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  • Cadê o Queiroz? Braço direito de Bolsonaro tem a senha pra derrubar o presidente

    Cadê o Queiroz? Braço direito de Bolsonaro tem a senha pra derrubar o presidente

    Por Dacio Malta*

    Não resta dúvida que a entrevista do lobista Paulo Marinho à Monica Bergamo, e mais as 8 horas de depoimentos que ele prestou à Polícia Federal e ao Ministério Público, abalam o senador Flávio Bolsonaro mas, principalmente, o seu pai  — o presidente da República.

    Como o inquérito corre em segredo de justiça, não se sabe o que Marinho apresentou aos investigadores. Ele diz apenas que mostrou “provas” da ligação de um delegado com os Bolsonaros, e “ampliou as denúncias”.

    O lobista tem se mostrando excessivamente confiante em relação a esses depoimentos. Mas o que teria de novo? Seriam vídeos, gravações, fotos? Ninguém sabe.

    Se forem apenas fatos — mesmo com nomes, datas, locais e horários—  será difícil a investigação ganhar musculatura. Será a palavra de um contra o outro.

    O fato de Fabrício Queiroz  — e sua filha—  serem demitidos em uma mesma data, entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2018, já foi respondido, no passado, pelo próprio capitão.  Queiroz foi demitido porque Flavio foi eleito senador, e precisava exonerar seus assessores na Assembleia Legislativa do Rio.

    A filha de Queiroz foi pra rua pelo mesmo motivo. Como candidato a presidência da República, o capitão não voltaria para a Câmara dos Deputados.

    É claro que todos poderiam continuar ganhando seu dinheirinho até dezembro, e não ter os proventos suspensos no início de outubro.

    Mas, tecnicamente, a argumentação faz sentido.

    A verdade é que o imbróglio que envolve a famiglia Bolsonaro só será esclarecido quando Queiroz for localizado e preso — para prestar o depoimento que ele deve desde dezembro de 2018.

    Já se passaram 18 meses.

    Como é sabido, Queiroz tem enorme intimidade com milicianos, mas esses, como bons mercenários que são, não garantem a sua segurança.

    Hoje vivemos uma pandemia. E se Queiroz for infectado e morrer?

    Toda a narrativa da rachadinha, do envolvimento da família com milicianos, da lavagem de dinheiro, da compra e venda de imóveis, da franquia de uma marca de chocolates e outros crimes, irão para o lixo.

    Durante os 14 meses em que Sergio Moro foi ministro da Justiça, ele não moveu uma palha para que Queiroz fosse localizado. O ex-juiz, considerado traidor pelos bolsonaristas, prestou enorme serviço ao chefe, a partir do momento em que não se interessou pelo caso. Ou guardou as informações para ele.

    Agora que o presidente tem a Polícia Federal na mão, e mais a superintendência do Rio de Janeiro, a localização de Queiroz torna-se ainda mais difícil.

    E assim como pergunta-se “Quem mandou matar Marielle?”, a indagação “Cadê o Queiroz?” continuará sem resposta.

    Ele sabe que os procuradores têm “uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente”. Por isso sumiu.

    Ninguém sabe onde vive, com que recursos, onde está sua mulher e sua filha. Até mesmo os oito funcionários do gabinete — que mensal e candidamente entregavam parte dos salários para a caixinha do então deputado—  estão desaparecidos.

    Se a investigação contra Flavio Bolsonaro for para valer, é preciso saber cadê o Queiroz.

     

     

    *Dacio Malta trabalhou nos três principais jornais do Rio – O Globo, Jornal do Brasil e O Dia – e na revista Veja.

    Leia mais Dacio Malta em:

     

    Paulo Marinho apavora Jair Bolsonaro porque conhece os podres do presidente

     

    TESTE DO COVID-19 DE BOLSONARO É FAKE

    BOLSONARO DEVE DEIXAR SAÚDE COM PAZUELLO, QUE CONFUNDE HOMENS COM CAVALOS

  • Dois anos do assassinato de Marielle: a quem serve o feminicídio negro no Brasil?

