O Movimento Brasil Livre (MBL), que surgiu em 2014 carregando a bandeira do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e do combate intransigente à corrupção, se autodenomina uma entidade sem fins lucrativos, segundo consta em sua página no Facebook. Porém, há um lado nebuloso sobre como se organiza e se mantém financeiramente este movimento, que conta com 2,5 milhões de fãs em seu perfil na rede social. Todos os recursos que recebe por meio de doações, vendas de produtos e filiações são destinados a uma “associação privada” — como consta no site da Receita Federal — , chamada Movimento Renovação Liberal (MRL), registrada em nome de quatro pessoas, sendo três deles irmãos de uma mesma família: Alexandre, Stephanie e Renan Santos. Este último é um dos coordenadores nacionais do MBL e um dos rostos mais conhecidos do grupo.
Três membros desta mesma família, além de uma quarta pessoa, aparecem como únicos associados da Renovação Liberal, a entidade privada “sem fins econômicos e lucrativos” que recebe o dinheiro do MBL. Seu estatuto, registrado em cartório em julho de 2014, diz que se trata de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). De acordo com a legislação brasileira, doadores de uma OSCIP podem descontar do Imposto de Renda as colaborações feitas a uma entidade como o MRL.
Movimento Renovação Liberal
Até hoje, o Movimento Renovação Liberal não consta no cadastro nacional de OSCIP disponibilizado pelo Ministério da Justiça. Consultando o CNPJ do Renovação Liberal (22779685/0001-59) no site da Receita Federal, o que se encontra é uma associação privada, criada em março de 2015, cuja atividade principal é “serviços de feiras, congressos, exposições e festas”.
Além disso, apenas Stephanie Liporacci Ferreira dos Santos, irmã de Renan Santos, aparece na Receita Federal como presidenta da entidade. Ou seja, o que aparece na Receita não corresponde ao quadro societário que aparece no estatuto da associação. O endereço do Renovação Liberal fica, atualmente, num bairro nobre da zona sul de São Paulo, no mesmo imóvel onde está a sede nacional do MBL. De acordo com fotos e publicações em suas páginas de Facebook, Stephanie mora na Alemanha, onde foi visitada por seus pais e irmãos em julho deste ano.
Segundo Cecília Asperti, advogada e professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), o mero fato de que o estatuto social diga que a entidade se trata de uma OSCIP não significa que ela seja uma. “Somente podem qualificar-se como tal as pessoas jurídicas (de direito privado sem fins lucrativos) que tenham sido constituídas e que se encontram em regular funcionamento há, no mínimo, três anos”, afirma Asperti. “Para tanto, é necessário fazer um requerimento perante o Ministério da Justiça observando-se os critérios estabelecidos em lei. Cabe, então, à pasta federal julgar se a associação enquadra-se ou não nos requisitos”, explica a advogada.
O dinheiro doado ou repassado ao MBL é canalizado para o Movimento Renovação Liberal da seguinte maneira: quando alguém doa (e se filia) ao MBL, paga uma taxa por meio de um serviço de internet (PayPal). O dinheiro, então, é direcionado ao CNPJ do Renovação Liberal. Também a venda de artigos vinculados à marca, como bonecos pixulecos, canecas e camisetas, tem os recursos direcionados à entidade de Renan e seus irmãos, como constatou este jornal ao fazer compras na página do movimento.
Imagem de uma compra feita na loja online do MBL. No destaque em vermelho, na parte inferior, o CNPJ do MRL
Questionado pelo jornal EL PAÍS, o MBL diz que “não se deve confundir” o Renovação Liberal com o grupo. “O MBL é uma associação de fato, que congrega milhares de indivíduos de diversas localidades do país identificados com causas de natureza política, social e econômica. Para não perder sua essência de movimento cívico compreendido como reunião espontânea de pessoas, optou-se por essa formatação. O Movimento Renovação Liberal presta apoio formal ao MBL, por exemplo em relação à realização de eventos”, disse nesta sexta-feira, por e-mail.
Ausência de prestação de contas
Tanto o MBL quanto a associação Renovação Liberal nunca apresentaram ao público uma prestação de contas. O jornal EL PAÍS questionou o grupo sobre sua arrecadação e recebeu a seguinte resposta: “O MBL é o movimento político mais perseguido do Brasil. E, portanto, como entidade privada, não tornamos público o balanço financeiro, em respeito à privacidade e integridade de nossos colaboradores, membros e doadores”. Também não consta no cartório em que a entidade está registrada atas de assembleias gerais ou registro da instituição de um conselho fiscal, contrariando o que está previsto no próprio estatuto do Renovação Liberal — e o que, em tese, prevê a natureza de uma OSCIP.
Os chamados coordenadores nacionais do MBL já foram impelidos em outras ocasiões a apresentar suas contas publicamente por órgãos de imprensa, adversários políticos, simpatizantes e até partidos aliados, mas nunca o fizeram. No dia 22 do mês passado, por exemplo, a Juventude do PSDB-SP — importantes dirigentes deste partido contam com o apoio declarado do MBL para as eleições de 2018 —, divulgou uma nota em que critica a falta de transparência financeira do movimento: “Hoje, o MBL tem sua agenda esgotada, e não se observa mais utilidade a esta organização que, aliás, nunca deixou clara sua origem, seu funcionamento e, principalmente, seu método de financiamento. (…) A Juventude do PSDB do Estado de São Paulo aproveita, ainda, para convidar o Movimento Brasil Livre ao debate honesto e transparente sobre o seu modo de financiamento, desafiando-o publicamente a disponibilizar prestação de contas periódica do movimento”.
A nota acima foi divulgada após a notícia de que o MBL e parlamentares jovens do PSDB estavam ensaiando uma aliança para as eleições de 2018. O jornal EL PAÍS entrou em contato com Juventude paulista do PSDB, que, por meio de sua assessoria de comunicação, confirmou que a nota publicada na imprensa representa o posicionamento do órgão estadual até hoje. Já André Morais, presidente da Juventude Nacional do PSDB, disse à reportagem que respeita a posição da ala paulista da entidade, mas que ela não representa a opinião do órgão nacional. “Temos mais semelhanças do que diferenças com o MBL”, afirmou Morais.
