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  • Não aposentem suas panelas, por favor!

    Não aposentem suas panelas, por favor!

    Acordei indignada. Sensação que me trouxe esperança novamente, pois achei que o caos que se tornou o Brasil pós-impeachment tinha matado minha capacidade de indignação por asfixia.

    Não! Eu estou profundamente preocupada e irritada com o “salve-se quem puder” que nosso país se tornou. Condição iniciada e estimulada pelos “lava-jatistas” que assaltaram o poder por meio de um processo de impeachment absolutamente inconstitucional e fomentado por um ódio coletivo a um único partido – que de santo não tem nada – porém, disfarçado de “combate à corrupção”.

    – “Primeiro, a gente tira a Dilma! Depois, a gente tira todos os corruptos”, berravam.

    Pois bem, arrancaram uma presidenta legítima e democraticamente eleita, sem nenhum crime de responsabilidade e colocaram um “vice” – que está inelegível pela lei Ficha Limpa – que, por sua vez, nomeou para os ministérios um bando de “lava-jatistas” corruptos e engajados em salvar o próprio rabo. Tanto é que Temer já amargou a “queda” de mais de meia dúzia de seus ministros, todos envolvidos em escândalos, um pior que o outro.

    Embora muitos poderosos desejem que a população seja uma massa de manobra apática e estúpida, ela não é. (Ao menos, não sempre.) As pessoas estão assistindo, no camarote de seus smartphones, que as regras fundamentais que deveriam sustentar nossa sociedade não valem mais nada. Basta ter empáfia suficiente para fazer o que quiser e tirar proveito para si. Ok, não sejamos ingênuas de acreditar que isso não acontecia antes. Infelizmente, sempre fez parte da cultura brasileira e do hábito daqueles que podem comprar a “justiça”. No entanto, existia o temor geral de que, se pego em flagrante, teria que responder e ser punido de algum modo, mesmo que “apenas” simbolicamente, com a própria reputação falida.

    O fato é que, pós-impeachment, nem sequer precisa-se esconder o delito. A exceção virou a regra. E por que não dizer que, para muitos, virou moda.

    Ora, se o Renan Calheiros pode ignorar uma ordem do STF e não ser punido;

    Se um áudio de Romero Jucá, no qual ele admite que o impeachment foi, na verdade, um grande pacto para salvar os “lava-jatistas” e nada aconteceu;

    Se o juiz Sergio Moro autoriza vazamento de uma gravação totalmente ilegal da Presidência da República, mas coloca em sigilo listas com nomes de lideranças partidárias envolvidas no esquema de propinas da Odebrecht (que, curiosamente, não mencionam Dilma e nem Lula, mas implicam, por exemplo, Aécio, Alckmin, Serra & Cia, e tudo fica por isso mesmo, pior, o tal Moro continua sendo tratado como herói pela grande mídia… Por que haveríamos de nos preocupar com as consequências da lei em nosso cotidiano?

    Cadê a panela?

    Quando se misturam a impunidade escancarada e o ódio coletivo, explode uma sociedade violenta, sem empatia e preocupação com o bem comum. Ou seja, um campo de guerra. Não à toa, estamos testemunhando tragédias nas ruas de Espírito Santo e Rio de Janeiro; nos presídios de Rio Grande do Norte, Roraima e Amazonas; perseguições e assassinatos com motivação de aversão ao que é entendido como fora do “padrão aceitável”; declarações de ódio, racismo, misoginia, lgbtfobia, xenofobia nas redes sociais e reuniões familiares… Essa lista poderia se estender quase que infinitamente, mas acredito que foi suficiente para entender com o que estamos lidando.

     

    Comecei dizendo que estou indignada. E minha indignação não se restringe ao que nosso país tem se tornado depois do impeachment. Também não me conformo que a população que bateu panela e saiu às ruas gritando “Fora PT”, esteja inerte perante tudo que tem acontecido. Muitos estão dizendo que desistiram, pois é uma luta perdida, que não há esperança…

    Cadê a panela 2?

    Como assim? Então, acenderam o incêndio que está devastando nossa democracia, nossas instituições e direitos básicos duramente conquistados; e, simplesmente, vão desistir? Irão, sem qualquer escrúpulo, se refugiar em seus condomínios fechados, em suas escolas e previdências privadas? Era mesmo apenas um ódio irracional contra Lula e o partido que ele ajudou a criar? Foi uma manha infantil para extravasar desgostos desconexos, muitos deles inventados pela Rede Globo e afins?

    Ninguém pode negar que operação Lava-Jato tem sido essencial para lançar luz à podridão estrutural em nosso sistema político. Porém, é necessário admitir que ela tem alguns problemas sérios, como a parcialidade descarada de seu manda-chuva, o juiz Sergio Moro. Sua última cartada foi defender Temer das acusações feitas por Eduardo Cunha, as quais afirmam que o grande chefe do esquema de vantagens e propinas da Petrobras é o atual presidente. Tese que destrói o mantra difundido – e retratado por meio de um powerpoint ridículo – de que tal posição pertence a Lula, por mais que não existam provas mas sobre convicção.

    A questão fundamental não é inocentar ou culpar o PT, pode ficar tranquila. Não se trata disso e nunca, de fato, se tratou. O que está em jogo é a conservação do velho jeito de se fazer política. Os “lava-jatistas” estão se digladiando para, primeiro, se safarem da punição que merecem e, segundo, para manter os esquemas escusos que os tornaram milionários e cada vez mais poderosos à custa do dinheiro público que deveria ser investido no bem comum dos brasileiros.

    Eu realmente acredito que a maioria das pessoas, que são chamadas de “coxinhas”, fez o que fez com boa intenção. Elas acreditaram que estavam lutando por um país melhor. Quem pode dizer que nunca se enganou? Quem nunca foi manipulado? Acontece.

    Entretanto, há um abismo entre ter agido de modo sinceramente enganado e fingir que nada aconteceu. Não é possível que o ímpeto que fez tais pessoas se vestirem com a bandeira nacional e saírem pelas ruas tenha desaparecido por completo. Em algum lugar de suas consciências e dignidade deve haver um resquício dele. Não desistam, por favor.