    Dois anos do assassinato de Marielle: a quem serve o feminicídio negro no Brasil?

    Por Tamires Gomes Sampaio, especial para os Jornalistas Livres 

    O Dia Internacional da Mulher (#8M) foi marcado pela luta em defesa da vida das mulheres que são vítimas de violências diárias, sociais e estruturais. Milhares ocuparam as ruas de São Paulo em defesa de uma democracia feminista e antirracista, e por justiça para Marielle, Claudias e Dandaras.

    Justiça para mulheres negras, que são vítimas também do genocídio da população negra, por meio da política de morte promovida pelo Estado brasileiro, que executa uma política de segurança baseada na manutenção da ordem e prevenção de riscos. Essa ação protege uma parcela em enquanto incentiva a criminalização e o extermínio de outra. Marielle, brutalmente assassinada pela milícia do Rio de Janeiro; Claudia, arrastada no asfalto por uma viatura e assassinada no Rio de Janeiro; Dandara, mulher trans negra, espancada e assassinada em Fortaleza. As três são símbolos de resistência, são representações das estatísticas que aumentaram nos últimos anos.

    Segundo os dados do Ministério da Saúde, divulgados pelo Atlas da Violência de 2019, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram registrados 4.936 assassinatos de mulheres em 2017.[1] É uma média de treze homicídios por dia, sendo que 66% das vítimas são negras, mortas por arma de fogo e, em grande parte dos casos, vítimas de violência doméstica.

    Observando esses dados, é possível constatar que a cada três horas uma mulher negra é assassinada no Brasil.

    As mulheres negras, que recebem menos da metade do salário dos homens brancos[2], além de serem maioria nos empregos informais, são também 65% das vitimas de violência obstétrica[3]. São também quatro vezes mais vitimas de morte materna do que as mulheres não negras.[4] Além disso, são maioria nos presídios femininos (62%)[5], chegando a 97% da população carcerária feminina no estado do Acre.

    Marielle Franco e sua família. Foto: Arquivo pessoal da irmã, Anielle Franco

    Em 14 de março de 2020, dois anos após a execução brutal de Marielle Franco, ainda não foi respondida a pergunta: Quem mandou matar Marielle?

    As investigações apontam para uma relação com a família que hoje ocupa o Palácio do Planalto. Mesma família que homenageia torturadores, milicianos e que exalta a política de morte contra a população pobre, negra, periférica e contra as mulheres e as LGBTs.

    Marielle Franco se tornou um símbolo de luta e resistência contra o genocídio da população negra. Também por isso, é importante que a gente questione não apenas sobre os mandantes de seu assassinato, mas também sobre quem se beneficia dessa política de morte, exclusão social e encarceramento a qual todas as mulheres negras brasileiras estão submetidas.

    Neste mês internacional de luta das mulheres, é necessário que seja compreendida a importância de construir políticas antirracistas no combate à violência contra as mulheres. Nosso feminismo tem raça, classe social e está nas periferias de nosso país.

    Para combater essa política de morte, precisamos que exista uma transformação da estrutura social brasileira. Desta forma, é essencial que exista um fomento à participação de mulheres negras na política, para a formulação e a execução de politicas públicas de redução da desigualdade e da violência, pois, como já dito pela filósofa e ativista Angela Davis: “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras”.

    Tamires Gomes Sampaio é advogada, mestra em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e militante da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN). Foi a primeira presidente negra do Diretório Acadêmico do Mackenzie. 

