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  • 25 de novembro: ocupa tudo pela vida das mulheres

    25 de novembro: ocupa tudo pela vida das mulheres

    Por Maria das Neves para os Jornalistas Livres

    Hoje é mais um dia de luta, dia internacional de combate à violência contra as mulheres, 25 de novembro.

    São tempos difíceis, sobretudo para as mulheres. O golpe machista e misógino retira diariamente direitos da classe trabalhadora, em especial das trabalhadoras, como a Reforma Trabalhista e da Previdência.

    E, quando achamos por um segundo que não pode ficar pior, a bancada fundamentalista nos apresenta a PEC 181, tornando um projeto que propunha um direito, ampliando a licença maternidade para mães de bebês prematuros, num projeto que acaba com o  aborto legal [em casos de estupro, risco de morte da mãe e fetos anencéfalos], no Brasil.

    Uma corja de deputados, querem nos obrigar a ter filhos de estupradores, para eles, nossas vidas não importam.

    Portanto, hoje, afirmamos: lutamos pela vida das Mulheres. Mas, não qualquer vida, uma vida sem violência. Sem qualquer forma de violência, física, sexual, psicológica, moral, material.

    O Brasil é o quinto país do mundo no ranking de violência contra as mulheres. Para as mulheres negras a realidade é ainda pior, o índice de violência, contra nós, ampliou-se em 54%.

    O tripé machismo , racismo e capitalismo nos sentencia a salários ainda mais baixos do que os recebidos pela mulheres brancas, a cultura do estupro, e a hipersexualização dos nossos corpos, ao aborto inseguro e clandestino nos levando à morte. Um verdadeiro genocídio das jovens negras.

    Nós mulheres, todas nós, incluindo as mulheres transexuais e travestis, vivemos há séculos numa ditadura, a ditadura do patriarcado, que nos relega ao medo e à culpa.

    Mas, no Brasil e no mundo, resistimos. E negamos o silêncio que nos impõem. Gritamos, nos rebelamos. Estamos em luta, florescendo em novas e consecutivas primaveras feministas.

    Lutamos pela nossa plena emancipação, e pela emancipação de toda humanidade. Todas contra a PEC 181, todas contra o capital e a cultura patriarcal.

    Ocupa tudo pela vida das mulheres. Machismo mata, feminismo liberta!

  • Arte para além das paredes do museu

    Arte para além das paredes do museu

    “Isso significa a palavra emancipação: o embaralhamento da fronteira entre os que agem e os que olham, entre os indivíduos e membros de um corpo coletivo” – Jacques Rancière

     

     

     

    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres

    Nesta terça-feira, 21 de outubro, a Frente Nacional Contra a Censura (FNCC) de Belo Horizonte reuniu as variadas formas de expressão artística para narrar um novo mundo, onde não haja censura, e que a arte e a cultura possam cantar, dançar, performar, pintar e fotografar livremente, bem como os sujeitos, e que estes possam viver em liberdade, sem o medo da intolerância.Tendo como estopim a exposição de Pedro Moraleida, o Palácio das Artes se tornou alvo de um grupo de pessoas que acusavam o local de ser um antro contra os valores tradicionais, a religião e os bons costumes. Este sensível partilhado trazido pela arte incomodou àqueles cujos interesses caminham sentido à uniformização dos corpos, dos modos de vida e das vozes.

    A exposição “Faça Você Mesmo Sua Capela Sistina”, do artista mineiro, que teve seu trabalho exposto ao lado de nomes como Marta Neves, Randolpho Lamonier e Desali, insitou o caos na cidade, por uma efervescência contra manifestações artísticas que já vinha desde o “Queermuseu”, exposição cancelada no Santander Cultural de Porto Alegre (RS), e a performance “La bête” no MAM-SP, em que Wagner Schwartz interagiu nu com uma criança acompanhada por sua mãe.

    Foto: Maxwell Vilela | Jornalistas Livres

    Prodígio da sua geração, o artista que estudou na Escola de Belas Artes da UFMG e cometeu suicídio aos 22 anos deixou um legado de críticas sociais bastante pertinentes nos tempos atuais de desmanche de um projeto popular de governo e retrocesso em direitos fundamentais.