    Libertem-se das rédeas manipuladoras de movimentos como Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua e Movimento Contra Corrupção (MCC); e assumam a responsabilidade do que começaram. Não deixem para seus netos o legado de que bradaram “Primeiro, a gente tira a Dilma!” e sussurraram “Depois… a gente abandonou a causa, deixando o Brasil despencar no abismo da nossa incoerência, hipocrisia e covardia.”

  • O MBL, o fascismo e o machismo atacam na Câmara de São Paulo

    O MBL, o fascismo e o machismo atacam na Câmara de São Paulo

    O dia foi agitado ontem na Câmara municipal de São Paulo. Fernando Holiday e militantes do MBL passaram o dia tentando criar confusão com parlamentares petistas para assim criar algum fato político que pudessem manipular a seu favor.

    É uma prática constante do MBL ir até concentrações ou qualquer tipo de evento progressista, provocar e criar confusão, como foi comum durante toda a onda de ocupações de escolas do Paraná, movimento que foi atacado de forma violenta por milícias do MBL.
    Eles atacam sorrateiros, criam a confusão e gravam tudo, do início ao fim, para que possam editar a seu prazer e produzir vídeos que contem a narrativa que lhes serve melhor. Prática essa que tem um termo muito usado na própria página do movimento “Fake News”, que nada mais é do que criar uma versão alternativa para os fatos que não agradam ou quando interessa.

    Vale lembrar que o fiel companheiro do MBL, Arthur do Val, que grava vídeos para o canal no YouTube “MamãeFalei” vive da prática desse tipo de provocação.  Seu canal consiste de gravações de provocações (como oferecer pão e mortadela, no último ato do MPL em São Paulo) e conversas com manifestantes em atos de esquerda com uma edição pra lá de tendenciosa, em que se cortam as falas no meio, repetem-se expressões… tudo com o objetivo de induzir o entrevistado ao erro para assim criar uma caricatura de manifestante “burro”.
    Esse tipo de provocação é sempre feita na base da camuflagem, fingindo-se o “entrevistador” de repórter da mídia livre. Muitas vezes, quando descoberto, o provocador covarde corre para os braços da PMs, pedindo proteção.
    A tática da provocação não esconde o viés machista. Em uma de suas “ações”, durante a onda de ocupações do Paraná, no final do ano passado, o provocador assediou uma menina do CEP (Colégio Estadual do Paraná), em Curitiba, então ocupado. Como sempre faz, entrou sem permissão dos estudantes na ocupação e lá iniciou uma confusão. Mas com um detalhe sórdido: no meio do tumulto, assediou uma adolescente de 16 nos. A menina denunciou tudo na delegacia em frente ao colégio. Artur, durante o tumulto, dizia coisas como: “Linda, me dá um beijo” e “Gostosa” contam os alunos.
    Ontem o vereador recém-eleito Fernando Holiday (DEM-SP), seguindo Donald Trump e João Doria, dois grandes gurus do MBL, sempre exaltados na página do movimento, resolveu imitar os mestres e criar um factoide.

    De início, assessores de Holiday e militantes do MBL provocaram confusão contra o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) que foi até a câmara para uma reunião com membros do PT.
    O MBL de Fernando Holiday diz que zela pelo dinheiro público. Mas que zelo há em usar o dinheiro do contribuinte (que paga seus assessores) para causar baderna e confusão, apenas para dar publicidade para o movimento?

    Em seguida vem o fato mais interessante para mostrar quem e como, de fato, é o MBL. Por volta das 19h de ontem, um assessor de Holiday ligou para a Guarda Civil Metropolitana (GCM) responsável pela segurança da Câmara Municipal, e falou que estaria ocorrendo uma “entrevista” no 6° andar. Pedia acompanhamento da GCM para que não houvesse “confronto”.
    “Entrevista” interessante essa que gera confronto, não?

    Post do MBL no FaceBook mostra que eles mentiram sobre invasão para justificar narrativa contra Juliana

    Havia um motivo para a precaução… É que a tal da “entrevista”, na verdade, era apenas a invasão de uma reunião fechada da liderança do PT, no gabinete do PT. Os covardes foram, de novo e como é usual, pedir ajuda para se esconder debaixo das asas da segurança da Câmara. No Facebook o MBL “URGENTE: Petistas agridem Mamaefalei e invadem gabinete do Fernando Holiday”, quando na verdade a própria GCM registava o extremo oposto, deixando claro a montagem e a construção da narrativa mentirosa. É Fake News!

    Mas não funcionou. Documento da GCM produzido logo após o incidente dá conta de que os dois militantes do MBL, identificados como Wesley Vieira (assessor de Holiday) e Artur Moledo do Val (MamãeFalei), “sem nada falar, seguiram em direção à sala da Liderança do Partido dos Trabalhadores e introduziram os equipamentos que portavam para filmar”. A GCM precisou retirá-los do local. Posteriormente a mesa diretora da Câmara soltou uma nota na qual reconhece: “Duas pessoas adentraram uma reunião privada do PT sem a devida autorização”. Simultaneamente ocorria uma sessão da câmara. Sabendo da invasão, a vereadora Juliana Cardoso (PT) pediu a palavra e denunciou o ocorrido. Holiday partiu pra provocação e as cenas foram captadas pelo MBL para acusar — de forma machista, misógina e preconceituosa –, a vereadora de “descontrolada”.

    Resta o mandato de Holiday responder, ele que sempre acusa a esquerda de se apropriar do bem público, qual a finalidade de seu assessor invadir a reunião de outro partido.
    O facismo sempre atuou dessa forma: ataca, vitimiza-se e tenta desmoralizar seus adversários.
    A vereadora Juliana Cardoso entrará com o pedido de cassação de Fernando Holiday, por atacar o direito de reunião, por invasão, por quebra de decoro parlamentar e ofensa à Democracia e aos mandatos populares.

     

     

     

     

  • A meritocracia e o fantástico mundo do Holiday

    A meritocracia e o fantástico mundo do Holiday

    A ideia de uma sociedade livre, onde cada indivíduo a partir do seu próprio esforço deve construir a sua trajetória, é bastante sedutora. Afinal, somos todos humanos e capazes, portanto, podemos chegar onde quisermos e senão atingir os objetivos estabelecidos, a culpa é única e exclusivamente sua. O Estado, estruturado por 3 poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, deve ter leis rígidas e claras: todos cidadãos devem ser tratados igualmente perante a lei.

