tem defeitos, é, mesmo assim, exemplo para muitos países. Especialmente para a população mais pobre, a diminuição de recursos púbicos destinados a saúde vai representar, simplesmente, a perda do direito à saúde. Os recursos, que antes financiavam a saúde, serão desviados para bolsos privados. E dane-se a saúde da população mais pobre.

    As escolas privadas, tanto nacionais quanto estrangeiras que aqui atuam, adorariam ver a destruição progressiva da escola pública. Alunos das escolas públicas gratuitas terão que passar a pagar para as escolas privadas se quiserem se educar. A destruição da educação pública, do mesmo modo que a destruição da saúde pública encherá bolsos privados.

    A deixar por sua própria conta, o capital sempre buscará seu crescimento desenfreado, tirando atribuições do governo e privatizando tudo quando for possível privatizar.

    E agora, o governo golpista de Temer e Meirelles, com eco pelos vários economistas que representam os interesses da elite e da finança, vem dizer que a Constituição 1988 não cabe no orçamento da União.

    Ora, o que cabe ou não no orçamento do país, não é um dado econômico, nem um dado da natureza. É fruto da vontade política da maioria de seu povo.

    Se a maioria decidiu que o país deve cuidar melhor de seus pobres, de sua população mais carente, é assim que deve ser. Se a maioria decidiu que devemos ter saúde pública e educação pública, é assim que deve ser. E a luta deve sempre ser por melhorar a qualidade desses serviços e não o contrário.

    O que não cabe no orçamento do país é a vontade de um bando que toma o poder por um golpe e se julga representante do povo brasileiro, para cortar, em seu nome, recursos que têm servido para resgatar séculos de injustiça contra os mais pobres, para conferir um mínimo de cidadania aos seus filhos.

    A Constituição de 1988 cabe sim no orçamento da União, o que não cabe é a ambição do capital.

  • O sonho da retomada da confiança na economia

    O sonho da retomada da confiança na economia

    Essa frase é do presidente do Banco Central, 12/08/2016, Ilan Goldfajn. Ele e a equipe de Meirelles, contudo, que acenam com “ajustes” nas contas do governo, cortes de gastos e investimentos, associados a juros muito altos.

    Eles, Ilan e a equipe econômica do governo interino, julgam que o caminho para voltarmos a crescer é recuperarmos a confiança e que isso se faz com juros altos e com corte de gastos e baixo investimento do governo. Você acha que faz sentido tentar recuperar a confiança colocando os juros na Lua e cortando investimentos na hora que o país enfrenta grave recessão?

    Imagine que você é trabalhador e que precisa decidir se vai trocar de carro. Você ouve o discurso de que o governo precisa se “ajustar” e cortar gastos e investimentos, que é preciso cortar direitos dos trabalhadores, que é preciso “ajustar” a previdência e assim por diante. Você imagina que teremos, nos próximos tempos, mais ou menos desemprego? Daí você olha para a taxa de juros e, concretamente, desiste da troca de carro, não é? E desiste da compra de qualquer bem durável, porque não sabe se estará empregado no futuro próximo.

    Quando você desiste da compra, a indústria não vende. O que faz a indústria?

    Imagine agora que você tem dinheiro para investir na construção de uma fábrica ou para abrir um negócio. Você olha para os juros de 14,25% e para uma inflação prevista de 5,42 % e se pergunta: por que vou investir se posso aplicar meus recursos a uma taxa de mais de 8% acima da inflação?

    Aí você olha para a previsão de que o PIB cairá 3,2% neste ano, segundo o Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central do Brasil. O que você faz? Espera tempos melhores para investir, não é? E vai lucrando com os juros pagos pelo Banco Central que, aliás, aumentam rapidamente a dívida do governo. Recursos que, ao invés de irem para investimentos, vão para bolsos já endinheirados.

    Como é que a economia voltará a crescer se quem está no comando da economia continua com o pé firme no freio dos investimentos do governo, se os trabalhadores estão com medo do desemprego e se os empresários estão felizes aplicando seus recursos a uma taxa de juros superconfortável?

    Juntemos esse desânimo da recessão com a instabilidade política. Você sabe quem estará na presidência da República em janeiro de 2017? Sabe quem estará solto e quem estará preso? Sabe se essa política econômica, que agrava a recessão, ficará por longo ou curto tempo? Dado que é impossível ter estabilidade econômica com instabilidade política, podemos concluir que o sonho de Ilan com a recuperação da confiança e retomada do crescimento não está no horizonte.

    Os economistas de cunho neoliberal e os meios de comunicação, que apoiam o golpe, vão continuar vendendo que agora a economia está no rumo saudável. Mais hora, menos hora, sairemos da recessão, porque assim é o funcionamento do modo de produção capitalista. Com custo altíssimo pelos juros e pelo desemprego. Um custo muito maior do que o necessário.

    Custo social maior, desemprego maior, aumento da dívida pública, aumento da desigualdade e acirramento das relações sociais e da violência: são resultados da política econômica do governo interino. Dizem buscar a confiança e provocam a desconfiança de quase todos.

    ilustração por Joana Brasileiro