    De natureza transgressora, a arte sempre foi para ser sentida, ela diz mais de quem a interpela e de suas reações do que do próprio artista que a concebeu. A arte traz reflexões acerca do que está diante de nossos olhos, mas insistimos em não ver, e ativa debates, ideologias e desejos antes negados e silenciados. Afinal, qual o papel do artista, se não incomodar e dar luz à visões de mundo que se contrapõem ao status quo?

    Foto: Maxwell Vilela | Jornalistas Livres
    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    Foto: Maxwell Vilela | Jornalistas Livres
    Foto: Agatha Azevedo | Jornalistas Livres
    Foto: Maxwell Vilela | Jornalistas Livres
    Foto: Maxwell Vilela | Jornalistas Livres
  • Decisão da Justiça Federal trava atenção primária de saúde em todo Brasil

    Decisão da Justiça Federal trava atenção primária de saúde em todo Brasil

    Márcio Anastacio para os Jornalistas Livres

    Um juiz da 20ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, suspendeu a solicitação de exames por enfermeiros em todo o Brasil. A ação foi pedida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

    Essa decisão gera impacto imediato na atenção básica em todo o país, visto que os enfermeiros se tornam impedidos, por exemplo, de realizar um simples teste rápido de gravidez ou de diagnóstico de doenças como a sífilis ou o HIV, bem como solicitar exames de rotina pré-natal, para hipertensos e diabéticos.
    O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), nesta sexta-feira (6), emitiu comunicado determinando que os enfermeiros brasileiros não peçam qualquer exame por estarem impedidos judicialmente. O Cofen apresentou um pedido de reconsideração da decisão da Justiça Federal para salvaguardar o atendimento de Enfermagem à população.

    Na prática, a medida expõe a enormes riscos o conjunto da população brasileira.
    A medida, provocada por ação judicial do Conselho Federal de Medicina, é combatida, inclusive, pela Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.

    No Rio de Janeiro, segundo ativistas da Saúde pública da cidade, a atenção primária nesta sexta-feira (6), praticamente parou em alguns postos onde os enfermeiros e enfermeiras garantem o atendimento mesmo com falta de médicos. Isso aconteceu na Casa de Parto de Realengo, na zona oeste do Rio e em outros tantos pontos de atendimento espalhados pelo Brasil.

  • A TOMADA DA CÂMARA EM 48H

    A TOMADA DA CÂMARA EM 48H

    Os movimentos estudantis, sociais e culturais não dormiam enquanto discretamente o governo da cidade de São Paulo preparava a sórdida manobra silenciosa que tem por objetivo a entrega do patrimônio público a bel prazer da classe patronal.

    No começo da tarde de quarta-feira (09), cerca de 60 manifestantes de 17 forças políticas compareceram à sessão da Câmara de vereadores a fim de fiscalizar quais rumos os parlamentares sorrateiramente dariam à 4ª maior metrópole do mundo. E por lá decidiram ficar! Em ocupação pacífica jamais tão bem organizada na história das lutas sociais.

    Por 48 horas de permanência, 9 delas sem a permissão de acesso a água e mantimentos, foi apresentado um novo método de organização. Cada movimento representado ali já não mais defendia suas bandeiras particulares, mas, propunha uma unidade que em coro diz NÃO ao projeto neoliberalista praticado pelo empresário à frente da administração da capital.

    “Entendemos vivenciar um país fruto de um golpe programado por governos que defendem o Estado Mínimo das privatizações. Por isso, não fomos discutir a dança, o teatro, a música ou, a Cultura enquanto pauta individual, mas, fomos discutir a cidade”, diz Alessandro Azevedo, 49, da FUC (Frente Única de Cultura).

    Até quando a participação popular ficará restrita às urnas?

    Se o presidente da Câmara chamou a iniciativa organizada de “camping”, os protestantes mostraram que não estavam ali para falar sobre amenidades.

    Tinham na mira os projetos de Lei 367 (pacotão de concessões à iniciativa privada), 404 (venda de imóveis públicos iguais ou, inferiores a 10 mil m², leia-se: todo e qualquer patrimônio público da cidade), além do fim das restrições ao passe livre estudantil. Pautas de complexidade e consequências cujas proporções jamais poderiam ser negociadas entre Executivo e Legislativo sem a consulta popular devida a um modelo legítimo de democracia.

    “Sempre fizemos críticas em relação à maneira como acontecem as audiências públicas. É claro que o trabalhador comum não poderá comparecer às 14h de uma quarta-feira na Câmara para debater esse projeto político”, explica Nayara Souza, presidente da UEE-SP (União Estadual dos Estudantes). “Por isso, propomos audiências regionais nas subprefeituras para promover um debate maior e mais justo”, complementa.