    Esses são alguns parâmetros do conceito do Liberalismo, que forma o discurso eloquente do mais novo vereador eleito pela cidade de São Paulo, Fernando Holiday, que já anunciou em suas redes sociais que suas primeiras medidas serão o combate ao vitimismo, fim das cotas raciais em concursos públicos e a revogação do dia da Consciência Negra.

    Holiday, jovem, negro e gay, ganhou muita visibilidade nas redes sociais por atacar o movimento negro e as políticas de promoção da igualdade racial, pois acredita que estas reforçam o racismo. O vereador também se projetou como uma liderança do Movimento Brasil Livre (MBL).

    Se o racismo não é algo importante na realidade brasileira, se as negras e os negros estão em pé em igualdade com os não negros e a partir do seu esforço individual, sem a presença do paternalismo do Estado, podem ascender-se socialmente, porque o próprio Holiday insiste tanto em debater esse tema?

    Seria porque o seu amigo Kim Kataguiri (MBL) é visto como um jovem intelectual, figura da nova geração de liberais e assim, o vereador só consegue se projetar com um discurso raivoso contra o movimento negro e as políticas de combate ao racismo?

    Holiday é vítima, e ao mesmo refém, da pauta que ele diz combater. Sua ascensão como liderança está condicionada a pauta racial, sua estética lhe dá legitimidade para fazer um discurso que um branco de classe média jamais poderia fazer. É um exemplo perfeito para a busca de uma narrativa eficiente na desconstrução da luta histórica do povo negro.

    É interessante notar como ao longo da história, a elite brasileira sempre buscou formas de apagar, ou minimizar, os impactos do que foi o colonialismo, o escravismo até hoje. O discurso da democracia racial é o maior exemplo disso, pois sempre buscou, a partir da incorporação de elementos da cultura negra e indígenas como parte de uma identidade nacional, esvaziando os conflitos e as assimetrias étnicas construídas ao longo da história, refletindo em uma profunda desigualdade econômica, social e cultural.

    O movimento negro brasileiro se dedicou longos anos para desconstruir a idéia de uma democracia racial. Existindo duas frentes para essa desconstrução, sendo uma com a iniciativa de forçar o Estado a reconhecer a existência do racismo como fruto de um processo histórico escravista e portanto, era necessário a aplicação de políticas reparatórias de promoção da igualdade racial. Deriva dessa luta a formação da Fundação Palmares, o racismo como crime inafiançável, a proposta de cotas nas universidades e no serviço público, na formação de diversos órgão municipais, estaduais e nacionais na promoção da igualdade racial.

    A segunda frente foi no campo cultural, com o fortalecimento de uma identidade negra e da afirmação estética que foi produzindo um aumento significativo de autodeclarados pretos e pardos nos sucessivos censos. O momento de avanço desse projeto se deu nos governos Lula/Dilma com a criação da Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da política de cotas nas Universidades Públicas Federais, como o ProUni e FIES que garantiram o acesso nas universidades particulares. Além de cotas no funcionalismo público, e políticas econômicas como o bolsa família, a valorização do salário mínimo, o aumento da oferta de crédito. Medidas que mexeram na dinâmica social brasileira, abrindo oportunidades para diversos setores historicamente excluídos, mas que mostraram os seus limites, pois não foram capazes de enfrentar as bases estruturais da desigualdade, como a concentração de riqueza, latifúndio e o monopólio midiático.

    No auge da aplicação dessas políticas econômicas e sociais, que geraram certa mobilidade social no núcleo de poder encabeçada por Lula e pelo PT, abriram mão do debate ideológico e da disputa de consciência, da exaltação das saídas individuais, e da construção fantasiosa de uma narrativa da formação da nova classe média reforçou no imaginário popular conceitos liberais, com a possibilidade de ascensão social e melhorias da qualidade de vida se dando por meio de ações individualizadas.

    É neste contexto que cai como uma luva o discurso do Fernando Holiday, reforçando a ideia de que os programas sociais, as políticas de cotas e sistema público de saúde e educação formam um paternalismo de Estado que impede o desenvolvimento individual das pessoas. A maior força do discurso do vereador é também a sua maior fragilidade. É muito cômodo dizer que todos são iguais perante a lei, e que só através do esforço individual as pessoas poderão melhorar sua condição de vida. Além de afirmar que qualquer política que busque diminuir as desigualdades é vitimismo.
    É curioso que a política de juros altíssimos que geram super lucros para os bancos e uma dívida pública que consome 46% do orçamento federal não seja considerado vitimismo. Ou que o incentivo fiscal que anistia empresas a pagarem impostos não seja considerado vitimismo. Ou que a inexistência de impostos que taxem lucros dos empresários, heranças e patrimônio não seja considerado vitimismo. Ou seja, tudo o que beneficia o andar de cima, que transforma o Brasil em um dos países mais desiguais do mundo não é considerado vitimismo. Trocando em miúdos, para Holiday, o Estado só deve atuar para manter os privilégios das elites que se mantêm no poder há mais de 500 anos e reprimir com leis duras os mais pobres.

    Será que no fantástico mundo de Holiday, ele também acredita ser vitimismo quando no ano passado, cerca de 160 pessoas foram assassinadas por dia no Brasil? Somando no total, 58.383 pessoas mortas violentamente e intencionalmente no país? Sendo 70% dessas mortes são praticadas contra jovens, negros e pobres?

     

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    Outro ponto importante do seu discurso é a ideia de meritocracia que se embasa na afirmativa de que todos são iguais e têm condições de disputar qualquer espaço na sociedade.

    No debate das cotas, é possível exemplificar a fragilidade do discurso liberal. Como por exemplo, o vestibular ou um concurso, nada mais é do um conjunto de regras e equações, e aqueles que estiverem melhor treinados para aqueles padrões são os que tem o melhor desempenho. Avaliações como estas, não medem conhecimento ou capacidade de aprendizagem, apenas reflete os que estão mais preparados com esse padrão de prova.
    Para quem acredita na meritocracia, o fato de todos os concorrentes lutarem por uma vaga e realizarem a mesma prova, com o mesmo tempo disponível, ou seja, com regras bem estabelecidas, já garante uma igualdade de condições, sendo aqueles que obtiverem o melhor resultado são os “merecedores”.