“Agentes da CIA”
A falta de transparência para divulgar suas contas já gerou uma série de teorias sobre quem patrocina o MBL. De testas de ferro da CIA a fantoches dos Irmãos Koch, um grupo empresarial norte-americano que apoiou o presidente Donald Trump nas últimas eleições. Os jovens do grupo não perderam tempo de capitalizar sobre as teses que os cercam para atrair doadores. Os interessados em colaborar com o MBL podem se filiar ao movimento de acordo com diversas escalas de valores, que variam de 30 reais a 10.000 reais. Pelo valor mais baixo, o doador se registra na categoria chamada Agente da CIA. Segundo informa a página cadastral, este plano dá direito a acesso a fóruns de debates, votações em questões internas e participação em sessões de videoconferências. Por 100 reais, é possível tornar-se um doador Irmãos Koch.
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Há ainda outras seis categorias, com nomes como Exterminador de Pelegos, Imperialista Yankee e Privatiza Tudo. A filiação premium chama-se I am the 1% e custa 10.000 por mês, teoricamente dando direito à participação em congressos, votações e jantares. Apesar desse controle no número de filiações, o MBL disse o seguinte para o jornal EL PAÍS: “Estamos em 24 Estados da federação e em centenas de municípios. Cada núcleo é independente, não sendo possível afirmar quantos somos”.
Além disso, os colaboradores que se filiam não possuem qualquer direito sobre a entidade que controla as finanças do movimento. Conforme consta no estatuto da Renovação Liberal, a entidade possui apenas quatro associados, e somente eles têm direito a voto, cadeiras em assembleias gerais, no conselho consultivo e no conselho fiscal. O Artigo 15 do estatuto (na imagem) prevê que apenas a assembleia geral poderá aprovar a entrada de novos membros. Mas isso jamais foi feito desde que a associação foi fundada, conforme mostram os documentos referentes à entidade, entabulados no 8º Cartório de Registro Civil de Pessoa Jurídica de São Paulo.
Aqueles que são chamados de coordenadores nacionais do MBL, como Kim Kataguiri, Fernando Holiday e o próprio Renan Santos, não foram eleitos por ninguém e jamais poderão ser substituídos em eventual votação dos que supostamente se filiam ao movimento. Tampouco poderão os doadores do MBL votar ou decidir sobre qualquer destinação do dinheiro que o movimento acumula, nem mesmo aprovar suas contas. Tudo isso cabe apenas aos irmãos Santos e ao quarto associado, Marcelo Carratú Vercelino, empresário morador de Vinhedo, no interior paulista.
Problemas na Justiça
Os irmãos Santos e seus pais são alvos de pelo menos 125 processos na Justiça brasileira. Somente em nome de Renan Santos e das empresas familiares de que é sócio, há 16 ações cíveis e mais 45 processos trabalhistas. Ele nega ter agido de má fé em qualquer um desses casos, embora admita as dívidas, fruto, segundo ele, das “dificuldades de ser empresário no Brasil”, conforme afirmou ao portal UOL. Em mais da metade das ações judiciais a que respondem, o tempo para Renan e sua família se defender já passou, tornando a dívida líquida, certa e exequível. Esses processos correram à revelia, o que quer dizer que os acusados sequer se deram ao trabalho de defender-se na Justiça. As cobranças estão sendo realizadas pelos tribunais, mas não têm tido resultado, visto que oficiais de Justiça não encontram valores nem nas contas das empresas, nem nas de seus proprietários. Há casos de oficiais de Justiça que foram cobrar Renan e seus irmãos em endereços anunciados como sedes das empresas, mas não encontraram ninguém.
Por Vinicius Segalla, Marina Rossi e Felipe Betim para o EL PAÍS Brasil
Mostra histórica de temática LGBT com 264 obras de artistas consagrados é acusada por grupos de extrema direita de ser apenas apologia a pedofilia, zoofilia e anti-cristã. Banco patrocinador aceita a censura com medo de boicote e conflitos.
“O Eu e o Tu”, de Lygia Clark. Exemplo de uma das 264 obras que estavam expostas em Porto Alegre. A imagem, aliás, foi retirada do anúncio de uma retrospectiva da artista no MOMA de Nova York, em 2010 – https://goo.gl/anm2TQ
Alguém consegue imaginar artistas como Volpi, Portinari e Lygia Clark como criminosos defensores da pedofilia que querem “destruir a família brasileira”? Alguém acha que um banco privado montaria uma exposição para implantar um “comunismo globalista”? Pois centenas de comentaristas de sites de extrema direita (e também de nossa página no Facebook e talvez aí embaixo daqui a pouco) parecem acreditar nisso. Devem ser as mesmas pessoas que concordam com Olavo de Carvalho quando ele diz que a Pepsi adoça seu refrigerante com fetos abortados (https://www.youtube.com/watch?v=AblcSjwIZbg), os que creem piamente que a Terra é plana (https://www.youtube.com/watch?v=eC4YRYsB0PQ) ou os que juram que o nazismo é uma ideologia de esquerda (https://www.youtube.com/watch?v=nmFAPqzaAz8). Pois é. Em mais um triste passo em direção ao obscurantismo e fascismo, essas mentes “brilhantes” resolveram voltar suas baterias e seu “vasto” conhecimento em história, política e arte contra uma exposição artística: a Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, no Santander Cultural de Porto Alegre.
A mostra histórica sobre arte com temática LGBT, com 264 obras de diversos artistas consagrados, como a “O Eu e oTu”, de Lygia Clark, feita em 1967, foi encerrada hoje após manifestações de grupos reacionários. Além de Clark, há obras de outros 84 artistas como Adriana Varejão, Alfredo Volpi, Cândido Portinari, Clóvis Graciano, Fabio Del Re, Flávio Cerqueira, Gilberto Perin, Sandro Ka, Yuri Firmesa e Leonilson. A mostra reunia pintura, gravura, fotografia, serigrafia, desenho, colagem, cerâmica, escultura e vídeo. Um painel amplo e diversificado da produção sobre a temática que segue outras mostras semelhantes como as cinco realizadas esse ano em Londres (https://www.out.com/art-books/2017/2/03/5-queer-art-exhibitions-see-spring-london), ou esta em Nova York (http://www.mcny.org/exhibition/gay-gotham) ou ainda essa em Paris (https://www.rencontres-arles.com/…/expositions/view/106/sin…).