    A estudante lembra que há mais de um mês os movimentos vêm promovendo atos nas ruas contra os pacotes propostos pelo prefeito, sem sucesso. Mesmo após encontro com o presidente da Câmara, os diálogos não avançaram. “Esgotadas as possibilidades, decidimos que a estratégia seria, então: ocupar”, reitera.

    Para Alessandro, passados 28 anos de ‘retomada’ a democracia no país, a discussão sobre a participação popular é inadiável e urge. “Nos interessa que qualquer governo nos dê a possibilidade de discutir a peça orçamentária como um todo para que os recursos públicos sejam decentralizados, garantindo acesso também às populações periféricas”.

    Unidade organizada

    Ao longo da permanência no Plenário, que já escreveu novo capítulo na história, os protestantes se subdividiram em comissões como método de ação. O grupo da articulação política pensava o conteúdo de divulgação das notas, manifestos e discursos das coletivas de imprensa. Era o interlocutor entre as negociações das reivindicações junto aos parlamentares.

    À comissão de estrutura coube cuidar do aspecto jurídico da ação, dos acordos entre seus advogados, além do suporte operacional para organizar o plano de prospecção de doadores de mantimentos. O grupo também era responsável pela organização e limpeza do Plenário.

    A comissão de comunicação estabeleceu os temas que guiaram as assembleias e debates promovidos ao longo da estadia. Também promoveu saraus, aulas de forró e intervenções culturais diversas.

    A fim de zelar pela integridade física dos manifestantes foi criada a comissão de segurança que pensou nas barricadas, controles de entrada e saída de pessoal, e revezamento da vigilância em turnos já que a possibilidade de reintegração forçada de posse parecia “iminente”. “A GCM (Guarda Civil Metropolitana) se montava e desmontava com cassetetes e escudos visivelmente para nos dar a impressão de que a qualquer momento usariam a força para nos tirar de lá”, conta Keith Cristine Horta, 28, da UBM (União Brasileira de Mulheres).

    Keith, ainda tem as marcas roxas no corpo da quarta-feira, quando uma GCM empurrou cadeiras em sua direção ao serem montadas as barricadas que selaram o anúncio de que os manifestantes permaneceriam na Casa. A militante testemunhou a agressão de um PM contra a vereadora Juliana Cardoso (PT). A parlamentar foi puxada pelo braço e retirada à força ao tentar entrar no plenário. “A ocupação era nossa, e nós deveríamos escolher quem poderia entrar ali”, reitera.

    Dentre as coerções psicológicas vivenciadas estão o corte da água e o impedimento da entrada de alimentos no primeiro dia de ocupação, além do ar condicionado do plenário que teve sua temperatura estupidamente reduzida durante ambas as noites tipicamente frias de agosto. Desprevenidos, cobriram-se com as bandeiras de suas siglas. A maioria não conseguiu dormir.

    Um Juiz de “Esquerdo”?

    Seria perverso falar sobre os êxitos da promoção desse grande ato sem pronunciar o nome do juiz Alberto Alonso Muñoz, que na noite da quinta-feira, negou o pedido de reintegração de posse protocolado pelo presidente da Casa, e concedeu 5 dias para que os manifestantes a desocupassem pacificamente, caso não houvessem avanços nas negociações.

    A determinação ainda previa que no caso de reintegração, não seria permitido o uso de armas letais ou, não, dentre outras formas de emprego da violência.

    Vale lembrar que Muñoz foi o responsável pelo impedimento do aumento salarial dos vereadores sugerido pelos mesmos no começo deste ano.

    Cleiton Coutinho, advogado à frente das reivindicações do movimento, comemorou a sentença impetrada pela Justiça. “Foi um dia de muita alegria para a advocacia! O juiz da 13ª Vara reconheceu que aqueles estudantes e manifestantes não são bandidos. São da Frente Única de Cultura, trabalhadores, organizações sociais, são essas as pessoas que protagonizaram essa grande ação. Cidadãos que exaltam cada vez mais a democracia”, assinala. “Quando a determinação do juiz nos protegeu impedindo o uso da força policial e nos permitiu deixar o local em cinco dias ao entendermos ser pertinente, a Justiça legitimou o movimento”.