    Porém, analisarmos esse mesmo processo seletivo levando em consideração o contexto histórico e as distintas trajetórias, veremos que os vestibulares e os concursos são grandes funis sociais.

    Como por exemplo, uma jovem de classe média, que estuda em uma escola particular pela manhã, faz cursinho a tarde com preparatório para o vestibular e acompanhamento psicológico. E em contrapartida, outra jovem, moradora da periferia, que estuda à noite, pois durante o dia precisa trabalhar para ajudar na renda doméstica, e com muito esforço faz um cursinho popular aos sábados, não terão as mesmas condições para realizar a prova.
    A política de cotas nada mais é do que uma ação que busca diminuir o abismo entre essas duas trajetórias e garantir oportunidades para aqueles que historicamente foram excluídos, neste sentido, Holiday utiliza sua trajetória como exemplo de como é possível ascender pelo próprio mérito e estabelece isso como regra e não exceção.

    Por fim, no fantástico mundo de Holiday não devemos ter memória de resistência, o caminho que deve ser exaltado é dos bandeirantes, dos senhores de engenho, de heróis nacionais como Dom Pedro II, Tiradentes, José Bonifácio e os Constitucionalistas.

    O resumo da ópera então é que não podemos ser vitimistas. Não devemos cobrar políticas de reparação histórica do Estado Brasileiro, muito menos exaltar a nossa memória daqueles que se rebelaram contra o sistema colonial escravista.  Para Holiday o nosso papel histórico deve se resumir emtrabalhar, trabalhar e trabalhar. Caso o indivíduo não consiga nadana vida é porque não se esforçou o suficiente, e o restante fica tudo como está. Só que não!

    Joselicio Junior, mais conhecido como Juninho, é jornalista, militante do movimento negro e presidente estadual do PSOL-SP.

     

  • “Podem arrancar uma rosa, mas jamais acabar com a primavera”

    “Podem arrancar uma rosa, mas jamais acabar com a primavera”

    Lucas era um adolescente de 16 anos como tantos outros —um “piá”, como se diz no sul. Gostava de jogar videogame, ficar em casa, sair às vezes com os amigos e muito, muito mesmo, de sua escola.

    Pois foi lá, na Escola Estadual Santa Felicidade (que nome lindo!) de que ele tanto gostava, que a vida do menino Lucas teve um ponto final, em plena segunda-feira (24).

    Escola ocupada, escola de luta, e Lucas morreu pelas mãos de um colega adolescente como ele, em um desentendimento até agora não explicado. Para seus amigos e familiares, restaram a dor funda e a lembrança afiada. As lágrimas e o silêncio.

    Mas, como o jogo político não poupa ninguém — nem os mortos—, logo o nome de Lucas, que não pode mais defender-se, tornou-se arma para os adversários das ocupações das escolas.

    Era preciso faturar rápido a morte, antes mesmo que o corpo esfriasse. O blogueiro da revista “Veja”, Reinaldo Azevedo, reconhecidamente de direita, soltou às 15h36, minutos após a divulgação do crime, uma matéria infame, já com uma foto interna da escola, acusando os “comunistas” de serem moralmente responsáveis pela morte e pelo sangue no chão.

    lucas1Lucas era mais um dos milhares de estudantes que estão agora ocupando suas escolas em defesa do ensino público e gratuito de qualidade. Comprometido com a luta, ele ia durante os dias para a Santa Felicidade, como se estivesse em rotina de aula, e voltava para casa para dormir. A mãe preferia que passasse a noite em casa.

    Pode-se insinuar que, se a escola não estivesse ocupada, a tragédia não teria ocorrido. Será mesmo?

    Os estudantes de escolas públicas convivem em escolas sucateadas, em que cenas de violência não são coisa incomum. Lucas estava em sua escola, lutando para mudá-la. Estudava lá desde pequenininho e mesmo se mudando para longe, a quase 20 km de distância, quando foi morar em Almirante Tamandaré, na região metropolitana da cidade, resolveu continuar nela.

    Assim que sua morte foi anunciada nas redes sociais, por volta das 15h, uma pequena multidão se formou na entrada do colégio. A polícia já estava lá dentro quando a reportagem chegou, às 17h. A entrada de pais ou advogados não tinha sido liberada. Ou seja, durante pelo menos duas horas, os adolescentes que encontraram o corpo não tiveram contato com mais ninguém a não ser a polícia.

    A entrada da mãe de Lucas, uma mulher em desespero pela notícia trágica envolvendo seu filho foi liberada apenas às 17h19. Crueldade infinita e inimaginável, a polícia deixou-a afogar-se na angústia –fora da escola.

    Mas as redes já ferviam e por todo o país boatos sobre a morte de Lucas circulavam. O primeiro era de que teria se suicidado. Outro forte concorrente era de que teria sido morto por um estudante convocado por forças contrárias às ocupações.

    A guerra de narrativas explodia em ofensas e ódio, enquanto à mãe de Lucas negava-se o elementar direito de embalar o corpo do filho morto. Piedade!

    Ainda esperávamos do lado de fora do colégio, quando o governador Beto Richa (PSDB) soltou uma nota de pesar. Desleixo extremo, atribuiu a Lucas um sobrenome errado. Era Lucas Eduardo Araújo Mota e não Lucas Eduardo Araújo Lopes. Das 168 palavras e 1.043 caracteres que compunham o texto, apenas 12 palavras e 84 caracteres foram orientados à solidariedade com os familiares. O restante, de forma oportunista e imperdoável, visava a usar a morte de Lucas para pressionar os estudantes a desocupar as escolas.

    O pior ataque à figura de Lucas, entretanto, ainda estava por vir. Não demorou muito para que os novos relações públicas dos governos de direita no país, convidados para defender a PEC 241 e as desocupações (até com ações diretas), os garotos do MBL, entrassem em ação. Vídeos divulgados na página do movimento jogavam sobre as costas de todos os ocupantes a responsabilidade do ocorrido.