    Facebook/Instagram: @soutamires.sp

    Twitter: @soutamires_sp

    Fontes:

    [1] https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-06/ipea-homicidios-de-mulheres-cresceram-acima-da-media-nacional

    [2] https://brasil.elpais.com/brasil/2019/11/12/politica/1573581512_623918.html

    [3] https://www.ufrgs.br/humanista/2019/11/19/machismo-mata-e-mulheres-negras-sao-as-que-mais-morrem/

    [4] https://www.geledes.org.br/saude-e-mulher-negra-quando-cor-da-pele-determina-o-atendimento/

    [5] https://carceraria.org.br/mulher-encarcerada/brasil-e-o-4o-pais-que-mais-prende-mulheres-62-delas-sao-negras

     

  • Mulheres vão protagonizar unidade progressista contra Bolsonaro

    Mulheres vão protagonizar unidade progressista contra Bolsonaro

    Mulheres de mais de 50 organizações vão marchar unidas contra os ataques do governo Bolsonaro em todo país, neste 8 de março. Oito partidos progressistas, incluindo diversas organizações sindicais, populares, sociais e civis, estarão unidas para enfrentar o projeto ultraneoliberal em vigor no país. Para expressar essa unidade, elas lançaram uma convocatória unificada em defesa das vida das mulheres e dos direitos sociais e trabalhistas

    Mulheres do PTPCdoBPSOL, PSTU, PCR, PCB, PDT e PSB assinam o documento ao lado de companheiras de organizações como a CUT, CSP-Conluntas, IntersindicalMSTMTST, MNU, MMM, MML, UBM,  UNEUBES, UJS, UJR, DEFEMDE, Consulta Popular e ABLGT, entre outros movimentos, organizações como UJR, RUA,  UP, Afronte!, ABL, ANPG, ANTRA, Artjovem LGBT.

    Na abertura do diálogo em relação ao feminismo e religião, destaque para Católicas Pelo Direito de Decidir e Evangélicas Pela Igualdade de Gênero, que fazem parte da marcha unificada e estarão unidas contra a violência e os ataques do governo Bolsonaro.

    Foto: Leandro Molina

    Também estão presentes os coletivos Círculo Palmarino, Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, Coletivo Juntas, Coletivo Negro Minervino Oliveira, Coletivo Para Todas e organizações como CONTAG, Feministas Anticapitalistas, Instituto Plurais, Juventude Rebeldia, MAMA, MMN de São Paulo,  Movimento de Mulheres Olga Benário, MCONEN, MLB, Rede Afro LGBT, Rede Emancipa de Cursinhos Populares, Resistência Feminista, União de Mulheres do Município de São Paulo e Unidade Classista.

     

    Todas às ruas no dia 8 de março: Contra o governo Bolsonaro e pela vida das mulheres

    Em 2018, milhões de mulheres ocuparam as ruas do Brasil para dizer de forma sonora que o projeto político ultraneoliberal e conservador apresentado por Bolsonaro não nos representa e ameaça nossas vidas e nossa liberdade. O movimento #EleNão reuniu mulheres trabalhadoras, do campo e cidade, das florestas, das águas, negras, indígenas, bissexuais, travestis, transexuais, lésbicas, com deficiência, brancas e amarelas que estiveram nas ruas do país contra a rede de  Fake News organizada para distribuir mentiras durante o processo eleitoral.

    Neste ano, o movimento de mulheres vai às ruas pedir o fim deste governo e lutar contra os desmandos e desmontes praticados por Bolsonaro. Não admitimos as tentativas autoritárias do presidente e seus apoiadores de acabar com as condições democráticas no nosso país.

    Por esse motivo, convidamos as mulheres de todas as organizações, coletivos, partidos políticos e movimentos feministas e sociais do país, bem como todas as ativistas independentes, para marcharmos juntas neste 8 de março em defesa da democracia e dos nossos direitos, pela nossa liberdade, pela vida das mulheres e contra este governo conservador, reacionário, racista, machista, xenófobo e LGBTfóbico e que já declarou inúmeras vezes que tem o movimento de mulheres organizado como seu inimigo.