    A desocupação e a conquista

    Por volta das 14h da sexta-feira, os manifestantes decidiram desocupar o Plenário. Saída que se deu pela porta da frente. “Uma ocupação tem por objetivo impedir o funcionamento normal das atividades cotidianas a fim de chamar a atenção para uma causa maior. Entendendo que a Câmara hoje é capitaneada por uma classe política irredutível ao diálogo com os cidadãos, optamos por continuar com nossas reivindicações nas ruas. Até porque o Parlamento estaria esvaziado no final de semana, e as atividades parlamentares ocorrem mais intensamente de terça à quinta-feira”, esclarece Alessandro.

    O advogado das frentes ressalta que o movimento deixou o Plenário com uma conquista inédita. “Teremos fala na reunião do colégio de líderes do parlamento por cinco minutos, fato excepcional no regimento da Casa que assegura a não criminalização da luta”, finaliza.

    Os movimentos sociais, educacionais e culturais representados ali por 60 pessoas, negociaram nova audiência pública antes da segunda votação para discutir um substitutivo ao Projeto de Lei 367 que, na tradução, visa rifar a cidade de São Paulo. “Conseguimos ganhar mais tempo e mostrar para a sociedade que, na grande maioria não tem conhecimento sobre as pautas em tramitação que decidirão os rumos de nossas próprias vidas. Temos mais tempo para fazer paralisações, mostrar o que está acontecendo e, inclusive, mobilizar mais pessoas para a audiência”, diz Nayara, que complementa. “Avaliamos que ainda é muito pouco, mas, dentro do contexto político conservador e neoliberalista praticado pelo atual prefeito, consideramos uma vitória importante”.

    A audiência pública acontecerá nesta terça-feira (15) e a presença em peso da população é imprescindível! As frentes que encabeçaram a ocupação (listadas abaixo) convocam a todos para somar nesta luta e deixam um recado à atual administração: “Resistência nos define. Não vamos descansar”!

    Confira a íntegra da Carta dos Estudantes publicada após a decisão pelo fim da ocupação no link:

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/581364148654133?pnref=story

    Por Nayara de Deus com fotos de Thallita Oshiro especial para os Jornalistas Livres

    UNE – União Nacional dos Estudantes

    UPES – União Paulista dos Estudantes Secundaristas

    UEE SP – União Estadual dos Estudantes

    FENET – Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico

    UJR – União da Juventude Rebelião

    RUA – Juventude Anticapitalista

    UJS – União da Juventude Socialista

    Juntos – Movimento Nacional de Juventude

    JPT – Juventude Petista

    Levante Popular da Juventude

    Juventude Revolução

    UBM – União Brasileira de Mulheres

    FUC – Frente Única de Cultura

    UP – Unidade Popular pelo Socialismo

    SINDSEP – Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo

    Frente Brasil Popular

    Frente Povo Sem Medo

  • Atemporal: Os 10 pontos dos Panteras Negras ontem e hoje

    Atemporal: Os 10 pontos dos Panteras Negras ontem e hoje

    Reflexões sobre a luta antirracista nos EUA e no Brasil sob os olhos que quem vive o racismo na pele e se inspirou pela exposição “Todo poder ao povo! Emory Douglas e os Panteras Negras”

     

    1. Queremos liberdade. Queremos o poder para determinar o destino de nossa Comunidade Negra.
    2. Queremos emprego para nosso povo.
    3. Precisamos acabar com a exploração do homem branco na Comunidade Negra.
    4. Nós queremos moradia, queremos um teto que seja adequado para abrigar seres humanos.
    5. Nós queremos uma educação para nosso povo que exponha a verdadeira natureza da decadente sociedade Americana. Queremos uma educação que nos mostre a verdadeira história e a nossa importância e papel na atual sociedade americana.
    6. Nós queremos que todos os homens negros sejam isentos do serviço militar.
    7. Nós queremos o fim imediato da brutalidade policial e assassinato do povo preto.
    8. Nós queremos a liberdade para todos os homens pretos mantidos em prisões e cadeias federais, estaduais e municipais.
    9. Nós queremos que todas as pessoas pretas quando trazidos a julgamento sejam julgadas na corte por um júri de pares do seu grupo ou por pessoas de suas comunidades pretas, como definido pela Constituição dos Estados Unidos.
    10. Nós queremos terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz. E como nosso objetivo político principal, um plebiscito supervisionado pelas Nações-Unidas a ser realizado em toda a colônia preta no qual só serão permitidos aos pretos, vítimas do projeto colonial, participar, com a finalidade de determinar a vontade do povo preto a respeito de seu destino nacional.