    Diziam que as escolas ocupadas prestavam-se apenas ao uso de drogas e a cenário de sexo entre os estudantes. Os autores desses vídeos, diga-se, foram os mesmo que, dias antes da morte de Lucas, foram provocar estudantes que ocupam o CEP (Colégio Estadual do Paraná, o maior do Estado) e saíram de lá tendo que responder por assédio sexual contra adolescentes.

    Pouco importava para eles a apuração sobre a tragédia, suas circunstâncias ou o cuidado com o nome da família ou do próprio Lucas. O mais importante era a criminalização do movimento.

    Entrevista exclusiva com a mãe de Lucas.

     

    Durante o velório, realizado um dia após a morte, todos estavam preocupados com a cobertura que havia sido feita pela imprensa. Os parentes lembravam-se de Lucas como um garoto calmo, tranquilo, que nem mesmo respondia à mãe durante discussões. No mundo virtual, contudo, o menino querido tinha se transformado em um “zé droguinha” baderneiro.

    Para entender melhor quem era Lucas, que já não pode mais responder aos ataques à sua honra ou se defender, basta dizer que ele está em muitos lugares. Hoje ele se encontra em 1.117 escolas ou universidades ocupadas. Dentro de cada uma dessas escolas ou universidades há milhares de garotos como Lucas, que gostam de suas escolas, gostam de aprender, passam horas enfrentando um transporte público cruel para ir até elas. Se não queremos que tragédias como essa aconteçam mais, seria útil e sábio que escutássemos com atenção todos esses “Lucas”.

    Lucas vive!

  • MBL ataca secundaristas com machismo e abusos

    MBL ataca secundaristas com machismo e abusos

    No dia 27 Arthur Maledo do Val foi ao “programa de entrevistas” Pânico no Rádio para justificar suas recentes ações em viagens pelo Paraná na semana do dia 19 de outubro. Estado que protagoniza a onda de ocupações nacional dos estudantes mobilizados contra a MP 746, PEC 55 (anteriormente 241) e também contra a lei da mordaça.

     

    Na quarta-feira, 19 de outubro, abusando de táticas machistas e questionáveis, quatro membros tentaram entrar em uma das maiores e mais simbólicas ocupações do Paraná, epicentro da primavera secundarista que já ultrapassa barreira de 850 instituições de ensino ocupadas no Estado, o Colégio Estadual do Paraná (CEP).

    Arthur Maledo do Val tem páginas onde faz vídeos expondo posicionamentos políticos e ideológicos contrários ao seus. Por volta de uma e trinta, ele tentou entrar no CEP acompanhado de Renan Santos, um dos líderes do MBL que responde a mais de 60 processos judiciais. Esta tentativa acabou expondo adolescentes a situações vexatórias e degradantes e Arthur será investigado por atentado violento ao pudor pela delegacia da mulher.

     

    Abordagem não honesta
    André, estudante de 16 anos, foi um dos primeiros a ser abordado pelo youtuber. Ele conta que Arthur não se identificou, já chegou gravando sem pedir permissão, mas parecia estar “de boa”. Dizia que filmaria o próprio rosto sem mostrar os dos estudantes.

    Parte de uma orientação de segurança, André não permitiu a entrada do membro do MBL e avisou os responsáveis pela recepção que “havia alguém da mídia” querendo fazer entrevistas. A medida foi adotada em todos os colégios da região de Curitiba uma semana antes por conta de uma tentativa de invasão protagonizada por Eder Borges, também membro do MBL.

    Isabele Moro, que ironizou a coincidência de possuir o sobrenome do “infalível” juiz, é estudante de Filosofia da PUC-PR e atua como voluntária na recepção da escola. Ela foi até o portão para tentar reconhecer o veículo e acompanhar pelas instalações. Avaliação necessária sob a ótica dos estudantes, já que em outras ocasiões a imprensa distorceu declarações.

    Segundo a voluntária, a “celebridade” da internet se apresentou como blogger do Mamãe Falei e começou a fazer perguntas como: vocês acham que realmente foi golpe?. “Eram perguntas decoradinhas. Começou a falar sobre a PEC como se houvesse mais investimentos no próximo ano, um monte de perguntas tendenciosas mesmo. Colocando os estudantes em situações constrangedoras. Resolvemos verificar o blog”, afirma Isabele. Os vídeos das fanpages Ocupa RS e Ocupa CEP mostram Andre Maledo do Val com uma lista de perguntas impressas.

     

    Intenções não declaradas
    Ao checar os perfis Mamãe Falei, os alunos se depararam com vídeos tendenciosos e neste momento perceberam que a intenção de Arthur não era a declarada: “de fazer uma matéria sobre as ocupações”. Os jovens começaram a alertar sobre as entrevistas que o youtuber queria fazer e a colocar todos para dentro das instalações da escola.

    Também, de acordo com a estudante de Filosofia, os jovens pararam um carro da polícia militar e pediram para que os policiais ajudassem a retirar o “blogger” do pátio do colégio, mas os pms se negaram a ajudar dizendo que o problema não era deles. Enquanto alguns meninos e meninas entraram, outros ficaram para convencer os membros do MBL a saírem pacificamente do CEP. Além disso, também se propunham a alertar os alunos que chegavam para a assembleia.

     

    Pausa estratégica: o lanchinho e os telefonemas para retornar com mais energia

    Vendo que foram descobertos e avisados que os advogados que auxiliam as ocupações já se dirigiam para o local, os membros do MBL saíram do colégio e começaram a abordar os jovens que chegavam para a reunião e pessoas que passavam na rua para fazer perguntas. Segundo L, estudante de 16 anos, a organização da ocupação continuo alertando a todos que não deveriam dar entrevistas para aquele grupo, pois queriam desvalorizar o movimento secundarista. Após o fracasso da primeira tentativa, Arthur e os 3 colegas, deixaram a frente da instituição e foram a um shopping pouco distante do CEP.