    Estamos de pé na defesa dos avanços dos direitos conquistados pela classe trabalhadora que vêm sendo retirados. Vamos lutar contra a violência e o corte de verbas promovidos pelo governo Bolsonaro aos programas sociais, que fragilizam e colocam em risco a vida das pessoas mais pobres. Caminharemos juntas contra todas as formas de violência, pelo direito à
    diversidade, à autonomia, à liberdade, pelo direito e soberania de nossos corpos, pelo direito de existir.

    Somos contra a reforma trabalhista, a reforma da previdência, a Emenda Constitucional 95 que congelou os investimentos públicos por vinte anos e contra a “nova” proposta de reforma administrativa desse governo. Defendemos uma aposentadoria digna, o direito às políticas sociais, políticas públicas que defendam nossas vidas e o direito de viver com dignidade, pois somos nós que sustentamos a maioria das famílias neste país.

    Marchamos contra a opressão histórica que silencia mulheres de diversas formas e contra o  machismo, o racismo, a lesbofobia e a transfobia que nos mata todos os dias.

    Denunciamos o genocídio e o encarceramento em massa da população negra e indígena. Estamos nas ruas pela vida de TODAS as mulheres, brasileiras e imigrantes.

    Em cada estado do país iremos ressoar a luta por demarcação de terras indígenas e quilombolas, denunciando os desastres ambientais que vimos se espalhar pelo país, em especial na Amazônia,  Brumadinho e no Nordeste.

    Nossas vozes também ecoarão alto em defesa da Petrobrás, em solidariedade à greve dos Petroleiros e pela garantia da soberania nacional, ameaçada diariamente pela obsessão de Bolsonaro em entregar nossas riquezas e patrimônios para os interesses estrangeiros.

    Ocuparemos as ruas em defesa do Estado laico e pelo respeito a todas as religiões e aos que não tem nenhuma, por uma convivência harmoniosa e respeitosa. Lutaremos pelo direito à pluralidade de vozes, em defesa de todas as formas de organização da classe trabalhadora e da sociedade civil.

    Nós não esquecemos que, há dois anos, foi executada Marielle Franco, parlamentar mulher, negra, favelada, que amava mulheres e era de esquerda. Marielle foi assassinada pelo projeto político que representava em seu próprio corpo e até hoje não temos respostas. Exigimos justiça para Marielle e punição aos mandantes de seu assassinato.

    Atentas, mobilizadas e organizadas para defender o Brasil e o nosso povo, neste mês de março mostraremos toda a nossa força. Convidamos todas a se somarem aos atos convocados em todos os estados do país neste dia 8 de março, Dia Internacional de Luta da Mulher Trabalhadora. Também nos incorporamos ao chamado dos atos que acontecerão no dia 14 de março, data que marca dois anos da execução da vereadora Marielle Franco, e ao dia 18 de março, quando iremos às ruas em defesa dos serviços públicos de qualidade.

    É por nossas vidas, democracia e direitos!

    Mulheres Contra Bolsonaro

    A democracia não será silenciada! Ditadura nunca mais!

    #EleNão #EleJamais

    Fascistas não passarão!

    Assinam essa convocação:
    Ação da Mulher Trabalhista – PDT
    PCdoB
    PCB
    PCR
    PSOL
    PSTU
    Secretaria Nacional de Mulheres do PT
    Secretaria Nacional de Mulheres do PSB
    UP – Unidade Popular pelo Socialismo
    Afronte!
    ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transsexuais e Intersexos
    ABL – Articulação Brasileira de Lésbicas
    ANPG – Associação Nacional de Pós-Graduandos
    ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transsexuais
    Artjovem LGBT
    Católicas pelo Direito de Decidir
    Círculo Palmarino
    Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro
    Coletivo Juntas
    Coletivo Negro Minervino Oliveira
    Coletivo Para Todas
    CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
    Consulta Popular
    CSP-Conlutas
    CUT – Central Única dos Trabalhadores
    EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero
    Feministas Anticapitalistas
    Intersindical
    Instituto Plurais
    Juventude Rebeldia
    MAMA – Movimento de Mulheres da Amazônia
    Marcha das Mulheres Negras de São Paulo
    Marcha Mundial das Mulheres
    Movimento de Mulheres Olga Benário
    Movimento Mulheres em Luta
    MCONEN – Mulheres da Coordenação Nacional de Entidades Negras
    MLB – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas
    MNU – Movimento Negro Unificado
    MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
    MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
    Rede Afro LGBT
    Rede Emancipa de Cursinhos Populares
    Rede Feminista de Juristas – DEFEMDE
    Resistência Feminista
    RUA – Juventude Anticapitalista
    UBM – União Brasileira de Mulheres
    UBES – União Brasileira de Estudantes Secundaristas
    UNE – União Nacional dos Estudantes
    UJR – União da Juventude Rebelião
    UJS – União da Juventude Socialista
    União de Mulheres do Município de São Paulo
    Unidade Classista