Mas depois de quase um mês de sucesso de público e crítica no centro cultural de um banco na capital gaúcha, postagens coordenadas em páginas e grupos de extrema direita, incluindo um vereador de Porto Alegre eleito pelo PSDB mas com “selo MBL”, divulgaram que se tratava de uma mostra de “apologia à pedofilia” e contra “a moral e os bons costumes cristãos”.
Com isso, os que se auto-intitulam “libertários”, pediam a seus seguidores que pressionassem o banco privado (divina ironia) a fechar a exposição. Pior, estimularam seus adeptos a filmar, constranger e expor os visitantes do centro cultural. Desse modo, a segurança do banco foi obrigada a fechar as portas da mostra ontem para evitar confusões. Hoje, a direção lançou uma declaração de encerramento definitivo da exposição, que deveria permanecer aberta até 8 de outubro. Os relatos de agressões aos visitantes são bizarros, como pode se ver abaixo.
No Brasil de 2017, os “libertários” parecem preferir a destruição de obras de “comunistas” e “anti-cristãs” (basta ver os comentários nos posts), da mesma forma como Hitler liderou a queima de milhares de livros de autores comunistas e judeus em 1933. No mesmo lugar onde isso ocorreu, aliás, recentemente a artista argentina Marta Minujín erigiu uma imensa instalação, o Partenon dos Livros, uma obra em favor da liberdade artística, intelectual e de expressão.
Como bem lembrou Kiko Nogueira em artigo no DCM (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/80-anos-depois-dos-nazistas-o-mbl-consegue-cancelar-mostra-de-arte-degenerada_por-kiko-nogueira/), “em junho de 1937, o ministro de Propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels, encarregou o presidente da Câmara de Artes Plásticas, Adolf Ziegler, de vasculhar todos os museus em busca de ‘arte decadente’. Milhares de peças produzidas depois de 1910, que não se adequavam ao ideal de beleza nazista, foram reunidas em Munique numa exposição chamada ‘Entartete Kunst’, ‘Arte Degenerada’. ‘Os senhores veem à nossa volta essas abominações da loucura, da insolência, da inépcia e da degeneração. O que os olhos percebem, nos causa, a nós todos, choque e repulsa’, falou Ziegler na abertura, antecipando a turma gaúcha. Expressionistas como Emil Nolde, Käthe Kollwitz e Ernst Barlach, alemães, foram jogados no lixo. Vassily Kandinsky, Marc Chagall e Pablo Picasso foram proibidos. ‘Praticamente não houve resistência’, escreveu a perita em história da arte Anja Tiedemann, da Universidade de Hamburgo. As obras que não foram destruídas acabaram vendidas no mercado negro para financiar o regime.”
Goebbels na exposição de “arte degenerada” em Munique. Reichsminister Dr. Goebbels auf der Ausstellung “Entartete Kunst” Am Sonntag mittag besuchte der Reichsminister die Ausstellung im “Haus der Kunst”. Rechts vom Reichsminister (mit Brille) der Ausstellungsleiter Pistauer. Fot.: Ste. 27.2.38
Na última sexta-feira, 25, um grupo de estudantes universitários, disseminou explicitamente um discurso de ódio dentro das dependências da instituição de ensino em evento chamado Liberty Open.
O grupo autointitulado como “Juventude Libertária”, liderado por Caio Viana, sobrinho do deputado estadual Robson Viana, investigado pelo desvio de verba pública, pediu autorização para usar o auditório da Universidade Tiradentes com o pretexto da realização de uma palestra sobre os ideais libertários e debates filosóficos.
O que deveria ser uma reunião comum, tornou-se um encontro de admiradores do Brilhante Ustra, primeiro militar reconhecido pela justiça como torturador da ditadura.
Em virtude de ter cedido o espaço para o primeiro dia de evento, a universidade declarou em nota oficial que irá apurar os acontecimentos.
Além de homenagear o coronel torturador, o grupo coordenado pelo líder do MBL de Sergipe, constrangeu, com a ajuda de palestrantes convidados, uma aluna que tinha ideias antagônicas às suas. Durante o tempo em que a estudante esteve presente no local com a finalidade de registrar a ação, foram reproduziras falas preconceituosas a respeito de pessoas menos favorecidas e conceitos distorcidos sobre outras ideologias políticas.
A situação gerou imensa revolta, medo e desconforto aos demais alunos da Universidade Tiradentes (Unit), que compartilharam o fato ocorrido com a Ordem dos Advogados de Sergipe.
O democrata Fernando Feriado (DEM-SP), aquele que construiu uma legislatura contra o holiday da consciência negra, entra na frente sul-americana de batalha, iniciada por Trump (o que salvou a América do socialismo-democrata de Berni… Hilary!), contra o FAKE NEWS.
Tudo começou quando a intrépida jornalista Tatiana Farah, do site BuzzFeed Brasil (site que todos conhecemos por listas tiradas de pérolas do Twitter), publicou uma matéria que denunciava Caixa 2 na campanha de Holiday. Dada a repercussão da acusação, Fernando Holiday foi convidado a dar entrevista por telefone a Fábio Pannunzio da Rádio Bandeirantes.
Como “confusão” é palavra usada por jornalismo ruim que nada esclarece, vamos ao que aconteceu nos quase quatro minutos de “entrevista”: (I) o jornalista iniciou a entrevista com a convicção formada a respeito da culpa do suspeito, que é negro. (II) Por meio de tom intimidatório, deixou o acusado em situação desconcertante; (III) fazendo com que logo perdesse o controle sobre suas emoções. (IV) O acusado grita, desesperado para provar a inocência, e (V) logo é acusado de mal-educado pelo jornalista que encerra a entrevista. Nada de novo no jornalismo brasileiro: a narração que vemos aqui poderia muito bem ser aplicada a algum repórter de noticiário sangrento de algum programa de televisão como Brasil Urgente, também do Grupo Bandeirantes. Mais uma vez o negro foi colocado como um “marginal”.
Mas em respeito ao Vereador, não vamos colocá-lo na posição de vítima do jornalismo brasileiro. Lembremos que toda a sua campanha e legislatura se dão contra o “vitimismo” dos pobres, negros e homossexuais. Pannunzio repetiu o jornalismo ruim das grandes mídias; mas seu maior demérito foi não ter deixado Holiday falar. Por isso, vamos nos atentar mais ao vídeo divulgado pelo próprio Fernando.
Primeiro o vereador começa seu ataque ao site e à jornalista, que é acusada de apoiar o PT e o PSOL. E eis a primeira contradição: se é mentira tudo o que é dito por jornalista com posição política, então o próprio vereador não deveria dar tanto crédito a denúncias contra o PT feitas pelos “jornalismo” da Veja e da Globo, que por sua vez, são veículos de imprensa nitidamente de direita. Logo, se o que se falou do Holiday pela Tatiana Farah é mentira, o que se falou do Lula pelo William Waack também é?!
Depois diz que há um incômodo pelo jeito novo de se fazer campanha. Eu desafio o Fernando Holiday a provar a novidade em: (I) fazer parte de um partido envolvido em várias denúncias de corrupção, (II) fazer campanha de ódio contra movimentos, partidos e conquistas sociais à esquerda, (III) usar a internet e compartilhamentos por parte de seguidores (GRANDE NOVIDADE, COMO NINGUÉM MAIS TINHA PENSADO NISSO?!) e, claro (IV) uso de dinheiro não declarado à justiça eleitoral (caixa 2 se fosse petista) para pagar panfleteiros. O “inventor da roda” das campanhas eleitorais cai no “eterno retorno” de criticar a Dilma.
É um niilista, que procura preencher o vazio da política com a demonização de determinadas personalidades.
Mas Fernando Holiday é “Legal”, amigo da Lei e inimigo da corrupção. Então ele vem com seu grande trunfo, que nós, conspiradores-bolivarianos-militantes não esperávamos, o Art. 27 da Lei 9.504/97 que diz: Qualquer eleitor poderá realizar gastos, em apoio a candidato de sua preferência, até a quantia equivalente a um mil UFIR, não sujeitos a contabilização, desde que não reembolsados.
Se eu fosse o Pannunzio, teria deixado o vereador explicar este artigo num verdadeiro malabarismo de hermenêutica jurídica. Eu adoraria perguntar se o problema de Fernando Holiday é não entender do que é acusado ou não conseguir intepretar o texto legal (ou o que é pior: tirar o cidadão de ignorante). Pois, o que tem a ver um artigo que fala que o “eleitor pode realizar gastos” com o “eleitor que recebe R$ 60,00 para fazer campanha”? Será que eles pagaram a própria força de trabalho? Ninguém falou em um militante super engajado que desembolsou dinheiro para a campanha do então candidato. Mas de um candidato que desembolsou dinheiro sem declarar à Justiça Eleitoral.
Mas num ponto, falando por mim, que sou negro, o vereador tem razão: eu não admito na Câmara qualquer pessoa, negra ou branca, que seja contrária às cotas raciais, ou qualquer outra política pública para negros. Mas Fernando Holiday é negro, e se acha, por conta disso, legitimado para falar em nome de todos nós. Mas há algo que preciso ressaltar aqui: não existe superioridade moral alguma em ser um oprimido. E eu não nego que Holiday, por ser negro, de classe baixa e homossexual, seja um oprimido. Mas quando está trabalhando pela causa opressora, não age de modo tão diferente daqueles negros que se submeteram ao UNDAR, imposto pelos brancos, para, por meio da vassalagem, agirem contra outros negros.
Nossa legitimidade, Fernando, vem de nossa luta. Nossa legitimidade vem de nos recusarmos a perpetuar este longo histórico de escravidão, exclusão social e genocídio negro. Um negro na política não significa que somos livres e temos poder político enquanto negros. O racismo não é mera questão subjetiva, mas material: significa mais mortes, mais encarceramento, menos espaço para negros e salários menores. E eu não espero que você aceite o argumento da História, quando nega seu próprio histórico apagando todas os seus vídeos anteriores à sua campanha. Vídeos em que chamava de “vermes” aquele que lutam contra o racismo.
Minha solidariedade a ti, vai ao limite de você não sofrer tudo aquilo que o nosso povo sofre. Não te quero longe das universidades; nem encarcerado em prisões terríveis e muito menos morto. Eu te quero vivo, por mais que te veja engrossando as fileiras de uma política racista, machista e classista. Lembre-se, Fernando Holiday, que um negro que age contra nós negros, é como um austríaco que atacou a Áustria.
“A Escola da Vila é uma escola privada com história pública.” (mãe de aluno)
A quadra da Escola da Vila Morumbi não teve futebol, nesse sábado (11). Pais e mães dividiram a quadra com professoras, professores, funcionárias, funcionários, ex-alunas e ex-alunos. Eram cerca de 80 pessoas, mobilizadas em defesa de algo muito maior do que uma mera escola privada. Discutiam estratégias para preservação de um patrimônio cultural pedagógico cuja importância ultrapassa, para muito longe, os muros da escola. Alinhavam lutas para manter o projeto político-pedagógico que os levaram a buscar a escola. Debatiam modos para resguardar o Centro de Formação, que vem disseminando conhecimento e inovação, entre professoras e professores das redes pública e privada de ensino, há 37 anos.
Capa do livro comemorativo de 30 anos da Escola da Vila, em 2010
Uma comissão para defender “a escola que a gente quer”. (professor)
O grupo de professores e professoras também foi surpreendido com a venda da escola. O grupo, que tem o apoio de 82% do corpo docente da escola, reuniu-se pela manhã com os novos sócios e antigas sócias da escola. Concordaram com a constituição de uma comissão permanente para discutir as condições de trabalho e proteger qualidades distintivas da Escola da Vila como o projeto político-pedagógico, o construtivismo e a diversidade.
“Educadores têm na Vila uma inspiração.” (mãe de aluno)
As reuniões, que vêm acontecendo em diversos âmbitos, com e sem a presença de representantes dos sócios da escola, decorrem da venda de 80% da escola para uma holding, a Bahema S. A., caracterizada por investimentos no mercado de capitais, por não possuir qualquer tradição em educação e por ter diretores simpatizantes de movimentos de extrema direita, como o MBL.