    L. os seguiu para ver se deixariam a região e para tranquilizar os colegas da escola. O jovem conta que os pretensos entrevistadores lancharam e ficaram ao celular boa parte do trajeto e da refeição. Depois de cerca de 30 minutos retornaram. “Eles voltaram já encrencando, voltaram afobados, metendo ‘o loco’. Neste momento ele começou a assediar. No cordão de isolamento quando ele empurrava as meninas, empurrava pelos seios. Nós estávamos simplesmente protegendo o prédio”, diz L.

    Não bastasse o assédio físico, Arthur assediava verbalmente menores de idade dizendo coisas como: “linda, me dá um beijo”, “gostosa”. Segundo L, eles chegaram empurrando os estudantes que haviam feito um cordão humano. Arthur conseguiu chegar até a porta, utilizando essas artimanhas, mas havia uma segunda que já estava trancada, descreve L.
    G., o estudante que aparece no vídeo sensacionalista com mais de 950 mil visualizações na página do MBL relata: “a gente se tocou de quem eram e não permitimos a entrada. Ele me deu as costas e me empurrou com o corpo e chegou até a porta. Faziam perguntas estúpidas como: ‘o que você faria se o MST invadisse sua casa? ’ Ele virava a câmera [ocultando o rosto] e mandava beijinhos para as meninas.

     

    Gracinhas que escondem o Machismo de cada dia

    Como não conseguiu forçar sua entrada, continuou com sua estratégia. “Ele ficou agressivo e provocativo, em um momento falou que me achou uma gracinha, falei ‘cara, me respeita tenho noivo’, mas ele falou ‘vai dizer se você fosse solteira, você não ficava comigo? ’ ”, lembra Isabele.

     

    Na escada, ele tentou gravar um vídeo com J, estudante de 17 anos. Ela foi uma das jovens que foi assediada e apresentou queixa na delegacia da Mulher que fica em frente ao portão da escola, a cerca de 20 metros. “Ele estava se filmando com essa mão (indicando a mão direita) e com a outra livre. Nisso ele passou a mão do meu seio até minha cintura. Eu fiquei horrorizada, entrei e falei para um colega. Ele ficava falando ‘vocês são muito gostosas’, chamou a gente de vagabunda”, conta.

    Arthur foi machista e ainda quis interpretar o direito de ir e vir segundo seu interesse. “Estava calor e as meninas estavam de vestido e shorts. Ele começou a assediar verbalmente, xingou a gente de burros que não sabíamos por que estamos aqui. Onde que está escrito que ele não pode filmar a gente, entrar aqui? Ele disse que podia nos provocar que é direito dele fazer isso. Ele podia tirar nosso direito de se manifestar”, relata.

    Segundo J., o membro do MBL não respondia perguntas e somente continuava indagando com questões sobre aborto, FGTS e legalização. Pautas que, segundo os jovens, não são o foco da manifestação. “Não tinha diálogo. Quando a Gabrielly (uma das jovens da ocupação) começou a responder as perguntas dele e ele viu que ela estava destruindo a argumentação dele, ele parou de gravar”.

    Gabrielly, que foi questionada por Arthur sobre as ocupações, afirma que o ato é de liberdade e que não há lei que impeça a manifestação deles, mas o bloger insistiu em dizer que sua liberdade de ir e vir estava sendo afetada, pois queria entrar no colégio. Gabrielly ainda afirma categoricamente: “certeza, é financiamento. O que eles vieram fazer aqui? Eles são de onde? São Paulo? Chegaram com a câmera na cara de todo mundo sabendo que tem adolescentes. Eles não deram a oportunidade de mostrar o que a gente sabe, foi uma armação”.

     

    Bateu e correu

    Após duas horas de insistência, por volta de quatro e meia da tarde, os estudantes organizaram um cordão humano para retirar pacificamente o membro do MBL da ocupação. Os outros três já se encaminhavam para fora das instalações.

    “Ele agachava e passava a bunda em quem estava fazendo o cordão para retirar eles daqui. Lá fora ele me deu uma cotovelada no rosto, foi quando tentei fazer ele parar de filmar. Peguei a câmera e eles me empurram no muro. ”, conta G.
    “Ele bateu no G, deu uma cotovelada nele”, de acordo com J. isso ocorreu quando o estudante tentou tampar a lente câmera, pois ele havia pedido para que não fosse filmado. Este momento é o que foi explorado como a agressão pelo MBL, no vídeo com mais de 950 mil visualizações.
    J. e L. afirmam que os policiais da delegacia da Mulher, localizada do outro lado da rua, viram tudo e vieram em direção ao tumulto.

    A polícia civil chegou neste momento em que ambos os grupos saíam dos muros da escola. A agitação atípica na ocupação chamou a atenção dos servidores de plantão, mesmo durante a greve.

    “Com certeza o intuito deles é chegar aqui fazendo perguntas e coisas absurdas, fazer a galera se descontrolar e mostrar somente isso, não mostram os abusos dele, né? Óbvio! Eles fazem isso em todos os lugares, acho que isso é a principal função deles na verdade”, conclui um dos alunos.

    Os membros do MBL foram conduzidos para a delegacia da Mulher pelos policiais. Em seu post, Arthur alega que ficou desacordado e que se abrigou na delegacia, mas os jovens rebatem. “Até a delegada falou isso: ‘nossa, eu mesma que estava ali na frente não vi tudo isso’”, conta J. Ele ainda afirmou, de acordo com relato de J., que fora agredido por 70 estudantes.

    Na análise de Amanda, o MBL não queria apenas irritar os alunos, mas desmobilizar. “De fato eles vieram até Curitiba para desmobilizar as ocupações. Eles vieram com tudo para agredir mulher, estudante. Os vídeos deles foram um chamado para ganhar apoio das pessoas”. Segundo a futura bacharel em Geografia, a intenção deles era incitar a militância nacional que está se criando em torno do MBL.

    “Em breve serei professora e estou colaborando de várias formas e é incrível a capacidade deles (os jovens) se organizarem e o quanto eles mantêm a escola viva, a escola limpa, com artes, com música, com todas as coisas que a gente sabe que o governo quer retirar com essa MP. Muito importante ressaltar que este processo não é só de ressignificação da escola. É o principal espaço deles. É uma luta historica que vai transformar a história de lutas do Paraná. A educação está em um novo rumo a partir destas lutas que eles estão travando (…) Se não me engano em São Paulo saiu um dado que os alunos que ocuparam as escolas tiveram o melhor rendimento escolar do que não ocuparam”. Conclui a futura esperançosa professora.