    Falar sobre os Panteras Negras não se trata de fazer um pequeno resumo escolar com palavras amontoadas tentando explicar o que aconteceu. Trata-se, isso sim, de trazer de volta a consciência comunitária do povo negro que nunca morreu, o desejo de justiça e a indignação com o que fizeram e ainda fazem conosco. Tratar desse partido hoje, décadas depois, não é como ir ao zoológico, tirar fotos dos animais, fazer uma pequena pesquisa na internet. Trata-se principalmente de acordar cada Pantera dentro de cada irmã e irmão de cor, abrir as jaulas, reacender o instinto de união, comunidade e esperança, tendo apenas uma presa em comum: o racismo.

    Na década de 60, nos Estados Unidos, policiais perseguiram, agrediram, criminalizaram, prenderam arbitrariamente a população negra. O número de pessoas dentro da prisão era cada vez maior, a miséria assolava vários estados do Sul do país, e os resquícios da escravidão acarretavam o aprofundamento das desigualdades sociais. Foi dentro dessa realidade que Bobby Seale e Huey P. Newton nasceram. Os dois vieram de famílias pobres dos estados do Sul, tentando ganhar a vida. Conheceram-se em Oakland, Califórnia, quando estudavam no Merritt College. Lá, começaram a participar de movimentos estudantis por igualdade racial, raiz principal do Partido dos Panteras Negras, que foi criado justamente para autodefesa da população negra, contra a injusta repressão da polícia.

    Eles organizaram pequenas patrulhas comunitárias compostas por negros, que se vestiam de preto, jaquetas de couro, óculos de sol – essa se tornou a “identidade visual” do grupo –, sempre andando armados, com as armas à mostra. As patrulhas impunham respeito diante da polícia autoritária e vigiavam sua ação dentro dos bairros, explicitando o sentido de comunidade a que pertencia qualquer negro revistado pela polícia. Eles formularam o Programa dos Dez Pontos, que articula e define as perspectivas dos Panteras Negras.

    Do gênero felino, esses animais não foram feitos pra ficarem enjaulados. Uma pantera sabe se cuidar e cuidar do seu povo. Esse é, basicamente, o ponto número um dos Panteras Negras. O governo racista daquela época não era capaz de garantir o direito do povo negro, seja de Oakland, seja de qualquer outra cidade onde os negros viviam. Mais de 50% da população do Alabama vivia abaixo da linha da pobreza. A articulação dos Panteras Negras era urgente.

    A questão da pobreza nos leva ao ponto dois: A necessidade de emprego para a população – talvez esta idéia seja também atual para o povo brasileiro e a nossa realidade. Nascer numa sociedade de configuração capitalista exige que a população trabalhe para se sustentar, garantir as necessidades próprias e das famílias e os direitos básicos, cada vez mais retirados. A maioria das empresas dos Estados Unidos daquela época possuía uma postura racista institucional – traço ainda presente, mesmo que mascarado, em empresas do Brasil – seja ela explícita quando um negro nem chega a ser contratado; ou quando nosso tratamento dentro das firmas é diferenciado do tratamento de pessoas brancas, o que também é refletido no nosso salário mais baixo e na falta de dinheiro para ter alimento sobre a mesa.

    Recentemente, mais um negro foi constrangido ao tentar entrar em um shopping na região nobre de São Paulo. A comunidade negra já está farta de ver tal cena. Nos Estados Unidos dos anos 60, um negro nem poderia se sentar no mesmo banco de ônibus do branco, e dividir espaços, seja na escola, no hospital ou até mesmo na rua. A comunidade branca explorou exponencialmente o trabalho provindo das mãos negras, tanto para criar a ferrovia que corta de Leste a Oeste os Estados Unidos, quanto para construir os grandes shoppings da cidade de São Paulo em seus bairros nobres. Ainda hoje, nossa cor nos deslegitima a estar dentro desses ambientes que foram construídos por nossas mãos. Não à toa, o terceiro ponto reforça que queriam (e queremos!): que o homem branco e a classe burguesa parem de explorar a comunidade pobre e negra apenas para construir seus prazeres.