  • Nadine Borges: O poder perpendicular das milícias no Rio de Janeiro

    Nadine Borges: O poder perpendicular das milícias no Rio de Janeiro

    Nadine Borges

    Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ

     

    Enfrentar uma discussão sobre o poder da milícia é sempre uma árdua tarefa, pois a existência desses grupos organizados no Rio de Janeiro tem pelo menos 40 anos. Desde a década de 80 as milícias constituem o que comumente é chamado de um poder paralelo, o que não nos parece correto, porque esses grupos de extermínio, esquadrões da morte fazem parte de um crime organizado que ocupa as estruturas do poder público municipal de diferentes formas, ou seja, são parte do Estado e quem é parte não tem poder paralelo, tem poder que pode até ser central. O conceito de paralelismo implica não haver pontos de encontro. Diz-se que uma reta é paralela a outra justamente porque não se encontram, nem no infinito. Portanto, não se deve falar que o poder da milícia é um poder paralelo do Estado porque de alguma forma esse crime organizado profissionalizado se encontra com a estrutura estatal em diversos momentos e perpassa a vida política na cidade do Rio de Janeiro.

    A questão central é que esse encontro perpendicular acontece em um ângulo de 90 graus e cabe a nós identificar em que momentos essas práticas (retas) se encontram. Desde a ditadura militar os esquadrões da morte são conhecidos e reconhecidos na Baixada Fluminense e na Zona Oeste e foram sustentados pelo regime militar, como identificamos nas pesquisas desenvolvidas no âmbito da Comissão Estadual da Verdade do Rio. Muitos ou quase todos dos porta vozes da ditadura militar nessa região alcançaram postos de representação política em cidades da Baixada em uma aliança profissionalizada com o jogo do bicho e algumas escolas de samba, como nos mostra a obra Os Porões da Contravenção, dos jornalistas Aloy Jupiara e Chico Otávio.

    Se analisarmos as informações que constam na Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Mil%C3%ADcia_(criminalidade_no_Brasil)) sobre milícia veremos a cronologia somente a partir de 2007, mas essas ações vem de longa data. A prática de execuções sumárias por grupos privados com o aval do poder público no Rio de Janeiro durante a ditadura militar é algo notório e eis aqui o primeiro quadrante desse poder perpendicular das milícias. Com o fim do regime na década de 90 três locais do Rio de Janeiro apareceram como nascentes desses grupos: Rio das Pedras, Campo Grande ( onde a milícia é conhecida como “Liga da Justiça”) e Duque de Caxias . A ideia de normatizar, regular, fiscalizar o acesso à terra, a venda de lotes, o transporte “clandestino”, o acesso ao gás, a TV à cabo com os famosos “gatos” não é de hoje e há muito está nas mãos da milícia com o aval do poder público.