     

    Assediando menores e seu futuro
    Sobre o assédio, J. diz o que sentiu. “Por dentro a gente morre, para qualquer menina é um medo que a gente convive. Ainda li um comentário de uma menina dizendo que ‘ele ia sair de São Paulo para ir passar a mão em você me Curitiba?’ Aí eu penso, da mesma forma que ele saiu para provocar alunos! Porque é isso que eles fazem”.

    J. conta que teve momentos difíceis durante a noite. “Em casa, tomei cinco banhos. Parece que ainda sentia (…) Eu me senti suja, sabe? Fiquei com nojo porque qualquer menina se sentiria assim. Teve um comentário de uma menina dizendo ‘tem menina que não aguenta uma passada de mão que sai falando que é assédio’, mas é porque é assédio, não é só uma passada de mão. Eu fiquei (abalada) é horrível. Depois que isso acontece com a menina ela passa a ter mais medo. A gente ficou na mesma sala na delegacia eu tinha vontade de vomitar nele. ”

    Outra mulher que foi vítima de Arthur e de suas táticas conta como se sentiu. “Ele tentou me agredir, não tive condições de fazer meu B.O no dia (…) a primeira coisa que fiz foi ir para minha casa. Tentei fazer [B.O] ontem (23), mas está em greve. ” Amanda Feijó, estudante de Geografia da UFPR de 24 anos, é voluntária no transporte de alimentos entre as ocupações e visita muitos dos colégios da região da capital. “A gente percebeu que eles estavam de todas as formas subestimando a capacidade dos estudantes de discutirem os motivos da ocupação. Começaram a filmar e a me assediar. O Arthur tentou jogar a câmera na minha cara”. Amanda também reitera a versão que durante o cordão humano Arthur abusou das meninas e tentou beijá-las.

    “Em dois momentos ele colocou a câmera na minha cara, no vídeo é visível a segunda vez em que ele tenta me assediar colocando a mão nos meus seios”. Em um dos “ao vivo”, feitos pela página Ocupa RS, Arthur aparece empurrando Amanda como foi descrito pelos outros jovens. Colocando a mão em seus seios. É possível perceber que Renan Santos e Arthur Maledo se divertiam com o incomodo e vexação que causavam.

     

     

     

    Segundo J, que falou de sua dificuldade para aceitar a situação, “às vezes [o assédio] é mais psicológico do que físico. Porque não vai sair da minha cabeça, vou ver um homem parecido com ele e vou ter medo. Não é fácil”, afirmou comovida. “Todo mundo sentiu vergonha alheia, por eles.”, diz J, pela atitude “antiética” dos integrantes do MBL.

    Sobre as consequências de abusos sexuais em vítimas jovens, Paulo Lenzi, advogado que assessorou J., afirma ter presenciado vários casos “nessas circunstâncias a superação do fato demora muito para ser digerida (…) A pessoa fica receosa vislumbrando um novo abuso com medo de sair, até de ir para escola”.

    Além disso, em um vídeo, o youtuber mentiu sobre uma suposta desistência de J. ao fazer o exame de corpo de delito e de apresentar a queixa. O crime de assédio é privado só pode ser investigado após manifestação explicita e privada da vítima. “O advogado dele veio conversar com meu advogado, veio pedir para não representar, para não continuar…”

    No dia 27 no “programa de opinião” Pânico no Rádio. Sua participação corrobora o que disseram os estudantes: “Fui entrando, (…) sendo inconveniente”. O youtubber e os apresentadores ainda satirizam adolescentes e o advogado que procurou auxiliar os jovens falando da maneira que ele estava vestido. Em outro vídeo gravado em Londrina Arthur Maledo, também fica visível a participação de Renan Santos, MBL, na investida pelo estado paranaense.

    A jovem de 17 anos afirma que foi marcada audiência para dia 02 de dezembro, às 13h40. Por ter prestado queixa a estudante foi ameaçada, perseguida e hostilizada por simpatizantes e integrantes do movimento. “Chegaram uns outros piás que quiseram me xingar ‘é essa a vagabunda? ’. Ficaram esperando eu sair. O policial me acompanhou com minha mãe até o carro para impedir que filmassem o meu rosto. Eles queriam jogar minha imagem na internet. O policial me falou para tomar cuidado que eles iam ficar atrás de mim”. Paulo Lenzi, advogado que acompanhou J na delegacia, afirma que pediu para que a polícia escoltasse a jovem até o carro da família e impedisse Éder Borges e os outros membros de filmá-la e hostilizá-la. “Éder Borges desceu para frente da delegacia fez um vídeo e ficou aguardando com outros membros a saída da jovem”.

    Eder Borges também levou lanches para seus colegas do MBL na delegacia. Segundo os alunos, o candidato do PSC que é líder do movimento na região, foi repreendido pela delegada que o local não era creche para trazer lanchinhos.

    O MBL ainda alegou que a jovem tinha mais de 18 anos, de acordo com a estudante. Um dos advogados da adolescente teve que peticionar na tarde do dia 22, em caráter de urgência, que o processo fosse colocado em sigilo de justiça para preservar a identidade de J. A mesma confidenciou que prestou vestibular no dia 24 ainda muito abalada.

     

    Qual seria o objetivo do MBL ao fazer isso?

    O caso de assédio envolvendo Arthur Maledo Do Val foi registrado como atentado violento ao pudor. Para o advogado, o movimento é aparelhado e orientado a realizar estes tipos das ações. “Eles querem que alguém bata neles. Vem a uma escola com adolescentes e os enchem de provocações”, questiona Lenzi.
    A manipulação das imagens dos adolescentes por parte do MBL é questionada por outro advogado que auxilia os adolescentes. “Percebi que o grupo que foi até lá tinha clara intenção de encontrar confusão. Faziam perguntas desconexas, o que era o FGTS, se concordavam com o FGTS, sempre esperando que alguém respondesse algo errado para então colocar isso na mídia (…) Tentaram de várias formas manipular o que estava acontecendo para que os estudantes ficassem como os agressores”, afirma Vitor Leme, outro advogado que auxiliará no caso. Segundo ele, o MBL não poderia publicar as imagens dos jovens sem autorização e pelo fato que os alunos solicitaram que não fossem filmados repetidas vezes, segundo relatos.