A indignação dos pais não pode ser reduzida simplesmente a “ideias diferentes das pregadas pela Escola da Vila”, como afirmou matéria da Folha. “Trata-se, ao contrário, de entender a Educação como espaço pedagógico de debate onde caibam, de fato, ideias diversas que, sobretudo, respeitem os direitos humanos universais. Isso sim, é bem diferente do que se viu na mesa do Fórum Liberdade e Democracia (sic) presidido por Guilherme (Affonso Ferreira Filho), em outubro do ano passado, quando, aliás, as negociações com a escola já tinham se iniciado”, salientou uma da mães de aluno (na nota 5 está a íntegra das respostas ao jornal).
Parte do prefácio de Zélia Cavalcanti, em 30 Olhares para o Futuro
“Não estamos defendendo o que queremos da escola, mas o que ela é.” (pai de aluno)
Vários pais e mães refutaram a tentativa de desqualificar a discussão, transformando-a em um “Fla-Flu”, um debate entre direita e esquerda. “Há, em curso, tentativas de desqualificar os interlocutores pela partidarização do debate”, afirma um pai. As mobilizações, no entanto, buscam manter as características de diversidade, pluralidade e formação crítica que vêm desde a fundação da escola em 1980. O temor é pelo aparente encantamento dos novos sócios pelo projeto Escola sem Partido, embora tenham passado a negá-lo após a compra da escola.
“Assim como as orquestras estão sendo destruídas, o patrimônio pedagógico cultural da Escola da Vila é muito simples de ser destruído.” (pai de aluno)
Na última parte da reunião, foram acordadas as próximas ações e formadas comissões jurídica e de mobilização e comunicação. Um abraço à Escola da Vila Butantã está programado para o dia 29/03, às 13hs00.
Notas
1 Para saber mais sobre a negociação da Escola da Vila com a Bahema S. A. veja: https://jornalistaslivres.org/2017/02/escola-da-vila-e-vendida-a-simpatizante-do-mbl/
2 Isabel Alarcão é autora de Professores reflexivos em uma escola reflexiva. Editora Cortez, 2003.
Para ver o texto completo: http://www.vila.com.br/html/outros/2010/30_anos/pdf_30/30_textos/15_isabel.pdf
3 Para ver os 30 textos comemorativos do 30 anos da Escola da Vila em 2010: http://www.vila.com.br/html/outros/2010/30_anos/
4 Para saber mais sobre o projeto Escola sem Partido: https://jornalistaslivres.org/2016/11/escola-cidada-e-escola-sem-partido2/
5 Seguem as respostas encaminhadas, por um grupo de pais e mães, às perguntas formuladas pelo jornal Folha de São Paulo.
Resposta às perguntas enviadas por Érica Fraga e Paulo Saldaña, da Folha de São Paulo
1- Quando os pais foram informados sobre a venda da Escola da Vila (assim como as negociações com as demais escolas) para o grupo Bahema?
Os pais e mães receberam a notícia pela mídia. Os sites que acompanham o mercado divulgaram o Fato Relevante emitido pela Bahema em 14 de fevereiro, após às 18 horas e tivemos acesso a essas reportagens no dia seguinte por compartilhamento em grupos do Facebook e WhatsApp.
Esses textos jornalísticos (Valor Econômico, Isto é Dinheiro, Exame), em que predomina vocabulário financeiro, forneciam informações técnicas sobre o acordo: 80% da Escola da Vila haviam sido vendidos ao grupo Bahema e os restantes 20% constavam de um compromisso de venda a ser exercido no período de três anos.
Nos dias que se seguiram foi divulgada uma carta dos funcionários e professores e soubemos que:
os professores receberam a comunicação da nova composição acionária da escola no mesmo dia 14 de fevereiro, por anúncio da diretora geral, que os informou de maneira genérica, sem revelar o comprador, nem a porcentagem que coube aos novos sócios;
os funcionários do setor administrativo foram informados, uma semana depois, agrupados por segmentos.
No dia seguinte à notícia, uma mensagem foi enviada por e-mail, pela escola, aos pais e mães, com uma comunicação sobre a “nova composição acionária”.
Apenas na sexta-feira, dia 17 de fevereiro, a escola enviou mensagem às famílias com uma agenda de reuniões entre a direção e os pais e mães, em que apresentariam a carta de intenções dos gestores da Bahema, agora sócios majoritários da Escola da Vila. A agenda era longa, iniciando em 20 de fevereiro e terminando em 16 de março, dividida pelas três unidades (Butantã, Morumbi e Granja Vianna) e grupos de pais e mães, turmas e períodos.
2- Como a notícia foi recebida por vocês?
Primeiro com indignação e susto. Não havia qualquer notícia sobre negociações em curso envolvendo a escola. Estávamos há duas semanas em aulas.
Depois com preocupação. A partir daí inúmeras perguntas passaram a ser formuladas pelos pais em grupos do Facebook, sendo que a maioria trazia o seguinte questionamento: Como a mudança poderia impactar o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola?
A partir do compartilhamento de informações entre um grupo de pais e mães, passamos a uma fase de revolta. Tornou-se claro o desalinhamento entre as ideias defendidas publicamente por diretores da empresa Bahema e os valores que sustentam o PPP da Escola da Vila.
Pode-se conferir isso no debate promovido pelo diretor financeiro da Bahema, Guilherme Affonso Ferreira Filho, em um dos painéis do Fórum Liberdade e Democracia, em 2016 (https://www.youtube.com/watch?v=nhHuJE6xos8). Nesse painel são defendidas ideias de educação completamente contrárias ao que se desenvolve na Escola da Vila em seu PPP, com propostas e visões contraditórias à nossa escolha de escola para nossos filhos e filhas, como as elencadas a seguir:
Extinção das disciplinas de humanidades, como Sociologia, Filosofia e Geografia;
Professor como aliciador de crianças para trabalho no sindicato;
Ensino como transferência de conteúdos, contrário à essência do construtivismo da Escola da Vila, em que se preza pela produção e construção de conhecimentos;
Extinção ao pensamento crítico;
Paulo Freire, um dos educadores de referência da pedagogia libertária e com o qual se alinha a proposta pedagógica da Escola da Vila, adjetivado como “lixo”, alguém que seria reprovado “se fosse aluno” de um dos “debatedores”.
Além das ideias propaladas no Fórum, as informações que foram sendo compartilhadas por vários pais e mães no grupo do Facebook sobre a vida pública e pregressa da família Affonso Ferreira, principalmente sobre o ativista de educação Guilherme Affonso Ferreira Filho, acenderam um alerta generalizado em toda comunidade da escola.
Muito difícil de entender, por exemplo, que um evento anual patrocinado pelo instituto em que ele era presidente, no qual especialistas se reúnem para discutir questões relacionadas com diversos assuntos contemporâneos, sejam organizados painéis como:
“O que queremos ser quando crescermos? Debate sobre a educação em um modelo de sociedade aberta” para o qual foram convidados como “especialistas” (em educação?) Adriano Gianturco (professor de Ciência Política do IBMEC-MG), Joel Pinheiro (responsável pela comunicação do Partido Novo), Arthur do Val (criador do canal “Mamaefalei”) e como moderador Julio Lamb.
“A Sociedade Aberta: qual o papel do estado para chegarmos lá” em que estiveram presentes Jair Bolsonaro (deputado federal eleito pelo Partido Progressista), Ana Amélia Lemos (senadora pelo Partido Progressista), Fábio Ostermann (coordenador nacional do MBL) e, como moderador, Hélio Beltrão (fundador do Instituto Mises Brasil).
Nas respostas de representantes da Bahema, ao ser inquirida nos encontros com os pais e mães sobre essa “iniciativa”, a resposta foi padrão: de que não representa o pensamento do Grupo Bahema e que os organizadores buscam que o debate seja “plural”.
No entanto, esses painéis, que compunham o Fórum realizado em 22 de outubro de 2016, época que coincide com o período em que as negociações com a escolajá estavam em curso., são os que particularmente preocupam a comunidade de pais e mães. Alguns de nós, com muita disciplina e abnegação, assistimos inteiramente aos dois painéis e compartilhamos informações e impressões entre o grupo, o que fez aumentar o nível de apreensões, diante da total falta de pluralidade e qualidade que marcaram tais debates. Obseve-se que entre os debatedores sobre Educação não há nenhum educador.
Não foram apenas os painéis que, nesse primeiro momento, provocaram a incredulidade em relação ao grupo comprador. Soube-se que, em um fato relevante de outubro de 2016, a Bahema anunciou ao mercado financeiro o interesse em investimentos em educação básica. Portanto, as negociações com a escola, naquele momento, já estavam em curso. Em 14 de fevereiro de 2017, novamente “o mercado” havia sido o primeiro a saber da venda.
Houve, na visão de muitos, a quebra de um contrato de confiança entre os pais e mães e as diretoras da Escola da Vila. O “mercado financeiro” havia preponderado sobre o relacionamento com os pais e mães que, para muitos de nós, se construiu ao longo de décadas. A informação de que a operação, por regras e normas impostas às empresas que negociam em Bolsa de Valores, deveria obedecer ao sigilo, não nos confortava. Tampouco nos convenceu.
A “operação” envolvia a negociação com três escolas: Escola da Vila (EV), em São Paulo, Escola Parque (EPq), no Rio de Janeiro, e Balão Vermelho (BV), em Belo Horizonte, “com nítidas afinidades filosóficas e pautadas em teorias de educação contemporâneas” que se “reúnem em sólida parceria” (trecho do e-mail enviado aos pais e mães, subscrito pelas diretoras da escola, disponível no blog da EV). Parece irônico que uma “sólida parceria” envolva uma escola (a BV) que ainda nem foi comprada.
Na data do fato relevante (14/02/2017), as operações/negociações com as três escolas estavam em momentos diferentes, de forma que com a Escola Parque foi concluída apenas em 2 de março e com a Balão Vermelho a negociação ainda se encontra em curso, motivo pelo qual nos indagamos: Por que não havíamos podido saber sobre as negociações antes de concluídas, se a comunidade das outras duas escolas soube antes da conclusão das negociações?
Assim, a fase seguinte foi de sentimento de irrelevância, insignificância e aprisionamento, um sentimento de que não podíamos mais controlar nossas escolhas, de pais mães, , quanto ao futuro da escola que havíamos escolhido para nossos filhos e filhas: Por que não avisaram em um período do calendário escolar que permitisse aos pais e mães, caso assim julgassem melhor, procurar por outras escolas?
Nosso sentimento é de que esta foi uma estratégia para conter a evasão. E, como o número de matrículas está relacionado a metas de transição, implicou, mais uma vez, na quebra da relação de confiança estabelecida entre a direção da escola e a comunidade de pais e mães, uma vez que a contenção da evasão implica em ganhos financeiros para os vendedores da escola.
A fase final foi de luto. Parecia, novamente para a grande maioria de pais e mães, que a forma como aconteceu a venda já era um forte indicativo do fim da EV como nós a conhecemos. Veja, a escola continuará viva por algum tempo, em seu legado pedagógico cultural, enquanto o corpo docente e de funcionários for mantido, e enquanto lhes for garantida a autonomia em suas práticas pedagógicas. Mas seu maior patrimônio, consubstanciado em um Projeto Político Pedagógico único e inovador, que não é financeiro e, portanto, não deveria se submeter às regras do mercado, agora havia sido “negociado” na forma da venda da “marca”. E, mais, essa dinâmica foi imposta de maneira autoritária a toda a comunidade escolar. EV nunca funcionou assim de maneira autoritária, nem em sua relação com os alunos, nem com a comunidade escolar, sendo que o diálogo e o compartilhamento de seus projetos com pais e mães sempre foi a principal razão da sua existência.
Mas o que é essa marca? São os professores e corpo técnico administrativo, pais e mães, alunos e alunas, ex-alunos e ex-alunas. A escola é a sua comunidade e a sua história. Esse capital intelectual e humano havia sido “precificado” pelo mercado e vendido. E, nem antes nem depois da operação, as atitudes dos atuais gestores e sócios majoritários demonstravam respeito a esse patrimônio (que não é líquido, nem contábil), o que, se houvesse ocorrido, talvez poderia nos dar alguma segurança (mesmo que sujeita a uma certa assunção de risco) de que o PPP seria mantido e estava assegurado.
Ninguém mais do corpo pedagógico pode nos trazer a segurança que tínhamos antes, porque basicamente a escola tem outro dono e ele dialoga com a comunidade por meio das leis do mercado e não pela construção coletiva com a comunidade escolar.