    Portanto, não se pode afirmar que a milícia tem poder paralelo, já que cada um desses exemplos são encontros dessas técnicas com a estrutura de poder do Estado estampados hoje com a ascensão da ultradireita, que sempre defendeu essas práticas. Os milicianos exercem poder sobre os territórios, combatem os inimigos (não necessariamente o tráfico, prova disso são os narco-milicianos), ajudam os aliados (moradores)  e obviamente cobram taxas pelos serviços prestados à população. O detalhe é que quem não paga, pode morrer. A institucionalização da execução penal extrajudicial, figura inexistente no ordenamento jurídico pátrio, se consolida nessas execuções sumárias sempre endereçadas para os mesmos nas regiões controladas por milicianos: negros e pobres.

    O fenômeno parece não enfrentar obstáculos, pois mesmo com a possibilidade ventilada no  debate anterior de criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de indiciar os autores das graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar, o texto final do relatório da CNV não considerou essa perspectiva e esses algozes seguem anistiados, o que é uma autorização social, política e jurídica da matança pelo próprio Estado em todas as suas esferas de poder, já que ao não responsabilizar torturadores mantém a autonomia do crime organizado dentro ou fora das estruturas do poder público. Podemos comparar o fenômeno das milícias em outros locais do Brasil e até do continente sul americano, mas de fato o que se vê no Brasil e no Rio de Janeiro não nos deve causar estranhamento, já que em outros países os agentes do Estado adeptos da tortura, do desaparecimento e da ocultação de cadáveres foram processados, condenados e presos, menos no Brasil. Aqui as práticas seguem autorizadas, mesmo que tacitamente.

    Com um discurso palatável de enfrentamento ao tráfico, os milicianos ampliaram rapidamente seu poder construindo narrativas e se colocando como guardiões da segurança para não terem seus negócios prejudicados. O lucro sempre dependeu da construção desses inimigos que oscilam conforme o momento. A lógica do “se não é possível vencê-los, junte-se a eles” justifica a figura dos narco-milicianos. Aquele perfil inicial das milícias da década de 90 e dos anos 2000 foi se adaptando para ampliar a conquista de territórios e hoje os símbolos existentes nas portas das casas para dizer quem paga e quem não paga a milícia são marcas deste poder perpendicular. O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro já identificou que aproximadamente 180 localidades na cidade são exploradas pela cobrança ilegal de serviços de segurança com o apoio dos pontos de vendas do tráfico de drogas, as “ bocas de fumo”. A expansão não é apenas na cidade do Rio de Janeiro, mas em todos os municípios da Baixada Fluminense e em cidades próximas, como São Gonçalo, Maricá, dentre outras.

    Outro quadrante deste cruzamento é com representantes no Parlamento e no Poder Executivo, fato que ocorre desde a década de 80, como é o caso de um torturador confesso da ditadura militar entrevistado durante os trabalhos da Comissão da Verdade do Rio. Além de ser um dos mentores e cuidadores da Casa da Morte em Petrópolis, um centro extraoficial de tortura em Petrópolis, que matou e desapareceu com lideranças políticas contrárias ao regime militar durante a ditadura, o torturador foi incorporado ao jogo do bicho após o fim da ditadura em 1985. Paulo Malhães era coronel da reserva e trabalhou no jogo do bicho. Sua atuação na Baixada chefiando a segurança de empresas de ônibus e sua aproximação com o bicheiro “Anísio” é outra prova dessa perpendicularidade de poder. Essa migração da ditadura para o jogo do bicho o levou a ser alguém com poder na Baixada. Não é por acaso e nem algo recente que as narco-milícias possam contar com o apoio dos políticos.

    Como o negócio envolve dinheiro e poder, a prática de alugar bocas de fumo e a autorização de alguns roubos são formas de sustentar economicamente os grupos milicianos que buscam cada vez mais aprimorar seus mecanismos para fortalecer lideranças e ter uma gestão financeira e administrativa desses territórios. Portanto, a ideia de que os milicianos enfrentam o tráfico é facilmente desmontada. A existência de policiais nas folhas de pagamento dos traficantes nas investigações do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro confirma essa hipótese.

    Há que se considerar também o suposto envolvimento do Escritório do Crime (grupo miliciano de Rio das Pedras) na morte da vereadora Marielle Franco, assassinada em Março de 2018, quando estava à frente de investigações sobre a Milícia na cidade e atuando ativamente durante a Intervenção Militar do mesmo período, além das lentas investigações sobre o caso.

    Diante das interseções demonstradas entre milícia, tráfico, poder público e instituições remanescentes da ditadura militar, fica claro que o poder miliciano está longe de ser paralelo, senão que é perpendicular ao Estado. É imprescindível que se investigue minuciosamente as estreitas conexões entre esses grupos a fim de eliminar a possibilidade de que estes criminosos cheguem aos poderes legislativo, executivo e judiciário e, ainda, que corrompam as corporações e instituições de segurança, cujo papel único é proteger a população, ainda que atue de maneira, aí sim, paralela a este propósito.

     

    Referências:

    https://oglobo.globo.com/rio/narcomilicias-traficantes-milicianos-se-unem-em-180-areas-do-rio-segundo-investigacao-24007664

    https://www.plural.jor.br/documentosrevelados/wp-content/uploads/2015/12/cev-rio-relatorio-final.pdf

    http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/587500-as-milicias-crescem-velozmente-por-dentro-do-estado-entrevista-especial-com-jose-claudio-alves

     

  • “Não há democracia enquanto o Estado não responder quem mandou matar Marielle”

    “Não há democracia enquanto o Estado não responder quem mandou matar Marielle”

    A decisão de realizar a manifestação desta sexta, no Rio de Janeiro, foi tomada depois de o Jornal Nacional associar o nome do presidente da República à investigação do homicídio

    “Não há democracia enquanto o Estado brasileiro não responder quem mandou matar Marielle”, disse a arquiteta e ativista Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco (PSOL), covardemente assassinada em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro.

    Mônica divulgou um vídeo em suas redes sociais convocando um ato de protesto para esta sexta (1º de novembro), às 17 hs, na Cinelândia. A manifestação pretende pressionar as autoridades para que apontem os mandantes das mortes da parlamentar e do motorista Anderson Gomes.

    A convocação acontece no momento mais grave da investigação. Na última terça-feira (29/10), o principal telejornal da Rede Globo, o Jornal Nacional, citou o presidente da República, Jair Bolsonaro, na trama que teria culminado na execução da parlamentar.

    Segundo a reportagem, o porteiro do condomínio do presidente, que na época era deputado federal, revelou que o ex-PM Élcio Queiroz, acusado pelos homicídios, se apresentou na guarita dizendo que visitaria Bolsonaro. Élcio se reuniu com outro acusado pela execução, Ronnie Lessa, sargento aposentado da PM, que morava na casa 68, do mesmo condomínio. A reunião se deu horas antes dos assassinatos; e os dois estão presos.

    Como informou o JN, o porteiro revelou no inquérito que “o seu Jair”, da casa 58, havia autorizado, por telefone, a entrada de Élcio. O telejornal noticiou ainda que o então deputado, naquele horário, teve sua presença registrada no plenário da Câmara.

    Em viagem à Arábia Saudita, Bolsonaro gravou uma resposta nervosa, longa, crivada de ataques à Globo, considerada por ele “canalha”. E disse que não haverá “um jeitinho” no processo de renovação da concessão da Rede Globo. No vídeo, o presidente acusou o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de vazar para o JN detalhes da investigação do assassinato de Marielle, que corre em segredo de Justiça. No dia seguinte, o Ministério Público fluminense declarou que o porteiro deu informação falsa ao citar Jair Bolsonaro na investigação do crime.

    Na semana conturbada, o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, cuidou de ampliar a crise com uma ameaça à democracia brasileira. Disse, em entrevista, que “se a esquerda radicalizar”, uma das medidas do governo seria uma espécie de reedição do Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5, um dos piores instrumentos usados pela ditadura militar para violentar não só os seus opositores, mas a nação inteira. Bolsonaro desqualificou a declaração do filho, desautorizando-o a falar no retorno do AI-5. Neste clima, será realizado o ato da Candelária, encabeçado, entre outros militantes, por Mônica Benício, que escreveu em seu Instagram: “…completam-se 597 dias sem resposta. Sem justiça. Sem saber quem mandou matar Marielle. Se você também está do lado da democracia, se você também quer ver um Brasil mais justo, vem pra rua com a gente. Estaremos juntas, juntos e juntes ocupando as ruas por ela e por nós.”

    Em São Paulo, a manifestação está marcada para dia 5, terça-feira, às 18 hs, no vão do Masp, na avenida Paulista. A convocatória carrega as frases: “Ditadura nunca mais”; “Basta de Bolsonaro”, “Justiça por Marielle”.

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  • Mônica Benício quer acesso às investigações do caso Marielle

    Mônica Benício quer acesso às investigações do caso Marielle

    A ativista de direitos humanos, Mônica Benício, companheira da vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro por integrantes de uma milícia da cidade, escreveu à imprensa após  saber que o presidente Jair Bolsonaro foi citado no caso que investiga o crime. Ela questiona o acesso às informações sobre o andamento das investigações do caso e pede por Justiça para Marielle.

    Confira a nota enviada por Mônica Benício na íntegra: 

    “Uma dor que já dura quase 600 dias. As notícias relacionadas à execução de uma vereadora democraticamente eleita, em exercício de seu mandato, sejam elas quais forem, são gravíssimas. Porque a situação é gravíssima! Grave, porque fere o direito à vida. Grave, porque fere a democracia. Grave, porque há mais de um ano e sete meses não tenho a resposta para o que aconteceu.

    A verdade é que a resposta para quem mandou matar Marielle e quais foram as motivações desse crime não trará nem ela, nem Anderson de volta. Mas é preciso falar da dor para além da política, e é desse lugar que vem minha voz ou que ecoa meu silêncio. É preciso dizer que, nos últimos dias, mais uma vez, fui surpreendida por informações muito importantes, de forma dolorosa, por meio da imprensa. Informações cujo acesso me é negado sob a justificativa de que as investigações correm sob segredo de Justiça.

    Desde o início do caso, tenho dedicado minha vida a acompanhar o processo de perto e a cobrar justiça. Solicitei, desde o início, acesso aos processos e inquéritos que apuram os autores, mandantes e a motivação do crime que levou ao assassinato da minha esposa. A mais recente recusa se deu no pedido de informações sobre os autos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça.

    Defendo que o processo ocorra de maneira segura, comprometido com a verdade dos fatos, mas que seja de forma transparente respeito o direto de acesso da família. De um lado sofro com a falta de informação, de outro com a imprensa me perguntando sobre algo que não pude acessar.

    Além de muito doloroso, é inaceitável e inconstitucional que à família seja negado o direito de acompanhar integralmente a apuração deste caso, ao mesmo tempo que a sociedade brasileira e o mundo exigem uma resposta. A recusa de dar o direito a um acompanhamento completo do caso só me gera mais sofrimento.

    Nesse momento, só me cabe dizer que espero que todas as instituições brasileiras responsáveis pela realização da justiça investiguem com profundidade e isenção, o envolvimento de toda e qualquer pessoa que possa ter algum tipo de relação com esse crime hediondo. Os responsáveis devem ser identificados e devidamente responsabilizados pelo que fizeram para que nunca mais algo parecido possa voltar a ocorrer nesse país. Em nome de todo o amor que sinto por Marielle e respeito que tenho à democracia do meu país, a única coisa que espero das autoridades brasileiras é justiça. E essa satisfação o Brasil hoje deve ao mundo que quer saber: Quem mandou matar Marielle e por quê?”

    É preciso falar da dor para além da política

    Mônica Benício, ativista de Direitos Humanos e esposa de Marielle Franco