     

    Mais uma história para o MBL

    Na versão publicada por Arthur Maledo em sua página, ele frisa que ficou desacordado e foi agredido por várias pessoas, mas suas declarações aos oficiais da polícia do Paraná foram diferentes. Na versão oficial, diz ter sido imobilizado e que sua câmera foi danificada

    Na delegacia, “comedido” Arthur Maledo do Val também alegou em seu termo circunstancial que tem renda mensal de apenas R$ 300,00 e é desempregado. Apurando o preço de uma passagem de ônibus convencional de Garulhos, onde afirmou morar, para Curitiba, ele gastaria mais de um terço de sua renda.

    Lenzi afirma que “ninguém com 30 anos nas costas, desempregado viaja para outro estado para filmar uma ocupação de adolescentes em um colégio. Há algum tipo de financiamento nisso”.

    Em Porto Alegre, Arthur Maledo é apontado pela imprensa gaúcha como um dos possíveis catalizadores do suicídio do assessor de Sebastião Melo, Plínio Zalewsky, (link) em campanha de acusações pela prefeitura da capital.

    Em Curitiba, Eder Borges, em 2015, se envolveu em uma confusão semelhante à do CEP. Ele hostilizou estudantes da UFPR, vídeo disponível em sua página, xingando-os de “comunistas filhos da puta”, discutindo com uma jovem estudante. Ela, a estudante diz que na época ficou com medo. “Deu medo na época, porque a gente estava na ocupação. Eles passavam lá e sabiam quem era do movimento (…) No vídeo ele cortou, mas antes de começar a gravar a segunda parte o cara que estava na frente, me chamou de vadia comunista (…) Eram quatro homens, dentro de um carro, gritando o que queriam, xingando todo mundo. E depois que expuseram o vídeo teve muita gente no meu perfil enchendo o saco”.

    O MBL na capital paranaense tem apoiado o movimento de desocupação das escolas. Eder Borges também marcou ato na mesma semana para expor cinco motivos para ser contra as ocupações e conclamar o movimento #DesocupaParaná. 22 apoiadores compareceram.


    Já em outro episódio, um voo a caminho de Curitiba, Paulo Demchuk, agrediu a senadora Vanessa Grazzotin. Na ocasião os veículos de Comunicação relacionaram o advogado à organização.

    Durante a apuração desta matéria, um estudante foi assassinado dentro das uma das ocupações da cidade e a página nacional do MBL fez afirmações sobre o ocorrido sem apurar os fatos, expondo a família e o jovem.

  • Em SP, polícia. No PR, MBL. Estudantes resistem.

    Em SP, polícia. No PR, MBL. Estudantes resistem.

    Por Lucas Martins e Martha Raquel no especial Minha Casa, Minha Vida

    O movimento dos estudantes que ocupam os colégios contra a PEC 241 (que congela investimentos por vinte anos – aprovada ontem na Câmara dos Deputados Federais) e a MP 746 (que reforma o currículo educacional) tem encontrado várias pedras em seus caminhos.

    No estado de São Paulo, que ano passado deu início as ocupações, apenas o Instituto Federal está ocupado. Todas as tentativas de ocupar colégios e diretorias de ensino foram rapidamente reprimidas pela Polícia Militar, que tem adotado uma prática sistemática para reprimir os estudantes. Após qualquer ocupação não há diálogo. A polícia chega ao prédio ocupado, invade e retira os estudantes pela força e sem mandado judicial – como aconteceu na Diretoria de Ensino do Centro-Oeste, na Escola Estadual Xavier Toledo e em uma Diretoria de Ensino de Guarulhos. Outra prática é a pressão externa com a Tropa do Choque ou algum grupo da PM esperando do lado de fora coloca duas opções aos estudantes: sair espontaneamente ou a entrada do pelotão.

    O estado não realiza diálogo, não pede ordem judicial, apenas manda a Polícia Militar. Os estudantes não são dignos do direito de falar.

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    Já no Paraná, o governador, Beto Richa, tem receio de usar a força da Polícia. Depois das cenas de massacre, no 29 de abril do ano passado, contra professores grevistas, o governador vêm buscando outras formas, que não a Polícia, de intimidar os alunos para que os colégios sejam desocupados. O caminho tem sido apelar para a criminalização do movimento, por meio de pronunciamentos e boatos. O MBL (Movimento Brasil Livre) tem se tornado uma forma de relações públicas para os governos de direita, como neste caso. Além de convocado pelo golpista Temer para defender a PEC 241, o MBL tem sido o principal aliado de Beto Richa na desmoralização do movimento secundarista. Com publicações diárias espalham boatos sobre as ocupações, sempre com frases de efeito, mas sem materialidade. Acusam os estudantes de serem controlados por agentes externos e com ligações à partidos de esquerda. Além disso, ainda convocam atos de intimidação em frente aos colégios ocupados, tentando assim aterrorizar os alunos que vêm mantendo as ocupações organizadas e com cronogramas a serem seguidos.

    Estudantes de ocupações chegaram a relatar que objetos (como cigarros, camisinhas e bebidas) têm sido jogados dentro das ocupações com o intuito de criminalizá-los por práticas que não cometeram. A reportagem verificou em ao menos quatro ocupações a proibição da entrada com esses objetos. Esse incentivo à violência tem surtido efeito. Um colégio já foi desocupado à força, onde membros de movimentos de extrema direita e pais contrários à luta pela educação entraram no colégio quebrando o portão e retiraram os ocupantes, deixando alguns ocupantes feridos .

    O jogo antidemocrático da direita se utiliza da repressão e difamação para acabar com seus opositores. Os estudantes, entre 15 e 17 anos, em contrapartida estão mostrando que entendem de política e cidadania. Cabe à sociedade se informar atentamente a tudo que vem ocorrendo e decidir se está ao lado dos que jogam sujo ou de quem luta, não apenas por sua educação e futuro, mas por todas as próximas gerações.