    Morro do Alemão, Capão Redondo, Belágua no Maranhão e tantos outros lugares no Brasil onde a população pobre, em maioria negra de linhagem afrobrasileira, se esforça para tentar sobreviver sobre os duros custos de vida. Por sermos descendentes de escravos, temos que multiplicar nossas forças (quando temos), para tentar ter um conforto de vida e uma casa (sonho ainda de muitos brasileiros). Dificuldade essa que a burguesia, e a classe média oriunda da Casa Grande nunca precisou passar e enfrentar, pois sempre terá aquela velha herança guardada na família. Quando falamos de racismo estrutural, falamos dessas estruturas que vêm sendo consolidadas há anos, cujas conseqüências ainda são enfrentadas pela população negra. A possibilidade da família negra de ter uma casa, um lar pra morar, é o tema do quarto ponto do programa.

    Aos poucos, é possível ver que o sentido da palavra “educação” ganha novos moldes com o tempo. O que deveria ser entusiasmo pelo saber, na prática, torna-se prisão de horas, onde os alunos não querem permanecer. Quando dizem que eles estão sendo “educados”, muitos se sentem adestrados, simplesmente para fazer provas que serão capazes de “salvar as suas vidas”. Os problemas dentro da educação brasileira são mais que reais: são visíveis. Um deles, em específico, vai ao encontro do problema da educação na sociedade norte-americana: a invisibilidade do povo negro dentro dos livros didáticos e nos currículos escolares.

    Se por vezes somos representados, nossa história é sempre curta e com o mesmo roteiro: Escravidão, escravidão e escravidão. Não sabemos de nossas origens, quem veio antes de nós, nossas contribuições para a sociedade. Não sabemos quem foram nossos escritores, músicos, artistas, poetas. Não sabemos quem são as mulheres negras dentro da nossa cultura, e os papéis que elas exercem na nossa sociedade. As leis federais 10.639/03 e 11.645/08 vieram para mudar essa história nas escolas, mas sua aplicação ainda é insuficiente. Querer uma verdadeira educação e não poder obtê-la por ser encoberta por livros de histórias que apenas representam a população branca e européia, só confirma a necessidade do quinto ponto dos Panteras Negras.

    Os pontos seis, sete, e oito do partido conversam entre si. Nos 16 anos de vida dos Panteras, um dos assuntos que sempre esteve presente foi a guerra do Vietnã, onde os Estados Unidos intervieram brutalmente, sem o consentimento de boa parte da população americana – essa parte inclui os Panteras Negras, que foram até o Vietnã dar um aperto de mão na população que ali sofria, em um gesto de solidariedade. Os Panteras Negras haviam percebido que o mesmo Estado que assassinava a população negra nas ruas também enviava seus jovens para morrer na guerra. O mesmo negro que antes era cercado pela violência policial agora era obrigado a “defender seu país”. O mesmo país que nunca os defendeu. Os Panteras exigiram a isenção do serviço militar e lutaram por meio das patrulhas para que a violência policial acabasse. A violência é a mesma que se vê presente em vários atos e manifestações ainda hoje, aqui, quando os secundaristas saem exigindo uma educação melhor, quando a população exige um presidente legítimo, eleito pelo voto democrático, ou quando Rafael Braga é preso pelo esdrúxulo motivo de portar de Pinho Sol, pois, para a polícia, sua cor de pele fala mais do que suas atitudes.

    O Brasil possui suas prisões em carga máxima e tem a quarta maior população carcerária do mundo. Muitas dessas prisões, seja aqui, seja nos EUA, são provocadas pela polícia racista: jogam o pó branco básico dentro da bolsa e enquadram mais um negro…

    A realidade de um negro é somente do negro, e somente outro negro pode entender. Mas estamos cheios de acadêmicos e estudiosos brancos que, por serem tão supridos de inteligência, pensam ser capazes de entender exatamente o que acontece com a comunidade negra.

    Uma das maiores dificuldades que temos na luta contra o racismo é esta: brancos que acham que entendem a nossa vida. Querem protagonizar ou se provar mais entendidos do que acontece conosco. Não serão capazes. Só quem está em nossa pele sabe o que é estar aqui. Todo apoio é bem-vindo, mas somos nós, negros, quem sabemos os limites entre apoiar e atrapalhar.