Esse anúncio e o início dos “encontros com os pais” aconteceram nas vésperas do carnaval, quando houve, prevista no calendário escolar, uma semana de recesso. Aconteceram algumas reuniões e veio o recesso, com natural desmobilização.
Porém um crescente clima de insegurança se instalou e encontrou expressão em todos os meios de comunicação que a comunidade conseguiu criar. Foi um carnaval muito tenso, sem folia. Parece-nos que o processo foi encaminhado de forma descuidada, com os pais e mães, com as crianças e adolescentes, com os professores e com o corpo técnico administrativo.
3- A comunicação subsequente da direção da escola com os pais tem sido satisfatória? Vocês já sabem se o projeto pedagógico atual será mantido?
A comunicação da escola tem sido precária. O primeiro comunicado tinha pouquíssimas informações e, além disso, desprezava nossa capacidade reflexiva: enfatizam que o PPP será mantido e que fizeram uma parceria e associação, evitando sempre usar o vocabulário da venda, o que não corresponde à realidade. A realidade, como foi noticiada, é de que a Bahema adquirira 80% da EV, com o direito de compra dos outros 20% nos próximos três anos. Isso não é parceria, não é mudança da composição acionária. É venda.
Um exemplo disso é o e-mail por parte da escola para a comunidade de mães e pais no dia seguinte à venda, cuja análise cuidadosa revela:
Discurso ufanista: a escola defende ter feito uma parceria entre três escolas, com projetos pedagógicos similares, e da qual muito se orgulha. Chega a dizer que tem grande satisfação em anunciar a parceria, assim como orgulho e entusiasmo com a notícia.
Ocultação da venda: a escola defende que a Bahema foi a viabilizadora da parceria entre as três escolas e não a compradora dos 80% da EV.
– Abuso de clichês: a escola recorre a velhos clichês para contextualizar a chamada parceria, a saber, “transformações sociais e tecnológicas, cenário sócio político, enfrentamento de novos desafios”.
Ou seja, em nenhum momento, o sentimento de apreensão dos pais e mães, do corpo docente, do corpo técnico-administrativo e demais funcionários encontrou eco ou empatia nas comunicações enviadas pela escola e por seus novos gestores. Era natural que surgisse uma crise.
Para aumentar o clima de desconfiança, um pai fez inúmeras perguntas para a escola em seu canal oficial de comunicação, o “Blog da Escola da Vila”, que foram apagadas ou “substituídas” por uma mensagem onde se lia: : “A Escola da Vila responderá às perguntas”. Mas isso ainda não ocorreu. E as perguntas se acumulam.
4- Quais são as principais apreensões de vocês?
O eixo central de nossas apreensões é a quebra de confiança, que deixou a comunidade muito abalada e com muita insegurança quanto ao futuro. Esse contexto de insegurança gerou muito sobressalto na comunidade de pais e mães.
Como a confiança foi fortemente abalada, todos os gestos e ações posteriores inevitavelmente estão sendo vividos com muito descrédito pela comunidade. O que nos leva a demandar a abertura completa dos termos do contrato. O que se fala não mais acalma. Precisamos de atos e de compromissos. O clima é de desconfiança, generalizada. A Vila ainda é a Vila? A Vila agora é Bahema?
A maior de nossas apreensões é a reconstituição da relação de confiança na comunidade da Escola da Vila que garanta a defesa e conservação do patrimônio pedagógico cultural da escola, expresso em seu Projeto Político Pedagógico idealizado e construído ao longo de mais de 30 anos.
No entanto, temos evidências de que essa reconstituição não se dará simplesmente pelo estabelecimento de um diálogo com os novos gestores. Por quê? Porque todo o ativismo na área de educação do diretor financeiro do Grupo Bahema, como se pode apurar nos textos, vídeos e podcasts acessíveis na internet, está associado a pessoas e grupos que defendem o extermínio do pensamento crítico, enaltecem o ensino pela transferência do conteúdo, e desqualificam o construtivismo.
Igualmente estamos apreensivos de que as metas de transição estabelecidas no contrato de compra e venda atinjam duramente pontos caros ao PPP da Escola da Vila. Assim, defendemos fortemente o estabelecimento de uma política de transparência na qual o primeiro ato seja a abertura dos termos do contrato de compra e venda para a comunidade.
O corpo docente, falando em seu nome e em nome do corpo técnico-administrativo, emitiu uma carta às diretoras e novos gestores da Escola da Vila em que elencam “os valores estruturantes para esta comunidade e suas necessidades imediatas”. Essa carta foi objeto de um abaixo-assinado que já reúne mais de 1.100 assinaturas. As apreensões dos professores e funcionários são as apreensões dos pais e mães, porque entendemos que eles e elas são a concretização humana e cotidiana do PPP na EV. Assim, a precarização de suas condições de trabalho e qualquer medida ou iniciativa que fira a sua autonomia pedagógica são frontalmente contrárias aos interesses da comunidade da Vila.
Finalmente, assim como solicitado pelos professores em sua carta, estamos apreensivos de que o diálogo entre a EV e os pais e mães seja estabelecido em bases legítimas e tenha espaço, em termos físicos e de tempo cronológico, assegurado pela direção e pelos novos gestores da escola. Assim, está sendo constituído um grupo permanente de discussão de pais e mães e defendemos que qualquer decisão com relação às iniciativas desse grupo sejam discutidas e referendadas em encontros presenciais, a serem marcados com antecedência e amplamente divulgados, a acontecer na Escola. Por quê? Porque é esse espaço que nos une e nos reúne.
5- O que vocês acham do fato que, em sua comunicação com o mercado, o grupo Bahema tenha mencionado que o investimento subsequente na Escola da Vila estará “condicionado a um número de alunos matriculados e a um valor de mensalidade médio de 12 a 24 meses” assim como a “certas metas de transição”? Vocês foram informados sobre que metas e valores seriam esses?
Essas são as chamadas metas de transição estabelecidas no contrato de compra e venda e das quais tivemos conhecimento pela divulgação do Fato Relevante e sua repercussão na mídia de negócios. Nos termos do Fato Relevante:
(ii) Em relação à Escola da Vila, investimento no valor de R$ 34.483.805,48, a ser realizado da seguinte forma: (a) R$ 6.000.000,00 como earn-out condicionado a um número de alunos matriculados e a um valor médio de mensalidade em 12 e 24 meses; (b) R$ 4.086.890,48 trimestralmente a partir da assinatura como um bônus para as vendedoras caso certas metas de transição sejam cumpridas; e (c) R$ 24.396.915,00 em tranches, R$ 10.396.915,00 à vista, R$ 7.000.000,00 em 12 meses acrescidos do CDI do período e R$ 7.000.000,00 após 24 meses acrescidos do CDI do período. O contrato também prevê uma opção de compra exercível pela Companhia dos 20% remanescentes após 3 anos, e uma opção de venda dos mesmos 20% exercível pelas vendedoras.
Não fomos informados das metas de transição. Estão ainda obscuras, pautadas apenas pelas informações do fato relevante e da mídia, o que traz para muitos e muitas a percepção de que podemos estar sendo manipulados, como forma de garantia do cumprimento de alguma meta de transição.
O que podemos falar inicialmente sobre isso é que uma maior quantidade de alunos em sala de aula já afetaria por si só o PPP, uma vez que sua condicionante essencial é a busca do desenvolvimento do pensamento crítico, o que é impossibilitado em um local em que há um grande número de alunos em sala de aula. Dessa forma não conseguiriam debater seus pontos de vista com profundidade, receber orientação mais individualizado do professor, o que é fundamental para a construção do conhecimento.
Além disso, de um dia para o outro, pais e mães se debruçaram sobre esses termos e aqueles que não eram familiarizados com o vocabulário financeiro tiveram que aprender o que é “earn-out”, “opção de compra” ou mesmo “tranches”. Pais e mães que atuam ou têm experiência no mercado financeiro serviram como tradutores a outros pais e mães. Há pais e mães acompanhando a evolução do preço da ação do Grupo Bahema no mercado e buscando compreender seu movimento, que teve um expressivo aumento no dia seguinte ao anúncio da operação, mas desde então acumula quedas.
Preocupa-nos que essas metas impliquem aumento do número de estudantes por turma, aumento no número de classes sem expansão do corpo docente e técnico-administrativo, aumento da mensalidade, corte de atividades extras com número pequeno de estudantes e que atinjam a política de bolsas e o projeto de inclusão que são muito importantes historicamente na escola, todos intrinsecamente relacionadas ao PPP e aos valores defendidos pela EV.
No entanto, apesar de já termos solicitado em reuniões que alguns pais e mães tiveram com a direção e nos encontros com a direção e os novos gestores, até agora não fomos informados sobre essas metas de transição, nem sobre metas e valores específicos. Reforçamos que uma das nossas demandas é que abram os termos do contrato de compra e venda, solicitação ainda não respondida pela escola, e que estabeleceria uma comunicação transparente e em condições de igualdade entre os grupos de interesse da comunidade da EV.
6- Os pais tomaram alguma medida desde a divulgação da notícia? Quais?
As medidas tomadas por pais e mães desde de a divulgação da notícia envolvem:
A criação de um grupo em rede social para compartilhamento de informações e debates e discussões. Esse grupo conta hoje com 622 membros, sendo que a moderação é feita de forma colaborativa por 47 membros.
Várias reuniões presenciais de pais e mães vêm sendo feitas. Entendemos todas as reuniões como importantes para avançarmos na discussão.
Uma primeira reunião geral de pais e mães aconteceu na unidade Butantã no dia 22 de fevereiro, reunindo mais de 40 pessoas, e outra está marcada para dia 11 de março, na unidade Morumbi.
Um abaixo-assinado foi organizado em ação de apoio à carta de professores e funcionários, com mais de 1.100 assinaturas.
Uma enquete foi organizada para apreender o grau de satisfação com a venda da EV para a Bahema S.A. e os resultados mostram que 72,5% dos pais e mães que responderam estão insatisfeitos e 22,5% ainda não têm uma opinião.
Os pontos de convergência da primeira reunião presencial foram:
análise do significado da compra da Escola da Vila pela Bahema, especialmente no que se refere às implicações disto para o projeto pedagógico da escola.
consideração das reuniões de pais e mães na Escola da Vila como o o espaço legítimo de tomada de decisões coletivas a menos que este local deixe de ser disponível, caso em que providenciaremos outro.
Respeito às discussões feitas em outros meios que não sejam presenciais;
Prioridade à defesa do patrimônio pedagógico-cultural da Escola da Vila. Isto se aplica, também, à eventual criação de qualquer conselho de representantes (inclusive possível Comissão Jurídica).
Transparência absoluta e imediata dos contratos feitos entre a Bahema e a direção da Escola da Vila.
Convidar para a próxima reunião professores e demais funcionários da Escola da Vila.
Há uma pequena parcela da comunidade de mães e pais que entende ser necessária apenas a fiscalização da atuação da nova diretoria, por meio da criação de uma associação de pais, proposta que entendemos como convergente com os interesses da Bahema, que em sua carta de intenções afirma estar elaborando “uma proposta de participação efetiva dos pais e alunos por meio de um conselho consultivo”. Há até um pequeno conjunto que quer apenas esperar e “pagar para ver”.
No entanto, nesse momento em que um laço de confiança foi quebrado, não entendemos que os interesses da Bahema sejam os interesses da Comunidade da Escola da Vila. Assim, defendemos:
A organização das bases de um movimento de resistência com a intenção de manter o projeto e o patrimônio pedagógico e cultural da Escola da Vila;
O apoio incondicional às demandas apresentadas pelos funcionários e professores;
O estabelecimento de absoluta transparência em um momento em que a venda da Escola da Vila causou insegurança na comunidade, com abertura total do contrato de compra e venda e clareza nas metas de transição estabelecidas, bem como na análise de seu impacto;
A apresentação pela direção e pelos novos gestores da EV de um documento que detalhe e explicite o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola da Vila, com o compromisso dos novos sócios de manutenção desse projeto;
A garantia de espaço, em termos de tempo e de espaço físico, para o estabelecimento de discussões e ações pela comunidade da EV que redunde no estabelecimento de um grupo permanente de discussão de pais e mães, que seja legítimo para tomada de qualquer ação ou decisão.
Link para a carta de funcionários e professores: http://bit.ly/2lTkTA5