    A experiência dos Panteras Negras pode nos dar aporte histórico para pensar sobre essa questão. Não havia um interesse de entender o que acontecia com a população negra. Por isso, os Panteras reivindicavam a presença de negros no sistema judiciário. Queriam uma justiça que se preocupasse também com os filhos negros de 14 anos na rua voltando muito tarde pra casa, queriam uma justiça que entendesse que não é confiável uma polícia que dá enquadros em jovens negros e enfia o pacotinho branco dentro de suas mochilas.

    Querer terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz, minimamente deveria ser lei, regra, e um dever do governo. Esses desejos não alcançados fazem parte do décimo ponto dos Panteras Negras e das reivindicações de comunidades africanas, indígenas e tantas outras comunidades pobres, esquecidas. Os exemplos da realidade nos mostram que essas necessidades ainda são muito atuais.

    As manifestações que acontecem ao redor do mundo de populações fartas de governos que não as ajudam, e que, sob o nome da “democracia”, escondem do povo seus verdadeiros interesses, provam que a luta dos Panteras Negras é necessária e atual como antes.

    Você quer saber mais sobre os Panteras Negras? Tem uma exposição maravilhosa sobre eles no Sesc Pinheiros, em São Paulo, até o dia 2 de julho. Todas as terças, quartas, quintas, sextas e sábados, das 10h30 às 21h30. Rua Paes Leme, 195, Pinheiros SAO PAULO | CEP: 05424-150

     

  • “Porque no Carnaval eles não fizeram greve?”

    “Porque no Carnaval eles não fizeram greve?”

    Manhã de quarta-feira, Belo Horizonte, 09h44, e o rosto trabalhador que diz essa frase ao vento, sem destinatário, mas de certo modo endereçada à mim, já está na metade de sua jornada. Tanto hoje como no carnaval, ele teve que madrugar para servir de cobrador no trajeto que vai do bairro Xangrilá à estação Pampulha. Dormiu pouco, mas menos do que muitos outros cujas linhas iniciam mais cedo, essa tem seu primeiro horário pouco antes das 06h da manhã.

    No carnaval, nosso sujeito passível de análise também despertou no mesmo horário, e enquanto todos iam para as festas, ele nos arrancava os R$2,85 como quem tira doce de criança. Prazer sórdido? Não, falta de diálogo. Agora, este mesmo sujeito, que está na base de nossa sociedade trabalhadora, serve aos interesses de quem quer que ele se aposente mais tarde, e tenha apenas seis meses de expectativa de vida após pendurar o uniforme.

    Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

    “Se a gente não lutar, a aposentadoria vai acabar!”

    Essa é a frase mais falada do ato que começou na Praça da Estação e foi até a Praça da Assembleia em Belo Horizonte. Porém, o trocador não grita, nem ele e nem muitos outros trabalhadores. Nos quatro cantos do país, os movimentos sociais, estudantes, professores, sindicatos e trabalhadores a repetem como um mantra que escancara uma verdade: a de que o governo Temer não terá piedade nem de nós, que protestamos, quiçá dos trabalhadores que estão na base da sociedade.

    Nosso carnaval, símbolo deste povo que resiste, do corpo que performa desejo negado, foi a maior demonstração de que a política se faz nas ruas, com a ocupação do espaço público. Como diz Cristal Lopes, musa do carnabelô: “a política tem que aprender muito com o carnaval”.

    Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres

    Fomos de Fora Temer em Fora Temer, negando o assédio estrutural que insiste em violar os corpos das nossas mulheres, dizendo sim ao funk e à voz da periferia, fazendo poética e festa com nossas próprias mãos e provando o que já foi dito pelo companheiro carnavalesco José Guilherme: “nosso carnaval foi conquistado.”

    Dentre os reajustes propostos para a previdência, está o caso do nosso amigo de todos os dias, o trocador. Hoje, 4 milhões de idosos de baixa renda, com mais de 65 anos, recebem um salário mínimo. Se a reforma passar a idade mínima será de 70 anos. Nós, mulheres, que trabalhávamos até 55 anos, iremos até os 65, junto com os homens, que iam somente até os 60. Isso sem contar os 25 anos obrigatórios de contribuição, um aumento de 10 anos da exploração de nossos corpos trabalhadores, que não tem nem o direito de festejar o carnaval.

    Diante desse cenário, me vem à cabeça a palavra de ordem dos nossos companheiros argentinos, que traduzida, fica mais ou menos assim:

    “Vamos à luta companheiros, vamos em frente, que isso nos pede toda gente.”

    Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres